Introdução
Florianópolis, 1917. Horácio Nunes Pires, Diretor da Instrução Pública e da Escola Normal Catarinense, envia a Caetano Vieira da Costa, Secretário Geral dos Negócios do Estado, o seguinte ofício:
Ilmo. Sr. Secretário Geral dos Negócios do Estado:
A professora Maria do Rosário Moreira Lima, da Trindade, novamente [grifo meu] pede reparos na casa onde funciona a escola e que é propriedade do Estado.
Por ofício de 13 de novembro de 1916, número 1284, já levei ao vosso conhecimento igual reclamação, cientificando-o que a casa tem paredes que estão balançando, que os portões estão podres, e que já havia caído um portão e desabado um pedaço de muro.
Por ofício número 60, de 19 de janeiro último, solicitei os concertos necessários, visto estar-se em férias e não funcionar, portanto, a escola.
Agora, por ofício de ontem, a professora volta ao assunto, pedindo providências.
O que levo a vossa ciência.
Saúde e Fraternidade,
Horácio Nunes Pires
Novamente, pois o pedido já havia sido feito antes. Na primeira vez, em novembro de 1916, a própria professora emitiu um ofício endereçado ao Diretor da Instrução e em seguida noticiado ao Secretário. Já em janeiro de 1917, foi Horácio Nunes Pires quem emitiu novo ofício lembrando a necessidade e a conveniência da realização de reparos naquele prédio escolar nesta época do ano. A precariedade do prédio e as parcas condições de ensino que ele oferecia não eram, então, novidade para o Secretário Geral dos Negócios do Estado. Todavia, a reincidência dos ofícios permite supor que estes não estavam sendo prontamente atendidos.
Ainda em Trindade, outra professora vivia uma situação parecida. Maria Luiza da Silva, professora preliminar2 nomeada para reger a escola mista daquela localidade, teve suas reclamações também reportadas por Horácio Nunes Pires:
Ilmo. Sr. Secretário Geral dos Negócios do Estado:
Maria Luiza da Silva, professora preliminar nomeada para reger a escola mista da Trindade, veio hoje ao meu Gabinete declarar:
I – Que apenas dispõe de uma sala para lecionar;
II – Que a casa é ocupada pelo ex professor da escola, Augusto Fausto da Luz que, dizem, acha-se tuberculoso;
III – Que os preceitos de higiene observados pela família do dito professor são nenhuns;
IV – Que a casa está extremamente suja, sentindo-se até mau cheiro quando ali se entra;
V – Que a família do professor faz da sala passagem para tudo, até para objetos pouco próprios;
VI – Que as classes estão em péssimo estado, havendo apenas 4;
VII – Que os sete bancos que existem estão inservíveis;
VIII – Que nem cadeira nem mesa ali existem,
Levo a reclamação ao vosso conhecimento, para que vos digneis determinar o meu procedimento a respeito.
Saúde e fraternidade.
Horácio Nunes Pires.
Embora o tema dos ofícios seja semelhante, os mecanismos que acionam seus trâmites e os encaminhamentos que eles geram são diferentes. Ambos falam de prédios escolares ocupados por professoras da mesma localidade. Porém, o primeiro é propriedade do estado, ao passo que o segundo é do ex-professor daquela escola. Também devido a isso, esses pedidos são feitos de formas distintas: Maria do Rosário Moreira Lima encaminhou ofício ao diretor da Diretoria Geral de Instrução Pública no fim de 1916, enquanto Maria Luiza da Silva foi pessoalmente, em março de 1917, ao seu gabinete prestar as supracitadas queixas. Ambos foram expedidos por Horácio Nunes Pires e endereçados ao Secretário Geral dos Negócios do Estado. O primeiro caso foi citado três vezes (em uma via ofício da docente, em duas pelo próprio Diretor da Instrução) e o segundo foi tematizado esta única vez.
Horácio Nunes Pires3 ocupava então o cargo de diretor da Diretoria Geral da Instrução Pública e, concomitantemente, o de Diretor da Escola Normal Catarinense. Para o primeiro foi nomeado em 3 de agosto de 1896 e confirmado no dia 29 de dezembro de 1898 (EL-KHATIB, 1970, p. 118); para o segundo, em 17 de abril de 1910 (COSTA, 1911, p. 75). Sua longa carreira no funcionalismo público dividiu espaço com uma carreira literária também extensa – dentre inúmeras produções teatrais e poéticas, destaca-se o Hino do Estado de Santa Catarina, posteriormente musicado. Ocupou os dois cargos até o ano de 1918, um ano antes de seu falecimento. O destinatário de seus ofícios, Caetano Vieira da Costa4, era então Secretário Geral dos Negócios do Estado e deputado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina.
