1 INTRODUÇÃO
O instante de promulgação da reforma do ensino superior brasileiro – Lei 5.540/1968 – pode ser analisado sob o modelo teórico que associa a dominação burguesa com o desenvolvimento do capitalismo (dependente) brasileiro. Em razão de que essa reforma resulta das transformações administrativas no Estado que correspondem tanto à Economia quanto à Educação e à dinâmica da política nacional (FERNANDES, 1975; CUNHA, 1979).
Economicamente o que estava em evidência dizia respeito à industrialização e ao modo pelo qual o Estado desenvolveria esse processo nos centros urbanos e no campo, operando como “agência de concentração de capital na nova fase de desenvolvimento da economia brasileira, garantindo, facilitando e subsidiando a manutenção e elevação da taxa de lucro” nas operações financeiras do capitalismo internacional (empresas públicas e privadas) no Brasil (CUNHA, 1979, p. 238).
No plano educacional, o atendimento às demandas das “camadas médias” por escolarização em nível superior (após o aumento da taxa de matrícula no ensino secundário), com a finalidade de mobilidade social que a industrialização colocava em pauta (oportunidades de emprego com diferentes exigências de qualificação na cadeia produtiva), implicava – necessariamente – o financiamento público (do Estado). Supostamente, essa ação do Estado poderia interferir em outros níveis da educação, mas também resvalar na sua função econômica especializada (CUNHA, 1979, p. 240).
Contudo, no que concerne à política educacional nacional, a reforma universitária surgiu “tardiamente”, na condição de um “movimento de estudantes e professores” por melhores condições administrativas e pedagógicas no ensino superior brasileiro, em muito sustentado por um modelo arcaico que congregava escolas superiores em universidades sem maiores conexões. Trata-se de uma ação cujo teor revela o acirramento das lutas sociais durante o período civil-militar; em razão disso, despertou no governo a necessidade de contê- lo e colocar a reforma ao seu dispor, aprofundando o autoritarismo e o conservadorismo no uso racional e disciplinar dos seus recursos educacionais com o intuito de aprofundar o capitalismo no país (FERNANDES, 1975, p. 205).
O momento era de recrudescimento da democracia. A legislação que reformava o ensino superior brasileiro – Lei 5.540 de 28 de novembro de 1968 – havia sido aprovada menos de um mês antes do Ato Institucional nº. 5, assinado pelo Gal. Artur Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, que eliminava os direitos políticos individuais e estabelecia o bipartidarismo (ROMANELLI, 1978).
A reforma supracitada tinha como base um relatório do grupo de trabalho formado pelo Ministério da Educação que apresentava medidas a serem tomadas pelo Estado, a fim de solucionar os problemas da universidade; em especial, o fato de o número de estudantes aprovados sobrepujar o número de vagas disponíveis. Que medidas foram essas? Ao que tudo indica, ela alvitrava por expandir o ensino superior privado (número de vagas) organizado a partir de estabelecimentos educacionais isolados, voltados para ensino profissionalizante e desconectado da produção de pesquisas em nível de pós-graduação, com efeito, “oxigenar” de um ponto de vista administrativo e financeiro parte das universidades federais, instituições estaduais e confessionais (CUNHA, 1979; MARTINS, 2009).
Ao abrigo de tal ditame, dentre outras diretrizes e outros procedimentos para as universidades, faculdades e escolas administradas pelo Estado, pode-se citar: a recomendação para articulação entre o ensino e a pesquisa com o regime de tempo integral; o fim da cátedra vitalícia; o regime departamental; a institucionalização da carreira acadêmica; o ingresso e a progressão de docentes mediante titulação; a matrícula por disciplinas (o regime de créditos); a instituição de cursos básicos alvitrando aproveitar as vagas disponíveis nas instituições; a realização dos vestibulares por região. Somam-se àquelas, o incentivo à Pós-Graduação brasileira, por efeito do fortalecimento financeiro das agências de fomento à pesquisa e a educação científica que deveria ser iniciada ainda na graduação (CUNHA, 1979; MARTINS, 2009).
À vista disso, de que modo essas mudanças e injunções afetariam a Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL)3, notadamente no que diz respeito às suas práticas de organização científica4? Trata-se de uma conjuntura que engendrou a produção de uma iniciativa científica retratada no presente artigo objetivando descrever e cotejar os modos de operação – entre os anos de 1969 e 1975 –, na tentativa de compreender a referida instituição educacional, assim como a dinâmica de uma área de conhecimento (Ciências Agrárias) da qual compôs (e segue compondo) o tecido epistemológico.
