1 INTRODUÇÃO
Como docentes de uma universidade pública, em um curso de Mestrado Profissional em Educação denominado “Currículo, Linguagens e Inovações Pedagógicas”, doravante MPED, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ou simplesmente MPED, compete-nos pensar e praticar o currículo em perspectivas de solidariedade intelectual e colaboratividade entre a Pós-Graduação stricto sensu e a Educação Básica, por meio da formação de profissionais que já se encontram no exercício de suas funções, em redes públicas de educação.
O debate sobre a formação de professores em cursos de MPED encontra-se, atualmente, avançado quanto às especificidades desses cursos, tanto em fórum próprio, o Fórum Nacional de Mestrados Profissionais em Educação (FOMPE)1, como em âmbito nacional no Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educação (FORPRED) e, ainda, em reuniões com representantes da área de Educação na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nesses percursos, os Mestrados Profissionais em Educação
[...] vão se constituindo como espaços de aplicação e geração de processos formativos e de investigação, de natureza teórica e metodológica, que se abrem perante o extenso campo de atuação de professores, gestores e profissionais da educação, fortalecidos pela aproximação entre a educação superior e a educação básica (FIALHO; HETKOWSKI, 2017, p. 21).
Tal aproximação, por si só, pode ser considerada como um relevante elemento inovador desses cursos, que, para isso, vêm buscando imprimir uma consistente base epistêmica e um detalhamento das ações práticas, com foco em problemáticas que dizem respeito “[...] ao ambiente profissional dos pós-graduandos e ao desenvolvimento de produtos que visem soluções e ou encaminhamentos e ou intervenções no âmbito das problemáticas apresentadas” (FIALHO; HETKOWSKI, 2017, p. 30). Nesse escopo, a inovação e a intervenção destacam-se como aspectos fundantes da natureza dos Mestrados Profissionais em Educação.
Essa discussão torna-se complexa em um cenário de políticas públicas para o Ensino Superior e para a Pós-Graduação, o qual está sujeito a pressões externas, no âmbito do que Ball (2006) denomina como contexto de influência na dinâmica das políticas educacionais para o estabelecimento de procedimentos, ações, políticas estandardizadas com o risco de homogeneização (THIESEN, 2015) e de instrumentalização. Apresenta-se, dessa forma, um grande desafio para os Mestrados Profissionais em Educação, qual seja: o de se inserirem na “[...] problemática da profissionalização dos educadores para atuarem com as diversidades e singularidades socioeducativas e culturais da Educação Básica” (SILVA; SÁ, 2016, p. 65), ou melhor, para atuarem em prol da formação de professores para que estes intervenham, pedagogicamente, nas realidades educacionais de diversidade e de desigualdade social (SILVA; SÁ, 2016).
Tendo em vista essa finalidade e levando em consideração que, no cenário atual, especialmente no Brasil, presenciamos um quadro de polarização política, de tentativa de supressão das diversidades e de negacionismo científico e, ainda, quando todo o planeta se vê assolado por uma pandemia2, torna-se mais desafiante para esses cursos a filiação a uma “[...] episteme contemporânea da formação no que concerne à centralidade das experiências formativas, o que representa uma tentativa de subsidiar práticas escolares pautadas na valorização das diferenças, do múltiplo, do inovador e do anverso” (SILVA; SÁ, 2016, p. 65, grifo das autoras), priorizando a multiplicidade e heterogeneidade das ações educativas que se singularizam no cotidiano de cada rede educacional podendo, assim, potencializar a emergência de inovações nessas redes.
Vale ressaltarmos que o entendimento do MPED-UFBA sobre a inovação não recai apenas na formação dos indivíduos isoladamente, desvinculados de seus contextos profissionais. Para o curso, a inovação educativa pressupõe uma reflexão crítica e coletiva sobre a cultura dos contextos estudados, já que “[...] nenhuma inovação o é fora de um contexto ou de uma dada temporalidade” (PINTASSILGO; DE ANDRADE, 2018, p. 11), bem como não surge de “[...] modismos ou novidades passageiras, mas procede de uma situação educacional que traz uma necessidade ou carência de uma solução ou resposta que não se encontra nas condições e propostas atuais” (PEREIRA; MASETTO; FELDMANN, 2014, p. 1062). Desse modo, é preciso estarmos permanentemente vigilantes para, ao buscarmos uma prática curricular pretensamente inovadora, não cairmos no discurso da prática e aproximarmo-nos dos princípios curriculares de Tyler (1977)3 (PACHECO; PEREIRA, 2007).
Diante das pretensões e características do MPED-UFBA, justifica-se, portanto, a realização de convênios4 com redes públicas de educação prioritariamente situadas em regiões interioranas do país, e não apenas com os educadores separadamente, para que possamos pensar em pesquisas interventivas que estejam a serviço de questões de interesse público, além de contemplar a diversidade sociocultural local, a pluralidade de problemáticas e a heterogeneidade de olhares sobre esses problemas. Essa estratégia amplia significativamente as possibilidades de inovação educativa, pois a discussão coletiva acerca das condições profissionais e estruturais dos contextos pode potencializar uma mudança na cultura instituída, porque estabelece um compromisso com a rede de ensino e coloca em questão práticas conservadoras assumidas passivamente como elementos intrínsecos à profissão.
