Introdução
Brasil, China e Índia têm sido reconhecidos internacionalmente como potências científicas emergentes (HILL, 2007; KING, 2009; WILSDON, 2011). De fato, o país tem aumentado sua capacidade de formação de recursos humanos qualificados, bem como sua produção científica ao longo dos últimos trinta-quarenta anos.
Entre 2007 e 2011, o Brasil contribuiu com 2,59% (147.503 artigos científicos) do total mundial, número que coloca o país na 13ª posição do ranking global (LETA; THIJS; GLÄNZEL, 2013). Aproximadamente 43% desses artigos são das áreas de ciências e engenharias (NATIONAL..., 2014).
No entanto, esse crescimento expressivo não tem sido acompanhado por um aumento correspondente no impacto intelectual, social e econômico da ciência brasileira, o que é visto com preocupação num país que almeja integrar a economia global do conhecimento. Discussões recentes a respeito das causas e possíveis soluções para tal disparidade incorporaram a noção de internacionalização da ciência. Referências à mobilidade de estudantes, cooperação e visibilidade internacional tornaram-se recorrentes no discurso de líderes da política científica no Brasil.
De fato, a presidente Dilma Rousseff afirmou, em abril de 2011, que o governo federal pretendia conceder 75 mil bolsas de estudos no exterior até 2014 – número que poderia atingir 101 mil com financiamento privado adicional. A presidente alegou na ocasião que o Brasil precisava de trabalhadores qualificados para assegurar o próximo ciclo de desenvolvimento como justificativa para o vultoso aporte prestes a ser empenhado. Poucos meses depois, em 26 de julho de 2011, durante encontro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Dilma lançou o programa Ciência sem Fronteiras (CsF), que explica os critérios em que estaria baseada a alocação daquelas bolsas, bem como sua natureza, objetivos, metas e recursos a serem aplicados. Foi caracterizado como um programa voltado à “promoção, expansão e internacionalização da ciência, tecnologia, inovação e competividade, por meio do intercâmbio de estudantes de graduação e pós-graduação e da mobilidade internacional”2. Portanto, tratava-se de um ambicioso programa de internacionalização da pesquisa e desenvolvimento (P&D) brasileira, tendo como mecanismo central a mobilidade de estudantes, docentes e profissionais de nível superior para treinamento avançado no exterior3.
Por outro lado, especialistas alertavam que um diagnóstico de como a internacionalização era implementada pelas instituições de ensino superior (IESs) no país ainda estava para ser feito e que seria um insumo necessário para a elaboração de um plano nacional que articularia iniciativas isoladas numa estratégia sistêmica (COMISSÃO..., 2013).
Realmente, dados nacionais e institucionais existentes no país são incompletos e focados na mobilidade de bolsistas das principais agências de fomento à pesquisa para o exterior. Para proporcionar um melhor entendimento do deslocamento de pessoas qualificadas em ambos os sentidos (do/para o Brasil) e conhecer a real dimensão dos processos de mobilidade internacional em curso no país, alguns autores têm recomendado a implementação de consultas ou censos sistemáticos junto às IESs (MARIN; BRASIL, 2004; RAMOS; VELHO, 2011).
Este estudo busca fornecer evidências empíricas nesse sentido, oferecendo um panorama da internacionalização segundo visão e prática dos programas de pós-graduação brasileiros reconhecidos como excelentes – daqui em diante referidos como PPGEs4. Este artigo está organizado em três seções, além desta Introdução e das Considerações finais. A seção 1 detalha o referencial analítico utilizado. Tece-se uma descrição sucinta das transformações sistêmicas pelas quais vêm passando o ensino superior e a pesquisa globalmente, que levaram à emergência da noção de internacionalização, de modelos e mecanismos para concretizá-la. Na seção 2, descrevem-se o desenho e os métodos de pesquisa, que seguem três pressupostos: (1) trata-se de investigação exploratória; (2) assume-se, de acordo com DE WIT (2013, p. 13, tradução livre), que “os significados, lógicas, estratégias e abordagens [de internacionalização] estão constantemente mudando”; e (3) tais aspectos variam entre as partes interessadas. Os principais resultados derivados de levantamento primário junto a coordenadores de pós-graduação são comentados na seção 3. Discute-se como os PPGEs brasileiros interpretam a dimensão internacional do ensino superior e da pesquisa, como e com quem eles a implementam e que fatores percebem como facilitadores e inibidores da realização de seus objetivos de internacionalização.