Em relação aos procedimentos metodológicos empregados para a produção das fontes5: i) entrevistas (com base em questionários semiestruturados) com dois professores da ESAL partícipes da organização à época; ii) cotejamento dos livros de atas relativos ao período histórico do Conselho Departamental e do Conselho Editorial, órgãos de administração educacional da instituição examinada; iii) imagens (fotografias6) que traduzam e retratem a instituição e o seu modus operandi.
O estudo de instituições educacionais – a exemplo da ESAL – justifica-se, porque confere a possibilidade de compreender tessituras históricas de campos científicos específicos – no caso em questão às Ciências Agrárias –, de igual modo entender os liames relativos às práticas de organização científicas com a política (pública) educacional, por seguimento prospectar uma narrativa possível a respeito da história institucional, com efeito, lança rebento ao tempo presente (BARROS, 2004; SAVIANI, 2008; NOSELLA, BUFA, 2008; SANTOS, VECHIA, 2019).
2 QUANTO ÀS PRÁTICAS DE ORGANIZAÇÃO CIENTÍFICA DA ESAL
Em 13 de novembro de 1969, o Conselho Departamental da ESAL – mediante o decreto lei de 13 de fevereiro de 1969, assinado pelo então Presidente da República Artur da Costa e Silva (1967-1969) e pelo Ministro da Agricultura Ivo Arzua Pereira – aprova a criação de um Departamento de Pesquisa que substituiria a Subestação Experimental de Lavras/MG. Esse órgão do Instituto de Pesquisas e Experimentações Agropecuárias do Centro-Oeste integrava o Departamento de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Ministério da Agricultura (Cf. Livro De Actas, ESAL, Conselho Departamental, 1969, p. 32). A representação imagética que segue traduz, em alguma medida, o contexto da instituição à época.
Em seguida, um “anteprojeto” de regimento interno para o Departamento de Pesquisa foi aprovado no domínio do Conselho Departamental da ESAL, designando o professor Eurípedes Pacheco a primeiro presidente (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1969 p. 33-34).
Tratava-se de um “anteprojeto” que fomentava a gestação do Conselho Editorial para criação de uma revista científica, fato que não se concretizara de imediato, mas tão somente no ano ulterior, via portaria emitida em 21 de dezembro de 1970, pela Direção da ESAL sob a gestão do professor Alysson Paulinelli (Cf. Livro De At7as, ESAL, Conselho Departamental, 1970, p. 57).
Esse marco regulatório da existência do conselho – contudo – não denota necessariamente sua concretude. Isso equivale a dizer que o órgão em questão, embora tenha sido instituído, não desempenhara suas atribuições, haja vista que não houve a designação de nenhum professor da instituição. Até que – meses depois, em 14 de setembro de 1971 – fora empossado um Conselho Editorial da ESAL, obedecendo à seguinte conformação:
Publicações: professor Vicente de Paula Vitor discorreu sôbre a situação em que se encontra o setor de publicações da ESAL, dizendo que, nesta data, entrega a responsabilidade ao conselho, mas Sr. Diretor disse que a administração faria o possível para financiar o primeiro número de nossa revista. Comissão Editorial: aprovada com os seguintes elementos: Francisco G. F. T. C. Bahia, Roberto M. Cardoso, Maurício de Souza, Wilson Ferreira Gomes e Vicente Paula Vitor
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, p. 71).
A primeira reunião do segundo Conselho Editorial da ESAL ocorreu em 08 de outubro de 1971, contando com a presença de todos os integrantes, inscrevendo os professores Maurício de Souza, e Francisco G. F. T. C. Bahia, na condição de presidente e secretário – respectivamente –, conforme indicação e aprovação institucional (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Editorial, 1971, p. 01).
O professor Mauricio de Souza descreveu o acontecimento da seguinte maneira:
Ele [o conselho editorial da revista] foi uma indicação da congregação [faz menção ao Conselho Departamental], o órgão máximo da ESAL, naquela ocasião, que era formado por todos os professores, não eram [apenas] alguns não, eram todos os professores [refere-se à participação no órgão]. Existia um momento histórico no nosso país em que o governo dos militares criou as diretrizes básicas para educação e nessa legislação eram especificados os salários do magistério referentes aos cargos de professor: auxiliar, assistente, adjunto e professor titular. O valor referente ao professor titular era bem maior que os outros, assim como o do professor adjunto também o era [tendo como parâmetro os demais níveis]. Isso aí resultou numa procura pelo artigo científico, porque o artigo científico pontuava na seleção de professores, no concurso público para professor adjunto e para professor titular (...). Foi aí que nós tivemos o apoio da direção da ESAL, naquela ocasião, por intermédio dos recursos, que eram poucos, mas eram recursos necessários para o funcionamento do conselho editorial
(Souza, 2018, p. 05).