Esse compromisso de conhecer e realizar intervenções inovadoras efetivas no contexto profissional é inerente à proposta curricular do MPED-UFBA, orientada para um percurso de pesquisa construído no cotidiano das escolas, envolvendo as comunidades educativas em suas singularidades e diversidades socioculturais. A perspectiva de rede é fundada em uma compreensão de diversidade ampliada, como uma “[...] mistura coletiva (pessoas, sistemas, funções, tipos de atividades e assim por diante) caracterizada por semelhanças e diferenças” (THOMAS JR., 2000, p. 354), envolvendo a multiplicidade das expressões identitárias, dos valores e dos percursos do sentido (SODRÉ, 2006) e delineada a partir de uma construção histórica, cultural e social (GOMES, 2006).
O conceito de currículo adotado pelo curso parte de um movimento contemporâneo que, negando, entre outras coisas, o termo “grade curricular”, cria um deslocamento de centralidade; dito de outra forma, o que era um conceito tradicionalmente centrado no que poderíamos chamar de contextos dos textos (um simples documento), passa a ser um conceito centrado nos contextos da prática (BALL, 2006; BALL; MAINARDES, 2011) e aponta para a necessidade de disputas discursivas que demarcam a diversidade e deixam emergir as singularidades. Associamos essa concepção à ideia de currículo como uma conversação ou, mais especificamente, como a “conversa complicada” defendida por Pinar (2004, 2017) e explicitada em entrevista concedida a Maria Luisa Süssekind (2014, p. 31): “A conversa é complicada porque acontece entre todos na sociedade [...]”. Assim sendo, “[...] como o currículo é uma conversa complicada e isso valoriza e encoraja a diferença e a subjetividade, não poderia haver um padrão, um standard” (SÜSSEKIND, 2014, p. 35-36).
Estabelecer essa conversa é um dos propósitos do MPED aqui enfocado, entendida como uma ação deliberada de expor proposições no exercício das múltiplas profissionalidades em formação, conforme define Esteves (2015). Assim, fundada em uma postura de dialogicidade, a intervenção proposta no trabalho final não significa uma imposição; ao contrário, coloca-se como a expressão de uma conversação na escola e da escola com aquilo que está posto em termos de reformas, da tensão daquilo que está posto na sociedade. Para estabelecermos essa conversa, usamos a investigação, não como um fim em si mesma, mas como uma possibilidade de intervirmos diretamente nos processos educativos em que atuam os profissionais em formação e o currículo como um campo piloto de pesquisas constantes. O termo “campo piloto” justifica-se quando a pesquisa inscreve-se como Investigação em Campo Piloto, um tipo de pesquisa que demanda a criação de seu próprio campo, sendo espaço de teste de teorias pré-estabelecidas e alimentador de novas construções teóricas, com a intenção de contemplar a concomitância entre teoria e prática (ALMEIDA; SÁ, 2017). Essa dinâmica metodológica, que envolve a realização de estudos em confronto com a realidade em operação, tem como princípio que o instituinte é mais forte que o instituído, pois as realidades são criadas a partir das atualizações de possibilidades, deixando emergir a pluralidade e a heterogeneidade de ações engendradas pelo processo curricular. Por conseguinte, esse tipo de pesquisa sobre e no currículo é aqui considerado como dimensão fundante do MPED-UFBA, pela sua função de possibilitar novas dinâmicas para os currículos praticados e em constante investigação.
Assim sendo, como pesquisadoras vinculadas ao campo do currículo e da formação docente, implicadas na proposta curricular do MPED-UFBA, propomos, com este texto, discutir a dimensão inovante do currículo do curso, destacando o caráter social e culturalmente envolto nas pesquisas interventivas realizadas. Ademais, buscamos tensionar concepções de currículo, intervenção e inovação enrijecidas e homogeneizantes que tendem a sobrepor-se às criações emergentes nos cenários das redes de educação, desconsiderando a heterogeneidade dos processos educativos e a diversidade em seus contextos.
Para tanto, formulamos a seguinte organização textual para o desdobramento desta introdução: apresentamos, inicialmente, a proposta do curso, precedida de algumas das questões que permeiam, desde o processo de concepção ao fazerviver currículo, configurando a sua tessitura. Nessa seção, enfatizamos a centralidade da pesquisa no curso e seu caráter interventivo, seja nas pesquisas sobre currículo, com a finalidade de acompanhar e retroalimentar o processo curricular, seja nas pesquisas no currículo realizadas pelos mestrandos. Com isso, buscamos explicitar a concretização das Investigações em Campo Piloto. Na seção seguinte, discutimos as perspectivas conceituais e analíticas de intervenção e de inovação na proposta curricular do MPED-UFBA, de modo a estabelecermos um diálogo com os resultados das investigações sobre e no currículo que emergiram como mais significativos para evidenciarmos as possibilidades inovantes desse currículo. Nas considerações finais, consideramos as tessituras curriculares do MPED-UFBA como inovantes, pela abertura de sua proposta ao privilegiar a processualidade, a organização em rede, a heterogeneidade, a colaboratividade e a diferença como princípios não colonizadores e por arquitetar inovações instituintes, fundadas em perspectivas de colaboratividade, abertas à diversidade, à pluralidade e à heterogeneidade dos processos educativos das redes públicas de Educação Básica. Dessa maneira, reconhecemos a importância da (re)criação e da inventividade de meios e de percursos para a solução de problemáticas educacionais, tensionando, porém, a massificação da ideia de intervenção voltada à inovação.