Referencial analítico
Na vigência do regime da economia global do conhecimento, os países são instados a melhorar o desempenho dos estudantes em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) e a aumentar o acesso à educação superior. É recorrente a defesa de mais investimentos em P&D de ponta, maior desenvolvimento de habilidades empreendedoras e negociais entre os alunos, mais interação entre instituições de ciência e tecnologia (ICT) e empresas, maior fluxo de conhecimentos entre diferentes atores do sistema nacional de inovação, mais incentivos à colaboração internacional entre grupos de pesquisa.
O ensino superior ganhou relevância na agenda pública nos diversos níveis de governo e de coordenação global. As universidades, uma categoria em especial – as universidades de pesquisa – tornaram-se centrais, pois são responsáveis pela produção de capital humano e pela geração de ideias complexas que alimentam a inovação (BRENNAN; KING; LEBEAU, 2004). Novos atores e demandas entraram no setor e introduziram nele um novo regime de competição global. Nas palavras do Conselho de Pesquisa dos Estados Unidos: “agora, outras nações reconhecem a importância das universidades de pesquisa de classe mundial e estão rapidamente fortalecendo suas instituições para competir pelos melhores estudantes internacionais e por docentes, recursos e reputação” (NATIONAL..., 2012, p. 4, tradução livre).
Como suporte a essa lógica, uma diversidade de mecanismos de quase-mercado para codificar, mensurar e representar a escala, status e organização espacial dos produtos e resultados da geração de conhecimentos são empregados. Produtos e serviços do conhecimento, cujos exemplos mais disseminados são os indicadores bibliométricos e os rankings universitários, são disponibilizados e comercializados globalmente com a alegada função de promover mais competição, eficiência e excelência (MARGINSON, 2007; OLDS; ROBERTSON, 2014).
A lógica e as ferramentas da comparação competitiva estão desencadeando importantes decisões entre os governos, IESs e famílias. Governos têm implementado políticas seletivas de imigração e fomento, buscando galgar posições mais elevadas para seus países e suas IESs nos rankings globais. IESs estão reformulando suas prioridades, colocando mais ênfase na pesquisa, reformando os currículos, atraindo estudantes estrangeiros e integrando programas internacionais de harmonização do ensino superior. Elas também estão fazendo escolhas estratégicas quanto a políticas institucionais, parceiros e indicadores para moldar seu perfil e reputação internacional. Famílias estão orientando seus filhos em idade universitária a candidatarem-se a instituições bem posicionadas em rankings universitários, nacionais ou globais, de acordo com as suas possibilidades culturais e financeiras (HAZELKORN, 2008).
Essas decisões ilustram o crescente engajamento de países, instituições e cidadãos no “processo de incorporação de uma dimensão internacional, intercultural ou global nos propósitos, funções ou oferta de ensino pós-secundário” (KNIGHT, 2008, p. 21, tradução livre) ou, como se tornou amplamente conhecida, na internacionalização do ensino superior.
A internacionalização pode assumir variados significados e modos de operacionalização nos diferentes sistemas de ensino superior mundo afora, na medida em que eles enfrentam diferentes desafios, participam de diferentes contextos sócio-político-econômicos e dispõem de diferentes capacidades institucionais e sistemas administrativos. Ainda assim, algumas práticas são comuns.
A mobilidade internacional de estudantes é a estratégia de internacionalização mais disseminada entre as IESs no mundo, que têm aplicado cada vez mais recursos financeiros em programas de estudos no exterior e recrutamento de estudantes internacionais. Essas estratégias centradas no estudante respondem à ideia amplamente aceita de que estudantes bem-sucedidos devem ter “a habilidade de pensar crítica e criativamente para resolver problemas complexos, assim como demonstrar disposição e habilidades para interagir globalmente” (THE U. S..., 2012, p. 2, tradução livre).
