1 INTRODUÇÃO
Atualmente, diversos setores da sociedade fazem uso corriqueiro de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), no entanto, segundo alguns autores, entre eles Lopes e Lopes (2018), as instituições de ensino não demonstram eficiência na incorporação dessas tecnologias na sala de aula. Lévy (1998) aponta como possível resposta para esse fato a fala transmissiva, adotada pelo professor no ambiente escolar, haja vista que a utilização de TDIC passa a demandar certa horizontalidade envolvendo aluno e professor no processo de ensino e aprendizagem.
Portanto, é imprescindível que nos atentemos à forma de uso de tais tecnologias em sala de aula. O fato de o professor não mais escrever, na lousa, os conteúdos a serem discutidos e, simplesmente, transportá-los para slides formulados no PowerPoint, com o objetivo de os alunos copiarem aquilo que está ali escrito, não significa que se esteja promovendo o uso reflexivo e dinâmico de tal tecnologia. No entanto, quando o professor passa a utilizar os recursos tecnológicos não apenas como suporte para aula, mas também como uma ferramenta de efetiva interação, tal ação potencializa notoriamente as possibilidades de aprendizagem.
Vale destacar que, desde a década de 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para Língua Portuguesa (BRASIL, 1998) já discorriam sobre a necessidade de uso de tecnologias digitais em sala de aula, aspecto consolidado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017). Sendo assim, ao se trabalhar com TDIC na escola, surgem novas formas de abordar a produção de texto, ou seja, considerando “[...] sua função e uso social” (FONSECA; TÔRRES, 2018, p. 13).
Nessa direção, entre as atividades que permitem o uso de TDIC para o ensino de língua materna podemos destacar as que envolvem a criação de um texto curto, em formato de vídeo, que possibilita a junção de imagens, sons, objetos em movimento, ou seja, múltiplas linguagens. Tal produção gera um gênero discursivo contemporâneo, denominado Narrativa Digital (ND) (ALMEIDA; VALENTE, 2012; VALENTE; ALMEIDA, 2014). Na literatura inglesa, chamam-no de digital storytelling (ROBIN, 2016).
Para a elaboração de ND, Robin (2016) propõe o uso de softwares como MovieMaker e PowerPoint. Criar tais textos, utilizando-se do PowerPoint ou do LibreOffice, seria um exemplo de como tais softwares poderiam ser empregados de forma criativa, não como apenas reprodutores de slides. Valente (2016) sugere que, além desses, possa ser adotada linguagem de programação para tal elaboração. Dessarte, valemo-nos do Scracht₁ - uma linguagem de programação dinâmica, lúdica, fácil de usar, criada pelo Media Lab no Massachusetts Institute of Technology -, que potencializa a criação autoral de ND ( SILVA; BROCHADO; HORNINK, 2018).
A partir dessas proposições, este artigo tem como principal objetivo apontar como ocorreu o processo de apropriação de ND ao se usar uma tecnologia digital em sala de aula, mais especificamente, a linguagem de programação Scratch, para produção de texto com alunos do segundo ciclo do Ensino Fundamental, em uma escola pública estadual mineira. Para tanto, nosso trabalho fundamentou-se em uma concepção sociocultural de aprendizagem, concretizado no fazer colaborativo e atrelado às disciplinas regulares, fomentando a produção textual como prática real de escrita.
1.1 Teorias socioculturais e a escrita como prática social
James Wertsch, psicólogo norte-americano, alerta que, ao abordarmos uma concepção sociocultural de aprendizagem, deixaremos de lado o imperialismo de uma única disciplina como foco de análise de uma ação. O autor aponta, ainda, para a necessidade de abarcar a concepção da psicologia, da linguística e da filosofia, por exemplo, para explicar o que ele denomina ação mediada: agentes agindo com as ferramentas (WERTSCH, 1993, 1999), sejam elas físicas - com aparente materialidade, como celulares, computadores e softwares - ou psicológicas - com materialidade menos aparente, como a fala e os signos.
Portanto, ao assumirmos como referencial teórico as Teorias Socioculturais para analisar uma ação mediada, devemos levar em conta os cinco elementos propostos por Burke (1969 apudWERTSCH, 1999): agente, agência, ato, cena e propósito. Isso quer dizer que devemos considerar a ação (ato) da pessoa (agente), que tem um objetivo (propósito), com a ferramenta - técnica ou psicológica - em um contexto (cena), reconhecendo que a aprendizagem só acontece em interação com o outro, por meio da mediação tanto dos agentes entre si quanto em contato com as ferramentas, ou seja, com os instrumentos (agência) dos quais se valeu para a realização da ação.
