1 INTRODUÇÃO
Refletindo sobre o avanço das novas tecnologias da informação e comunicação e a consequente exploração de novas formas de interação entre homem e máquina, o processo educativo passou a buscar também por novas ferramentas capazes de atender uma nova geração de estudantes já adaptados ao novo paradigma de tecnologias interativas e digitais (SANMUGAM et al., 2016). O setor educacional universitário, que recebe atualmente este perfil de estudantes acostumados às inovações tecnológicas, busca novas formas de atrair e quantificar os níveis de engajamento de estudantes, fomentando a melhoria das práticas educacionais (AZIZ; ESCHE; CHASSAPIS, 2009).
A utilização de objetos multimídias como vídeos, filmes e jogos possui a capacidade de incentivar a aquisição do conhecimento, pois notavelmente apresenta um maior nível de engajamento dos estudantes no processo educacional, quando comparado com métodos tradicionais, como aulas expositivas orais (MISTRY; AL-ANAN, 2015). Dentro deste mesmo contexto, o aprendizado baseado em jogos é uma estratégia com cada vez mais aplicação nos esforços para sobrepor barreiras educacionais enfrentadas pelos atuais sistemas de ensino, que eventualmente demonstram dificuldades em alcançar o interesse e a atenção dos estudantes (BACKLUND; HENDRIX, 2013).
A aplicação de jogos voltados para o ensino, propaganda e treinamento de profissionais nas mais variadas situações é conhecida como Jogo Sério (LAAMARTI; EID; EL SADDIK, 2014). Esse tipo de ferramenta possui exemplos relevantes de pesquisa acadêmica na educação, medicina e negócios (RAMAN; LAL; ACHUTHAN, 2014; MORSI; MULL, 2015; ELLIMAN; LOIZOU; LOIZIDES, 2016; MILOSZ; MILOSZ, 2017). É possível encontrar esse tipo de ferramenta sendo utilizado ainda para treinamentos militares, como jogos que apresentam situações reais de aviação militar dentro de um contexto de entretenimento (GOLDIEZ; ANGELOPOULOU, 2016).
No ensino de engenharias, podemos encontrar aplicações voltadas para o ensino de conhecimento técnico, como o jogo Circuit War Z desenvolvido na Universidade de Ulster como ferramenta de apoio ao ensino e aprendizagem de eletrônica. Ao contrário de simulações de computador, o objetivo deste tipo de aplicação é apresentar ao estudante um objeto de entretenimento com enredo e ambientação, buscando tornar lúdico o processo de ensino e aprendizagem ao estudante (CALLAGHAN et al., 2017).
Destaca-se nas engenharias a utilização de sistemas fotovoltaicos na geração de energia elétrica, um campo nos quais os avanços tecnológicos também possibilitaram um crescimento considerável e cujo apelo ambiental e geopolítico atrai novos investimentos. Estima-se que a geração de energia dessa categoria possa atingir entre 8% e 20% da demanda de eletricidade global até o ano de 2050, principalmente devido à necessidade de busca por fontes de energia limpas e renováveis (FREI et al., 2013).
Por tratar-se de um setor em crescimento, pesquisas relacionadas ao ensino de sistemas fotovoltaicos têm chamado a atenção de pesquisadores, professores, estudantes e profissionais. Cursos massivos online voltados para o ensino-aprendizagem de energias renováveis, em que a geração de energia fotovoltaica ganha destaque, chegam a registrar mais de 150 mil estudantes interessados (BRUDLER et al., 2012). Além disso, novas tecnologias educacionais passam por laboratórios físicos para estudos de ordem prática (ALADDOUS; CLASS, 2011), laboratórios remotos (HUTZEL; GOODMAN, 2004; BLANCHARD et al., 2014; MASTNY et al., 2014; TOBARRA et al., 2014) e laboratórios virtuais (CHEDID et al., 2014; RUS-CASAS et al., 2014; AGUILAR-PEÑA et al., 2016).