Estes sujeitos transitaram na estrutura dada pela burocracia da instrução pública catarinense no período. Para além da constatação da existência de diferentes instâncias (escolas, Diretoria da Instrução Pública e Secretaria Geral dos Negócios do Estado), interessa assinalar para os vestígios de suas práticas, iluminando assim as diferentes manobras lançadas em meio às Reformas da Instrução Pública. Estas iniciativas já foram tematizadas na historiografia da educação catarinense (FIORI, 1975; MOREIRA, 1954), sendo em suas produções elencadas a legislação e os regimentos promulgados, e as instituições reformadas. Em estudos mais recentes foi conferido foco à reforma da Escola Normal e à atuação de Orestes Guimarães, então Inspetor Geral do Ensino (TEIVE, 2008, 2006; PROCHNOW, 2009). Estas levantaram leis, decretos, portarias e pareceres emitidos a partir de 1911. Foi nesse ano que Vidal Ramos, então governador, instaura o início da reforma do ensino no estado.
A Reforma da Instrução Pública, de acordo com os “modernos processos pedagógicos” (SANTA CATARINA, 1910, p. 1), prevê as seguintes categorias de estabelecimentos: escolas ambulantes5, escolas isoladas, Grupos Escolares e Escolas Normais. Às ultimas é dada nova organização, posteriormente apresentada pela via de decretos. Também é prevista a contratação de professores para sua organização e operacionalização. Nesse contexto, Orestes Guimarães é nomeado Inspetor Geral do Ensino. O professor passa, a partir de então, a compor a hierarquia organizacional da instrução pública catarinense, respondendo diretamente ao governador. O cargo previa funções de fiscalização do ensino primário, coordenando um corpo de inspetores que teriam atuação ambulante nos três distritos escolares em que o estado foi dividido (COSTA, 1911, p. 72). Vidal Ramos lista como escopo da reforma os seguintes pontos: fundar novo tipo de escola, dar ao professorado maior emulação e estabelecer uma fiscalização técnica e administrativa real e constante (RAMOS, 1911, s/p).
A série documental analisada para escrita deste artigo é composta por sete ofícios expedidos por Horácio Nunes Pires e endereçados a Caetano Vieira da Costa, em 1917, que tematizam pedidos de reforma em prédios escolares. Eles foram destacados e organizados em meio a uma série de 4.205 expedições, acessada para escrita de tese de doutoramento vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp), intitulada A organização burocrática da instrução – expedientes administrativos e práticas de gestão (Santa Catarina, 1911 – 1940), e que tem como objeto os fazeres administrativos nos quais se alicerçaram as reformas do ensino no estado. Eles são acessados pela leitura e análise da correspondência expedida e recebida pela Diretoria Geral da Instrução Pública e pelo Departamento de Educação de Santa Catarina. Pretende-se, assim, localizar os vestígios dos sujeitos que transitaram na administração educacional, rastreando as diferentes opções e articulações políticas nos momentos de concepção e execução das reformas.
As tramitações em torno dos pedidos de intervenção encabeçados pelas professoras fizeram ver os protocolos e tensionamentos gestados em meio à organização burocrática da instrução. Eles foram selecionados por tematizarem, com certa constância, um tema comum e por fazerem ver as atuações de duas docentes com enquadramentos funcionais semelhantes, mas condições de trabalho distintas. Uma vez constituída a série tematizada neste artigo, coube aparelhar a análise de acordo com categorias. Foi nesse esteio que a obra de Michel de Certeau (2009; 1985) foi revisitada. Por propor uma forma de entendimento e categorização das práticas cotidianas, ela oferece um modelo teórico válido para pensar a atuação das professoras e do Diretor da Instrução. Este artigo tem, portanto, um caráter de ensaio analítico, uma vez que destaca uma diminuta série documental em meio a uma enormidade de expedições e a analisa conforme um modelo, pensando sua aplicação. Vale, todavia, ressaltar: é necessária a mediação das categorias propostas por Certeau, já que elas vêm para propor um determinado entendimento das fontes. Da forma como aqui se entende, as categorias de estratégias e táticas, e também as noções de práticas e polemologia, dão elementos para pensar uma conceituação de burocracia e para articular os fazeres das professoras à estrutura funcional dada.
Sendo assim, o uso feito da obra de Michel de Certeau é fulcral para o exercício de análise proposto. Ele é central tanto para a categorização das práticas levantadas após leitura da série de ofícios, quanto para o aparelhamento metodológico do estudo do desvio, do heterogêneo. Vale ainda ressaltar: as categorias de estratégias e táticas são nuançadas, já no entendimento de Certeau, como parte de um jogo polemológico, no qual confrontos e deslocamentos constantes se fazem ver. É também nesse esteio que as práticas são entendidas aqui: são parte de uma atuação circunscrita a uma hierarquia funcional na qual são gestados confrontos e enfrentamentos. São, portanto, rastros da existência de sujeitos em meio à maquinaria burocrática.