Wertsch busca aporte também em Vigotski e Bakhtin, o que explica o princípio básico da Teoria da Ação Mediada (TAM): agente e ferramenta não podem ser analisados, se isolados do contexto no qual estão inseridos. O autor, ao abordar as questões relacionadas à internalização dos processos psicológicos, prefere utilizar termos como domínio e apropriação, pois, por conceber que a aprendizagem acontece de forma distribuída entre os pares (WERTSCH, 1993, 1999), ele julga que alguns processos se mantêm, primordialmente, no plano externo. Tais considerações levam-no a apresentar duas assertivas: I - domínio é saber realizar uma ação; e II - apropriação é o agente, normalmente com resistência (WERTSCH, 1999), porém, de forma ativa, desejar tomar para si tal ação.
Considerando tais princípios, ousamos relacionar a proposta da TAM à dos Novos Estudos do Letramento, postulados por Street (1984, 2014), para o trabalho com produção de texto.
Durante muito tempo, a concepção de leitura e escrita foi apenas cognitivista, ou seja, considerou que a capacidade de ler, escrever e interpretar se tratava apenas de uma habilidade individual do sujeito. Em obra seminal, Street (1984) rejeita tal concepção e propõe o modelo ideológico de letramento, “[…] aquele que valoriza o desenvolvimento e a aquisição das práticas de escrita em seus usos e funções dentro dos contextos sociais” (FONSECA; TÔRRES, 2018, p. 3), aquele que concebe “[…] novos modos de compreender a aquisição, o desenvolvimento e usos do letramento […]” (TÔRRES, 2017, p. 168).
Para Street (1984, 2014), o letramento autônomo localiza a escrita em uma “visão restrita”, porém o ideológico “[…] valoriza os aspectos socioculturais como atitudes, crenças e ideologias […]” do sujeito (TÔRRES, 2017, p. 168). Muitas vezes, o processo de produção de texto na escola se desvincula da prática real de escrita, pois os fatores locais, culturais e sociais não são considerados.
Preocupados com o modo como tem se desenvolvido esse processo, principalmente ao se abordar o uso de TDIC em sala de aula para a produção de textos, concebidos estes como objeto social, propusemos este trabalho, versando acerca de uma concepção sociocultural de aprendizagem e, nesse contexto de produção textual, relacionado às oportunidades que as TDIC oferecem, destacamos a viabilidade de o professor fomentar a relação entre agente e ferramenta tecnológica digital para a construção de textos. Acreditamos que a afirmação de Gee (1998, p. 1 apudTÔRRES, 2017, p. 169), de que “escrita e leitura só fazem sentido, se estudadas dentro do contexto das práticas sociais, históricas, políticas e econômicas das quais fazem parte”, confirme tal possibilidade. Acrescentamos a isso que as ferramentas, por si sós, não propiciam que o aluno aprenda, afinal, é fundamental que exista, em uma relação dialética, a interação de tal agente com a ferramenta para que a aprendizagem ocorra (BROCHADO; SILVA; HORNINK, 2018). A partir disso, apresentamos como o trabalho foi desenvolvido.
2 METODOLOGIA
Yin (2001, p. 19) afirma que, “[…] quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’ […] e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real”, os estudos de caso representam o método mais adequado para a realização de uma pesquisa. Com base nos direcionamentos do autor, tendo como pergunta-problema “Como o uso do Scratch pode levar à apropriação de ND?” e reconhecendo que a produção desse gênero discursivo em sala de aula é um fenômeno contemporâneo inserido em um contexto real, desenvolvemos um Estudo de Caso (EC) único, com abordagem exploratória e descritiva.
Ainda seguindo as orientações do metodólogo Yin (2001), realizamos um Caso-Piloto (CP) para conhecermos melhor o projeto de pesquisa, antes da execução do EC. Assim procedemos: enquanto fazíamos a revisão de literatura, desenvolvemos o CP, que correspondeu a dez encontros de 50 minutos dentro da sala de aula, com o intento de trabalhar a alimentação temática dos textos, com todos os alunos regularmente matriculados no 6.º ano A de uma escola pública estadual do sul de Minas Gerais, e dez encontros, que totalizaram 24 horas e ocorreram fora do horário regular de aulas, sendo um para a elaboração de um roteiro e nove utilizando o Scratch, ocorridos entre novembro de 2017 e janeiro de 2018, com dez alunos matriculados na sala em questão. Entre fevereiro e maio de 2018, realizamos o EC, que correspondeu a dez encontros de 50 minutos cada dentro da sala de aula do 7.º ano B da mesma escola e treze encontros ocorridos no contraturno, sendo um para a elaboração do roteiro e doze para uso do Scratch, o que totalizou 30 horas.
É importante destacar que as aulas regulares das salas em questão aconteciam no período da manhã, mas, por questão de logística de uso da sala de informática da escola, desenvolvemos as atividades que envolviam o uso do Scratch no período da tarde e que os sujeitos descritos como participantes da pesquisa são aqueles que puderam/aceitaram participar das atividades da pesquisa ocorridas no contraturno.
