1 INTRODUÇÃO
O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme, cansado das canseiras desta vida. O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não. O professor baixa a voz com medo de acordá-lo.
(Carlos Drummond de ANDRADE, 2007, p. 41).
Com passos leves ao entrar nesse recinto drummondiano, cuidemos para não acordar o sujeito cansado descrito pelo poeta3! É, pois, a partir desse recorte da realidade, que muitos professores testemunham pelo Brasil e mundo a fora, especialmente os que atuam em instituições educacionais públicas, que refletimos neste texto acerca da necessidade de um ensino personalizado que reconheça a diferença cultural na escola e fora dela. Desejamos, aqui, pensar e reivindicar uma prática docente sensível à diferença e às identidades dos estudantes que povoam as nossas escolas, que podem ser comparados ao “cansado das canseiras desta vida” no verso do poeta (ANDRADE, 2007, p. 41), que chegam às salas de aulas muitas vezes após ou mesmo durante uma jornada de trabalho extenuante e já não apresentam sequer condições físicas para prestar a devida atenção ao que se passa dentro delas. Contudo, ainda assim, esses sujeitos cansados têm muito a dizer como, desde os seus lugares de fala (RIBEIRO, 2020), enxergam a vida, agem ou pensam em agir a partir das leituras que fazem do mundo.
Para Moreira (2002, p. 25), ignorar esse tipo de situação em que a diferença emerge na escola sem que ela implique em reflexões acerca das nossas práticas pedagógicas seria um tipo de daltonismo, uma espécie de “cegueira”, de insensibilidade cultural:
O professor daltônico cultural é o que não se mostra sensível à heterogeneidade, ao arco-íris de culturas que tem nas mãos quando trabalha com seus alunos. Para esse professor, todos os estudantes são idênticos, com saberes e necessidades semelhantes, o que o exime de diferenciar o currículo e a relação pedagógica que estabelece em sala de aula.
Sacristán (2005, p. 15) aponta que, nas últimas décadas, o discurso dominante em educação tem apresentado esse aspecto daltônico na medida em que “esteve muito mais centrado na instituição escolar, em sua eficácia, no currículo, na acomodação ao sistema produtivo ou nas reformas educacionais” do que em seus reais beneficiários, os estudantes. Consequentemente, acrescenta o autor, poderíamos supor que “o fracasso escolar preocupa, mas ‘os fracassados’ nem tanto”, e, nesse ponto, uma constatação emerge: “quando se diz que uma inovação fracassa ou tem êxito, poucas vezes se apela para o que representa uma ou outra para o aluno, no que melhora sua qualidade de vida”, conclui.
Nesse contexto, a problemática que mobilizou a escrita deste artigo envolveu compreender como personalizar percursos de aprendizagem em tempos de pandemia e para além dela, reconhecendo a diferença cultural na escola e na sociedade, principalmente em relação à multiplicidade de identidades e saberes que os estudantes possuem e suas intersecções com as realidades socioeconômicas que enfrentam, de modo a garantir um processo educacional mediado por tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) que seja capaz de favorecer aprendizagens emancipatórias a todos os envolvidos nele. Assim, diante dessa problemática, avalia-se, de início, como pertinente demarcar o entendimento adotado neste artigo acerca dos conceitos centrais para o seu desenvolvimento: diversidade e diferença, usualmente confundidos como sinônimos.
Em primeiro lugar, a adoção exclusiva da ideia de diversidade aumenta o risco de que diferenças e identidades sejam naturalizadas em meio a “um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade” (SILVA, 2014, p. 73). Por outro lado, considerar os processos de produção de identidades e diferenças, aspectos que se entrelaçam e se retroalimentam, pode servir de base para práticas pedagógicas críticas e questionadoras. Em segundo lugar, é igualmente pertinente para uma compreensão ampla das reflexões aqui realizadas, delinear a concepção de diferença que defendemos neste trabalho.
Logo, entendemos as diferenças “como realidades sociohistóricas, em processo contínuo de construção-desconstrução-construção, dinâmicas, que se configuram nas relações sociais e estão atravessadas por questões de poder” (CANDAU, 2011, p. 246). Elas são, portanto, dimensões que constituem indivíduos e grupos sociais e devem “ser reconhecidas e valorizadas positivamente no que têm de marcas sempre dinâmicas de identidade”, mas “combatidas as tendências a transformá-las em desigualdades, assim como a tornar os sujeitos a elas referidos objeto de preconceito e discriminação” (CANDAU, 2011, p. 246).