Os ofícios expedidos e recebidos nada mais são do que a comunicação entre os órgãos de direção da educação e suas demais instâncias: professores, inspetores, pais e tutores de alunos, demais secretarias e departamentos deste e de outros estados. Na análise dos tipos de dominação proposta por Weber (1999, p. 139-147), a existência de determinadas condições técnicas de comunicação e transporte é parte das características de uma dominação legal com quadro administrativo burocrático. Esta, segundo sua tipologia, se engendra através do conhecimento, tendo como princípio o estabelecimento e vigência de uma hierarquia oficial capaz de mobilizar diferentes instâncias (WEBER, 1999). Na esfera educacional, Formosinho (2007, p. 293-328) avança na análise da constituição da pedagogia burocrática. Para isso, considera e perspectiva as decisões do ponto de vista da ação política, distinguindo aquelas encabeçadas por gestores, tomadas na base, e mobilizadas por chefias intermediárias. Da forma como entende a ação burocrática de administração da educação, passa a imperar um modelo de decisão no qual um autor anônimo é separado de seu local para que haja uniformidade e impessoalidade, legitimando seu poder de mando.
O termo burocracia é conceitualizado, para análise desta série de ofícios, como uma forma específica de organização das práticas. Ela se articula a uma estrutura hierárquica de mando, já que é por meio dela que os sujeitos transitam e estabelecem suas ações. Trata-se, pois, de uma forma de organização que ultrapassa uma estrutura departamental, já que engatilha uma série de mecanismos de gestão da instrução pública. Esse entendimento conversa com a sua concepção enquanto local estratégico (CERTEAU, 2009) de gestão, já que ela opera a partir de um lugar que lhe é próprio, a partir do qual efetua a gestão de uma exterioridade. Para Formosinho (2007), esse modelo conversa com um perfil de decisão no qual se veicula um autor anônimo, central para a constituição da pedagógica burocrática. Entende-se, para escrita deste artigo e da tese de doutoramento à qual se articula, que o modelo de gestão veiculado conversa com uma reorganização constante de práticas. Essas, encabeçadas pelos diversos sujeitos que transitam pela hierarquia funcional da instrução pública, dizem respeito a rotinas de gabinete e protocolos de gestão específicos.
Sob este viés, a comunicação entre diferentes sujeitos e esferas da burocracia educacional mobilizou uma engrenagem burocrática visibilizada na série de ofícios. Característica de sua organização, esta comunicação tem como um de seus aspectos centrais a relação de seu remetente – o Diretor da Instrução, Horácio Nunes Pires – com esferas de poder com as quais se articula. É também por meio destas que ele vai buscar a legitimação necessária a emissão de suas ordens e a publicação de seus encaminhamentos. Porém, na hierarquia assinalada na série de ofícios, a Diretoria Geral da Instrução Pública não era peça central, sendo necessários os pedidos recorrentes de autorizações e os constantes informes ao Secretário Geral dos Negócios do Estado. Desta forma, as práticas rastreadas são inseridas no jogo polemológico dentro do qual se imbricam estratégias e táticas; os fazeres do diretor e das professoras se reorganizam e têm seu lugar matizado de acordo com seus trânsitos em uma estrutura que lhes é dada pela burocracia educacional.
A noção de polemologia6 é central para apreensão das práticas dos sujeitos envolvidos na expedição e recepção dos ofícios mobilizados neste artigo, já que aparelha um entendimento de sua atuação e seus enfrentamentos. Ela permite a percepção dos diferentes sujeitos envolvidos na organização burocrática da instrução para além de seus enquadramentos funcionais. Por entender o cotidiano como prenhe de astúcias e enfrentamentos, aproxima a análise de suas operações e posicionamentos. É também a noção de polemologia, e as categorias de estratégias e táticas, que norteiam a primeira parte deste artigo; interessa listar as práticas das professoras e do diretor da instrução e cotejá-las com o modelo de análise de Michel de Certeau. Após inventariadas, cabe rastrear os indícios de seus deslocamentos, entender suas diferentes articulações e trânsitos – ou seja, tomá-las como operações. Cabe, todavia, ressaltar o caráter deste artigo: trata-se de um ensaio de análise de uma série circunscrita de ofícios. Ela faz parte de uma série documental mais extensa que foi organizada e mobilizada para elaboração de uma tese de doutorado. As mesmas categorias e noções norteiam a análise da documentação avultada nesta pesquisa. Este artigo é, então, parte de um ensaio analítico ao qual se articulam categorias de estratégias e táticas, sendo elas um meio de organizar as práticas rastreadas na série de ofícios.