Entretanto, programas de mobilidade internacional de estudantes de larga escala, tais como o Programa Erasmus na Europa, mostram que esse tipo de estratégia alcança uma parcela muito pequena da população estudantil (DE WIT, 2013). Estratégias coadjuvantes seriam necessárias para que seu impacto fosse mais amplo e significativo. Nesse sentido, muitos países têm redirecionado ou reforçado estratégias existentes ou introduzido novas estratégias, tais como a internacionalização de currículos e de profissionais de apoio ao ensino e à pesquisa, a introdução de padrões internacionais de qualidade no ensino e no uso de tecnologias de informação e comunicação, o fortalecimento dos laços entre a pesquisa internacional e o ensino, o estabelecimento de consórcios internacionais de ensino e pesquisa etc. (WENDE, 2001).
Uma mudança do deslocamento de estudantes para o deslocamento de programas e instituições de ensino também têm sido observada (DE WIT, 2013). Embora as dificuldades sejam grandes, as IESs também têm buscado ativamente a formalização de parcerias, os programas de duplo ou codiploma, a abertura de campus no exterior. Essas formas de internacionalização permitem às instituições desenvolver um perfil e marca internacional, além de estabelecer uma base de operações conveniente para programas de estudos e atividades de pesquisa internacionais para os estudantes, pesquisadores e docentes da matriz, bem como para o estabelecimento de acordos de cooperação com instituições estrangeiras (RUMBLEY; ALTBACH; REISBERG, 2012).
Em diversos países, gestores públicos e líderes do setor têm defendido a necessidade de “tomar medidas para assegurar que a internacionalização permeie o currículo e que todos os estudantes sejam expostos a perspectivas internacionais na sala de aula e por meio de atividades cocurriculares” (AMERICAN..., 2012, p. 24, tradução livre), promovendo a emergência de estratégias de internacionalização em casa. Elas incluem também mudanças no processo de contratação de docentes, no qual mais instituições têm dado preferência a candidatos com formação, experiência ou interesses de pesquisa internacionais.
Nas seções seguintes, caracteriza-se como essas tendências globais têm influenciado os esforços de internacionalização dos programas de pós-graduação brasileiros reconhecidos como excelentes.
Desenho e métodos de pesquisa
Unidade de análise
Ao redor do globo, a pós-graduação desempenha um papel fundamental na internacionalização do ensino superior e da pesquisa (DE WIT, 2013; LAUS; MOROSINI, 2005; MIURA et al., 2008). Isto também é verdade no Brasil, onde a pós-graduação é oferecida por programas compostos por dois níveis de formação, mestrado e doutorado, o primeiro geralmente sendo exigido dos candidatos para o último (BALBACHEVSKY, 2005). Na maioria dos casos, os programas de pós-graduação são implantados em departamentos dentro de instituições de ensino superior. O modelo dominante de formação exige a realização de certo número de disciplinas especializadas, qualificação e defesa pública de uma dissertação, no caso do mestrado, ou uma tese, no caso do doutorado.
Há cerca de 380 instituições de ensino superior no Brasil habilitadas a oferecer cursos de pós-graduação; elas abrigam 3.500 programas. Juntos, eles concedem aproximadamente 45 mil títulos de mestre e 15 mil de doutor anualmente (COORDENAÇÃO..., 2015a; 2015b).
A qualidade dos programas de pós-graduação no país é controlada pela agência federal Capes através de avaliações trienais e monitoramento anual. Uma das dimensões avaliadas nesses processos, que diferencia os programas de pós-graduação excelentes (PPGEs, com conceitos seis e sete) dos muito bons (conceito cinco), é precisamente o seu desempenho e perfil de nível internacional. De acordo com os resultados obtidos na Avaliação Trienal 2010, os programas de pós-graduação brasileiros estão distribuídos conforme mostrado na Figura 1.
Os PPGEs são menos de 12% de todos os programas de pós-graduação avaliados no país, e eles estão concentrados em seis grandes áreas do conhecimento: ciências da saúde, ciências exatas e da terra, ciências biológicas, ciências humanas, engenharias e ciências agrárias. em termos territoriais, as regiões Sudeste (nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e Sul (no estado do Rio Grande do Sul) concentram cerca de 60% de todos os programas de pós-graduação e 90% dos PPGEs5.
Coleta de dados
Elaborou-se um questionário específico para coletar dados junto aos PPGEs brasileiros. Ele contém catorze perguntas divididas em quatro seções: (a) identificação do programa; (b) concepção e justificativas para a internacionalização; (c) estratégias, iniciativas e parceiros para a internacionalização; e (d) fatores que facilitam e inibem a implementação de estratégias e ações de internacionalização. As perguntas são em sua maioria estruturadas, mas a cada uma está associado um campo de texto opcional onde os entrevistados podem adicionar informações extras e comentários que julgarem relevantes (para mais detalhes, ver informações suplementares).