2 A PESQUISA COMO DIMENSÃO FUNDANTE NA PROPOSTA CURRICULAR DO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO
Como pensarfazerviver um currículo que potencialize a formação de profissionais da Educação Básica, em pleno exercício profissional, sendo, ao mesmo tempo, possibilitador de atualizações existenciais e implicado nas redes de educação em que atuam? Como romper com estruturas curriculares rígidas, deterministas, estritamente intelectivas e aceitar a heterogeneidade das subjetivações e o intempestivo dos acontecimentos “do chão da escola” como provocadores de precipitações formativas? Como incorporar a atividade de pesquisa, não como um fim em si mesma, mas como uma possibilidade de intervir diretamente nos processos educativos em que atuam os profissionais em formação? Como promover intervenções nas ações curriculares de redes educacionais a partir de inovações pedagógicas que possam emergir nessas mesmas redes? Essas e outras questões insistiram em habitar os processos de criação teórica e epistemólogica que levaram à submissão da proposta de um curso de MPED, junto à CAPES, em 20125.
Nesse percurso, propunhamos uma abertura que contemplasse a multiplicidade de problemáticas que afetam as redes públicas de Educação Básica, considerasse a diversidade sociocultural em que estão imersas e que promovesse processos formativos envoltos na atuação dos profissionais nessas redes. Assim, foi empreendido como campo de estudo do curso, destinado a todos os níveis da Educação Básica, de acordo com a UFBA:
A busca pela compreensão do cotidiano educativo em sua realidade local e em sua contextualização nacional e planetária, a partir da análise crítica das diferentes linguagens expressas no campo de conhecimento teórico curricular, assim como, das experiências concretas de currículo, voltadas para o desenvolvimento de políticas, planos, programas e projetos educacionais inovadores (UFBA, 2012, p. 12).
Esse campo de estudo sustenta-se no eixo da ressignificação das práticas educativas em seu próprio cotidiano e versa sobre a construção de propostas de intervenção inovadoras engendradas por meio de duas linhas de pesquisa, a saber: “Currículo, ensino e escola” e “Educação e linguagens” (UFBA, 2012). Como já pontuamos, as ações curriculares são voltadas aos cotidianos das redes educativas em que os mestrandos estão inseridos, com estímulos para discussões acerca de seus espaços de trabalho, da valorização da experiência nos processos investigativos e do levantamento de possibilidades de intervenções teórico-práticas específicas de cada rede. Para contemplarem tais propósitos e em consonância com a concepção de currículo adotada, os componentes curriculares, contrariando os pressupostos de ordem disciplinar, são, nesse sentido, de naturezas diversas, a fim de considerarem as ideias contemporâneas que enfatizam as linguagens como fundantes nos processos de aprendizagem, assim como a multiplicidade dos modos de aprender (ALMEIDA; SÁ, 2017) e a diversidade sociocultural das redes de educação.
A proposta curricular do MPED (UFBA, 2012) estrutura-se em dois movimentos: 1. Adentrando no conhecimento socialmente produzido - realizado a partir de blocos temáticos cujos estudos se dão por meio de grupos de estudos acadêmicos (GEAC), cursos e palestras. São quatro os blocos temáticos: a) Educação e currículo ao longo da história; b) Educação e prática pedagógica; c) Educação e linguagens; d) Educações e contextos instituídos e instituintes. 2. Adentrando nos meandros das redes de ensino - realiza-se por meio de oficinas em espaços de redes educativas, tendo como temáticas: a) Descobrindo a rede; b) Compreendendo espaços específicos da rede; c) Pensando seu espaço de investigação da rede; e d) Escrevendo o seu espaço de investigação da rede.
As oficinas são o componente curricular mais diretamente responsável pelas atividades investigativas e pela articulação com as redes, visando a intervir pedagogicamente em contextos de diversidade. Oferecidas semestralmente, funcionam como espaços para a orientação e o aprimoramento do trabalho de conclusão do curso, a fim de propiciar um mergulho crítico, embasado em estudos teóricos, no cotidiano dos espaços das redes educativas. A orientação metodológica das oficinas aponta para a realização de investigações de caráter interventivo (DAMIANI et al., 2013; HETKOWSKI, 2016; PEREIRA, 2019), nas quais o fenômeno é identificado, interpretado/analisado e discutido em seu próprio espaço emergente, tendo como finalidade uma intervenção efetiva, com vistas a gerar ações coletivas referentes a inovações pedagógicas e atreladas a políticas públicas de fortalecimento da formação nas redes educativas. Desse modo, as oficinas caracterizam-se por promover uma escuta metodológica dessas redes para o envolvimento de toda a comunidade em relação a críticas e a sugestões às proposições originais (ALMEIDA; SÁ, 2017; UFBA, 2012).