É possível ainda encontrar vídeos instrucionais e simulações baseadas em realidade aumentada e virtual (PANTCHENKO et al., 2011; FERRER et al., 2013), além de jogos digitais que exploram de maneira lúdica os conceitos relacionados à geração de energia e eletricidade, como a aplicação Lumen desenvolvida a partir do jogo Minecraft (STUYTS; DRIESEN, 2016).
Apesar disso, a utilização de jogos para o processo de ensino e aprendizagem de sistemas fotovoltaicos ainda é pouco explorada a despeito do crescimento deste setor da indústria. A demanda crescente pela capacitação de novos técnicos e engenheiros na área de sistemas fotovoltaicos de geração de energia demanda cada vez mais que este tipo de tecnologia seja utilizada em ambientes pedagógicos e de treinamento, facilitando o entendimento de questões de difícil compreensão (MASSON et al., 2016).
Dessa forma, esse artigo propõe-se a apresentar o processo de modelagem e desenvolvimento de um jogo sério voltado ao ensino de sistemas fotovoltaicos, através de metodologias voltadas à criação de jogos digitais e jogos sérios e com a finalidade de ser aplicado com estudantes de nível superior em Engenharia de Energia.
A estrutura do texto divide-se em cinco seções. Na primeira seção discutiu-se o problema e trabalhos relacionados. A segunda seção apresenta os conceitos pertinentes à construção e utilização Jogos Sérios. A terceira seção descreve a metodologia utilizada. A quarta seção apresenta os resultados atingidos e sua discussão. Por fim, a quinta seção expõe as conclusões finais extraídas desta pesquisa.
2 JOGOS SÉRIOS
O uso de ambientes virtuais no contexto educacional é uma metodologia cada vez mais fomentada pela capacidade de atrair a atenção de estudantes e aprimorar o processo de ensino e aprendizagem (ŠIPOŠ; BALEN, 2017). A imersão dentro de um espaço virtual apresenta-se como importante característica para facilitar com que os estudantes se sintam parte do processo pedagógico, facilitando a capacidade de percepção das tarefas a serem realizadas (BRELAZ et al., 2017).
É neste contexto de ambiente virtual rico que surge a proposta de exploração dos jogos digitais com o objetivo de criar narrativas convincentes que facilitem a imersão dos estudantes durante o contato com os conteúdos de uma área (FREYTAG; WIENRICH, 2017).
A produção de jogos digitais tornou-se nas últimas décadas um fenômeno de massa, presente com grande impacto na realidade das novas gerações. Esse público de jogadores, em sua maioria, é atraído pelo prazer proporcionado pelos jogos, fazendo com que os desenvolvedores se preocupem cada vez mais com os fatores relevantes para o sucesso (ALEEM; CAPRETZ; AHMED, 2018).
A utilização de jogos digitais, no entanto, vai muito além do mero entretenimento. Sua capacidade de construção de identidades, valores e práticas sociais, além do desenvolvimento cognitivo por meio da experiência interativa já é reconhecido no meio acadêmico por diversas pesquisas (HSIAO, 2007).
O emprego desse tipo de tecnologia com finalidades além do mero entretenimento motivou a criação de um termo chamado Jogos Sérios. Em sua grande maioria, as definições do termo sugerem a utilização de videogames e do seu caráter recreativo como ferramenta de apoio a outros setores. Laamarti, Eid e El Saddik (2014) compreendem que a definição de jogo sério passa por um jogo digital que é constituído de três dimensões complementares e relacionadas entre si:
Entretenimento: a capacidade de divertir e engajar o jogador.
Multimídia: diferentes meios como textos, gráficos, animações, áudio são utilizados.
Experiência: contexto específico da interação absorvida pelo jogador, podendo passar por diferentes áreas de aplicação.
Um jogo sério difere-se de um jogo de computador comum, por exemplo, por conter a dimensão de experiência, cujo propósito passa por garantir que o jogador receba algum tipo de conhecimento por meio dos sentidos. A dimensão da multimídia reforça a utilização de diferentes tipos de mídias e o entretenimento passa a ser uma esfera complementar às outras, e não mais subordinada ou soberana.