O questionário foi gerado em formato eletrônico e distribuído via web para coordenadores de pós-graduação de todos os programas cujo conceito final na Avaliação Trienal 2010 foi seis ou sete (322 no total). O questionário esteve aberto para respostas de 10 a 28 de junho de 2013. As informações fornecidas pelos respondentes mais os dados disponíveis nos relatórios de avaliação de cada PPGE foram tabulados usando um software de gerenciamento de banco de dados (MS Access 2013). O processamento e a visualização dos dados foram realizados usando vários métodos (matrizes de coocorrência; algoritmos de análise temporal, geoespacial, de tópicos e de rede) e softwares (MS Excel, SAP Lumira, Tableau Public e Sci2Tool).
Após validação dos questionários, a taxa de resposta foi de 20,5% (66 de 322). A Figura 2 mostra a distribuição de PPGEs respondentes por grandes áreas do conhecimento, estado e instituição de ensino superior.
Fonte: Pesquisa junto aos PPGEs brasileiros, junho de 2013.
Notas: 1. UFs na Região Sudeste incluem: São Paulo (SP), Minas Gerais (MG), Rio de Janeiro (RJ) e Espírito Santo (ES).
2. Exceto as PUCs (sistema das Pontifícias Universidades Católicas), todas as demais IESs são universidades públicas.
3. Ver Tabela 2S.
É interessante notar que o PPGEs em ciências da saúde e em ciências exatas e da terra predominam entre os respondentes, o que pode influenciar os resultados discutidos adiante. Também relevante é apontar a ausência de PPGEs em agronomia entre os respondentes. Este campo contém catorze PPGEs na Avaliação Trienal 2010, mas nenhum deles respondeu ao questionário.
Os PPGEs, assim como o conjunto de todos os PPGs brasileiros reconhecidos, estão extremamente concentrados em universidades públicas da Região Sudeste do país, particularmente no estado de São Paulo (Figuras 1b e 2b). Tal concentração tem raízes históricas e só recentemente começou a mudar com a expansão do ensino superior para o interior.
Quanto ao perfil dos entrevistados, 29 coordenadores de pós-graduação estão envolvidos no processo de avaliação por mais de seis anos; dezessete entre três e seis anos; treze entre um e três anos; e sete há menos de um ano. A maioria deles, portanto, corresponde ao perfil adequado para fornecer informações sobre o engajamento internacional de PPGEs brasileiros. Em seguida, os aspectos de tal dimensão da pós-graduação são detalhados e discutidos.
Resultados e discussão
Lógica: o que significa internacionalização e por que ela é importante?
Para responder à questão da pesquisa sobre como os PPGEs brasileiros concebem a internacionalização, os coordenadores foram convidados a listar livremente palavras-chave pertinentes, que em seguida foram classificadas em catorze categorias. Uma matriz de coocorrência foi criada para detectar as categorias mais frequentes e a ocorrência simultânea entre pares de categorias (Figura 3).
A rede de coocorrência de categorias mostra que múltiplos elementos integram a noção de internacionalização para os PPGEs, desde mecanismos ou estratégias (mobilidade internacional, cooperação científica internacional, redes internacionais de colaboração, internacionalização do currículo, engajamento internacional em política e governança científica)6, produtos acadêmicos (publicações internacionais7, coautorias internacionais, apresentação de trabalhos em conferências e reuniões científicas internacionais), fatores de capacitação (suporte institucional, organizacional e administrativo para atividades internacionais) e acesso a recursos (uso ou compartilhamento de infraestrutura de pesquisa de ponta, financiamento internacional) a resultados desejáveis (desenvolvimento de competências globais, acumulação de capital científico8).
Usando palavras-chave, tais como: mobilidade internacional de estudantes, pesquisadores e professores, circulação internacional de estudantes e pesquisadores, intercâmbio acadêmico, cientistas visitantes, doutorado sanduíche e pós-doutorado no exterior, os PPGEs expressam sua noção de internacionalização como mobilidade internacional.