Caleidoscópio de práticas
Apreender práticas como operações traz encadeamentos diversos: foge-se de um paradigma quantitativo de análise, conferindo foco aos seus usos. Por esse viés, cabe entender os trânsitos mútuos que tais práticas estabelecem entre si, suas zonas de contato, convergência e divergência. Interessa sua morfologia, a lógica de sua ação e a forma como são formalizadas no cotidiano (CERTEAU, 1985, p. 3-19). Essas práticas montam um conglomerado de ações diversas e em constante contato, tal qual um caleidoscópio. Conversando com este entendimento, Vidal (2007, p. 11-24) destaca a ênfase no estudo das mudanças percebidas nos fazeres ordinários da escola, comumente demonstradas na gerência de conflitos gestados em seu interior. Cumpre então aproximar-se do seu funcionamento, sabendo que as iniciativas de reforma da educação são constituídas no jogo das representações correntes sobre o que é a instituição escolar e como esta deve atuar. Por fim, destaca: ao avaliar sua implantação, é vital decompor suas propostas e situar seus sujeitos, sua movimentação e os tensionamentos que se delinearam. Esse litígio contribui para o entendimento do funcionamento da burocracia da instrução pública e dá pistas sobre o lugar social da escola no período (VIDAL, 2007, p. 21).
Nos casos específicos avultados nos ofícios expedidos pelo Diretor da Instrução Pública, tal aporte culmina na atenção dada aos procedimentos dos quais lançaram mão Horácio Nunes Pires e as professoras Maria do Rosário e Maria Luiza. O desfecho dos requerimentos, embora interessante, deixa de ser central já que interessam as ações encabeçadas pelos diferentes sujeitos e seus trânsitos em meio à burocracia educacional.
No primeiro deles, Horácio Pires reporta as insistentes colocações da professora Maria do Rosário Moreira Lima. A professora normalista, formada na Escola Normal Catarinense em 1904 (ESCOLA NORMAL, 24 fev. 1904), era encarregada da Escola Isolada Preliminar Feminina do Distrito da Trindade desde 1915 (EXAMES, 6 jan. 1916). Desde então, segundo o Diretor da Instrução, a professora requisitou reparos diversos no prédio ocupado pela escola. Este prédio, conforme ofício, é propriedade do Estado. São, então, listadas as investidas da professora e do Diretor da Instrução: a primeira já havia pedido reparos anteriormente, endossados em ofício expedido pelo diretor da instrução em novembro de 1916. Nesse mesmo documento, Horácio Nunes Pires comunica as condições precárias da casa, cujas “paredes estão balançando [...], os portões estão podres, e que já havia caído um portão e desabado um pedaço de muro”. Lembra também que estes reparos já foram solicitados por ele em outro ofício, expedido em janeiro daquele ano, conforme se lê:
Ilmo. Sr. Secretário Geral dos Negócios do Estado:
Estando fechadas as escolas em consequência das férias e sendo, portanto, oportuna a ocasião, lembro-vos a conveniência de serem feitas as necessárias obras no prédio do Estado onde, na Trindade, funciona a escola do sexo feminino, obras essas que pedi no ofício 1284, de 16 de novembro, e que não foram então realizadas, para não ser interrompido o serviço escolar.
Saúde e Fraternidade.
Horácio Nunes Pires
Não tendo sido feitas as necessárias obras após pedidos emitidos em novembro de 1916 e janeiro de 1917, estas são requisitadas novamente no mês de março, após encaminhamento de novo ofício por parte da professora. Sobre os procedimentos de um e outro que são aqui listados, vale destacar: o prédio escolar é propriedade do Estado. Para que sejam efetuadas as mudanças necessárias nele, é vital o cumprimento de determinados trâmites. São eles: a reclamação da professora (via ofício ou pessoalmente, em seu gabinete) ao Diretor da Instrução. Caso julgue o pedido coerente e procedente, o mesmo o encaminha ao órgão superior, a Diretoria Geral de Instrução Pública, de cuja deliberação depende para poder intervir. Nesse caso, esse órgão é a Secretaria Geral dos Negócios do Estado, sendo a eles direcionados todos os ofícios emitidos por Horácio Nunes Pires. Em todos eles são descritas as precárias condições do prédio, sublinhando a necessidade de sua reforma. Em um deles, remetido em período de recesso escolar, destaca-se inclusive a oportunidade de efetuação desses reparos sem oferecer grandes transtornos ao serviço escolar. Por fim, o último comunicado expedido pelo diretor se dá após expedição de novo ofício da docente.
Maria Luiza da Silva também era normalista. Segundo o jornal O Dia, cursou a Escola Normal Catarinense no ano de 1909 (ESCOLA NORMAL , 23 de dezembro de 1909), mas só prestou os exames de conclusão do seu 1º ano em 1911 (ESCOLA NORMAL, 24 dez. 1911). Foi, posteriormente, nomeada para regência da Escola Mista da Trindade via resolução assinada pelo então governador, Felipe Schimidt, em março de 1917 (NOTAS OFICIAIS, 3 mar. 1917). Seus procedimentos de ação diferenciam-se daqueles dos quais lançou mão sua colega de profissão. Em primeiro lugar, Maria Luiza da Silva não emite reclamações por meio da expedição de ofícios. Ela vai pessoalmente ao gabinete do Diretor da Instrução, para quem lista suas queixas. Para além das lamúrias sobre o estado físico do prédio, reclama da permanência do antigo professor da escola, Augusto Fausto da Luz. O mesmo começou a trabalhar na instituição em junho de 1911, quando o então governador Vidal Ramos concedeu-lhe permuta de cadeira com o professor Jerônymo Francisco Coelho Pacheco. Antes disso, ele era encarregado da escola do distrito de Saco dos Limões (PARTE OFICIAL, 18 jun. 1911, s/p).