Vale ainda assinalar que, ao longo da pesquisa, durante a execução de todas as atividades, os alunos foram acompanhados por duas professoras, que exerciam papéis distintos, porém complementares. Uma delas, neste artigo, denominada professora, era a regente das turmas em questão, responsável pela execução das ações, e a outra, aqui denominada pesquisadora, tinha o papel de acompanhar todo o processo como observadora participante, haja vista ser essa fonte de coleta de dados uma oportunidade bastante interessante, pois permite ao pesquisador “[…] perceber a realidade do ponto de vista de alguém de ‘dentro’ do estudo de caso […]” (YIN, 2001, p. 116).
Yin (2001, p. 100) alerta-nos de que um CP “[…] é utilizado de uma maneira mais formativa, ajudando o pesquisador a desenvolver o alinhamento relevante das questões […]”. Portanto, a realização do CP nos permitiu, então, levantar algumas hipóteses e, com base nelas, propor algumas alterações para a realização do EC, a saber: a) os próprios alunos pesquisaram as possibilidades de criação no Scratch com a finalidade de descobrir as reais potencialidades da ferramenta e os usos sociais desse gênero discursivo; b) a professora intensificou o trabalho com o gênero, avaliando com a turma quais as propriedades das ND; c) os alunos fizeram alterações nos roteiros criados ao longo das atividades, conforme descobriam novas funcionalidades da ferramenta, e não apenas em um dos encontros; d) disponibilizamos um tutorial (impresso e em PDF) com conceitos básicos para utilização do Scratch; e) aumentamos seis horas, distribuídas em três encontros, para a realização e correção das ND.
Para garantir a validade e a confiabilidade de um EC, Yin (2001) orienta que é preciso seguir três princípios: a) utilizar várias fontes de evidências (técnicas) para coleta de dados; b) criar um banco de dados para armazenar aqueles colhidos em campo; c) manter o encadeamento das evidências encontradas. O autor ressalta ainda que, “sem essas fontes múltiplas, estará se perdendo uma vantagem inestimável da estratégia de estudo de caso” (YIN, 2001, p. 123).
Dessarte, propusemos algumas técnicas para a produção dos dados, entre elas, a observação participante, pois o pesquisador “[…] pode, de fato, participar dos eventos que estão sendo estudados” (YIN, 2001, p. 116), o que propiciou colher os enunciados (BAKHTIN, 1997), as expressões faciais, gestos ou momentos relevantes ocorridos durante o processo, dando ênfase aos advindos da relação sujeito/software, sujeito/sujeito, sujeito/professora e sujeito/pesquisadora, pois permitiram buscar indícios de resposta à pergunta inicialmente levantada.
Toda técnica de coleta de dados apresenta suas vantagens e desvantagens. A desvantagem é que o pesquisador “[…] pode não ter tempo suficiente para fazer anotações ou fazer perguntas sobre os eventos de perspectivas diferentes […]” (YIN, 2001, p. 118). Para tentar minimizar esse problema, como auxílio de memória, utilizamos um recurso de gravação de áudio, para que conseguíssemos trazer maiores detalhes à escrita de um jornal de pesquisa produzido com o objetivo de armazenar nosso banco de dados. Para seleção desse armazenamento, valemo-nos da noção de episódios, definida como “[…] um conjunto coerente de ações e significados produzidos pelos participantes em interação, que tem início e fim claros e que pode ser facilmente discernido dos episódios precedente e subsequente” (MORTIMER et al., 2007, p. 61 apudMORTIMER et al., 2014, p. 129).
Além dessa técnica, recorremos aos artefatos físicos (as ND produzidas pelos alunos), pois, segundo Yin (2001, p. 118), ao utilizá-los, “[…] os pesquisadores do estudo de caso seriam capazes de desenvolver uma perspectiva mais ampla em relação a todas as possíveis aplicações dentro de uma sala de aula, além daquela que poderia ser diretamente observada em um curto período de tempo”. Vale destacar que tal técnica foi fundamental para que pudéssemos responder à nossa pergunta inicial.
Optamos também, haja vista que um EC que se comprometa com o método deverá utilizar “[…] o maior número possível de fontes [de coleta de dados]” (YIN, 2001, p. 107), por uma técnica de autoexpressão do sujeito e suas vivências: um questionário denominado Teste dos Estados Emocionais (TEE), com o objetivo de compreender como os alunos se sentiam ao produzirem suas ND no Scratch. O conceito de emoção usado pautou-se por Rebollo-Catalán et al. (2014). Individualmente, assim que terminavam os encontros, os alunos indicavam, por meio de escala Likert (1932), com variação entre “discordo totalmente” e “concordo totalmente”, a intensidade das próprias emoções no momento de uso da ferramenta. Apresentamos cinco emoções positivas (satisfeito/a, feliz, empolgado/a, comprometido/a e orgulhoso/a”) e cinco negativas (ansioso/a, envergonhado/a, enraivecido/a, decepcionado/a, entediado/a) e, junto delas, emoticons de acesso livre para a ilustração de cada vivência. Ademais, deixamos uma questão aberta/nominal para que o aluno pudesse, caso quisesse, explicar algo a respeito da emoção sentida ou, ainda, apresentar outras emoções que julgasse relevantes.