Mobilidade internacional é citada com mais frequência pelos programas em ciências exatas e da terra (60,0%), ciências biológicas e ciências multidisciplinares (50,0% cada). Tradicionalmente, a mobilidade estudantil, especialmente mobilidade para o exterior, é a forma principal de internacionalização da ciência brasileira. A implementação do CsF tem reforçado esse padrão, e devido à sua grande escala e implicações políticas tornou-se um fenômeno de mídia. Por conseguinte, a percepção dos respondentes sobre o significado de internacionalização pode refletir a ênfase que a mobilidade acadêmica internacional está recebendo no país recentemente.
Redes internacionais de colaboração em pesquisa − expressa através de palavras-chave como: colaboração internacional entre grupos de pesquisa, pesquisa conjunta, estudos multicêntricos em projetos internacionais, interação intelectual, redes acadêmicas internacionais – consistem na segunda categoria mais mencionada pelos respondentes e são relativamente mais importantes para as ciências da saúde e ciências humanas.
A terceira categoria mais citada − a primeira para programas de Linguística, letras e artes (9,8% de citações) − é o desenvolvimento de competências globais. Essa categoria reúne palavras-chave como: interculturalismo, integração internacional e visão ampliada de mundo que os indivíduos expostos à educação ou experiências internacionais adquirem através da sensibilização e convivência com diferentes culturas, diferentes contextos/perspectivas e contato com novos paradigmas.
Entre as justificativas para internacionalizar, os PPGEs brasileiros apontam para: maior impacto da pesquisa, maior produtividade dos pesquisadores e maior interação internacional dos estudantes, além de aumento no nível de inserção internacional dos docentes (Figura 4). Eles também percebem impactos positivos da internacionalização na ampliação do alcance do ensino/pesquisa e na expansão da base de conhecimentos nacional (por exemplo, com a introdução da dimensão internacional nas atividades curriculares e de pesquisa), bem como na melhoria da qualidade e reputação dos programas. Essa percepção, semelhante entre todas as regiões e áreas do conhecimento, corrobora a associação clara e positiva entre internacionalização e aprimoramento de qualidade/desempenho da pós-graduação presente no discurso e decisões dos gestores públicos e líderes da ciência no Brasil.
Fonte: Pesquisa junto aos PPGEs brasileiros, junho de 2013.
Nota: A leitura de cada quadrado na figura corresponde ao número de PPGEs que indicaram o termo categorizado e a justificativa para a internacionalização.
A conexão com os principais sistemas de ensino superior e instituições no exterior é uma força motriz para PPGEs brasileiros internacionalizarem. No entanto, eles também reconhecem que os benefícios potenciais nem sempre correspondem aos objetivos reais dos seus esforços. Um programa em Linguística, letras e artes, por exemplo, afirma: “nosso programa entende que a internacionalização é um processo necessário de integração de conhecimentos que sempre esteve presente em nossas ações. No entanto, estamos em desacordo com o modelo atual para implementá-lo no país, que nem sempre é guiado por necessidades acadêmicas”.
Motivações implícitas que influenciam o ritmo e a direção da internacionalização do ensino superior e da pesquisa são uma preocupação não só no Brasil. Na verdade, admite-se em todo o mundo que “estratégias adotadas pelas IESs perseguem resultados que frequentemente desviam dos objetivos alegados, notavelmente melhorar a qualidade acadêmica do ensino e da pesquisa pela introdução de dimensões internacionais” (EGRON-POLAK, 2012, p. 13, tradução livre).
Mecanismos: como a internacionalização é implementada? Houve mudanças recentemente?
Alguns estudos mostram que “as disciplinas acadêmicas são internacionalizadas de acordo com sua própria dinâmica, e nesse processo são fracamente influenciadas por instituições de ensino superior específicas” (FRØLICH, 2008, p. 108, tradução livre). O levantamento junto aos PPGEs brasileiros corrobora parcialmente esse achado: embora a grande maioria deles (cerca de 94%), agrupados por grande área do conhecimento, indique estratégias de internacionalização similares, nuances que diferenciam as áreas podem ser notadas (Figura 5).