O projeto do curso prevê, assim, que as oficinas se constituam em espaços de compartilhamento de informações, de reflexões conjuntas, de interações em diferentes esferas da vida humana; que sejam epistemológicas, sociais, políticas, individuais, as quais não são separáveis quando produzimos conhecimentos, mas estão permanentemente enredadas umas às outras. Elas potencializam o envolvimento das redes com as pesquisas, favorecendo a pluralidade de olhares sobre a problemática estudada, bem como o sentimento de pertença de seus agentes com a intervenção inovadora a ser delineada, a partir de suas diferenças sócio-étnico-raciais, de gênero, de território e de geração.
No escopo integrado entre os dois movimentos curriculares propostos, são elaborados os trabalhos de conclusão de curso, expressos na modalidade Projeto de Intervenção, os quais são esboçados desde o processo seletivo e construídos, no âmbito das oficinas, concomitantemente às orientações individuais, desde o primeiro ciclo do curso. Considerando, com Carvalho e Sá (2016), que o curso contempla atividades acadêmicas para profissionais, é necessário especificar para o trabalho final uma escrita propositiva como unidade textual; em outras palavras, convém, ao texto final, expressar o caráter investigativo/interventivo dos estudos, ser pautado em ampla e consistente investigação em campo, por meio de um zoom nos cenários das instituições educativas, da socialização e discussão constante dos achados e das interpretações junto às redes. É importante que os referenciais teóricos e metodológicos tenham intenções mais ligadas à intervenção e menos um definir teórico, como os moldes de uma dissertação, por exemplo. O esforço é para que a dimensão teórica esteja intrinsecamente ligada às proposições declaradas.
Um dos desafios do MPED-UFBA, desde a primeira turma ofertada, é construir, teoricamente, um esteio que subsidie suas proposições curriculares, a fim de que a proposta evite a separação entre o pensado e o praticado. Tendo a pesquisa como fundante curricular do curso, podemos distinguir, apenas para fins didáticos, no âmbito do desenvolvimento curricular, duas dimensões: pesquisa sobre currículo e pesquisa no currículo (SÁ, 2018). A primeira dimensão abrange todo e qualquer estudo sobre a proposta curricular do curso, sobre o seu acontecer cotidiano e sobre as ressonâncias de suas proposições, no que denominamos Investigação em Campo Piloto. Como exemplo, temos a investigação intitulada “O Mestrado Profissional em Educação: articulações entre Universidade e Escola Básica e as pesquisas de intervenção”, iniciada em 2016, coordenada por Maria Roseli Gomes Brito de Sá, que pretende instituir-se como um projeto permanente de acompanhamento curricular, quando estabelece como finalidade acompanhar a implementação (ou não) dos Projetos de Intervenção que se delinearam nos trabalhos finais dos egressos. As análises são realizadas pela óptica da bricolagem (KINCHELOE; BERRY, 2007) e pressupõem uma organização em tessitura, a partir de fragmentos selecionados e colocados juntos, de forma a (re)configurar a dinâmica das relações na realidade, levando a conclusões que geram a necessidade de ampliação das investigações. Dessa forma, a referida pesquisa matriz, a partir de seus primeiros resultados, desdobrou-se em várias etapas, assim como demandou e vem demandando novos estudos, os quais são objeto de análise no presente texto6.
A segunda dimensão, da pesquisa no currículo, refere-se às investigações fomentadas pelos componentes curriculares, notadamente pelas oficinas destinadas, como descrevemos anteriormente, a orientar e acompanhar as propostas de intervenção, esboçadas pelos mestrandos em curso, desde o processo de seleção até mostrarem-se como efetivos Projetos de Intervenção. Essas dimensões entrelaçam-se, uma vez que as pesquisas sobre currículo, iniciadas em 2016 (primeira dimensão), partiram de um movimento de acompanhamento dos egressos, com o objetivo de compreender os pilares de seu campo de estudo em torno dos elementos denominadores do curso, quais sejam: “Currículo, linguagens e inovações pedagógicas”, bem como a natureza interventiva e inovadora dos trabalhos finais, formulados a partir das pesquisas no currículo (segunda dimensão).
Esse movimento continuado, de pensarfazerviver currículo, consolida a perspectiva da “conversa complicada” proposta por Pinar (2004, 2017), implicando a necessidade de construir um esteio teórico e epistêmico dos encaminhamentos formativos, tendo em vista a polissemia conceitual e a polilogia prática que envolve a proposição de pesquisas interventivas potencializadoras de inovações pedagógicas.
3 INTERVENÇÕES INOVADORAS ABERTAS À DIVERSIDADE E À HETEROGENEIDADE DE PROCESSOS EDUCATIVOS
No âmbito das pesquisas sobre e no currículo, os debates acerca das concepções de intervenção e de inovação são caros à compreensão de como o MPED-UFBA atua em suas proposições formativas e às ressonâncias destas nas redes de educação conveniadas. Tais concepções, no campo educacional, são complexas e polissêmicas, exigindo uma demarcação paradigmática acerca de seus usos, já que podem estar acompanhadas de um cunho mercantilista ligado à produção de métodos e materiais; possuírem um enfoque racionalizante e sistemático, voltado à elaboração de procedimentos a fim de aumentar a eficácia do ensino; empreenderem o consumo de modelos pedagógicos exógenos aos contextos educativos; estar ligadas ao uso de tecnologias digitais atualizadas, assim como serem inerentes à ação criativa e coletiva em múltiplas instâncias.