Nos ambientes educacionais, vários estudos demonstram evidências positivas da utilização de jogos sérios. No entanto, empecilhos burocráticos relacionados ao currículo e conteúdo escolar, aceitação dos usuários e restrições tecnológicas são barreiras que necessitam ser superadas para que o mercado de jogos sérios obtenha um crescimento ainda mais significativo (BACKLUND; HENDRIX, 2013).
A tecnologia de jogos sérios pode ser especialmente útil para a área de engenharia de energia nos próximos anos, colaborando com a popularização e com a capacitação de novos especialistas, já que a indústria de energia se encontra em constante procura de profissionais bem treinados, que possam colaborar com a solução dos desafios enfrentados pelo setor nos próximos anos. A interação entre indústria e universidade, além do entendimento das barreiras nesta área é um fator chave para o sucesso das políticas educacionais com a finalidade de atrair, engajar e formar novos profissionais (SEN, 2011).
Neste cenário, a construção de metodologias e ferramentas educacionais que possam contribuir com o avanço no ensino e treinamento de estudantes e profissionais manifesta-se como importante ação para alcançar as metas de desenvolvimento planejadas e necessárias para a expansão do setor de geração de energia por sistemas fotovoltaicos.
3 METODOLOGIA
Com a finalidade de avaliar a aceitação e usabilidade de um jogo sério capaz de atender o campo da Engenharia de Energia, esta seção apresenta a etapa de modelagem e desenvolvimento do jogo Phototype, voltado para a fixação de conhecimento nos conteúdos relacionados a sistemas de geração de energia fotovoltaica.
3.1 Enredo
A primeira etapa da modelagem foi realizada através da elaboração do enredo, utilizando-se do Heuristic Framework (HF) proposto por Dickey (2006).
O HF propõe uma estrutura para a construção de narrativas em jogos com orientação educacional. Este framework foi elaborado com base em jogos de aventura com foco na solução de problemas, no entanto, sua utilização em outros gêneros é suportada desde que seja possível integrar os passos da narrativa às saídas de aprendizado (learning outcomes) esperadas do jogador.
A Figura 1 apresenta a estrutura básica do HF aplicada ao desenvolvimento do jogo sério proposto. Dessa forma, foram estabelecidos cada um dos cinco elementos principais para a criação dos personagens, cenários e contextualização do jogo.
É importante ressaltar que a definição do enredo não tem como objetivo apenas nortear o restante do processo de desenvolvimento do jogo. Ainda que sua influência não seja inteiramente compreendida na aquisição do conhecimento, a definição do enredo apresenta-se como uma ferramenta na criação de engajamento entre os jogadores, pois permite a construção do tempo e espaço de interação do jogador, refinando e elucidando das principais ideias do jogo (LIM et al., 2014).
3.2 Core Loop
A segunda etapa foi a definição do processo iterativo central do jogo, o chamado core loop, uma estrutura de design que representa a abstração do principal ciclo realizado pelo jogador. Esse delineamento tem como objetivo facilitar a percepção dos aspectos educacionais no decorrer do processo (SICART, 2015).
A Figura 2 apresenta as cinco principais etapas apresentadas pelo jogo. A primeira fase, a sala de controle, é o cenário responsável por integrar o jogador aos comandos básicos e onde realiza-se a escolha de uma das três missões principais do jogo (fases 2, 3 e 4). O jogador terá como objetivo nas missões restabelecer o funcionamento de painéis fotovoltaicos e eventualmente derrotar inimigos, tendo liberdade de escolher entre qualquer uma das três fases, de modo que possa retornar e realizar as outras missões posteriormente. A fase 5 representa a volta à sala de controle para escolher um novo desafio.
O processo se repete até que todos os estágios tenham sido concluídos com sucesso. Neste momento, um estágio adicional foi incluído no processo de desenvolvimento, mas com a mesma proposta dos outros estágios: consertar painéis fotovoltaicos e derrotar inimigos.
A definição do core loop foi importante para a definição das principais mecânicas do jogo, de modo que puderam ser avaliadas por um modelo específico para a concepção e análise de jogos sérios denominado Learning Mechanics – Game Mechanics (LM-GM).