Essa “corrida” pela produção científica foi acolhida e institucionalizada na ESAL. Especificamente em relação ao Conselho Editorial, alguns procedimentos foram aprovados: a definição do teto de uma hora para as reuniões; a apresentação de um protótipo de revista científica, cujo nome deveria ser indicado pelos departamentos que compunham a instituição e escolhido pelo conselho; a distribuição de uma compilação de normas para publicação e estruturação de artigos científicos; visitas aos órgãos dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro que administrassem e editassem revistas científicas; a solicitação de financiamento junto ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) para a edição da revista da ESAL; a contratação de um fotógrafo e de uma secretária (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1971, p. 01-02).
Após as referidas deliberações, foi realizada uma reunião do Conselho Editorial – com a presença dos membros do Conselho Departamental da ESAL – a fim de decidir sobre a edição da revista, tendo em vista atender às pesquisas realizadas na ESAL em 1971, consoante à sugestão do então diretor daquela instituição Fábio Pereira Cartaxo. As seguintes propostas e deliberações foram instituídas:
Roberto [Maciel] Cardoso, fez ligeira exposição da viagem à Universidade Federal de Viçosa e Escola de Veterinária da UFMG, mostrando as publicações lá editadas e defendendo a proposição de uma publicação em forma de série especializada, para a ESAL. Vicente [de Paula Vitor] fez exposição semelhante, relativa à viagem a Campinas, Piracicaba e São Paulo onde visitou o Instituto Agronômico, ESALQ [Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz] e Instituto Biológico, respectivamente. A seguir, Wilson [Ferreira Gomes] apresentou argumentos em favor da edição de uma publicação tipo “série” e Vicente [de Paula Vitor] apresentou argumentos em favor de uma revista de circulação periódica. Em seguida, retiraram- se os membros do conselho editorial, deixando a cargo dos membros do conselho departamental a escolha do tipo de publicação. Após deliberação, estes decidiram pela publicação periódica, reunindo todos os trabalhos da ESAL. A revista será anual, podendo ser editados um ou mais números por ano, dependendo do volume de trabalhos a ser relatado
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1971, p. 02-03).
Ainda sobre as deliberações referentes ao Conselho Editorial, decidiu-se a tiragem do primeiro número da revista científica, a saber, “[...] quatrocentos exemplares e cinquenta exemplares de cada artigo que serão remetidos ao autor”, (...) as normas para a apresentação de trabalho da ESAL” e a elaboração do manual “Leia antes de escrever um artigo científico” de autoria do professor Vicente de Paula Vitor (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1971, p. 03-04).
Em outra reunião do conselho, realizada em 29 de maio de 1972, foi deliberado o nome que seria conferido à revista científica da ESAL, qual seja: “(...) “AGROS” foi escolhido como aquele que melhor representava os objetivos da publicação em foco” (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1971, p. 04-05). Na sequência, pode-se conhecer o diagrama que compunha a abertura do periódico.
No que se refere ao delineamento do desígnio da revista, o professor Maurício de Souza anotou que: “(...) ‘AGROS’ era uma palavra que englobava tanto a agropecuária quanto o hortifrutigranjeiro, as grandes e pequenas culturas. Quer dizer, envolvia tudo isso, todo conhecimento relativo a isso” (Souza, 2018, p. 06).
Outro fato exposto pelo mesmo depoente merece ser trazido à baila:
Ela [a revista] teve um problema [inicialmente], porque lá no interior do Rio Grande do Sul, em Pelotas, havia uma faculdade que tinha uma revista com o nome de Agros, só que a revista não estava em operação, então consultei a ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], na direção de saber se a nossa revista poderia ter esse nome. A resposta foi sim e nós continuamos com a “AGROS”
(Souza, 2018, p. 04).
A revista gaúcha – de fato – havia sido criada na centenária Escola de Agronomia Eliseu Maciel – em Pelotas-RS – no ano de 1947 e foi editada até 1967. Contudo, o que granjeia relevância ao acontecimento é mais a circularidade do procedimento (leia-se criar uma revista) já naquele contexto e menos a repetição do nome da revista científica.