Inserido, desde sua criação, em um contexto que suscita a emergência de intervenções inovadoras no âmbito educacional, também incentivadas, na mesma ocasião, pela CAPES, o MPED-UFBA coloca-se atento ao crescente debate e interesse, nacional e internacional, em torno das pesquisas interventivas e das práticas inovadoras na Educação, compreendendo a relevância de potencializar processos criativos de atualizações educativas, qualificados por pesquisas voltadas a problemáticas emergidas no seio das instituições e gestadas em seus respectivos contextos. Nesse mote, o curso vem tensionando, continuamente, concepções de intervenção e de inovação postas nos cenários educacionais.
Em suas intenções epistêmicas e formativas, os Mestrados Profissionais em Educação conferem a ênfase de seus processos investigativos à “[...] pesquisa de intervenção, estudos e avaliação, impactos e resolução de problemas, diretamente ou através de intensa imersão nas dinâmicas da rede da Educação Básica” (HETKOWSKI, 2016, p. 23). O caráter interventivo dos processos investigativos é, pois, um dos elementos que especificam os referidos cursos. Chame-se de pesquisa aplicada (HETKOWSKI, 2016; PEREIRA, 2019) ou pesquisa engajada, na acepção sugerida por Bernadete Gatti, como nos relata a professora Marli André (2016). Importa que a pesquisa, como sinalizamos, seja considerada como uma possibilidade de intervir diretamente nos processos educativos em que atuam os profissionais em formação (SÁ, 2018).
Ao discorrer sobre a pesquisa aplicada como uma proposição dos Mestrados Profissionais em Educação e tomar o engajamento e a intervenção como elementos basilares das pesquisas, Hetkowski (2016, p. 23-24) assim refere-se à intervenção:
A intervenção gera a maturidade nos diálogos sobre/para tratar dos problemas; demanda mobilização dos sujeitos sociais à construção/criação de proposições e remete os sujeitos a ação criativa e inovadora no contexto pesquisado. Esses processos geram ações e/ou inovações das práticas; concebe o entrelaçamento do saber-fazer criativo, reflexivo e científico às demandas da realidade. Os processos de intervenção propõem deixar ‘legados’ nos espaços educacionais (sejam públicos ou privados), os quais devem ser para/da comunidade escolar, como resultado de uma propositiva coletiva, elaborada através de trocas, anseios, discussões e ações que envolvem a Universidade e os profissionais da educação.
O termo “intervenção”, até bem pouco tempo, era usado basicamente em pesquisas nas áreas de Administração, Medicina e Psicologia (DAMIANI et al., 2013), mas vem ganhando destaque no âmbito das pesquisas dos Mestrados Profissionais em Educação. Para defender a adequação do uso do termo “intervenção” na área da Educação, Damiani et al. (2013, p. 57) definem as pesquisas do tipo intervenção pedagógica como “[...] investigações que envolvem o planejamento e a implementação de interferências [...] destinadas a produzir avanços, melhorias, nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam e a posterior avaliação dos efeitos dessas interferências”.
A intenção da proposta curricular do MPED-UFBA é que os Projetos de Intervenção sejam elaborados em relação direta com as atividades curriculares acadêmicas propostas no curso, bem como com as produções realizadas e os percursos formativos engendrados pelos mestrandos, nas imanências e nas emergências do cotidiano; que sejam construídos na interação com os pares da rede de educação, que contemplem a diversidade local e que tenham, em seu cerne, a concepção de abertura, como uma intervenção articuladora.
A noção de inovação pedagógica acompanha essa complexidade conceitual já que, atualmente, coexistem diferentes concepções historicamente fundadas em perspectivas técnicas e tecnológicas, políticas e/ou culturais (HOUSE, 1988), que, quando acrescidas da questão de que tal noção “[...] muitas vezes, é usada como uma espécie de slogan” (PINTASSILGO, 2019, p. 16) amplia a dificuldade de sua delimitação teórica.
Uma concepção de inovação bastante aceita na área da educacional considera-a como
[...] um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que trata de modificar atitudes, ideias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas e introduzir novos materiais curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e outras formas de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da classe (CARBONELL, 2002, p. 19).
A amplitude dessa conceituação abre espaço para diversas compreensões, visto que a inovação pedagógica, como qualquer concepção do campo educativo, está condicionada “[...] pela ideologia, pelas relações de poder no controle do conhecimento, pelos contextos socioculturais, pelas conjunturas econômicas e políticas educativas e pelo grau de envolvimento nela dos agentes educativos” (CARBONELL, 2002, p. 19). Esse caráter subjetivo, que envolve entendimentos distintos para quem a promove, para quem a implementa e para quem recebe seus efeitos (HERNÁNDEZ et al., 2000), demanda considerar, portanto, a confluência de uma pluralidade de olhares daqueles que estão imersos em suas proposições.