As estratégias mais frequentes são a mobilidade internacional de docentes, pesquisadores e estudantes e colaboração internacional em pesquisa. Essas estratégias são implementadas principalmente através de acordos de cooperação internacional, dos quais três categorias são usuais: (i) aqueles iniciados e promovidos por organizações ou agências nacionais ou estrangeiras; (ii) aqueles gerenciados pelas instituições de ensino superior e pesquisa; e (iii) as iniciativas ad hoc organizadas em nível individual ou departamental, que formam a grande maioria (COMISSÃO..., 2013). A última categoria depende fortemente das trajetórias individuais dos docentes e suas relações com comunidades transnacionais, geralmente construídas durante sua experiência como alunos de doutorado em instituições estrangeiras.
A mobilidade acadêmica para formação no exterior foi priorizada na política de pós-graduação no Brasil por décadas. Desde meados dos anos de 1990, no entanto, o país mudou o foco para as instituições nacionais. Período sanduíche, estágio de pesquisa e pós-doutorado no exterior tornaram-se as formas privilegiadas de prover experiência internacional a alunos de doutorado e jovens doutores brasileiros (RAMOS; VELHO, 2011; ver também Figura 1S nas informações suplementares). Essa tendência foi detectada também nos questionários. Não houve menção à mobilidade acadêmica para formação plena no exterior como estratégia atualmente implementada ou defendida pelos PPGEs.
Por outro lado, tem sido notável recentemente o surgimento de uma nova compreensão da mobilidade acadêmica internacional, preocupada com o equilíbrio do fluxo nos dois sentidos: para dentro e para fora do país. Um argumento central é que a mobilidade para o exterior reduz a base de recursos (capital humano) necessária para apoiar projetos no país e, assim, promover a eficiência da pesquisa realizada em instituições nacionais. O reconhecimento de que a atividade de pesquisa é intensiva em trabalho e realizada em equipe tem estimulado agências de fomento e universidades a apresentar várias iniciativas para promover a mobilidade na direção oposta à tradicional ida para o exterior, atraindo pesquisadores sêniores e pós-doutorandos para o ensino e a pesquisa em instituições brasileiras. Alguns PPGEs relataram também ter procedimentos para recrutar e formar estudantes internacionais.
Publicações em revistas e livros internacionais são produtos ativamente buscados em intercâmbios científicos. Os PPGEs brasileiros estimulam docentes e alunos a desenvolver pesquisa de qualidade, compatível com a dos melhores centros internacionais, e a publicar seus resultados em revistas internacionais, especialmente as de alto impacto, além de promoverem a coautoria em publicações com colegas estrangeiros.
Comunicação formal com colegas estrangeiros, participação em redes/associações/sociedades científicas e ocupação de posições em política/governança científica, além de comunicação informal com colegas estrangeiros, são estratégias indicadas por um subconjunto menor de PPGEs (cerca de 64% dos respondentes). Os PPGEs encorajam docentes e estudantes a participar de conferências internacionais e reuniões profissionais e fornecem financiamento para apresentarem seus trabalhos em reuniões e conferências internacionais chave. Além disso, eles têm promovido mais a organização de conferências, simpósios, seminários e reuniões internacionais em suas IESs no Brasil, principalmente no formato tradicional (presencial), mas também mediada por tecnologia (videoconferências). Ainda, investimentos em melhoria de conteúdo e produção de versões em inglês, e em alguns casos também em outras línguas, do site institucional integram as suas estratégias de internacionalização.
Participação em conselhos editoriais de revistas internacionais e conselhos e comissões de organizações científicas e profissionais internacionais geralmente são implementadas por iniciativa individual de docentes e pesquisadores. Alguns respondentes referiram-se a incentivos financeiros para a interação entre docentes e estudantes com seus pares no exterior, tais como a organização de visitas a laboratórios de excelência.
A internacionalização em casa, abordagem que inclui mudanças no currículo, nos métodos de ensino e aprendizagem e nas atividades cocurriculares, é ainda incipiente. Iniciativas existem, mas são muito recentes e restritas a um subconjunto pequeno de PPGEs (cerca de 39% dos respondentes). Quanto à internacionalização do currículo, alguns PPGEs pesquisados salientaram os esforços para trazer temas de pesquisa de fronteira para o currículo, o uso do inglês como um meio de instrução9 (EMI, na sigla original), a aprovação do projeto de currículo flexível para facilitar o reconhecimento de créditos obtidos no exterior. Alguns deles também oferecem programas de duplo diploma.