Ao que tudo indica, tratava-se de uma tendência para esse campo científico que crescia exponencialmente, indo ao encontro dos interesses de expansão da mecanização e da produção agrícola interna no Brasil, via capitalismo internacional de origem norte-americana, predominantemente (MENDONÇA, 2010).
Após a definição do formato do periódico (anual), de sua tiragem, e do nome da revista AGROS, houve o delineamento de seu escopo científico. Com efeito, um conjunto de procedimentos começou a ser adotado a fim de que os artigos científicos que chegassem para publicação pudessem ser avaliados. A esse respeito, anota o depoente Maurício de Souza (2018, p. 06):
Nós tínhamos o regulamento para edição dos artigos científicos e um prazo para o envio, após receber, estudávamos e passávamos para uma comissão julgadora. A comissão era composta por dois professores, e eles possuíam um prazo para devolvê-los. Nós recebíamos de volta e se fosse necessário devolvíamos para o autor, a fim de que pudessem fazer as correções, com vistas a melhorar o trabalho.
No Livro de Atas do Conselho Editorial, encontramos mais evidências no que concerne à dinâmica empregada.
Na oportunidade, foram levantados alguns problemas encontrados nos artigos dos professores Arnaldo Junqueira Neto e José Ferreira [da Silveira]. Foi aceita a indicação para que o presidente, em nome do Conselho Editorial, sugerisse ao professor Arnaldo Junqueira Neto a modificação do seu artigo para nota prévia, enquanto o artigo do professor José Ferreira, deveria ser submetido à apreciação da equipe de solos da ESAL
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1971, p. 05).
De um modo geral, os trabalhos científicos sucediam da própria ESAL, já que havia uma demanda para circulação de pesquisas internamente; contudo, logo em seu primeiro número, vínculos com outras instituições educacionais foram firmados. Esse foi o caso da Universidade Federal de Viçosa (UFV), primeira instituição do país a desenvolver um curso de pós-graduação nas Ciências Agrárias: Oleicultura, em 1961; em seguida – 1964 – foi renomeado para Fitotecnia (GOUVEA, 2017).
Vejamos como depoente Maurício de Souza (2018) descreve, quando perguntado sobre a proveniência dos manuscritos de natureza científica.
Eles vinham de outras instituições também. Nós, por exemplo, conseguimos um trabalho do professor Flávio Couto7, ele era um dos professores mais importantes de Viçosa [faz referência a Universidade Federal de Viçosa]. Ele trabalhava com feijão. Então nós conseguimos que ele enviasse um de seus trabalhos para começarmos com certo “nome” [menciona à importância de uma referência nas Ciências Agrárias] para nossa revista
(Souza, 2018, p. 06).
Finalmente, em uma reunião do Conselho Departamental realizada em 29 de maio de 1972, o primeiro número da revista fora apresentado, tal qual consta na fonte perscrutada.
Dando início à reunião o professor Vicente [de Paula Vitor] apresentou o primeiro número da revista “AGROS” (...). A discussão de falhas existentes no primeiro número foi deixada para outra oportunidade uma vez que o assunto principal da reunião era a esquematização da solenidade de lançamento da revista. Para tal foi escolhido o dia 31 de maio de 1972, às 16:00 horas no salão de reunião (...)
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1972, p. 07).
Assim sucedeu tal e qual o previsto, a solenidade que marcaria o início da circulação uma revista científica na ESAL, conforme expõem o excerto da ata da reunião de agora em diante.
Ata da 13ª reunião do Conselho Editorial da ESAL, realizada aos trinta e um dias do mês de maio de mil novecentos e setenta e dois, às 16:00 horas, em sessão solene na sala de reuniões da Congregação, sob a presidência do professor Maurício de Souza e com a presença dos professores Wilson Ferreira Gomes, Vicente de Paula Vitor, Roberto Maciel Cardoso e Francisco G. F. T. C. Bahia, membros do Conselho Editorial (...). Iniciando a reunião, o presidente fez a composição da mesa da qual tomaram parte, além do conselho editorial e funcionários da secretaria e impressão, o Diretor e vice-Diretor da ESAL e chefes dos departamentos (...). O professor Wilson Ferreira Gomes fez um retrospecto das fases pelas quais passou a revista AGROS, desde a nomeação do Conselho Editorial, para sua criação, até o lançamento, agradecendo aos que colaboraram para tornar possível a edição da revista. O presidente entregou, então, os dois primeiros números [exemplares] da revista ao Diretor e vice-Diretor da ESAL, solicitando ao primeiro que fizesse a entrega de outros exemplares aos chefes de departamentos e convidados. Antes da entrega o Diretor da ESAL salientou a necessidade de um veículo de publicação de trabalhos científicos na ESAL, lacuna preenchida pela criação da AGROS. Fez ainda agradecimentos ao Conselho Editorial e auxiliares, bem como aos professores, pelo esforço para publicação do primeiro número. Procedeu em seguida a entrega de exemplares (...). O presidente do Conselho agradeceu o apoio dado pela direção da ESAL para a publicação da revista, exaltou a união do grupo formado pelos membros do conselho editorial e solicitou sugestões para a melhoria da revista
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1972, p. 08; grifo nosso).