Para situar essa problemática no contexto atual, realizamos reflexões acerca dos desafios da educação básica no decorrer da pandemia da doença do coronavírus (Covid-19) e seus desdobramentos, bem como sobre a metodologia de ensino híbrido, considerando a sua provável adoção pelas redes de ensino, inclusive as públicas, diante da retomada parcial das aulas presenciais quando a fase mais aguda da pandemia for superada. Elegemos essa metodologia como objeto de análise por ela ter como um dos seus fundamentos a ideia de que não existe uma forma única de aprender e por conceber a aprendizagem como um processo contínuo que pode se efetivar por meio de diferentes práticas e em espaços variados, com o uso de TDIC para permitir a personalização do ensino (BACICH et al., 2015).
Ampliamos os horizontes em torno do problema de estudo, passando a articular às discussões sobre identidade e diferença outras noções como ecologia de saberes (SANTOS, 2018, 2010a, 2010b), multiculturalismo (HOOKS, 2017; MCLAREN, 1997) e interculturalidade (CANDAU, 2011; MOREIRA, 2002; WALSH, 2009), principalmente, advindas de estudos que um dos autores deste artigo vem realizando sobre epistemologias decoloniais, com o intuito de contribuir com os esforços em busca de como proceder a uma personalização crítica de percursos de aprendizagem no ensino híbrido.
O objetivo deste artigo foi, portanto, trazer subsídios para a adoção do ensino híbrido no contexto de escolas públicas ao ampliar a compreensão dos processos educacionais desenvolvidos no âmbito dessa metodologia a partir de uma perspectiva multicultural, apoiando a tomada de decisões e a definição de objetivos de ações pedagógicas mediadas por TDIC em tempos de pandemia, mas para além dela também.
Dessa forma, este artigo configura-se como um estudo acerca de implicações que perspectivas multiculturais apresentam para o campo da Educação em tempos de pandemia e para o ensino híbrido em especial que parte da necessária problematização de aspectos como a identidade e a diferença na escola e na sociedade, em um mundo heterogêneo como o de hoje. Nesse sentido, realizamos previamente uma pesquisa bibliográfica sobre os temas mencionados e as áreas em que eles se inserem. Enquanto dado complementar, apresentamos uma breve proposta interdisciplinar acerca de como as ideias e pontos de vista defendidos no artigo podem ser colocados em prática no contexto do ensino híbrido.
2 A EDUCAÇÃO BÁSICA NA/APÓS A PANDEMIA
Pensar a docência considerando-se as diferenças entre os estudantes, suas culturas, seus saberes e práticas aprendidos na família e/ou na comunidade, bem como dimensões relacionadas à construção das suas identidades, tem sido posto no contexto da Covid-19 não somente como uma urgente necessidade para promover êxitos escolares, mas também como um caminho para experiências educacionais capazes de enaltecer e produzir “mais vida, mais compaixão, mais responsabilidade com o mundo e com os outros, portanto que humanizem, educando a todos os que delas participam” (CAMPOS et al., 2015, p. 1262) ao partirem do reconhecimento da diferença cultural que permeia os grupos humanos.
E como precisamos nesses tempos pandêmicos de práticas pedagógicas assim, potentes em mais vida, mais compaixão, mais responsabilidade com o mundo e com os outros! Tais valores são reconhecidamente o que tem faltado a muitos de nós ao longo da batalha que travamos com o novo coronavírus desde o advento da pandemia da Covid-19, em 2020. Apesar de esforços da comunidade científica, ao desenvolver vacinas em tempo recorde, vemos todos os dias obstáculos ao controle da doença sendo erguidos por discursos e posturas negacionistas assumidos por certos governantes e seus aliados. Como resultado de tamanha falta de compaixão, ainda estávamos, em 2021, “isolados” em nossas casas, imersos em uma quase distopia, na qual, se os obituários ainda fossem registrados nos jornais impressos, provavelmente haveria de faltar espaço, dada a quantidade de milhares de mortes ocorridas diariamente no Brasil por muito tempo. Com a palavra, Morin (2012, p. 52-53):
Estamos na noite e na neblina, placenta informe, útero onde o sangue que nos nutre se mistura com a imundície. Não sabemos se a agonia em que entramos é aquela do nascimento ou da morte da humanidade. (...) Isto equivale a dizer que devemos estar prontos tanto para desesperar quanto para esperar. Por um lado, o fim da humanidade talvez esteja próximo; por outro, um novo nascimento da humanidade é possível.
No campo da Educação, essa sombria realidade e suas ambiguidades exigiu e ainda requer a suspensão das aulas presenciais em decorrência de medidas como o distanciamento social para se evitar a infecção pelo novo coronavírus. Mudanças na educação básica têm sido vivenciadas, especialmente porque esta passou a ser realizada exclusivamente por meio de estratégias e recursos das TDIC, algo inédito até aqui. É fato que o uso educacional das TDIC já não era novidade; contudo, antes da Covid-19, essas experiências estavam restritas praticamente ao ensino superior, no contexto de cursos de graduação a distância, ou a cursos técnicos profissionalizantes.