3.3 Learning Mechanics – Game Mechanics
O LM-GM é um modelo de análise e desenvolvimento de jogos sérios que tem como finalidade identificar os principais aspectos pedagógicos e de jogabilidade, com suas respectivas inter-relações. A identificação destas mecânicas permite a visualização de relações que são específicas para jogos sérios, nos quais os principais componentes transitam entre as esferas de entretenimento e pedagógicas simultaneamente (ARNAB et al., 2015).
As mecânicas definidas foram apresentadas de forma arbitrária e refletindo, de maneira geral, as implementações técnicas do jogo. Essa etapa tem como função auxiliar o processo de desenvolvimento através da definição do comportamento dos objetos e personagens. Além das mecânicas de jogo, também foram definidas as mecânicas de aprendizado, com o objetivo de definir as principais propostas pedagógicas exploradas pelo jogo.
De acordo com o LM-GM, as mecânicas de aprendizado representam elementos pedagógicos e estratégias de aprendizagem relacionadas ao processo de aquisição do conhecimento. Diferente das mecânicas de jogo, que são diretamente relacionadas à jogabilidade.
Na sequência, as mecânicas de jogo e aprendizado foram integradas com o objetivo de apresentar as correlações entre ambas as estruturas. O Quadro 1 apresenta esta relação.
Mecânicas de Jogo | Mecânicas de Aprendizado |
---|---|
História do Jogo | Motivação |
Pontuação | |
Realismo | |
Informações Técnicas | Guia |
Estado do Personagem | Responsabilidade |
Níveis | Repetição |
Identificação | |
Hipóteses | |
Experimentação | |
Eliminação dos Inimigos | Tarefa |
Pontos de Ação | |
Feedback dos Painéis Fotovoltaicos | Feedback |
Movimentação do Personagem | Exploração |
Tutorial | Tutorial |
Instrução |
Fonte: Dos Autores (2019)
O relacionamento entre ambas as colunas define que tipo de mecânicas de jogo foram implementadas para estimular um determinado tipo de estratégia de aprendizagem. A história e os elementos realistas incorporados dentro do jogo, por exemplo, foram mecânicas técnicas com a finalidade de gerar motivação e engajar o jogador.
Com a finalização do LM-GM, iniciou-se a etapa de desenvolvimento do jogo a partir da sua documentação e dos métodos apresentados até então.
3.4 Produção
O jogo sério Phototype foi desenvolvido na ferramenta Unity®, seguindo as metodologias já apresentadas nesta seção. O jogo foi desenvolvido em primeira pessoa, com elementos de ação e aventura, colocando o jogador no papel de um engenheiro com a missão de restabelecer o funcionamento das plantas fotovoltaicas da Terra.
Foram desenvolvidos ao total cinco estágios, incluindo um nível inicial, contendo um tutorial de jogo e um nível final, com um inimigo de maior dificuldade.
O nível inicial corresponde à Sala de Controle, em que o jogador recebe as principais instruções sobre os elementos do jogo, como o armamento e a interação com os painéis fotovoltaicos. Neste estágio, o jogador recebe alguns objetivos como o de coletar a arma principal e realizar a limpeza de alguns painéis, seguindo ao final para o teletransporte. Também é possível pular estes objetivos caso o jogador tenha escolhido não realizar o tutorial no início do jogo.
Após acessar o controle do teletransporte, é permitido ao jogador viajar entre outros três cenários principais do jogo, localizados no Brasil, Irlanda do Norte e Área 25 (uma localização aleatória). A seleção destes estágios é realizada pelo jogador de forma não linear.
No Brasil, o jogador possui o objetivo de realizar a limpeza de painéis fotovoltaicos subdivididos em três strings (conjunto de painéis). Essa tarefa busca ressaltar a importância da limpeza como aspecto de eficiência na geração de energia. Inimigos alienígenas são teleportados para o mapa à medida que o jogador avança para desafiar e conter o progresso dos jogadores.
Ao ser atingido pelos inimigos, o jogador perde pontos em sua barra de saúde. Quando se esgota, o jogador deve reiniciar o cenário, perdendo todo progresso realizado naquele estágio.