Diante dessa constatação, o MPED-UFBA investe em uma dimensão coletiva nas pesquisas interventivas a fim de que as inovações engendradas no curso possuam um caráter instituinte (CORREIA, 1991) e plural, ou melhor, criadas nas próprias redes de ensino, com seus meios e suas possibilidades, ao envolver posturas colaborativas entre os pares, contemplar a multiplicidade de problemáticas e a diversidade local e, assim, reconhecer que, para existir cooperação, com vistas à inovação, é necessário que haja negociação e estabelecimento de compromissos (JORGE, 1996). Essa postura pretende, entre outros objetivos, afastar as inovações criadas no âmbito do curso de um perfil instituído (CORREIA, 1991) e linear, ligado à suposição de que a inovação acontece por intermédio de consensos, como um fim em si mesma, com funcionamentos mecanicistas e previsíveis, muitas vezes desvinculados das especificidades dos contextos e do pertencimento das comunidades educativas. Ao fomentar a dimensão em rede na criação das propostas interventivas, tende a diluir o caráter individualista, no qual um profissional poderia estabelecer uma possível solução para problemas que afetam um coletivo, sem considerar como os pares percebem o fenômeno, ofertando-lhes caminhos pré-definidos a serem aplicados e reproduzidos. Com isso, favorece, também, a diversidade, pois os processos não são urdidos por uma única lente (GOMES, 2017), mas, sim, gestados em uma “mistura coletiva” (THOMAS JR., 2000), com os múltiplos olhares dos sujeitos e as suas diferenças.
Esse esteio teórico e epistêmico, em torno das intervenções inovadoras, vem sendo construído nos diálogos potencializados pelas Investigações em Campo Piloto, pois estas otimizam as conversações complicadas (PINAR, 2004, 2017; SÜSSEKIND, 2014) que, continuamente, revisitam o currículo do curso, já que produzem resultados sobre os processos de formação forjados nos percursos curriculares, fornecendo subsídios para os investimentos conceituais necessários para o pensarfazerviver currículo no MPED-UFBA.
Entre os resultados das análises feitas com os trabalhos finais da primeira turma do curso, na investigação intitulada “O Mestrado Profissional em Educação no Território de Irecê -BA: articulações entre universidade e escola básica e as pesquisas de intervenção”, coordenada por Maria Roseli Gomes Brito de Sá, foi possível detectarmos que,
[...] no desenvolvimento dos textos, como unidades propositivas, foram apresentadas pelo menos duas concepções recorrentes de intervenção. Uma naturalizada, desenvolvida de modo vertical, mais fechada e operacionalizante, e outra, imanente, tecida de modo horizontal, colaborativo e aberto (ALMEIDA; SÁ, 2017, p. 10).
Além disso, nos percursos de outra investigação, intitulada “O Mestrado Profissional em Educação e a inovação pedagógica: princípios fundantes de um currículo e suas ressonâncias nas redes educacionais”, coordenada por Verônica Domingues Almeida, foi possível identificarmos que as noções de inovação entre mestrandos e docentes estavam desalinhadas, passando por ideias como o surgimento de algo inédito ou apenas ligadas ao uso de tecnologias digitais atualizadas e, ainda, como a produção de instrumentos a serem aplicados e reproduzidos para uma dada finalidade.
Essas constatações, atreladas aos índices de implantação dos projetos interventivos que, em 2017, indicaram que apenas cerca de 18% das propostas haviam sido implementadas, contribuíram para que o MPED-UFBA fortalecesse a produção das pesquisas interventivas em rede, fundadas em perspectivas mais colaborativas e orgânicas em relação à processualidade implicada nas alterações do pensar e do fazer educacional, considerando, assim, a natureza multidimensional das inovações. Vale apontar, que os últimos dados das Investigações em Campo Piloto, colhidos em 2019, apontaram um aumento de 14% no número de intervenções inovadoras implementadas, totalizando cerca de 31% dos Projetos de Intervenção defendidos que, em números absolutos, referem-se a 22 trabalhos finais. Esses novos dados explicitam o desafio do MPED-UFBA em prosseguir ampliando a colaboratividade das pesquisas interventivas, bem como em estreitar as relações com as redes de ensino conveniadas para que acolham as singularidades das propostas interventivas em relação às especificidades das comunidades educativas. Ademais, para que criem e garantam as condições necessárias para a implementação dos Projetos de Intervenção - aspecto importante no âmbito da gestão institucional para a realização das inovações (MASETTO, 2004, 2011).
A atualização curricular potencializada pelas Investigações em Campo Piloto favorece o alargamento da ideia de currículo como uma “construção inacabada, um processo contínuo” (MASETTO; FELDMANN; FREITAS, 2017, p. 745), bem como de que intervir é “estar entre, meter-se de permeio, embaraçar-se” (ALMEIDA; SÁ, 2017, p. 9) e, ainda, de que inovar está diretamente relacionado à mudança de mentalidade e de atitude dos sujeitos envolvidos com as mudanças (HUBERMAN, 1973). Desse modo, um currículo enrijecido, que promova a aplicação de uma intervenção, advinda de uma fonte unilateral e verticalizada ou sem as condições necessárias para “se tornar viva”, ou melhor, sair do contexto dos textos, não potencializa, por si, uma inovação. Destarte, por meio dos resultados finais de tais pesquisas, as intervenções inovadoras propostas nos trabalhos finais passaram a ser, paulatinamente: entendidas a partir da contextualização e da historicização da comunidade; da instituição e do problema a ser solucionado pela inovação; da elaboração em um âmbito coletivo; das baseadas em culturas locais; das gestadas metodologicamente em uma natureza processual e multidimensional; e, ainda, das propostas de mudança intencional, voluntária e deliberada, projetadas como parte da agenda de atores ou de grupos.