Para Pasini et al. (2020, p. 6), o contato repentino com as TDIC, que os sujeitos da educação básica tiveram diante da sua adoção emergencial no cenário pandêmico em que vivemos acabou colocando-os em “um lugar de entrecruzamento, de intersecção, (...) um lugar fronteiriço”, onde muitos professores estão buscando adaptar suas práticas pedagógicas para o “mundo virtual” enquanto aprendem a lidar com os diferentes recursos, ferramentas e estratégias de ensino que as TDIC oferecem. Já os estudantes, esforçam-se para se reconectar com os seus professores e com as suas escolas, enfrentando, para tanto, dificuldades de ordem material como a ausência de espaços adequados aos estudos em suas residências, a carência de equipamentos tecnológicos (computadores, celulares, tablets etc.) e a precariedade do acesso à internet, com conexões lentas e instáveis, bem como desafios de ordem emocional como a busca por motivação para continuar seus estudos apesar de... Tudo isso com o que lidamos na pandemia em curso.
Sabe-se que o Brasil é socialmente marcado pela desigualdade. Com a Covid-19, constatou-se o aprofundamento ou a expansão dessa realidade: os rendimentos estão caindo, as disparidades entre ricos e pobres aumentando e a desigualdade racial se acentuando (SALATA; RIBEIRO, 2020). Nas escolas públicas, essa trágica realidade se traduz em baixos índices de participação e aproveitamento dos estudantes nas atividades online, pois eles integram famílias que geralmente são afligidas por carências socioeconômicas, para quem a adoção maciça de TDIC na educação básica durante a pandemia representou mais uma exclusão, agora em relação ao direito à educação.
Não se pode desconsiderar que um dos principais entraves para uma utilização democrática das TDIC em escolas públicas no Brasil é justamente o quadro social de extrema desigualdade que caracteriza o nosso país. Ao se fazer uso das TDIC é preciso, portanto, ter em mente as desigualdades existentes em nossas comunidades escolares para que elas não sejam intensificadas com a sua adoção; pelo contrário, que os processos educacionais daí decorrentes ajudem a mitigar essas exclusões (SILVA, 2017). Reimers e Schleicher (2020), ao proporem uma resposta educativa rápida e eficaz à Covid-19, reforçam a importância de levarmos em conta a sensibilidade sociocultural que Silva (2017) também nos alerta, quando recomendam como iniciativas para as redes de ensino: estabelecer um grupo de trabalho representativo dos diferentes setores da comunidade escolar; definir princípios e objetivos de aprendizagem; identificar meios para prover a educação e suas viabilidades; incrementar a comunicação com a comunidade escolar e a sociedade em geral; promover a formação docente; definir mecanismos apropriados de avaliação; garantir a segurança alimentar dos estudantes; oferecer apoio à saúde mental de professores e estudantes; assegurar apoio financeiro, logístico e moral para que professores e estudantes obtenham êxito enquanto perdurar as contingências decorrentes da pandemia em curso, entre outros.
Não se trata de um programa de fácil aplicação, principalmente dentro da realidade de escolas públicas brasileiras, mas que pode ser utilizado como parâmetro para ponderação sobre o abismo social que separa estudantes de classes sociais favorecidas dos que pertencem a classes sociais populares. Afinal, são diversos os relatos de que muitas escolas públicas no Brasil não conseguiram efetivar até aqui, em sua plenitude, iniciativas como as indicadas acima para uma ação proativa frente à Covid-19 na área da Educação (FLORES; LIMA, 2021; BENEDITO; CASTRO FILHO, 2020; GONZAGA, 2020). Isso significa que seus estudantes, oriundos majoritariamente das classes populares, não estão tendo acesso de qualidade à educação no enfrentamento do contexto pandêmico. Por isso, para uma educação democrática, que não exclua os mais desfavorecidos dos seus processos, seja no decorrer da pandemia, seja no período pós-pandêmico, em que as TDIC ocupam e continuarão a ocupar um papel central nas mediações pedagógicas, faz-se premente uma reflexão acerca de uma adoção das TDIC crítica e contextualizada, isto é, com compromisso social.
3 ENSINO HÍBRIDO E COMPROMISSO SOCIAL
A proposta de ensino híbrido guarda desde as suas origens, no início do século XXI, a intenção de atender demandas específicas por acesso à educação. Inicialmente, isso se deu no contexto de empresas que articulavam períodos de estudos em ambientes tradicionais com momentos de aprendizagem mediados por computador em seus programas de qualificação de funcionários, o que foi denominado, então, de blended learning (GODINHO; GARCIA, 2016). Com as recentes inovações tecnológicas, o aprimoramento do ensino híbrido se traduziu em novas configurações de ambientes e abordagens de ensino e aprendizagem, mais abrangentes que o simples uso de computadores, passando a ser adotado na educação superior e em algumas escolas localizadas em áreas remotas (EUROPEAN COMISSION, 2020).