Quando em ocasião de suas queixas, Maria Luiza da Silva solicita sua expulsão já que, conforme “dizem, acha-se tuberculoso”. Segundo manchete publicada em jornal da capital, ele de fato estava “gravemente enfermo” (DIVERSAS, 20 set. 1916, p. 4), mas não se sabia de qual mal padecia. Mas foi devido a ele que Augusto Fausto da Luz foi substituído pelo professor Agrícola Guimarães. Ele, todavia, foi repreendido ainda naquele ano pelo Secretário Geral dos Negócios do Estado pela “falta de método e nenhum esforço empregado no ensino” (O DIA, 20 dez. 1916, p. 2). É após essa reprimenda que Maria Luiza inicia os trabalhos na instituição. Porém, em ofício, a professora lista as parcas condições do local: “[...] que os preceitos de higiene observados pela família do dito professor são nenhuns que a casa está extremamente suja, sentindo-se até mau cheiro quando ali se entra”. A família do professor afastado é também citada por utilizar-se da sala escolar constantemente como passagem. Por fim, as condições do mobiliário são também tema do ofício, sendo as classes7 insuficientes e em mau estado, estando os bancos “inservíveis” e não existindo mesa ou cadeira no recinto. Ao fim de tudo isso, o Diretor da Instrução diz ao Secretário, ainda nesse ofício: “levo a reclamação ao vosso conhecimento, para que vos digneis determinar o meu procedimento a respeito”.
Nas suas colocações, a professora Maria Luiza da Silva faz referências constantes à ocupação do prédio escolar pela família do antigo professor. Entende-se, então, ser a casa propriedade dele e de sua família. Enquanto proprietários do edifício, não o abandonaram mesmo após o afastamento de Augusto da Luz do cargo que anteriormente ocupava.
A diferença de protocolos entre as duas docentes também sustenta a suposição de que os prédios escolares possuíam proprietários distintos. Enquanto a primeira tece seus comentários através de ofícios ao Diretor da Instrução, a segunda vai pessoalmente ao seu gabinete. Maria do Rosário Moreira tem as reclamações reportadas ao Secretário Geral dos Negócios do Estado em ofícios recorrentes. Maria Luiza, após esbravejar e listar as péssimas condições de higiene do local de trabalho, tem suas queixas listadas e enviadas diretamente ao mesmo Secretário. Distinguem-se também o teor das reclamações: a primeira o faz referindo-se à necessidade de reparos estruturais no prédio. A segunda, por sua vez, fala das más condições de permanência devido à higiene, à inconveniência da família do antigo professor e à depredação do (pouco) mobiliário escolar. Remete mais explicitamente a uma condição de desleixo, apelando inclusive para o perigo de contágio advindo da convivência com Augusto Fausto da Luz, antigo professor da escola.
A compreensão de sua ação, acessada pela via dos ofícios, implica apreender seus lugares de subordinação e dependência. Seu lugar na hierarquia burocrática da instrução pública as situava como professoras, membros do corpo docente estadual. Sendo assim, subordinavam-se a deliberações de diretores de unidades escolares, inspetores e também ao já conhecido Diretor do Ensino. Suas práticas conviveram com as interdições próprias de seu lugar de atuação. Ambas as professoras possuíam uma trajetória de formação semelhante: normalistas, egressas da Escola Normal Catarinense e responsáveis por escolas preliminares da capital. Porém, distinguiam-se no que diz respeito ao enquadramento institucional. Ao passo que Maria do Rosário regia uma escola feminina sediada em prédio público, a segunda encarregava-se de uma escola mista cujo prédio era propriedade do seu antigo professor. É nesse sentido que suas reinvindicações diferem: uma exigiu reformas estruturais, enquanto outra pediu intervenção para que a escola tivesse melhores condições de permanência e higiene. Maria do Rosário acionou o Diretor do Ensino com fins de aparelhamento do prédio escolar. Maria Luiza interviu em nome do que considerou condições de insalubridade.
Listadas e efetuadas enquanto operações, as práticas das docentes e do Diretor da Instrução compõem zonas de contato, convergências e divergências. Agrupam-se, alinham-se e (re)organizam-se de acordo com a necessidade, acordos e posicionamento dos sujeitos que as encabeçam. A referência à imagem formada por um caleidoscópio se justifica pela proximidade com o ponto de vista de um observador que se dedique ao estudo das práticas pelo viés de seus usos. Percebe-se assim uma infinidade de imagens simétricas lado a lado, cujo contato e localização compõem um cenário maior. Apesar de distintas, as células formadas no seu interior confrontam-se e encostam-se, respondendo a uma dinâmica que também é parte de sua composição. Para além, contudo, de sua observação e da constatação de sua disposição, vale a aproximação com as categorias estratégias e táticas como forma de aproximação com as ações dos sujeitos aqui listados.