Um subconjunto ainda menor de PPGEs apontou o financiamento internacional e o ensino em programas de pós-graduação internacionais como estratégias de internacionalização; nenhuma estratégia de exportação, como a oferta de cursos ou programas integrais no exterior, recebeu menção.
A maioria dos PPGEs relatou ter experimentado uma intensificação das estratégias de internacionalização que eles implementaram nos últimos dez anos, mais ou menos. Nas palavras de um programa em ciência de alimentos: “na verdade, não houve alteração nas estratégias [de internacionalização]; ao invés disso, elas foram intensificadas nos últimos anos devido a vários fatores [...]”.
Dentre esses fatores, houve menção a estímulos das agências governamentais de apoio à pós-graduação e à pesquisa, a iniciativas das próprias IESs, a mudanças na dinâmica de produção do conhecimento científico e à iniciativa individual de docentes ativos em redes de pesquisa internacionais.
Além da intensificação dos esforços de internacionalização, alguns programas têm experimentado mudanças transformadoras, como este programa em História. “De um programa provincial e quase isolado há dez anos, nos tornamos um programa de nível internacional em nosso campo por [meio de] uma renovação significativa de nossos docentes, que são, agora, muito mais orientados para intercâmbios e redes internacionais.” O respondente enfatizou que “muitos deles obtiveram seus títulos acadêmicos em instituições estrangeiras ou fizeram estágios de pesquisa no exterior”. Para um programa em Filosofia, o intercâmbio científico com parceiros no exterior se tornou uma tradição e avançou para formas mais estruturais de colaboração: “Evoluímos de um período de mobilidade e articulação de reuniões científicas para uma cooperação mais orgânica e permanente”.
Considerando o padrão geoespacial de colaboração internacional, os principais parceiros estrangeiros de PPGEs brasileiros estão localizados nos Estados Unidos, em países europeus (França, Reino Unido e Alemanha) e no Canadá (Figura 6). Em menor medida, eles colaboram com colegas em Portugal, na Espanha, na Itália e na Argentina. Alguns programas indicam cooperação com parceiros no México, na Bélgica, na Suíça, na Holanda e na Austrália. Programas de pesquisa colaborativa e projetos com novos parceiros na Europa, Ásia, África e Oceania mostram que os PPGEs brasileiros estão diversificando cada vez mais sua colaboração internacional.
Ciências exatas e da terra e ciências da saúde são as áreas do conhecimento mais internacionalizadas em termos de número e diversidade de parceiros internacionais (24 e 21 países diferentes, respectivamente; ver Figura 7); humanidades, engenharias e linguística, letras e artes, formam um grupo intermediário (com os parceiros em dezoito e doze países) e ciências agrárias, ciências sociais aplicadas, multidisciplinar e ciências biológicas mostram um nível relativamente menor de internacionalização, com parcerias em sete a nove países cada.
Curiosamente, este perfil de colaboração internacional pelas áreas do conhecimento é semelhante ao do impacto de artigos científicos brasileiros. De acordo com Gaze e Breen (2014), artigos brasileiros em matemática, física e astronomia, ciências ambientais, da terra e afins publicados entre 2008 e 2012 tinham maior impacto relativo; artigos em engenharia e tecnologia, medicina clínica e pesquisa médica básica tinham um impacto intermediário, bem como ciências da computação, da informação e química; ciências agrárias e ciências biológicas, por sua vez, apresentaram o impacto mais baixo entre as disciplinas consideradas no estudo.
Na perspectiva dos países parceiros, podem-se distinguir três grupos com base na diversidade de grandes áreas do conhecimento envolvidos no intercâmbio científico com os PPGEs brasileiros: com sete a oito de nove grandes áreas de conhecimento, um primeiro grupo de países reúne os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, o Canadá, Portugal, a Espanha e a Argentina; um segundo grupo, composto por Alemanha, Itália, Bélgica, México, Suécia e Austrália colabora em quatro a seis grandes áreas do conhecimento; e um terceiro grupo, composto por vinte países de todos os continentes, colabora em uma a três áreas do conhecimento.
Para tornar essas parcerias operacionais, os PPGEs brasileiros são afetados pela capacidade institucional da IES onde estão baseados. A pesquisa detectou desigualdades entre as instituições na provisão de condições adequadas para a internacionalização (Figura 8).
Fonte: Pesquisa junto aos PPGEs brasileiros, junho 2013.