À luz dos dias atuais, ao rememorar quanto aos desafios existentes para o desenvolvimento do referido processo editorial, no período em questão, o professor Maurício de Souza certifica que:
O desafio principal era a qualidade. Porque como nós não tínhamos experiência, tudo era muito novo, o mecanografista, por exemplo, nunca teve uma experiência de fazer uma revista, a correção era feita por nós e isso era algo que não estávamos acostumados. Você sabe que o professor [risos] não gosta de ser corrigido, de jeito nenhum! Então, isso foi um desafio grande
(Souza, 2018, p. 05).
A Revista AGROS circulou na ESAL até 1975, produzindo um total de cinco volumes e nove números8, com efeito, as demandas oriundas do desenvolvimento da ESAL, principalmente no que dizia respeito à organização de práticas científicas, continuaram. Isso suscitava novas elaborações; se bem que, dessa vez, a partir da criação em 1973, de novas coordenadorias no organograma da instituição, quais sejam: Graduação, Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 04).
As coordenadorias de Pesquisa e Pós-Graduação, em especial, atendiam à demanda expressa na política educacional brasileira que estabelecia uma relação subsidiária entre elas, tipicamente americana, uma vez que sem o ensino de Pós-Graduação a formação de pessoal necessário ao desenvolvimento científico e tecnológico do país pouco poderia ser desenvolvida, algo que estaria previsto, no ano seguinte (1974), no Plano Nacional de Pós-Graduação implantado pela CAPES9. Coube a essa instituição, a organização e o desenvolvimento do Programa Institucional de Capacitação Docente (PICD) que impulsionava, via financiamento, as instituições de ensino superior a desenvolver órgãos específicos para a Pós-Graduação, de igual modo criar seus próprios cursos insuflando a formação de seus docentes (MARTINS, 2003).
No que diz respeito às Ciências Agrárias, tratava-se de uma dinâmica já em curso para o contexto, dado que outras instituições de ensino superior – com tradição nas Ciências Agrárias, caso da UFV e da ESALQ – já desenvolviam esse modelo desde o início dos anos 1960 e, em alguma medida, influenciavam outras instituições (MARTINS, 2003).
Nessa esteira de reflexão, pode-se afirmar que a “pavimentação” para o desenvolvimento de uma política de pesquisa agropecuária do Estado brasileiro foi realizada em consonância, mesmo que com tensões ao longo do processo, com as demandas empresariais para o setor, cujos efeitos culminaram com a fundação da Embrapa10, em 1973 (MENDONÇA, 2012).
Referente às composições das Coordenadorias de Pesquisa e Pós-Graduação da ESAL, nota-se o seguinte: a primeira foi designada aos professores Valter de Carvalho, João Marcio de Carvalho Rios, Francisco Geraldo Franca Teixeira de Castro Bahia, Igor Maximiliano Eustáquio Vivacqua Von Tiesenhausen e Simon Sulwen Cheng. A segunda, aos professores Paulo Roberto Silva, Álvaro João Lacerda de Almeida, João Osvaldo Veiga Rafael, Valter de Carvalho e José Geraldo de Andrade (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 04).
Após essa conformação, os primeiros movimentos internos às coordenadorias iniciaram as atividades. Reparemos no teor da solicitação e no comunicado do professor Valter de Carvalho, em uma das reuniões do Conselho Departamental da ESAL:
O professor Valter de Carvalho solicita sugestões dos senhores conselheiros de assuntos, para levar a sua próxima reunião com o PIPAEMG11 (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 17). O professor Valter de Carvalho comunica que a professora Maria Aparecida Pourchet Campos solicitou que a ESAL faça novos cursos, pois a CAPES tem recursos para isso. Recursos para pós- graduação e cursos rápidos de treinamento para professores, normalmente nas férias, e a CAPES pagará para cada professor as passagens e Cr$ 80,00 (oitenta cruzeiros) hora/aula
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 18).