Logo, para que pudéssemos compreender o processo de apropriação (WERTSCH, 1993, 1999) do gênero discursivo em questão, dividimos em dois momentos uma sequência de atividades: o primeiro, como mencionado, dentro da sala de aula com todos os alunos regularmente matriculados; e o segundo, na sala de informática, no período contrário ao regular. Para a estruturação de tais atividades, baseamo-nos nos sete passos propostos por Lambert (2013) para a construção de ND, nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), na sequência para o uso do Scratch, desenvolvida por Silva Jr. (2018), e nas teorias socioculturais de aprendizagem (FONSECA; TÔRRES, 2018; KLEIMAN, 2014; STREET, 1984, 2014; OLIVEIRA; TÔRRES, 2017; WERTSCH, 1993, 1999). Ressaltamos que, ao assumirmos uma perspectiva sociocultural, não seguimos tais etapas de forma estanque, como se fosse um passo a passo, pois, assim como em qualquer atividade de ensino, caminhamos em um ir e vir pelas ações propostas.
Durante as ações do primeiro momento, com o objetivo de abordar a temática da futura produção, alunos e professora leram textos dos mais diversos gêneros (histórias em quadrinhos, leis, fotos, poemas, charges, vídeos, músicas, notícias etc.) sobre preservação ambiental e dialogaram a respeito da composição e do local de circulação desses gêneros.
Além disso, os alunos fotografaram cenas que pudessem ser agressivas ao meio ambiente e que estivessem no trajeto que faziam de suas casas até a escola. A partir dessas fotos, construíram um relato escrito. Aqui, vale salientar que a escolha da temática relativa aos problemas ambientais se deu em razão da necessidade de conexão com a realidade de tais alunos e de uma proposta que abordasse uma visão multidisciplinar de ensino. Na aula seguinte, realizaram, no entorno escolar, uma busca por possíveis agressões ao meio ambiente, também fotografando tais cenas. Logo após, ao retornarem para a sala de aula, elaboraram um relato coletivo, escrito na lousa pela professora. Depois disso, geraram, com base nesse texto, palavras-chave sobre os problemas ambientais encontrados e, embasados nessas palavras, partiram para as ações que permitiam o uso dos computadores, podendo analisar as possibilidades de criação no Scratch: interação com o usuário, personagens em movimento, criação de seus próprios cenários etc.
Posteriormente, depois de conhecerem, de maneira dialogada, as funcionalidades da linguagem de programação, foi elaborada uma definição para o conceito de ND, discutiram-se as propriedades que compõem o gênero, as características do local onde esse texto circula, os objetivos de um autor ao elaborá-lo, entre outras questões importantes.
Antes ainda de iniciarem a produção das ND no Scratch, os alunos produziram um roteiro em uma folha de sulfite, ou seja, criaram um esboço da narrativa, organizando ideias, utilizando imagens, desenhos, diálogos, fazendo anotações referentes a sons ou outros elementos que julgassem relevantes.
Para que tivessem o domínio (WERTSCH, 1999), ou seja, soubessem usar a linguagem de programação escolhida para a produção das ND, a cada encontro, os alunos assistiam aos vídeos do projeto de extensão Pensando em Códigos, oferecido pela Universidade Federal de Alfenas. Também, no decorrer desses encontros, alunos, professora e pesquisadora discutiam a respeito dos comandos apresentados nesses vídeos e, em duplas, os alunos construíam pequenas animações, utilizando o Scratch.
Depois de dominarem a ferramenta, com base no roteiro que podia ser reelaborado quando houvesse necessidade, deram início à construção da primeira versão das ND. Ao longo dos encontros, foram aprimorando, apoiados em suas necessidades, essa primeira versão, até chegarem a uma final, que foi avaliada pelos alunos, com a professora e a pesquisadora.
Yin (2001, p. 133) alerta-nos para o fato de que “a primeira e mais preferida estratégia [para análise dos dados] é seguir as proposições teóricas que levaram ao estudo de caso”. Portanto, baseamo-nos na microgenética de Wertsch (1988, 1993, 1999) e atentamo-nos aos aspectos micro e macro da cena, detalhando os contextos histórico, cultural e institucional para análise, consideramos também o que afirmam Hornink e Compiani (2017) a respeito da não neutralidade das ferramentas. Além disso, destacamos que a interpretação se deu com base no estudo exploratório e descritivo proposto.
A análise feita pelo pesquisador “[…] deve deixar claro que ela se baseou em todas as evidências relevantes (YIN, 2001, p. 154, grifos do autor). Para tal, é preciso recorrer a estratégias analíticas e, entre as exequíveis, Yin (2001, p. 131) orienta que “examinar, categorizar, classificar em tabelas” são possibilidades muito importantes. Assim, com os dados advindos do TEE, valemo-nos de um recurso gráfico para apresentá-los. Além disso, para que pudéssemos analisar as evidências advindas das observações feitas em aula, dos artefatos físicos examinados e da questão aberta do TEE, como também sugerido por Bardin (2016), categorizamos tais dados em busca de melhor compreendê-los. Isso nos permitiu triangular os dados referentes a um mesmo acontecimento “[…] a fim de aumentar a fiabilidade da informação” (MEIRINHOS; OSÓRIO, 2010, p. 60).