Na Irlanda do Norte, o objetivo passa por reconstruir as ligações elétricas entre as strings fotovoltaicas e conter pequenos incêndios nestas instalações. Os alienígenas presentes no mapa são responsáveis por impedir que o jogador tenha sucesso no processo.
Na Área 25, o objetivo é realinhar os painéis fotovoltaicos divididos em três strings pelo mapa. Esse processo busca atrair a atenção do jogador para o posicionamento dos painéis fotovoltaicos e seu impacto na geração de energia. A localização aleatória do cenário no globo tem como finalidade proporcionar diferentes alinhamentos, evitando um gabarito único para a solução do problema. Diversos alienígenas surgem neste cenário em uma frequência um pouco maior do que nos outros cenários citados.
Ao cumprir os objetivos dos três estágios principais, o jogador é automaticamente enviado a um novo cenário de jogo. No Desafio Final, como é chamado o estágio, o jogador recebe o objetivo de disparar um canhão de energia para conter o inimigo. No entanto, para cumprir a tarefa o jogador deve solucionar os problemas encontrados em três painéis fotovoltaicos presentes no cenário. A solução é realizada através das mesmas mecânicas presentes nos cenários anteriores: limpeza, conserto e realinhamento.
Ao finalizar esse último estágio, uma animação final apresenta a sequência de encerramento do jogo e a pontuação do jogador. Essa pontuação é calculada a partir de variáveis de desempenho do jogador em jogo: número de alienígenas eliminados, quantidade de energia gerada nos estágios e tempo total de jogo. A pontuação é armazenada e pode ser acessada pelo menu principal para comparação com outros estudantes.
A interação do painel fotovoltaico é feita por meio de um menu (Figura 3) acessado ao utilizar o botão de interação no jogo. Esse menu fornece dados como corrente e tensão gerados pelo painel, nível de limpeza e incidência solar. É também através desse menu que o jogador pode alterar a inclinação e orientação do painel. Já a limpeza dos painéis é realizada por meio da função secundária da arma que o jogador carrega.
Para recuperar sua saúde, o jogador pode utilizar Maletas de Energia que são aleatoriamente deixadas por alienígenas. No entanto, para que o item seja usado deve-se responder corretamente uma pergunta sorteada pelo sistema. Dessa forma, caso o jogador possua conhecimentos teóricos sobre o assunto, terá sua jogabilidade dentro dos cenários facilitada. Todas perguntas apresentadas estão dentro do conteúdo apresentado pela disciplina de Sistemas Fotovoltaicos, elaborado por um professor em conjunto com alguns estudantes da disciplina.
Assim, a construção do jogo procura proporcionar uma experiência educacional sobre sistemas fotovoltaicos por meio, principalmente, da exploração, identificação e experimentação dos recursos inseridos dentro do mundo virtual, como o Quiz, a interação com os Painéis Fotovoltaicos e as Missões, que estimulam a relação com o conteúdo da disciplina da forma mais transparente possível ao estudante.
3.5 Questionário de Avaliação
Para realizar a avaliação da percepção dos jogadores, sobre a utilização do jogo Phototype como ferramenta de ensino e aprendizagem, aplicou-se um questionário levando em consideração aspetos relacionados à demografia, experiências anteriores, satisfação e experiência de jogo. Esse instrumento (Quadro 2) teve como foco características de pré e pós-jogo, procurando relacionar as percepções das mecânicas com o perfil do jogador.