Para Bacich e Moran (2015), diante da variedade de TDIC e de seus mais diversos usos em processos educacionais, o que se vê em relação ao ensino híbrido é que essas tecnologias o dotaram de amplas e profundas possibilidades em relação à constituição de processos de ensino e de aprendizagem de longo alcance, com viabilidade para intercâmbio de conhecimentos que não se restringem mais às paredes das salas de aulas, nem aos limites das escolas. Nesse sentido, Bacich et al. (2015) enxergam no ensino híbrido uma estratégia potente para ajudar na integração entre as escolas e o mundo, pois o uso das TDIC em abordagens educacionais híbridas promove o desenvolvimento de atividades dentro (offline) e fora (online) das salas de aulas, estimulando um papel de centralidade dos estudantes na construção de seus próprios conhecimentos.
Quando tratamos de TDIC na educação não podemos nos esquecer da necessidade atual de um “ensino que esteja voltado para atividades em que os estudantes sejam ativos na construção dos seus conhecimentos, que possam tomar decisões, utilizar a criatividade e avaliar os seus resultados” (CEMBRANEL; SCOPEL, 2019, p. 13). Eis aí bons critérios para uma curadoria de recursos educacionais digitais: estímulo à participação, à criatividade e à autoavaliação. Um uso crítico das TDIC se opera, portanto, no sentido da sua intencionalidade pedagógica. Além disso, uma adoção contextualizada das TDIC se viabiliza pelo oferecimento de formações docentes a seu respeito, voltadas para a reflexão sobre aspectos pedagógicos relacionados com os seus usos, pois a partir desse tipo de experiência os professores podem vir a lançar mão dessas ferramentas, de uma forma mais consciente, coerente com o seu próprio fazer pedagógico, conseguindo agregá-las às práticas que já desenvolvem com criticidade e criatividade (BACICH, 2018). Aqui, por sinal, ocorrem-nos outros pressupostos para a adoção das TDIC tendo-se, particularmente, a realidade de escolas públicas como cenário, a saber: consciência, coerência, criticidade e criatividade.
O ensino híbrido, de acordo com Moran (2018, p. 4), articula noções como “a flexibilidade, a mistura e compartilhamento de espaços, tempos, atividades, materiais, técnicas e tecnologias”, com atenção especial ao papel de protagonista do estudante, uma vez que as abordagens educacionais híbridas buscam exatamente expandir os espaços de participação direta e reflexiva em todas as suas etapas, aumentando, assim, as chances e as possibilidades de atuação dos estudantes ao longo desses processos. Portanto, o ensino híbrido não se resume ao uso de TDIC, pois envolve, também, uma combinação entre os tipos de aprendizagem online e presencial, enfatizando-se a participação dos estudantes com um certo protagonismo. Horn e Staker (2015) definem o ensino híbrido com três aspectos: parte da aprendizagem do estudante é online, com liberdade sobre o ritmo e o local de estudos; outra parte ocorre em um local físico sob algum tipo de supervisão, geralmente na escola; essas modalidades estão conectadas para promover uma aprendizagem integrada.
Moran (2015) ressalta, ainda, que ao pensarmos sobre ensino híbrido é fundamental considerarmos essa perspectiva como experiência de aprendizagem integrada que vai muito além da simples combinação entre diferentes espaços, tempos, atividades, metodologias e públicos. O autor defende que o principal desafio a esse respeito é que no ensino híbrido “a mistura mais complexa é integrar o que vale a pena aprender, para que e como fazê-lo. O que vale a pena? Que conteúdos, competências e valores escolher em uma sociedade tão multicultural? O que faz sentido aprender em um mundo tão heterogêneo e mutante?” (MORAN, 2015, p. 27, grifos nossos). Nesse ponto, destaca-se que, para o autor, o caráter multicultural da sociedade contemporânea apresenta um desafio de grande monta ao ensino híbrido, afinal: qual currículo construir/propor em um mundo marcado por tantas diferenças e desigualdades? Trata-se mesmo de um desafio enorme não somente ao ensino híbrido, mas para o campo da Educação como um todo, porque a construção de um currículo multicultural que faça sentido atualmente requer a confrontação e a superação de várias questões, a começar por aquelas provocadas por Gomes (2017, p. 9):
A escola da Educação Básica compreende (...) que não é possível pensar alternativas para a superação das desigualdades se não encararmos que historicamente se construiu uma tensa relação entre diferenças e desigualdades? Admite que as diferenças foram desconsideradas por muito tempo (e até hoje!) pelo campo da educação, tanto na teoria quanto na prática e nas políticas? E que tudo isso tem repercussões na vida dos sujeitos que estão na escola – docentes, estudantes, técnicos – causando impactos no currículo, permeando a relação pedagógica e as relações humanas que acontecem no cotidiano da escola?