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Segundo Tôrres (2017, p. 173), “[…] abordar o texto na ótica do modelo ideológico [de letramento] é proceder à sua inserção social”, logo, vale destacar que os projetos construídos no Scratch fazem parte “[…] de determinadas práticas de escrita da sociedade […]” (TÔRRES, 2017, p. 175). Isso posto, para que os alunos produzam um jogo, um cartão, uma ND, precisam estar socializados nessa prática, pois são tais práticas reais que devem fazer parte das atividades desenvolvidas pela esfera escolar. As atividades, como as propostas, buscaram essa familiarização, para que, depois que os alunos tivessem o domínio, ou seja, o “saber fazer” (WERTSCH, 1993, 1999), no caso, saber utilizar a linguagem de programação em si, pudessem se apropriar (WERTSCH, 1993, 1999) do gênero para expressarem suas emoções, pensamentos, ideias e opiniões.
A linguagem de programação Scratch permite que os usuários não só elaborem, mas também interajam e remixem os projetos compartilhados na plataforma, o que propicia que o texto seja lido, utilizado, criado em seu contexto real de uso, isto é, os alunos, ao comporem suas ND, sabiam que teriam um leitor ou um usuário real para a produção. É conveniente ressaltar que, além dos scratchers - usuários que compartilham projetos no Scratch -, os alunos foram avisados de que a comunidade escolar teria acesso a essas narrativas, afinal, pode uma ação ter múltiplos objetivos (WERTSCH, 1999), nesse caso, um deles era trabalhar com a conscientização da população do entorno a respeito dos problemas ambientais locais e as possíveis soluções dadas para sanar tais problemas, bem como mostrar os resultados da pesquisa desenvolvida. A possibilidade de leitores para tais textos, que não só os professores, apresenta-se como um diferencial da ferramenta, pois uma produção textual como essa foge da proposta usual no âmbito escolar. Além disso, permite que o aluno vivencie emoções positivas nesse processo, já que consegue entender a função social dessa criação.
Neste artigo, apresentamos uma das ND, intitulada “Invasão para a terra”₂, da dupla B, desenvolvida durante o CP. A história gira em torno de um homem comum, chamado André, que tem o poder de se transformar em um super-herói, o Super Luís. Tal homem, sozinho, nada realiza, pois precisa da ajuda de crianças, moradoras da cidade, para recolher o lixo que está espalhado, a fim de que um robô alienígena, um ser que se alimenta do lixo deixado pela população, pudesse ser derrotado e eliminado por falta de alimento.
A dupla inicia a primeira versão do texto (Figura 1) com um diálogo entre as personagens, impedindo que o público leitor entendesse quem eram tais personagens e o porquê de o robô desejar destruir o suposto adversário. No decorrer dos encontros, as duplas eram orientadas em suas dificuldades individuais e, por meio do diálogo, travamos questionamentos a respeito do início da história, retomamos as propriedades do gênero, relembrando as discussões trazidas pelos próprios alunos, até que compreendessem a necessidade de mostrar ao leitor/usuário quem eram as personagens, qual papel desempenhavam e o motivo de suas ações.
Para Wertsch (1999), quando o agente, de maneira ativa, se apropria de uma ferramenta, ele a toma para si. Como nosso objetivo era o de compreender o processo de apropriação, valemo-nos da comparação das duas versões apresentadas pela dupla. Na versão final da ND, os alunos acrescentaram um áudio, descrevendo o que narramos anteriormente, isto é, contextualizaram a história. Assinalamos que, ao observarmos o processo de apropriação, o fato de os alunos não terem que apagar partes de seu texto para reconstruí-lo acabou favorecendo tal processo.
Como mencionado, a dupla inicia o texto com um diálogo. Se a linguagem de programação em blocos não permitisse o arrastar de blocos lógicos, o ir e vir pelo texto, intercalando acontecimentos, imagens em movimentos, falas e os demais recursos disponibilizados, no decorrer da história, provavelmente os alunos se sentiriam desestimulados a continuar a produção da narrativa. Dessarte, compreendemos que esse recurso facilitador de arrastar e soltar tais blocos, como exemplificam as Figuras 2 e 3, respectivamente, é parte constituinte desse processo de apropriação das ND, propiciando aos alunos a tomada do gênero para si.