Tipo | Característica | |
Critérios Demográficos | Idade | |
Curso | ||
Sexo | ||
Fase do Curso | ||
Critérios de Experiência (Escala Likert) | Q1 | Tenho experiência no uso de jogos eletrônicos para entretenimento? |
Q2 | Já utilizei jogos eletrônicos como uma ferramenta para estudo? | |
Q3 | Sinto-me confortável com os conceitos relacionados a sistemas fotovoltaicos? | |
Critérios de Jogo (Escala Likert) | Q4 | Os objetivos no jogo são facilmente compreendidos pelo jogador? |
Q5 | A história do jogo é bem-apresentada e de fácil compreensão? | |
Q6 | A interação com os elementos do jogo (painéis, telas, menus) é fácil e intuitiva? | |
Q7 | A linguagem utilizada no jogo é de fácil entendimento? | |
Q8 | Não encontrei erros relacionados ao jogo do início ao fim? | |
Critérios de Aprendizado (Escala Likert) | Q9 | Por meio da utilização do jogo foi possível explorar os conceitos de sistemas fotovoltaicos? |
Q10 | O jogo é útil para a fixação do conteúdo sobre sistemas fotovoltaicos? | |
Q11 | As informações e ambientação apresentada pelo jogo são suficientes para o reconhecimento dos elementos sobre sistemas fotovoltaicos? | |
Q12 | Os conhecimentos exigidos pelo jogo são complicados demais? | |
Q13 | A fixação dos conteúdos relacionados a sistemas fotovoltaicos foi divertida e prazerosa? |
Fonte: Dos Autores (2019)
As características de jogo e aprendizado serviram para avaliar a compreensão dos jogadores em relação às mecânicas apresentadas pelo Phototype. O questionário se dividiu em quatro seções: perfil demográfico, critérios de experiência, critérios de jogo e critérios de aprendizado.
4 AVALIAÇÃO E DISCUSSÃO
A avaliação do jogo foi realizada por dois grupos de estudantes de turmas iniciais e finais de um curso de nível superior em Engenharia de Energia.
A impossibilidade de realizar avaliação com todos os elementos da população-alvo escolhida (estudantes e profissionais técnicos interessados na área de sistemas fotovoltaicos), dado a sua população hipotética, infinita e formada por material contínuo, optou-se pela amostragem não-probabilística, capaz de prover, em diversos casos, resultados semelhantes ao de amostras probabilísticas (MANZATO; SANTOS, 2012).
O grupo iniciante foi composto por doze estudantes com pouco conhecimento teórico sobre a área. O grupo avançado foi composto por seis estudantes com conhecimento teórico da disciplina de domínio do jogo sério. Através dos dois grupos distintos, procurou-se avaliar também as diferenças de percepção da ferramenta desenvolvida por dois grupos com conhecimentos teóricos distintos. A diferença de número entre ambos os grupos é reflexo da quantidade de alunos entre as fases do curso em que a pesquisa foi realizada.
4.1 Aplicação do jogo
O teste do jogo foi realizado de maneira presencial para ambos os grupos, iniciando com a apresentação de um curso online massivo sobre sistemas fotovoltaicos, do qual o jogo desenvolvido era parte. Os estudantes foram instruídos previamente a respeito da plataforma antes da execução do jogo sério.
Durante o andamento da atividade, foram realizadas anotações a respeito da percepção dos participantes em relação ao jogo, bem como sugestões e problemas que foram encontrados no processo.
Após jogarem, os estudantes responderam ao questionário previamente apresentado, com o objetivo de avaliar os principais aspectos do jogo e sua experiência de uso. As respostas foram realizadas dentro do próprio ambiente virtual utilizado no curso online, permitindo uma maior facilidade aos estudantes que já estavam cadastrados na ferramenta.
4.2 Resultados do Questionário
Ao final da atividade, os estudantes responderam ao questionário com as perguntas sobre sua experiência de jogo e percepção da ferramenta.
No perfil demográfico, foram coletadas a idade, sexo, fase e curso dos estudantes. Na primeira turma, o grupo de iniciantes, dos doze estudantes apenas três possuíam mais de 20 anos de idade. Já no grupo avançado, a média de idade foi de aproximadamente 24 anos.
No segundo critério, a experiência dos estudantes em relação a jogos digitais e conteúdos sobre sistemas fotovoltaicos foram abordados.
A primeira pergunta (Q1) procurou reconhecer a experiência no uso de jogos digitais com a finalidade de entretenimento. Essa questão mostrou que, mesmo que boa parte dos estudantes possuísse experiência com jogos eletrônicos, 7 participantes apontaram possuir pouca ou nenhuma experiência com a utilização desse tipo de mídia. Esse impacto foi ainda mais perceptível no grupo avançado, com estudantes de maior média de idade.