Tais reflexões têm como pressuposto a concepção de que a escola também é um espaço social de produção de saberes, identidades e diferenças (SILVA, 2014). Portanto, outra concepção de conhecimento é possível de ser reivindicada, resultante da busca por uma racionalidade mais ampla e mais flexível, capaz de dar conta da multiplicidade dos saberes e experiências humanos (SANTOS, 2018, 2010a, 2010b). A proposição, aqui, é que os processos educacionais multiculturais partam do reconhecimento de que a humanidade não é uma só (KRENAK, 2020b)4, apresenta diferenças e desigualdades profundas que, por meio de mecanismos excludentes, criam categorias como a dos quase-humanos: “milhares de pessoas que insistem em ficar fora dessa dança civilizada, da técnica, do controle do planeta. E por dançar uma coreografia estranha são tirados de cena, por epidemias, pobreza, fome, violência dirigida” (KRENAK, 2020a, p. 70). Seres humanos que, por estarem ausentes dos palcos do poder, sofrem, na maioria das vezes invisibilizados/silenciados, as consequências perversas do sistema de coisas que sustenta e alimenta toda uma ordem de sacrifícios5 a eles endereçados, incluindo ameaças à própria vida, tais como as citadas por Krenak (2020a).
Para Santos (2010a), são exatamente tais sujeitos aqueles que precisam ser identificados, ouvidos e empoderados por novas sociologias6 que apanhem e valorizem, feito o poeta Manoel de Barros7, os desperdícios de experiências e saberes engendrados ao redor de iniciativas, movimentos, redes e organizações de grupos sociais como os indígenas, os negros e as mulheres, apenas para citar alguns exemplos de identidades “locais ou particularistas”, nos dizeres de Hall (2011, p. 69, grifo do autor), que “estão sendo reforçadas pela resistência” a uma série de exclusões socioeconômicas, políticas e culturais que as subalternizam. Grupos sociais marginalizados, tidos como “seres desimportantes”, cujos conhecimentos são negligenciados e igualmente considerados como “coisas desimportantes” pelo rito estabelecido como científico, o qual determina quais conhecimentos são “verdadeiros”, em detrimento de outros classificados como incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem aos critérios de cientificidade (SANTOS, 2010a).
A proposta de Santos (2010a) sobre a necessidade de novas abordagens sociológicas em direção a uma ecologia de saberes, isto é, um contexto mais amplo de diálogo que favoreça “o reconhecimento da existência de uma pluralidade de formas de conhecimento além do conhecimento científico” (SANTOS, 2010a, p. 54), quando aplicada ao campo da Educação encontra ressonância em muitos autores. Dentre eles, pode-se destacar Candau (2011, p. 244), pois essa autora problematiza as contribuições da sociologia da educação até aqui realizadas, que teriam se restringido a introduzir “a discussão sobre as relações entre as variáveis socioeconômicas e os processos educacionais, concretamente sobre os determinantes do fracasso escolar”, com ênfase nas diferenças de classe social; o que resultou, a seu ver, em entendimentos equivocados de que as diferenças deveriam ser superadas para se alcançar uma pretensa homogeneização entre os estudantes.
A defesa de Candau (2011) encontra-se exatamente no espectro oposto: o reconhecimento das diferenças na escola e na sociedade precisa ser fomentado. Assim, a autora situa as contribuições de Paulo Freire como exemplos dessa nova perspectiva, “pelo reconhecimento da relevância da dimensão cultural nos processos de alfabetização de adultos, superando assim uma visão puramente classista, e pelo método dialógico que propõe implementar nos processos educativos” (CANDAU, 2011, p. 244), apontando para um horizonte de práticas multiculturais, críticas, abertas e interativas, hoje em dia ainda mais pertinentes e necessárias, como também defende a ecologia de saberes proposta por Santos (2018, 2010a, 2010b) anteriormente mencionada.
4 POR UM ENSINO HÍBRIDO MULTICULTURAL, CRÍTICO, ABERTO E INTERATIVO
Desde a perspectiva do multiculturalismo crítico (MCLAREN, 1997), a sociedade, a cultura e a democracia não são vistos como espaços, dimensões e esferas ausentes de conflitos nem a diversidade é compreendida como uma meta. Recomenda-se, ao contrário, estar sempre atento à noção de diferença. Se por um lado as diferenças tornam o consenso um desafio complexo, o autor argumenta que elas enriquecem a cultura quando esta é entendida como uma atividade de formação simbólica. A noção de multiculturalismo que ele defende afasta-se, assim, de quaisquer tendências de assimilação cultural geralmente sustentadas por argumentos de que vivemos em uma cultura igualitária porque seríamos uma humanidade comum e universal. Pelo contrário, a compreensão crítica de multiculturalismo desenvolvida por Mclaren (1997, p. 77) considera as diferenças de classe, raça, idade, gênero e orientação sexual “ao explorar a identidade dentro de contextos de poder, discurso, experiência e especificidade histórica”, com o que concordamos plenamente.