Polemologia: estratégias e táticas
As professoras Maria do Rosário e Maria Luiza se encontraram na aplicação de exames de suas respectivas turmas no final do ano de 1917. A primeira, regente da Escola Isolada Preliminar feminina, contou na ocasião com a presença do então Secretário do Interior e Justiça e do Juiz de Paz em exercício da capital. Nesse momento, Maria Luiza compôs a banca de avaliação de suas alunas, conferindo-lhes diferentes graus de distinção de acordo com seus desempenhos. Na mesma data, a escola por ela regida – a Escola Pública e Mista do mesmo distrito – passou também por exames, sem contar, todavia, com a presença das listadas autoridades (EXAMES, 18 dez. 1917, p. 4). Esses encontros se repetiriam ainda ao longo de mais alguns anos, já que as normalistas eram responsáveis por escolas do mesmo distrito. Mas, para além das semelhanças, ao se aproximar de suas práticas cada qual lança mão de procedimentos que lhe são convenientes. Cada uma de suas práticas é meio pelo qual se manifesta uma pluralidade de determinações relacionais. O interrogatório se dirige assim para a combinatória de suas ações (CERTEAU, 2009, p. 37).
É articulando esses entendimentos que Paulilo (2002, p. 27-45) apresenta o que nomeia como saberes bandoleiros. Tomando a instituição escolar como uma instância de poder sobre a infância, aproxima-se da ambiguidade de seus dispositivos. É assim que apresenta a indisciplina e a irreverência de um bando de estudantes como um produto escolar; para tanto retoma uma crônica escrita por estudantes de uma escola particular do Rio de Janeiro na década de 1920. Para o autor, eles só se movimentaram dentro das regras do funcionamento da escola, que lhes deu a mobilidade e o sentido de sua ação marginal. As práticas escolares que vão além da norma encontram, de maneira sub-reptícia, meios de sobrevivência e atuação; nesse caso por meio da narração de crônica veiculada em jornal, que lhes conferiu um novo espaço de representação para além da leitura autorizada.
Paulilo investe no entendimento da articulação e da narração veiculada pelo grupo de estudantes como uma antidisciplina, uma operação lançada ao longo do tempo em um território alheio. Para tanto, mobiliza também o entendimento proposto por Michel de Certeau para compreensão das práticas. Nesse texto, o autor tematiza as práticas de alunos, mapeando suas astúcias no interior de um lugar de autoridade. As professoras Maria Luiza e Maria do Rosário atuam, porém, de forma diferente. Ambas são docentes, e suas práticas sustentam protocolos distintos devido ao seu lugar na burocracia da instrução. Elas não se contrapõem deliberadamente às regras ditadas pela Diretoria de Instrução Pública ou pela instituição escolar. Todavia, transitam pela burocracia educacional, fazendo uso dela e dos documentos que a alimentam. Atuam, tal qual o bando tematizado por Paulilo, em meio a um lugar de autoridade que lhe é exterior, mas ao qual se integram, ainda que em posição de submissão. Cabe também ressaltar: a singularidade das ações de cada uma dialoga também com a especificidade de seu enquadramento funcional. Para além da aparente semelhança, as docentes articularam-se de maneira distinta na burocracia da instrução pública catarinense. As diferentes categorias de escolas regidas por cada uma assinalam, da forma como aqui se entende, para uma colocação profissional distinta. Cada escola era, assim, aparelhada de forma diversa. Esses distintos enquadramentos se fizeram nas demandas expedidas pela via de ofícios.
Como, então, as professoras se utilizam do funcionamento burocrático para lidar com os conflitos percebidos no interior da escola? Primeiramente fazem uso de seus protocolos e emitem a documentação que é necessária para o processamento de seus pedidos. Embora Maria do Rosário Moreira Lima encaminhe ofícios ao Diretor da Instrução, ao passo que Maria Luiza da Silva reclame com este pessoalmente, ambas têm os pedidos encaminhados a Caetano Vieira da Costa no formato de ofício. A distinção na conduta de uma e outra é possivelmente decorrente das diferentes proveniências do prédio que cada uma ocupa: a primeira é encarregada de prédio que é propriedade do Estado, enquanto a segunda atua em uma propriedade alugada e, conforme ela mesma ressalta várias vezes, ainda ocupada pela família do antigo professor. Uma vez de posse das reclamações, é Horácio Nunes Pires quem tem a incumbência de encaminhá-las ao Secretário Geral dos Negócios do Estado. Este o faz mediante expedição de novos ofícios; no caso de Maria do Rosário Moreira Lima, reporta os ofícios da professora por meio de nova expedição. Quanto à professora Maria Luiza, restou-lhe noticiar sua visita e listar seus principais pontos de reclamação. Porém, em nenhum dos casos o Diretor da Instrução está habilitado a agir – é sempre necessária a autorização do Secretário, pleiteada através de ofício.