Dessa forma, pode-se constatar que essa seção do questionário revelou que:
O grupo avançado possuía em média um maior nível de conhecimento da área;
O grupo iniciante em geral possuía mais experiência na utilização de jogos digitais;
O grupo iniciante possuía proporcionalmente mais casos de utilização de jogos como ferramenta educacional.
O terceiro critério apurado pelo questionário refere-se à percepção pós-jogo dos estudantes sobre a jogabilidade encontrada em Phototype.
A primeira questão desta seção (Q4) procurou reconhecer a facilidade do jogador em compreender os objetivos gerais e por estágio do jogo. Todos os estudantes de ambos os grupos avaliados apontaram concordar parcialmente ou completamente com essa questão, demostrando que, com algumas ressalvas, os objetivos do jogo podem ser facilmente reconhecidos mesmo entre aqueles que não possuíam experiência com jogos digitais e/ou educacionais.
Nesta seção sobre a jogabilidade de Phototype, destacou-se:
De um modo geral, os objetivos do jogo foram tecnicamente bem-apresentados;
A história do jogo foi de fácil compreensão para a maioria dos jogadores;
Alguns jogadores tiveram problemas com a interação dos elementos do jogo e/ou não consideraram estes intuitivos;
-
A linguagem do jogo foi considerada de fácil entendimento, ainda que alguns estudantes apontassem erros pontuais;
Alguns jogadores encontraram problemas técnicos durante a execução do jogo que atrapalharam a jogabilidade.
Na quarta seção do questionário, foram avaliados os critérios de percepção do aprendizado dos jogadores, refletindo sua opinião sobre o caráter educacional do jogo.
Na segunda questão da seção (Q10), os estudantes marcaram sua opinião a respeito da utilidade do jogo para a fixação de conhecimento sobre sistemas fotovoltaicos. Dezessete estudantes concordaram completamente ou parcialmente com a afirmativa, tendo apenas um deles anotado indiferença sobre a questão.
A quinta questão da seção (Q13) aponta para a diversão e prazer proporcionados pelo jogo sério. Nessa afirmativa, quatorze estudantes concordaram totalmente ou parcialmente, enquanto quatro deles se declararam indiferentes ou discordaram parcialmente da afirmação, demonstrando não terem absorvido a experiência do jogo de maneira positiva.
Dessa forma, a quarta seção do questionário salientou as seguintes considerações:
Todos os estudantes concordaram ao menos parcialmente que o jogo conseguiu explorar os conceitos de sistemas fotovoltaicos;
A maioria dos estudantes (14 dos 18 participantes) concorda, ao menos parcialmente, que o jogo Phototype é útil para a fixação de conhecimento na área;
A ambientação do jogo permite o reconhecimento dos elementos da área, mas ainda necessita de maior atenção;
Os conhecimentos exigidos pelo jogo são fáceis para estudantes experientes, mas podem apresentar dificuldade para os novatos;
A diversão proporcionada pelo jogo é razoável, porém necessita de maior atenção;
A consulta de material externo ao jogo foi observada em ambos os grupos, mas não para todos os estudantes.
A quinta e última seção do questionário possibilitou, de maneira não obrigatória, aos estudantes expressarem suas considerações sobre a experiência de jogo de forma livre e verbal.
Nessa seção, alguns estudantes relataram e detalharam as dificuldades técnicas apresentadas durante o jogo, como a dificuldade em subir rampas e degraus ou confusão ao lidar com os painéis e maletas de energia. Ainda sobre a experiência de jogo, alguns estudantes apresentaram dificuldade em lidar com um número elevado de inimigos no mapa, enquanto outros expressaram incômodo com a baixa dificuldade. De maneira geral, as opiniões descritivas foram positivas em relação ao jogo e salientaram a importância da utilização de novas tecnologias no apoio ao aprendizado da disciplina.