Situando esses preceitos em um cenário pós-crítico, Hooks (2017, p. 51) reconhece o multiculturalismo como central nos debates em nossa sociedade, ainda mais no campo da Educação; porém, afirma que, em relação a aspectos práticos, as discussões sobre como transformar o contexto da sala de aula em uma experiência de inclusão ainda está muito longe de alcançar um horizonte consolidado:
Vamos encarar a realidade: a maioria de nós frequentamos escolas onde o estilo de ensino refletia a noção de uma única norma de pensamento e experiência, a qual éramos encorajados a crer que fosse universal. (...) Como consequência, muitos professores se perturbam com as implicações políticas de uma educação multicultural, pois têm medo de perder o controle da turma caso não haja um modo único de abordar um tema, mas sim modos múltiplos e referências múltiplas.
A educação multicultural envolve mesmo uma certa coragem e disposição para aceitar os riscos e os trunfos envolvidos com a sua prática, pois envolve deslocamentos e perturbações como os citados por Hooks (2017), sendo frequente entre professores que se abrem a múltiplas perspectivas o medo de “perder o controle” das discussões que promovem em seus espaços formativos. Então, o desafio valeria realmente a pena? Acreditamos que sim, pois abraçar a mudança no ensino em um mundo multicultural como o que vivemos é uma tarefa que se mostra atual e urgente (MORAN, 2015; HOOKS, 2017), especialmente diante da necessidade de promovermos processos pedagógicos mais conectados com o mundo e com os outros (CAMPOS et al., 2015). Aqui, um questionamento se impõe: “Como se configuraria uma pedagogia e um currículo que estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença, mas que buscassem problematizá-las?” (SILVA, 2014, p. 74).
Longe de indicar uma resposta definitiva a uma questão complexa como essa, mas próximo de um caminho viável para a problematização da identidade e da diferença no contexto de práticas pedagógicas é possível apontar a abertura para o diálogo e a interação com os outros como via crítica para se promover esse intento. Para Candau (2011, p. 247), “a promoção deliberada da interrelação entre diferentes sujeitos e grupos socioculturais presentes em uma determinada sociedade (...) rompe com uma visão essencialista das culturas e das identidades culturais” e nos faz caminhar em direção à interculturalidade cuja definição encontra-se muito bem formulada por Walsh (2009, p. 41, tradução livre) 8:
Como conceito e prática, processo e projeto, a interculturalidade significa – em sua forma mais geral – o contato e o intercâmbio entre culturas em termos equitativos; em condições de igualdade. Tal contato e intercâmbio não devem ser pensados simplesmente em termos étnicos, mas também a partir da relação, comunicação e aprendizagem permanentes entre pessoas, grupos, conhecimentos, valores, tradições, lógicas e racionalidades distintas, orientados a gerar, construir e propiciar um respeito mútuo, e um desenvolvimento pleno das capacidades dos indivíduos e coletivos, acima de suas diferenças culturais e sociais. Em si, a interculturalidade busca romper com a história hegemônica de uma cultura dominante e outras subordinadas e, dessa maneira, reforçar as identidades tradicionalmente excluídas para construir, tanto na vida cotidiana como nas instituições sociais, um convívio de respeito e legitimidade entre todos os grupos da sociedade.
Nessa direção, partindo do pressuposto de que as culturas estão continuamente em processo de construção e reconstrução, Moreira (2002) reflete sobre implicações que a perspectiva multicultural apresenta para as práticas pedagógicas e defende a importância de se reconhecer a diferença cultural na escola e na sociedade. Ao que Candau (2011) acrescenta o desafio de se promover a interculturalidade convidando-nos a assumir compromissos pedagógicos em favor de processos educacionais que intensifiquem a hibridização cultural com a consequente produção de identidades abertas ao diálogo entre diferentes saberes e conhecimentos. A Figura 1 esquematiza como Moreira (2002) acredita ser possível efetivar essas ideias no contexto de experiências educacionais multiculturais.