Destaca-se, então, o protocolo dos procedimentos dados para casos de reclamação acerca das condições de prédios escolares que sejam propriedade do Estado: a professora ou professor encarregado deve se reportar ao Diretor, via ofício. Este encaminhará a requisição (via novo ofício) ao Secretário. Com a devida autorização, o Diretor da Instrução poderá encaminhar a realização das obras. Caso o Secretário não se manifeste (ou não atenda ao pedido), cabe o envio de novos ofícios que reforcem o pedido. Quando o prédio não é propriedade do Estado o protocolo é semelhante: a reclamação deve ser feita diretamente a Horácio Nunes Pires, que a encaminhará. Porém, notam-se as dissonâncias: nesse caso, o contato com o diretor da instrução não se deu via ofício, mas pessoalmente. E, também nesse caso, os pedidos do Diretor da Instrução são acerca da tomada de providências para que o proprietário do prédio atue, resolvendo os problemas, ou para a procura de novo prédio a ser alugado.
Nova pergunta, agora na contrapartida, é também válida: como a burocracia lida com o conflito que apreende? Segundo constatações feitas após análise da série documental, ela tenta, antes de tudo, circunscrevê-lo. Sendo a burocracia educacional uma forma própria de lidar com o cotidiano e a prática das instituições escolares, ela o faz visando a sua gestão. Ora, se interessa gerir o espaço escolar, seu conflito é tematizado, analisado e circunscrito – em outras palavras, é tratado. Essa lógica culmina, após sua percepção e tratamento, num registro invariavelmente escrito. A lógica burocrática, na educação, torna o conflito apreendido no cotidiano escolar tratável também por meio de sua inscrição, escrita e descrição, ou seja, da produção de um material acerca dele. A série de ofícios pela qual ziguezagueiam as duas professoras é um meio de registro do conflito, que visa viabilizar seu tratamento. Concomitantemente, é também esse registro que dará legitimidade ao seu encaminhamento; os pedidos de ambas apenas alcançam Caetano Vieira da Costa porque são escritos e emitidos por Horácio Nunes Pires, Diretor da Instrução. Sua validação e legitimação torna necessária a produção de um material de registro de sua condição e de seus trâmites.
A burocracia é sim uma forma de gerenciamento e atuação sobre o cotidiano escolar. Interessa, neste artigo, extrapolar a lógica que relaciona sua ação unicamente ao controle de pessoal e de procedimentos (cf. PAULILO, 2015, p. 85-158). Mais do que um recurso técnico para gerenciamento dos conflitos percebidos no cotidiano escolar, é um meio de administrar a atuação dos professores e dos demais gestores. Por meio da adoção de protocolos de emissão e recebimento para atendimento de reclamações de docentes e discentes, imprimiu-se uma forma de atuação que teve algumas consequências. São elas: delimitou escalas de relevância para os problemas trazidos, designou responsáveis por determinados procedimentos e determinou esferas diferenciadas para seus trânsitos. Era, pois, de acordo com a relevância dos temas trazidos que as tratativas a serem dadas eram determinadas – a partir daí é que seriam mobilizadas as esferas condizentes e o pessoal encarregado. Toda essa lógica culminou em um posicionamento ímpar do Diretor da Instrução. Horácio Nunes Pires não era o centro deliberativo, já que não decidia sobre a reforma de prédios escolares, seu período de execução e a verba destinada a isso. Porém, era peça central na máquina burocrática que então se estruturava: dependia dele o encaminhamento (ou não) das reclamações, sugestões e demais comunicações advindas da comunidade escolar.
Embora seja coerente a divisão das práticas listadas nas categorias de estratégias e táticas, este artigo se interessa por seu aspecto polêmico. Sendo assim, leva em conta o entendimento das ações de Horácio Nunes Pires como estratégias lançadas para tratar dos problemas das professoras e, concomitantemente, pleitear verba e atenção aos pedidos junto ao Secretário Caetano Vieira da Costa. Considera também as práticas das professoras Maria do Rosário e Maria Luiza como táticas, já que operam ao longo do tempo, sem possuir um lugar próprio de enunciação e afirmação. É, todavia, vital destacar que “cada novo dispositivo estratégico produz novas artes táticas de fazer, que só precisam de tempo para serem inventadas” (CHARTIER; HÉBRARD, 1998, p. 37). Sendo assim, embora Horácio Nunes Pires fale de um lugar próprio e gerencie uma exterioridade, ele precisa operar ao longo do tempo (por meio de táticas) quando em relação ao Secretário Geral dos Negócios do Estado. As professoras, por sua vez, lançam seus usos mediante táticas, operando segundo os protocolos burocráticos. Elas também, porém, possuem um lugar próprio, vinculado à escola na qual lecionam e a sua atuação funcional nos quadros do magistério público do Estado. Podem, então, de acordo com o ponto de vista adotado, encabeçar estratégias.