Pari passu às ações que buscavam captar recursos, internamente à ESAL, verifica-se certo nível de mobilização para a produção de conhecimento científico e aperfeiçoamento docente, princípio alinhado às solicitações da então Coordenadoria de Pesquisa:
Segundo o professor Valter de Carvalho, falando como coordenador da coordenadoria de pesquisa, relembra o pedido que fêz a cada Departamento referente a lista de trabalhos científicos e teses de docentes e pesquisadores da Escola Superior de Agricultura de Lavras e que deve ser encaminhada prontamente aquela coordenadoria (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 09). [...] o professor Valter Carvalho comunica que está sendo feita uma revisão geral dos projetos de pesquisa e solicita aos senhores chefes que vão planejando a feitura de cursos de aperfeiçoamento para serem realizados no próximo ano
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 09).
Tratava-se de atos mais sistemáticos por parte da coordenadoria que assumira, por efeito, um caráter formativo no sentido de uma prática relativa à ciência, como forma de demarcar as ações dos diferentes departamentos que integravam a ESAL e assim responder à política educacional. A descrição narrativa do professor supracitado que será exposta, em relação a uma viagem realizada até Brasília, sede do governo, patenteia – em alguma medida – a contextura em questão.
Em primeiro lugar, encontrou-se com o Dr. Lynaldo Cavalcanti – sub-diretor do - Departamento de Assuntos Universitários do (DAU-MEC)12 – em que apresentou os planos da Escola, principalmente aqueles que se referem aos cursos de especialização, ficando a direção da escola de enviar um ofício discriminando as áreas. Em seguida, esteve com o Dr. Humberto, do programa internacional de ajuda externa e foi informado que dois países – Israel e Alemanha Ocidental – tinham grande interesse em participar desse projeto. Pegou um questionário do programa para ser preenchido e perguntou qual seriam os tipos de projetos; principalmente cursos de especialização, em seguida solicitou aos senhores professores que planejem um curso de especialização de dois meses para nossos docentes que já podem fazer. Informou que também esteve na FAO13, CONCRETIDE14, IICA15 e EMBRAPA informando que essa necessitará de pelo menos duzentas e vinte vagas para seus técnicos fazerem curso de pós-graduação e nós já devíamos pensar em montar um curso de pós-graduação a partir de 1975, pois recursos não faltam
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 28).
O caminho traçado pela ESAL (para o contexto) revelara que o ensino em nível de Pós-Graduação articulado à produção e circulação de pesquisa – via revista científica existente (não esqueçamos) – demonstrava uma preocupação institucional com a formação docente, tal e qual com a institucionalização de uma demanda prescrita por um conjunto de instituições e de órgãos do próprio governo federal que deveriam ser incorporados à rotina da ESAL.
Gradativamente, os passos para as novas exigências foram sendo dados ainda em 1973, a julgar pelas recorrentes intervenções do professor Valter de Carvalho. Essas podem ser conferidas no Livro de Atas do Conselho Departamental da ESAL, no qual o teor sinalizava para qualificação da formação docente, com igualdade pela busca de financiamento para pesquisa, conforme mostra o excerto a seguir.
O professor Valter de Carvalho apresentou o programa de um curso de aperfeiçoamento, iniciação à pesquisa, a ser realizado na Escola para docentes no início de 1974 (...). Em seguida apresentou as linhas que se devem seguir para a SUBIN16 do programa Auxílio Internacional e que vários países têm grande interesse em aplicar recurso no desenvolvimento das Escolas e no setor de pesquisas
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1973, p. 28).
No ano seguinte – 1974 – porém, diferentemente de 1973, quando encontramos seguidas evidências que ratificam a organização científica da ESAL, poucas informações foram encontradas nos livros de atas do Conselho Departamental. Por certo, a lacuna verificada não decorreu da ausência de atividades do referido órgão: elas aconteceram e aprofundaram ainda mais a organização da ESAL, acontecimento possível de ser cotejado por tudo o que viria ocorrer no ano seguinte 197517.
Nesse momento, uma ação administrativa da ESAL a qual difere de todas aquelas que, até então, vinham sendo tomadas; ocorreu, porquanto, que o professor Valter Carvalho, figura até então importante no desenvolvimento da pesquisa e da Pós-Graduação internamente à ESAL, foi cedido à DAU do MEC, para ali desempenhar funções. Não se sabe ao certo os motivos dessa cessão; tampouco quando ela exatamente ocorreu, visto que não encontramos evidências a respeito disso, mas conjecturamos que ela também tenha decorrido, em razão da necessidade de desenvolver e consolidar a ESAL. A descrição de uma reunião do Conselho Departamental realizada no ano corrente permitiu-nos realizar essa ilação.