Moreira (2002) compreende que as implicações do multiculturalismo para as práticas pedagógicas impõem o reconhecimento da diferença cultural na sociedade e na escola a partir do abandono de perspectivas monoculturais, o que pode se traduzir no “aproveitamento da riqueza implicada na diversidade de símbolos, significados, padrões de interpretação e manifestações que se acham presentes na sociedade e nas escolas” (MOREIRA, 2002, p. 25). Para o autor, esse movimento deve ser igualmente acompanhado de esforços no sentido de reescrever o conhecimento, buscando “desafiar a lógica eurocêntrica, cristã, masculina, branca e heterossexual que até agora informou o processo [sociocultural no ocidente], assim como para permitir o confronto com outras lógicas, com outras maneiras de ver e compreender o mundo e de nele atuar” (MOREIRA, 2002, p. 27). Já do ponto de vista de como efetivar esses princípios em práticas pedagógicas, tem-se tanto a recomendação de ancorar socialmente o processo, questionando discursos e práticas pedagógicas o tempo todo, com o intuito de “entender como, historicamente, posturas preconceituosas cristalizaram-se no currículo, nas diferentes disciplinas” (MOREIRA, 2002, p. 27) quanto de estabelecer interrelações entre diferentes sujeitos a partir do diálogo enquanto elemento norteador das estratégias pedagógicas, para que elas sejam capazes de “criar contextos, enredos, histórias” (MOREIRA, 2002, p. 28) que tornem viável a aprendizagem na interculturalidade (CANDAU, 2011; WALSH, 2009), com e tendo por base as diferenças. Cabe salientar que todos esses aspectos são interdependentes, como as setas duplas da Figura 1 buscam evidenciar.
Diante dessas perspectivas, é plausível defender que abordagens críticas sobre identidade e diferença em atividades educacionais são uma forma legítima de problematizar aspectos socioculturais muitas vezes naturalizados, a exemplo de desigualdades sociais, discriminações e preconceitos de toda espécie que subalternizam determinados grupos sociais. Dessa forma, entende-se que essa problematização pode ser realizada particularmente no contexto de processos que a metodologia de ensino híbrido se propõe a implementar, em especial aqueles tidos como sustentados por aliarem a sala de aula convencional com o ensino online, como é o caso do modelo de rotação (HORN; STAKER, 2015).
Nesse sentido, argumentamos que, dentre as estratégias desse modelo de rotação (rotação por estações, laboratório rotacional, sala de aula invertida e rotação individual) a adoção articulada da rotação por estações com a sala de aula invertida maximiza as possibilidades de personalização de percursos de aprendizagem sem exigir elevados custos operacionais, o que atende a realidade da maioria das escolas brasileiras, permitindo ampliar os espaços de formação e participação crítica dos estudantes. Seria justamente nesses novos espaços que a problematização dos conteúdos trabalhados se daria à luz das implicações que as perspectivas multiculturais discutidas neste texto apresentam às práticas pedagógicas.
Na sequência, apresentamos uma proposta interdisciplinar nesse sentido que exemplifica como o arcabouço teórico desenvolvido neste artigo pode ser colocado em prática no ensino híbrido. A dinâmica ao redor das atividades sugeridas busca se aproximar de uma educação multicultural a partir de modos e referências múltiplas à realidade sociocultural (HOOKS, 2017) que as quatro estações de trabalho pedagógico que são recomendadas dão à temática transversal abordada: no caso, o corpo. Em relação à metodologia do ensino híbrido, o planejamento indicado considera os ganhos pedagógicos que o modelo de rotação possibilita ao articular duas das suas abordagens, a saber: a rotação por estações e a sala de aula invertida, como defendido anteriormente.
A ideia da rotação por estações no ensino híbrido é que os estudantes tenham a possibilidade de trilhar diferentes percursos de aprendizagem (BACICH et al., 2015). Desse modo, apesar da organização das estações na proposta a seguir estar em sequência alfabética (estações A, B, C e D), a ordem de realização das atividades de cada uma das estações sugeridas não somente pode como deve ser personalizada. Já a dimensão da sala de aula invertida (HORN; STAKER, 2015) está contemplada pelo ensino online realizado em casa pelos estudantes por meio de diferentes recursos sobre o assunto em discussão, tais como textos, vídeos, músicas etc. Uma visão geral dessa proposta é oferecida pela Figura 2.