Nota: Alguns fatores relativos a sistemas administrativos e políticas institucionais que afetam a internacionalização da pós-graduação foram listados no questionário de pesquisa e os respondentes foram convidados a avaliá-los segundo uma escala de cinco pontos, variando de um (insatisfatório) a cinco (plenamente satisfatório) (ver informações suplementares). Os fatores avaliados com notas um a três foram interpretados como fatores inibidores e aqueles avaliados com notas quatro ou cinco como fatores facilitadores da internacionalização. Os respondentes dispunham de espaço para incluir e avaliar fatores adicionais que considerassem relevantes para os esforços de internacionalização de seus PPGEs.
Há evidências (RUMBLEY et al., 2012, p. 14, tradução livre) de que a presença de
[...] docentes com experiência internacional têm um efeito direto e positivo na participação dos alunos em programas de estudos no exterior. Além disso, a presença de docentes estrangeiros aumenta os esforços para infundir uma dimensão internacional nos currículos e na vida no campus, e docentes nacionais com experiência internacional são mais propensos a aderir a iniciativas destinadas a ampliar a internacionalização da universidade.
Essas ideias também se aplicam à maioria dos PPGEs brasileiros, que apontam para a proporção de docentes que obtiveram seus títulos de doutor no exterior como um fator facilitador para a internacionalização. De fato, um programa em física enfatiza que “[as redes internacionais derivam de] colaborações naturais entre indivíduos, não entre programas”. Outros PPGEs acrescentam: “a escolha das universidades com quem temos contrato formal varia de acordo com os contatos que nosso corpo docente mantém com pesquisadores de outros países”, e que isso foi facilitado pela experiência internacional de “ex-alunos [agora membros do corpo docente do nosso programa]”.
Por outro lado, a falta de suporte administrativo e organizacional ao nível institucional ou departamental é um dos principais fatores que inibem uma maior internacionalização dos PPGEs brasileiros (Figura 8). Apoio insuficiente, processos burocráticos e falta ou distribuição desequilibrada do fomento foram mencionados como as principais barreiras. Além disso, a ausência de uma estratégia nacional que definisse um sentido comum para a internacionalização das IESs nacionais e a falta de políticas institucionais adequadas dificultam o desenvolvimento de contatos internacionais e de intercâmbios científicos vigentes em redes de cooperação institucional mais significativas e sustentadas.
Considerações finais
Uma série de transformações sistêmicas no modus operandi da pesquisa e na organização da ciência tem impactado o ensino superior globalmente nos últimos vinte ou trinta anos. A dimensão internacional tornou-se parte integrante das atividades de ensino e pesquisas científicas. Neste artigo, a lógica e os mecanismos utilizados pelos principais programas de pós-graduação no Brasil para concretizar sua visão de internacionalização foram examinados.
Em geral, os dados empíricos mostraram a prevalência de uma concepção de internacionalização orientada a atividades: a mobilidade internacional (para o exterior) é vista como o principal mecanismo para dinamizar atividades transfronteiriças de ensino, colaboração em pesquisa e construção de redes. Maior impacto da pesquisa e perfil mais internacional são benefícios esperados. Essa visão é realizada por meio de um modelo ainda fortemente baseado em uma abordagem voltada ao exterior, em que a pesquisa está claramente no centro do processo de internacionalização. De fato, o Brasil tem enviado cada vez menos alunos para formação plena no exterior, particularmente em nível de doutorado. A formação em instituições nacionais, complementada por períodos de estudo/pesquisa no exterior (como nas modalidades doutorado sanduíche e pós-doutorado no exterior), tornou-se o mecanismo preferencial de formação avançada.
Embora incipiente, iniciativas para atrair acadêmicos estrangeiros e esforços de internacionalização em casa estão ganhando impulso. Em geral, a presença de docentes formados no exterior, com experiência e interesses acadêmicos internacionais, que podem mobilizar suas redes fora do país para estabelecer intercâmbios científicos e colaborações em pesquisa, é considerada uma condição essencial para a internacionalização dos PPGEs brasileiros. No entanto, a ausência de uma estratégia nacional, a falta de sistemas administrativos eficientes e eficazes, de políticas institucionais e de gestão profissional na maioria das instituições de ensino superior brasileiras dificultam o desenvolvimento desses contatos em processos de cooperação mais significativos e sustentados.