O senhor presidente passou a palavra ao professor Valter de Carvalho que apresentou uma explanação sobre o trabalho que vem sendo feito, historiou a nova política do MEC em sua nova estruturação. Em seguida falou sobre a CAPES e seu programa de contratações e bolsas para reforço dos cursos de pós-graduação, CNPQ18 - com seu plano básico de desenvolvimento tecnológico – FINEP19 exige um projeto para se obter financiamento, sugerindo que deveriam ir a FINEP três pessoas para fazer os 1º contatos sobre a cooperação técnica internacional, provavelmente será assinada um convênio com a Escola e o Canadá. Disse também que o Presidente da República solicitou aos Ministros da Agricultura e Educação e Cultura que façam um estudo para determinar os problemas na área de Ciências Agrárias no país e que o projeto já se encontra terminado e que a escola deverá ser contemplada, mas esses recursos só serão liberados através de projetos, programas e bons trabalhos
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1975, s/n.).
Vale mencionar que para o contexto fora peremptório o conjunto de ações derivadas da articulação entre a DAU do MEC e a Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior (ABEAS) que – na ocasião – cooperava com a IICA, na direção de fomentar o desenvolvimento das Ciências Agrárias no Brasil, tanto por intermédio do ensino quanto por efeito da pesquisa. Entre elas, a criação de uma Coordenação Nacional de Pós-Graduação nas Ciências Agrárias, formada a partir da reunião de representantes de diferentes órgãos, quais sejam: DAU (MEC), IPEA20, IICA, USAID21 e Fundação Ford22.
Igualmente, foi criado o Programa de Assistências Interuniversitária que viabilizava a cooperação entre escolas de ensino agrícola – seja para as instituições mais desenvolvidas seja para as menos desenvolvidas – indicando a formação, mormente, do corpo docente qualificado para atuação em Pós-Graduação; além do diagnóstico-prognóstico idealizado pelo DAU do MEC, financiado pela USAID e executado pelo Instituto de Desenvolvimento da Guanabara que viabilizou dois grandes programas, o de Educação Agrícola Superior (PEAS) e o de Desenvolvimento do ensino das Ciências Agrárias (PRODECA). Tais programas permitiram entre 1974 e 1978 o fortalecimento de 12 instituições educacionais de ensino agrícola, entre elas a ESAL (Bordenave, 1990).
Afora essas relações institucionais no fórum das quais se desenvolvia as Ciências Agrárias, outros procedimentos foram sendo recebidos para o momento, ao passo que a Pós-Graduação na ESAL pudesse iniciar o desenvolvimento das suas atividades acadêmicas. Dentre eles, pode-se citar: a aprovação do regimento interno à Pós-Graduação; a implantação do sistema de créditos nessa etapa do ensino superior; a instauração do regime de tempo integral para docentes (dedicação exclusiva); e a definição dos programas de ensino, tanto no curso de Fitotecnia, coordenado primeiramente pelo professor Luiz Augusto de Paula Lima, quanto no curso de Administração Rural, supervisionado pelo professor Jose Geraldo de Andrade (Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1975, S/N).
O último supracitado evoca um relato (repleto de satisfação) que “preenche a letra fria” do livro de atas do Conselho Departamental:
Nós éramos seis professores no Departamento de Economia, seis, e ousando em lançar a pós-graduação em Administração Rural. Eu escutei cada coisa como chefe, que dá até um livro! Uma foi do presidente da EMBRAPA, pois ele dizia o seguinte: “vocês não têm competência para montar esse curso”. Contudo, quando o curso começou, na primeira turma, eu recebi um telefonema, [na ocasião] e era o chefe [de departamento] que também acumulava o cargo de supervisor do curso, pedindo uma vaga para um estudante que viria da EMBRAPA que, inclusive foi um aluno brilhante, mas mostra como o mundo dá voltas [...]
(Andrade, 2018, p. 04).
Nessa mesma direção, o professor Maurício de Souza, que na ocasião respondia pelo Conselho Editorial da Revista Científica “AGROS”, explica que no domínio da Pós-Graduação ocorriam solicitações (incomuns) de natureza política, reparemos em sua narrativa: “[...] na Pós-Graduação sim, pois às vezes tinha o pedido de um político para aceitar o fulano e o beltrano” (SOUZA, 2018, p. 06).