5 CONCLUSÃO
A utilização de jogos sérios já se apresenta como ferramenta relevante nas mais diversas áreas como propaganda, treinamento, ensino e aprendizagem. A oportunidade de engajamento oferecida por esse tipo de ferramenta demanda a importante tarefa de pesquisar e relacionar metodologias e modelos para desenvolvimento de jogos sérios e que se adaptem facilmente aos mais variados campos que esse tipo de instrumento pode atingir.
Esta pesquisa apresentou modelos como o Heuristic Framework, focado no desenvolvimento de enredos para jogos com propostas educacionais, e do Learning Mechanics – Game Mechanics, um framework voltado para análise e modelagem das mecânicas de jogo e educacionais de jogos sérios. A aplicação desses recursos foi realizada no desenvolvimento de um jogo sério voltado ao ensino e aprendizagem de conhecimentos relacionados a sistemas fotovoltaicos.
Um jogo de ação em primeira pessoa foi desenvolvido na plataforma Unity® e denominado Phototype. Com ambientação futurística, foram desenvolvidos três estágios principais localizados em pontos geográficos distintos, como o Brasil e a Irlanda do Norte. Um sistema de Quiz foi implementado dentro do jogo para permitir uma mecânica de aprendizado suplementar e estimular a interação com uma gama maior de conhecimentos relacionados ao tema.
A avaliação do jogo foi realizada por dois grupos de estudantes: um grupo composto por estudantes com pouco conhecimento em sistemas fotovoltaicos, e outro com estudantes com alguma experiência na área. Os estudantes realizaram o teste do jogo em laboratório e responderam um questionário elaborado para a avaliação da percepção em relação às mecânicas de jogo e educacionais presentes na ferramenta.
A experiência apresentada por ambos os grupos destacou uma maior familiaridade do grupo de estudantes iniciantes na utilização de jogos digitais, também como ferramenta educacional. Já o grupo avançado apresentou um maior nível de conhecimento na área para a solução dos problemas apresentados no jogo.
Os dados do questionário respondido pelos estudantes apresentaram como pontos positivos um enredo de fácil compreensão, linguagem fácil e objetivos claros e tecnicamente bem-apresentados. Os estudantes de ambos os grupos se mostram razoavelmente positivos em relação à utilização do jogo para a fixação de conhecimentos da área. Além disso, boa parte deles considerou o jogo divertido, ou parcialmente divertido, salientando que a solução de alguns problemas técnicos poderia contribuir para uma jogabilidade mais dinâmica.
De maneira geral, destaca-se que a maior parte dos estudantes classificou a utilização do jogo Phototype como uma experiência educacional positiva no processo de ensino e aprendizagem de sistemas fotovoltaicos. É importante ressaltar que os resultados da pesquisa não implicam na necessidade de uso contínuo em sala de aula nem tão pouco sua aplicação com todos os grupos de estudantes. A solução de problemas relacionados à mecânica de jogo pode, como apontado, vencer algumas das barreiras apresentadas pelos estudantes na utilização da ferramenta e resultarem no incremento da percepção de diversão dos jogadores, mas pode não ter efeito no engajamento para estudantes que não familiarizados com jogos digitais.
Por fim, registra-se neste artigo uma experiência positiva do uso de um jogo sério na área de Engenharia de Energia de forma a complementar o resultado positivo de experiências anteriores, em outras áreas do conhecimento. A utilização de jogos sérios, ao que tudo indica, apresenta-se como uma importante ferramenta ao ensino de conteúdos técnicos e que pode, quando administrada aos grupos corretos, fortalecer o processo de ensino e aprendizagem e estimular o engajamento de estudantes também na área das engenharias.
Espera-se também que este artigo possa motivar a continuidade de novas pesquisas sobre o tema, aprofundando a avaliação dos parâmetros educativos e de jogo com a finalidade de determinar, em escalas quantitativas, o progresso dos estudantes ao utilizar o jogo como ferramenta de estudo. Além disso, também é de grande importância a avaliação de diferentes gêneros de jogos aplicados neste mesmo contexto, como forma de observar possíveis diferenças nos níveis de engajamento dos estudantes.