Outro aspecto que acompanhou tal processo foi o fato de os alunos, por tentativa e erro, buscarem acertar o encaixe dos blocos lógicos e, com isso, poderem refazer e reestruturar, aos poucos, o texto, e, em um processo reflexivo, percebê-lo tomando forma. Conforme Perrier, Gonçalves e Almeida (2017, [6]) constataram, “[…] o uso automático dos recursos de TDIC não assegura o desenvolvimento do [pensamento computacional] […]”, tampouco a aprendizagem. Ressaltamos que tal processo se iniciou nas relações interpessoais, para, depois, pela mediação com a ferramenta e com os demais agentes, tornar-se intrapessoal, conforme defende Wertsch (1993, 1999). Nesse contexto, reiteramos que “[…] o próprio erro [foi visto como] um passo para o desenvolvimento da aprendizagem” (PERRIER; GONÇALVES; ALMEIDA, 2017, p. [6]) e, consequentemente, para a apropriação de ND, pois os alunos se mostraram dispostos a utilizar o Scratch.
Wertsch (1993, 1999) destaca que a inserção de uma nova ferramenta em um contexto exerce transformação sobre este. Portanto, a ação de produzir textos estáticos foi transformada com o advento de TDIC, pois possibilitou a junção de diversas semioses, originando textos multissemióticos ou multimodais: “[…] aquele[s] que recorre[m] a mais de uma modalidade de linguagem ou a mais de um sistema de signos ou símbolos (semiose) em sua composição” (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 108 - grifo das autoras).
Conforme enunciado, o objetivo deste trabalho é buscar compreender o processo de apropriação das ND. Dessarte, julgamos importante destacar o entusiasmo dos alunos diante da possibilidade de colocar objetos em movimento. A dupla em questão programou, por meio do comando “mude para a fantasia/switch costume to” (Figura 4), que a personagem apresentada na cena andaria de uma ponta a outra da calçada, dado o movimento conferido a ela, até que chegasse próximo ao saco de lixo para recolhê-lo. A linguagem de programação favoreceu esse “tomar o gênero para si”, pois permitiu que a dupla construísse seu texto, inserindo tais recursos de forma lúdica.
Se nos orientarmos por Brochado Silva e Hornink (2018), concluímos que a dupla não pensou sozinha até chegar a essa reestruturação. Na perspectiva da ação mediada, a interação da dupla com o software - ferramenta técnica -, entre si e com os demais agentes - as outras duplas, a professora e a pesquisadora -, por meio dos enunciados produzidos, no processo de construção de saber, tudo isso pavimentou o caminho até a última versão da ND, afinal, a “mediação é um processo” (WERTSCH; DEL RÍO; ÁLVAREZ, 1998, p. 29).
Nesse contexto, destacamos a não neutralidade das ferramentas, como assinalado por Hornink e Compiani (2017). Essa não neutralidade fica evidente quando nos referimos às ferramentas psicológicas (signos, fala), porém menos perceptível quando fazemos alusão às ferramentas técnicas, como um software.
Por conseguinte, a aprendizagem só se dará na relação com o outro, de maneira distribuída entre os pares e dos pares com as ferramentas, das quais se valem para construir o conhecimento, no contexto em que ocorrem, haja vista, conforme orienta Wertsch (1993, 1999), a impossibilidade de separar os cinco elementos (ato, cena, agente, agência e propósito) quando da observação de uma ação. O autor enfatiza que, para efeito de análise, como procedemos, e como também reafirmam Hornink (2010) e Hornink e Compiani (2017), podemos ora focar nosso olhar sobre um dos elementos, ora expandir a cena, sempre, porém, visando à integração.
Ao longo dos encontros, percebemos, pela facilidade de uso e também pelo aspecto lúdico do Scratch, que os alunos estavam dispostos a utilizá-lo para produzir seus textos. No que diz respeito aos enunciados dos próprios sujeitos (BAKHTIN, 1997), na questão aberta do TEE, como apresentado na Figura 5, um deles, produzido por uma aluna de uma das duplas no primeiro encontro do grupo, corrobora os aspectos motivacionais observados durante a produção dos dados.
Como observamos, a aluna declarou sentir “uma sensação muito boa” ao usar o Scratch para produzir seu texto, complementando ter podido expressar sua criatividade e, além disso, achou divertido. Realmente, os encontros foram momentos de diversão, risadas e aprendizado coletivo e uma dupla auxiliava a outra, buscando juntas a resolução dos problemas encontrados no momento em que estavam utilizando a linguagem de programação.
A tabulação dos dados advindos do TEE mostra-nos que houve o predomínio de emoções positivas no decorrer dos encontros. Em uma escala de variação entre 0 (discordar totalmente) e 5 (concordar fortemente), no CP (Figura 6) todos os alunos manifestaram concordar ou concordar fortemente ter sentido as emoções elencadas no teste.
Ressaltamos que, apenas no encontro 7 do EC (Figura 7), os alunos não acordaram quanto à empolgação com a execução das atividades. É importante assinalar que, por motivos diversos, nesse encontro, alguns integrantes das duplas faltaram, exigindo que alguns alunos desenvolvessem individualmente sua ND, o que nos levou a conjecturar que, por essa razão, apontaram um declínio na empolgação para a realização da atividade. Tais considerações nos levam a reafirmar que é na interação entre os pares, na concepção distribuída de aprendizagem (WERTSCH, 1999), que a aprendizagem acontece.