No decurso dessas ações administrativas, o professor Valter Carvalho retorna ao cenário da instituição – em especial ao Conselho Departamental – para delinear definitivamente a implantação da Pós-Graduação. Confiramos o registro do acontecimento na continuidade.
[...] o professor Valter de Carvalho historiou a situação do ensino das Ciências Agrárias e apresentou a política atual (...). Institucionalizar a pós-graduação, pois se analisarmos são os próprios alunos da pós-graduação que a sustentam. Quanto a nossa escola, o orçamento houve um adicional considerável (...). A inclusão da Escola no Plano Nacional de Pós-graduação é prioritária. A seguir falou a respeito do PRODECA (...) dizendo que a Escola será contemplada (...) com uma verba adicional no valor de dois milhões e quinhentos mil cruzeiros (...). O recurso da PRODECA será concentrado nos novos cursos de pós-graduação a serem criados, em março Ciências dos Alimentos e Solos e em agosto Zootecnia
(Cf. Livro De Atas, ESAL, Conselho Departamental, 1975, s/n.).
Não se tem clareza de como funcionava essa articulação entre a ESAL, DAU do MEC e, por efeito, outros órgãos. Contudo, o que se sabe é que aquilo que fora previsto ocorreu no ano seguinte, em 1976, com a criação dos três cursos de Pós-Graduação mencionados no excerto da ata, totalizando um conjunto de cinco cursos.
A seguir, têm-se as considerações finais, momento no qual recuperamos as evidências cotejadas por ocasião da pesquisa, de igual modo se exprime algumas impressões relativas ao trabalho desenvolvido.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No centro de nossa análise esteve a ESAL no interstício de 1969 até 1975. Trata-se de uma instituição confessional de ensino superior, federalizada em 1963, ordinariamente voltada para o ensino agrícola e que se organizou mediante a política educacional brasileira, a partir do desenvolvimento de práticas científicas relativas ao ensino de Pós-Graduação, não sem antes estabelecer outra prática, a circulação do conhecimento científico por intermédio de uma publicação periódica.
Sob os efeitos de um contexto social fértil organizara suas práticas científicas; porquanto, o desenvolvimento capitalista e a dominação burguesa eram compatíveis entre si e a reforma universitária (Lei 5.540/1968) impeliu instituições de ensino superior privadas a realizarem um movimento de expansão do número de vagas e oxigenou o campo científico de instituições públicas de ensino superior em setores estratégicos, caso das Ciências Agrárias.
Na minúcia das práticas de organização científica realizadas na ESAL, sob o impulso da política, verificou-se que a Revista Científica AGROS cumpriu um papel catalisador para aquele ambiente científico em formação, justamente por fazer circular o que era produzido internamente à instituição, afora o que também era produzido em outras instituições. De igual modo, um conjunto de professores da ESAL, à época, cumpriu uma função de destaque, por intermédio do diálogo com outras instituições, tendo em vista a “corrida” pela produção de artigos científicos com alguma periodicidade.
Ainda em relação às práticas de organização científica da ESAL, constatou-se que uma mudança no seu organograma, viabilizou a adoção de um modelo subsidiário para a Pós-Graduação, no tocante à pesquisa de natureza científica seguindo uma tendência que já ocorria no âmbito das Ciências Agrárias. Além disso, verificou-se que a instituição (lê-se ESAL) estabeleceu por via de seus professores, seguidos esforços de cooperação, junto aos órgãos de governo ou às instituições de natureza privada e transnacional com a finalidade de desenvolvimento da Pós-Graduação.
Cabe destacar – ademais – cuja ESAL guarda uma experiência peculiar, não devendo ser a mesma interpretada de modo generalizado. Por isso, as evidências que trouxemos à baila servem tão somente para compreendermos a instituição em questão, que, ao seu modo, desenvolvera práticas de organização científica em resposta às ingerências e injunções da política educacional em evidência para o contexto, ao ponto fazer circular uma revista e atender um modelo de Pós-Graduação voltado para a formação docente e produção científica.
Em que pese os limites do trabalho investigativo realizado – em última análise – o estudo de instituições educacionais, a exemplo do que aqui fora exposto, justifica-se, visto que confere a possibilidade de compreender contexturas históricas de campos científicos específicos. Tentou-se entender os liames relativos às práticas de organização científicas com a política (pública) educacional, por efeito se encontrar uma narrativa plausível a respeito da história institucional, para além dos arquétipos e tradições assentados no lugar comum, com efeito, “lançar luz” à compreensão do tempo presente.