Como pode ser constatado, as estratégias pedagógicas sugeridas acima envolvem desde discussões fundamentadas em aspectos histórico-filosóficos acerca da influência que as relações socioculturais impõem sobre a compreensão que temos dos nossos corpos (Estação A) – em uma espécie de esforço por reescrever o conhecimento que se tem sobre esse tema, ancorando-o socialmente, como Moreira (2002) recomenda –, até questões cruéis como o racismo na sociedade brasileira (RIBEIRO, 2020 e 2019), problematizado na Estação D por uma indagação que parafraseia a canção-protesto A carne, magistralmente interpretada por Elza Soares (2002): “A carne mais barata do mercado é a carne negra (...) / Que vai de graça para o presídio / E para debaixo do plástico / Que vai de graça para o subemprego / E para os hospitais psiquiátricos”. Essas duas estações de trabalho (A e D) dialogam estreitamente com ações no sentido de ancorar o processo pedagógico na realidade social, o que é exatamente uma das implicações que as perspectivas multiculturais apontam para o campo da Educação (MOREIRA, 2002). O intuito desses esforços não é outro senão o de promover discussões sobre como preconceitos de toda espécie, a exemplo daqueles nutridos por diferenças raciais, foram sendo engendrados e consolidados na sociedade, na escola, no currículo e nos seus diferentes componentes curriculares a fim de desconstruí-los com base no diálogo intercultural (CANDAU, 2011; WALSH, 2009) entre os sujeitos participantes das atividades colaborativas realizadas.
As estações B e C, por sua vez, orientam-se pela intenção pedagógica de promover interrelações entre os temas discutidos e as diferentes áreas do conhecimento, em especial aquelas que são geralmente desprestigiadas no cotidiano das práticas educativas, como as artes e as emoções. A inspiração que se tem aqui é a da noção de ecologia de saberes que Santos (2018, 2010a, 2010b) desenvolve e propõe como uma forma de reconhecer a existência de uma pluralidade de conhecimentos para muito além daqueles classificados como científicos; reconhecimento este igualmente defendido por teóricos do multiculturalismo e da interculturalidade (CANDAU, 2011; HOOKS, 2017; MCLAREN, 1997; MOREIRA, 2002; WALSH, 2009) como caminho para se abandonar perspectivas monoculturais, o que sustenta a proposição das estratégias pedagógicas aqui apresentadas.
Assim, com as atividades e reflexões derivadas dessas problematizações, espera-se que os estudantes construam, contando com a mediação dos professores envolvidos nos momentos presenciais e nos fóruns online, discussões emancipatórias em relação à singularidade de seus próprios corpos a fim de que consigam valorizar cada vez mais as suas diferenças enquanto dimensões identitárias positivas e, ao mesmo tempo, que sejam capazes de combater discriminações baseadas em aspectos fenotípicos como cor, tipo de cabelo, peso, altura, entre outros.
Com esse exemplo sucinto, não almejamos, é evidente, equacionar todas as questões e fronteiras desbravadas neste artigo desde as perspectivas multiculturais apresentadas em diálogo com o contexto educacional em geral e os cenários da educação em tempos de pandemia em especial. A intenção foi apenas apontar um esboço de como acreditamos ser viável considerar as implicações de ideias, valores e compromissos inspirados pelo multiculturalismo crítico em práticas pedagógicas do ensino híbrido. E, assim, quem sabe, provocar reflexões acerca da pertinência de ampliarmos os horizontes das atividades educacionais híbridas em direção à necessidade de assumirmos certos compromissos sociais inadiáveis.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo refletir sobre processos educacionais mediados por TDIC no contexto pandêmico e para além dele, considerando a importância de se reconhecer aspectos como as desigualdades socioeconômicas e questões relacionadas com a identidade e a diferença enquanto elementos presentes na sociedade e, consequentemente, nas escolas. Nesse sentido, noções como ecologia de saberes, multiculturalismo e interculturalidade foram articuladas e situadas no contexto do ensino híbrido com a intenção de construir argumentos a favor de práticas educacionais em geral, e híbridas em particular, que considerem a problematização de dimensões como a identidade e a diferença como uma estratégia potente tanto para personalizar percursos de aprendizagem quanto para questionar construtos socioculturais muitas vezes naturalizados, tais como as desigualdades sociais, as discriminações e os preconceitos.
Com isso, esperamos contribuir com uma adoção crítica da metodologia de ensino híbrido nos processos educacionais levados a cabo durante e após a crise sanitária em andamento, pois no mundo multicultural e desigual em que vivemos, o caminho mais coerente em direção a uma educação democrática parece mesmo que se inicia com o reconhecimento das diferenças na escola e além dos seus muros. Ao ampliarmos horizontes sem pretensões de apontar rotas exatas para contornar as questões levantadas ao longo do artigo, apresentamos para além de diferentes perspectivas teóricas, uma proposta interdisciplinar de ensino híbrido que trouxe pistas de como seria possível trilhar esse caminho desafiador rumo a uma educação multicultural.
Dessa forma, acreditamos ter sido alcançado o intuito de provocar reflexões sobre a adoção crítica e contextualizada de TDIC, particularmente no âmbito do ensino híbrido em escolas públicas, tendo em vista a realidade socioeconômica da maioria dos estudantes brasileiros que nos impõe a necessidade de (re)planejar práticas pedagógicas com o objetivo de torná-las acessíveis, sensíveis às diferenças, interativas e abertas ao diálogo entre todos os que elas envolvem.