Assim, a proposta curricular do MPED-UFBA configura-se como inovadora em sua organização maleável e sensível, no que diz respeito à heterogeneidade de processos formativos de professores, à diversidade sociocultural das comunidades educacionais, à multiplicidade de problemáticas pedagógicas que emergem no seio das instituições públicas de Educação Básica e à pluralidade de olhares sobre essas questões. Essa configuração é reconhecida por docentes do curso, conforme expressaram na segunda fase da investigação, em andamento, “O Mestrado Profissional em Educação e a Inovação Pedagógica: princípios fundantes de um currículo e suas ressonâncias nas redes educacionais”. Segundo os docentes, o que torna a proposta do MPED-UFBA inovadora é:
[...] possuir um desenho diferenciado que legitima o que os mestrandos trazem como problemática e não o contrário, exigindo que os problemas de pesquisa se alterem ou se adaptem a estrutura curricular;
[...] ser uma proposta curricular que subverte o modelo grade, tradicionalmente implementado, que propõe o desenvolvimento de Projetos de Intervenção [PI] ancorados na realidade educacional das redes de ensino, portanto, espaço-temporalmente situados e que estimula o desenvolvimento de PI colaborativos, entre o mestrando e as comunidades escolares, portanto, não impostos às realidades. Essas características atribuem um perfil criativo e autoral ao curso e aos produtos dele derivados;
[...] abrir a possiblidade de realizar investigações em interação com a rede, que pode conhecer a proposta, colaborar para a explicitação da problemática em estudo e propor caminhos para a resolução dos problemas desencadeadores da investigação.
Outrossim, pode ser considerada uma proposta inovadora por ser atualizada, continuamente, por investigações fundadas em seu próprio currículo, permitindo que as intervenções, gestadas no seu fazer, ocorram em gerúndio, ou melhor, no tecer contínuo das conversações complexas entre formação e currículo e entre universidade e Educação Básica.
Essa dialogia das pesquisas sobre o currículo, implicada nas finalidades sociais da universidade, quanto à formação docente no âmbito de um MPED, bem como em relação às necessidades singulares e à diversidade que habita nas redes públicas de Educação Básica, vem dando subsídios para a criação de intervenções inovadoras que evidenciam a heterogeneidade das práticas escolares e valorizam as diferenças, considerando a diversidade sociocultural e histórica das comunidades e de seus agentes.
As intervenções inovadoras, projetadas nas pesquisas no currículo, voltam-se a múltiplos aspectos pedagógicos, envolvendo variadas problemáticas, campos, níveis e áreas educacionais, contemplando desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, englobando a Educação no Campo, Educação de Jovens e Adultos (EJA), o Ensino Profissionalizante e a Educação Inclusiva, podendo ser assim agrupadas, sem ordenação ou hierarquização temática: a) Projetos para a ressiginificação da cultura local e valorização da diferença: envolvendo sexualidades e gênero, Educação quilombola, Educação no campo, Educação para relações étnico-raciais, Educação ambiental, Educação inclusiva, Educação alimentar e nutricional no semiárido e Ensino profissionalizante em território de reforma agrária; b) Projetos para formação contínua: em torno da docência, gestão democrática, coordenação pedagógica, autoria docente, planejamento participativo, interdisciplinaridade; c) Projetos para melhoria da qualidade da educação: envolvendo ações de monitoramento e acompanhamento dos processos de ensino e de aprendizagem, reorientações metodológicas e didáticas em torno da ludicidade, ressignificação da reprovação, distorção idade-série e avanço progressivo, prevenção da evasão escolar, reorganização didática em torno das especificidades de cada turno de ensino, transformação de elementos da Prova Brasil em norteadores da prática pedagógica, políticas de permanência estudantil, práticas de formação de leitores, incentivo à literaura e reestruturação do uso de bibliotecas; d) Projetos de (re)organização curricular: contemplando a estruturação da rede educacional a partir dos ciclos de formação humana, orientação pedagógica interdisciplinar para os anos finais do Ensino Fundamental, definição do trabalho pedagógico na EJA a partir de eixos significantes; e) Projetos com tecnologias digitais como estruturantes dos processos de ensino e de aprendizagem: promovendo a criação de uma rede digital interativa, reconfigurações didáticas e metodológicas com o uso de jogos digitais e videoaulas, criação de espaços makers, implementação do uso de softwares livres nas redes.
Esse rol de projetos inovadores, qualificados por pesquisas interventivas, assume o desafio de ressoar positivamente na qualidade da educação local, correspondendo a práticas coletivas, participativas e polifônicas, tendo a pluralidade e a heterogeneidade como fundantes, já que a diversidade é considerada desde a gênese das proposições, seguindo no percurso de elaboração, até a possível implementação. Assim, os saberes construídos pelas comunidades educativas são preservados e levados em consideração, evitando processos de homogeneização e padronização. Desse modo, a diversidade torna-se um contributo essencial em dois ângulos comunicantes: na legitimação de diferentes visões de mundo, expressões culturais ou pessoais e dos diferentes pertencimentos sociais, culturais ou territoriais (SANTOS, 2010), assim como na amplitude de temáticas que envolvem as relações raciais, de inclusão, de infâncias e juventudes, sexualidades e gênero, de desigualdades sociais e movimentos do campo, por exemplo.