O que cabe aqui ressaltar é que a divisão entre estratégias e táticas é facilmente embaralhada, dependendo para isso das relações de força e da situação na qual se circunscrevem as práticas. Todos os três sujeitos delineados neste artigo lançaram mão de uma e outra à medida que foi necessário. O que é central nesta análise é a polemologia (CERTEAU, 2009, p. 44) das práticas, uma vez que estas articulam conflitos e se desenrolam em meio a tensões. Estão em meio a um conflito permanente (CERTEAU, 1985), podendo seus papeis serem desorganizados – ou reorganizados – à medida que novos conflitos se configuram.
Considerações finais
Maria do Rosário Moreira Lima e Maria Luiza da Silva não apareceram mais em ofícios dessa monta expedidos pela Diretoria Geral da Instrução Pública. Posteriormente, seus nomes apareceriam apenas relacionados ao movimento funcional nos quadros docentes do Estado. Horácio Nunes Pires, por sua vez, não teve mais muito tempo no cargo de diretor da instrução, deixou-o em 1918 e faleceu já no ano seguinte (A MORTE DE..., 21 maio 1919, p. 1). A série de ofícios não permite saber se os pedidos de reforma foram atendidos ou não. Contudo, a cessão de sua emissão deixa inferir que as reclamações foram, ao menos parcialmente, atendidas. Mas, por ter como enfoque as práticas, a este artigo pouco interessou o despacho final dado aos requerimentos. Interessaram os seus trâmites, os procedimentos que desencadearam e os sujeitos que mobilizaram.
Este viés de análise dialoga com a postura metodológica que valida o estudo do desvio, da singularidade, e destes e sua relação com a regularidade percebida na série documental (CERTEAU, 2002, p. 65-110). A ênfase nos usos reconhece as descontinuidades históricas e dialoga com a análise do desvio, ou seja, do que é diferente em meio à continuidade percebida na massa documental. A história é, assim, definida como lugar de experimentação e ênfase nas diferenças (CHARTIER, 1996, p. 57-72). Essa percepção alicerça a investida deste artigo; em meio a cerca de quatro mil ofícios expedidos, foram recortadas duas situações singulares. No mar de requisições, requerimentos e despachos – muitos deles versando sobre mobiliário e prédio escolar – as duas professoras fizeram-se ver pela ênfase de suas reclamações e pela obstinação em seus procedimentos. O estudo das práticas viabilizou a aproximação com as docentes do distrito da Trindade no ano de 1917, porque permitiu o interesse pelos sujeitos, pelos usos que estes lançam em meio à infinidade de proposições e leis na qual se encontram. É essa mesma postura que sustenta o recorte da série documental, já que deu tônus à elaboração da problemática da pesquisa. Em uma investigação que visa às práticas dos sujeitos, nada mais proveitoso do que as investidas de duas professoras em meio à máquina burocrática da instrução pública.
Estas práticas, sub-reptícias, inventivas e clandestinas não se circunscrevem a elas. Estendem-se a Horácio Nunes Pires, que opera, via ofício e insistentemente, para que seus pedidos sejam atendidos. Da forma como aqui se entende, estratégias e táticas podem ser encabeçadas pelo mesmo sujeito, dependendo do momento de sua ação e de sua inserção nas relações de força que o cercam. As operações traçadas pelos três compõem a polemologia de seus atos porque estão em um constante embate, em um constante enfrentamento com o meio no qual se inserem e os demais sujeitos com os quais convivem.
Entende-se, então, que a burocracia se diferencia da administração escolar e das práticas administrativas, já que incorpora posicionamentos de sujeitos que transitam pela sua maquinaria. É vital entender a burocracia como composta por práticas e, consequentemente, por sujeitos que as veiculam. Ela, então, não se desenha unicamente controlando, esquadrinhando, mas o faz também por operações diversas. A burocracia lida com o conflito, produz um material sobre ele, reporta-o, isto é, insere-o em sua lógica. A partir daí é capaz de designar sobre sua resolução (ou não). Os sujeitos, por sua vez, apropriam-se da imbricada lógica burocrática, adaptando-se ao seu jogo. Produzem material, reportam suas demandas e os conflitos que percebem na instituição escolar. Isso não quer dizer, porém, que esses sujeitos foram incorporados acriticamente às suas engrenagens. Eles a compõem, mas, antes disso, eles a operam. Este artigo, que teve o caráter metodológico de um exercício de análise das práticas dos sujeitos escolares, mediatizou as categorias de estratégias e táticas para o entendimento das operações dos sujeitos. Assim aparelhadas, percebeu-se as diferenças dos enquadramentos funcionais e dos modelos de ações das docentes. Deu, assim, os contornos das suas atuações enquanto sujeitos atuantes e operantes na maquinaria burocrática da instrução catarinense.