Julgamos pertinente frisar que a professora instigou os alunos a perceberem para que serve uma ND, quais dos projetos publicados na plataforma poderiam ser considerados pertencentes a esse gênero, os elementos que levaram à tal denominação, quem era o autor, se era possível descobrir a idade desse autor, qual era o objetivo da publicação, para quem eram direcionados os diferentes gêneros trabalhados, entre outras questões que se fizeram pertinentes, pois, para a TAM, importam o processo e também o produto final (WERTSCH, 1994) de uma ação.
Focamos nossa análise em um dos artefatos produzidos pelos alunos, porém, para triangulação dos dados, acrescentamos um episódio (MORTIMER et al., 2007 apudMORTIMER et al., 2014) que julgamos relevante para compreender como pode se dar o trabalho com o uso social da escrita.
Ao possibilitarmos a construção colaborativa dos textos, em pares, a troca de saberes propiciou que o ponto de vista de cada sujeito fosse manifestado, colocado em discussão e reelaborado. Street (2014), ao fomentar o trabalho com o letramento ideológico, aquele que se preocupa com os aspectos sociais, familiares, culturais, históricos etc., imbricados na prática pelas relações sociais de poder, alerta-nos de que devemos trabalhar essas manifestações em sala de aula.
O episódio (Quadro 1) retratado a seguir exemplifica a reflexão dos integrantes da dupla B a respeito do gênero com o qual lidaram.
EPISÓDIO 1 | |
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Elementos da pentádica | Enunciados e contextualização do episódio |
1. Cena | Laboratório de Informática da escola |
2. Agentes | Alunos e um dos professores de matemática da escola |
3. Propósito | Construção da Narrativa Digital |
4. Ato | Alunos questionados sobre o que estavam produzindo |
5. Agência | Ferramenta Scratch, gestos e enunciados |
6. Pesquisador | A dupla B estava gravando um áudio no Scratch. Um professor da equipe escolar, não envolvido nas questões da pesquisa, aparece na sala, observa e pergunta: |
7. Professor da escola | Vocês estão fazendo um joguinho? |
8. Integrante B da dupla B | Não. Nóis tá fazendo um trabalho (sic) (mudando o tom de voz, tentando mostrar ao professor que não estavam fazendo um joguinho e que tal construção exigia complexidade). |
9. Professor da escola | Trabalho de quê? |
10. Integrante B da dupla B | É um projeto. Estamo construindo uma narrativa digital, abordano os problemas ambientais da nossa cidade (sic). |
Fonte: Jornal de pesquisa da primeira autora.
De acordo com conceito de inferência postulado por Bakhtin (1997), podemos depreender que o aluno B entende o termo “joguinho” utilizado pelo professor como algo fácil de ser construído e contesta, pois, para os alunos envolvidos na pesquisa, a proposta era mais que construir um joguinho: era conscientizar a população local dos problemas ambientais vivenciados e, como sugere a dupla, somente juntos, começando das crianças, ou seja, educando-as, é que se conseguiria algum resultado.
Concebemos o texto, em conformidade com Tôrres (2017, p. 171), como “[…] porta-voz de um autor que faz parte de um grupo social ou comunidade, com objetivos de comunicação definidos e que, ao ser veiculado, faz refletir ou formar opinião sobre determinado assunto ou situações significativas para seus potenciais leitores”. Tal concordância permite-nos afirmar que, ao se valerem do Scratch para construir suas ND, os alunos se assumem como constituintes do grupo do qual fazem parte, apropriam-se de um posicionamento crítico diante da temática abordada na construção e, além disso, produzem seus textos em situações reais de comunicação, conforme apresentado na Figura 8, pois propõem ao leitor, subentendendo ser toda a população, colaborar com a preservação do ambiente local e, teoricamente, do global, fazendo pequenas ações.
Os alunos comentaram que um dos integrantes da dupla, o aluno A, seria caracterizado e assumiria o papel de super-herói da história, “passando a ser” o Super Luís. Se ampliarmos a cena para análise dessa narrativa, conforme propõe Wertsch (1999), perceberemos que o Super Luís nada fez sozinho, que precisou da ajuda das crianças, moradoras da cidade que estava sendo invadida pelos alienígenas para recolher todo o lixo espalhado e, assim, acabar com os vilões. Portanto, podemos perceber que o trabalho em dupla propicia essas discussões, essa interação e a construção de valores coletivos.