A inovação na educação é, pois, um processo e não um acontecimento pontual; desse modo, está vinculada a determinado contexto e grupo social, não sendo objetiva, como se algo pudesse ser inovador por si só (BARRERA, 2016). Inovar está relacionado à mudança e não necessariamente à melhoria, dado que seu valor é relativo de acordo com os diferentes grupos sociais, requerendo que compreendamos, também, “[...] a inovação como um processo de mudança de habitus, que envolve, portanto, perdas, conflitos, rupturas [...]” (BARRERA, 2016, p. 25, grifo da autora). Essa compreensão, no âmbito da formação dos mestrandos, tende a promover o deslocamento do olhar analítico do pesquisador para o olhar compreensivo e implicado na mudança, o que delineia uma sensibilidade traduzida em ações pedagógicas de transformação do sistema educacional em um sistema inclusivo, democrático e que reconheça “[...] o diverso como a potência de uma cooperação radical entre as diferenças” (SODRÉ, 2006, p. 14). Isso envolve a construção de uma ética voltada ao respeito à coletividade, à valorização da diferença e com disposição para “conversas complicadas” (PINAR, 2004, 2017; SÜSSEKIND, 2014) com as comunidades educativas e com a sociedade de um modo geral.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reconhecemos a importância da (re)criação e da inventividade de meios e de percursos para a solução de problemáticas educacionais - posturas inerentes à inovação pedagógica. Do mesmo modo, consideramos necessário tensionar a massificação da ideia de intervenção voltada à inovação como uma espécie de “solução mágica”, advinda de estruturas exógenas de comunidades educativas, que determinam protocolos a serem cumpridos sem reservas pelas instituições educacionais, independentemente de suas características singulares e da diversidade sociocultural dos sujeitos que as constituem. O sedutor discurso da inovação, historicamente, é polilógico, por isso é que uma proposta curricular que se entende inovadora e, ainda, potencializadora de inovações outras em contextos educativos variados precisa demarcar - sem limitar - os esteios paradigmáticos em que se assentam os itinerários de formação que promove, estabelecendo uma unidade plural quanto às concepções que sustentam a proposta do curso.
Os processos de criação em perspectivas colaborativas e qualificados por pesquisas interventivas engajadas não são imediatistas, pois envolvem estudos, problematizações, diálogos e escuta do coletivo, instâncias em que o consenso não se estabelece sem reservas. Assim, o campo da realidade concreta é investigado com seus problemas educacionais, os quais são fontes de diversidade biológica, social, política, cultural e institucional. Desse percurso, emergem inovações caracterizadas pelo pertencimento da comunidade. A intervenção, como proposta, não se limita aos escritos de um trabalho de conclusão de Mestrado Profissional, pois, desde o momento inicial da pesquisa, ela pode configurar-se como inovação, na medida em que os pares se colocam colaborativamente a pensarfazerviver o currículo em sua dimensão formativa.
Por isso, consideramos as tessituras curriculares do MPED-UFBA como inovantes, pois, na dialogia da configuração maleável, sensível e aberta de sua proposta, considera a processualidade, a organização em rede, a heterogeneidade, a colaboratividade e a diferença como princípios não colonizadores, investigando-se e alterando-se continuamente diante de constatações sobre os itinerários formativos que provoca, bem como frente à multiplicidade de problemáticas, culturas e naturezas das redes de educação conveniadas. Inovante, ainda, pois, em seu fazer curricular arquiteta inovações instituintes, fundadas em perspectivas de diversidade e de colaboração em variados campos educacionais.
Essa gramática não normativa, de gestar inovações instituintes nas tessituras curriculares inovantes de um curso de Mestrado, tende a expandir as suas ressonâncias para a dimensão coletiva das redes de educação, evidenciando, temporalmente, os percursos formativos dos mestrandos em um caráter de finitude e infinitude, sendo este último, por natureza, imensurável, já que os trabalhos finais, quando implementados, revelam a amplitude de pessoas beneficiadas, o que envolve a comunidade educativa como um todo: professores, gestores, servidores, alunos e suas famílias.
As Investigações em Campo Piloto revelam não apenas as concepções de currículo, de pesquisa, de intervenção e de inovação desenhadas pelos percursos formativos dos mestrandos e docentes credenciados, mas também anunciam a atualização contínua do currículo, em seu pensarfazerviver. A partir dessas análises, o MPED-UFBA, em sua característica inovante, atualiza-se de modo aberto, propõe diálogos mais propositivos e implicados na diversidade nos contextos ou, reafirmando a expressão de Pinar (2004, 2017), realiza uma “conversa complicada”. Com isso, intensifica-se a sua natureza interventiva e inovadora em relação intrínseca à Educação Básica, pretendendo ressoar, positivamente, na melhoria da qualidade dos processos formativos que potencializa.