Street, partindo do conceito de evento de letramento₃ de Heath (1982 apudSTREET, 2014, p. 18), afirma que “o conceito de ‘práticas de letramento’ se coloca num nível mais alto de abstração e se refere igualmente ao comportamento e às conceitualizações sociais e culturais que conferem sentido aos usos da leitura e/ou da escrita”. Nesse sentido, mesmo que a prática de produção de texto no Scratch (ou em outra ferramenta) feita pelos usuários, sem o acompanhamento do professor, em suas casas, lan houses, bibliotecas etc., seja diferente daquelas que podem ser propostas nas aulas de língua materna, como as desenvolvidas nessa pesquisa, o professor consegue se aproximar mais da prática real de uso da escrita e focar o caráter formativo que assume a escola. Consequentemente, os alunos vão produzir o texto, postar na plataforma e ter leitores/usuários para essa produção, o que nos leva a reafirmar, em conformidade com Street (2014), que o foco no contexto é o que torna real a prática apresentada.
Compreender o texto como “objeto ‘vivo no mundo’” (TÔRRES, 2017, p. 174) possibilita-nos “[…] ir além de ensinar às crianças os aspectos técnicos das ‘funções’ da linguagem […]” (STREET, 2014, p. 23), como preconizado pelo modelo autônomo de letramento, que centra sua atenção no domínio técnico da língua. Ao abordarmos essas questões, não estamos apregoando o abandono de tais práticas na escola, como muitos podem interpretar. No entanto, manter o foco, única e exclusivamente, nesse modelo, “[…] desvia a atenção de variáveis sociais mais complexas” (STREET, 2014, p. 39).
Nesse sentido, o eixo central no trabalho com a escrita não pode ser apenas os aspectos lexicais, a decodificação dos signos, mas também, como preconiza o modelo ideológico de letramento, o auxílio a “[…] adquirir consciência da natureza social e ideologicamente construída das formas específicas que habitamos e usamos em determinados momentos” (STREET, 2014, p. 23). A participação dos sujeitos nas situações sociais, seja com ferramentas digitais - como defendemos -, ou até mesmo com analógicas, pode favorecer aquilo que Street e Street (2014, p. 127) desejam: “[…] evitar juízos de valor acerca da suposta superioridade do letramento escolarizado com relação aos outros letramentos”. Podemos perceber esse posicionamento crítico dos alunos no diálogo travado entre um dos integrantes da dupla e o professor que buscou saber o que as duplas estavam fazendo, como apresentado no episódio retratado (Quadro 1).
Em vários momentos, os alunos, além de recorrerem a sites de busca, buscavam esclarecimentos, aos colegas e aos demais agentes ali presentes, a respeito de questões relacionadas ao domínio da norma-padrão da língua. Ressaltamos a extrema relevância dessas questões para o processo de ensino e aprendizagem. No entanto, se a professora tivesse focado seu trabalho no modelo autônomo de letramento, poderia não ter admitido o uso da linguagem coloquial na elaboração do gênero em questão. Contudo, como o trabalho buscou centrar-se na perspectiva do letramento ideológico, foram considerados os aspectos sociais, culturais e históricos do gênero, presentes em um ambiente digital utilizado por adolescentes.
Dessarte, a partir de tais apontamentos, conjecturamos que tivemos argumentos para traçar as considerações finais a serem apresentadas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Propusemos trazer à cena a maneira como os alunos do segundo ciclo do Ensino Fundamental de uma escola pública do sul do Estado de Minas Gerais se apropriaram de Narrativas Digitais, construídas por meio da linguagem de programação Scratch. Também apresentamos uma reflexão a respeito de uma proposta de produção de texto como prática real, constituída socialmente. Embasados nas teorias socioculturais de aprendizagem, como a Teoria da Ação Mediada, postulada por Wertsch (1993, 1994, 1999), e os Novos Estudos do Letramento, propostos por Street (1984, 2014), em concordância com autores contemporâneos que seguem essa mesma concepção, reputamos que o Scratch, como ferramenta cultural de mediação, permite o trabalho com o pensamento computacional atrelado às disciplinas curriculares e, em especial, favorece a apropriação de Narrativas Digitais ao ser considerado pelos alunos como uma ferramenta lúdica.
Outrossim, as funcionalidades da linguagem de programação favoreceram o processo de apropriação do gênero no momento em que facilitaram a correção do texto. O aluno pode, com um simples arrastar e soltar de blocos, corrigir sua produção sem a necessidade de apagar toda a elaboração inicial e, por conseguinte, sentir-se encorajado a melhorar a versão inicial de sua ND. Além disso, essa possibilidade de construção de texto por tentativa e erro viabilizou essa apropriação, pois oportunizou o uso reflexivo de recursos tecnológicos digitais.
Ademais, consideramos que o uso orientado do Scratch pode favorecer o trabalho com a articulação da escrita quando abordado de maneira horizontalizada, na colaboração entre os pares. Outrossim, destacamos que, fundamentalmente, o Scratch proporciona o trabalho com o letramento ideológico, pois permite reflexões a respeito do próprio ato de elaborar um texto em seu contexto real de uso, no caso, uma ND, ou seja, tal atividade leva os alunos a produzirem, com originalidade, textos que conferem sentido à prática de produção de texto no ambiente escolar.