1 INTRODUÇÃO
O processo de formação e trabalho em saúde transita pela compreensão da trajetória das políticas públicas e do entendimento da saúde enquanto prática e direito social. Historicamente, o Brasil foi marcado pelo latifúndio agroexportador do período colonial e pelo escravagismo. Mesmo com a independência e a ascensão da república, os traços socioculturais elitistas se mantiveram e marcam o país até os dias de hoje (WERNECK VIANNA, 2005).
No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, apesar dos resquícios neoliberais estruturais vigentes na sociedade e do estado minimalista, ampliou-se a garantia de direitos que buscavam atender às demandas dos movimentos sociais e os direitos fundamentais (BRASIL, 1988).
Consolidada no artigo 196 da CF e regulamentada em 1990, na Lei Federal nº 8080/1990, a saúde passou a ser vista como um direito universal e dever do Estado, garantindo à população acesso igualitário por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1990).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta já há muitas décadas uma definição ampliada de saúde, entendida como um estado de bem-estar físico, mental e social e não caracterizado somente pela ausência da doença (World Health Organization, 1946). No artigo terceiro da Lei Orgânica da Saúde Brasileira, a Lei 8.080, a saúde é compreendida não apenas como a ausência de doenças, mas abarca as condições de vida da população, alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços fundamentais, revelados por meio das condições de saúde, e organização econômica e social do país (BRASIL, 1990).
Assim, com o intuito de novas perspectivas e a real garantia do cuidado à população, a dimensão social tornou-se um dos elementos fundamentais para discussão da saúde, ao se contemplar a visão integral do processo de adoecimento do indivíduo. Transcende a dimensão biológica e aponta novas abordagens na formação dos profissionais (CAMPOS; AGUIAR; BELISÁRIO, 2012).
Com efeito, o adoecimento da população e certas patologias podem ser compreendidas como construções sociais, que historicamente foram tratadas e vivenciadas conforme foram delineadas pelo lugar que ocuparam na história e na sociedade, especialmente na economia. As ditas doenças de classe são produzidas diretamente pelas condições sociais dos indivíduos.
Nesse estudo, considera-se dimensão social o conjunto de componentes que compreendem a singularidade do sujeito, bem como aspectos do contexto social no qual está inserido. Refere-se à dimensão social enquanto fundamento sociocultural do sujeito, a ipseidade como a subjetividade, bem como ao processo de socialização vivenciado nos diferentes espaços sociais da vida cotidiana, onde a pessoa se desenvolve (LIMA; FAZZI, 2018).
Diante da amplitude do campo da saúde, a dimensão social, uma vez relacionada à gênese do adoecimento, à qualidade de vida e às políticas públicas, ganha maior importância. Evidencia-se, assim, a necessidade de se repensar o processo de formação dos profissionais e as práticas colaborativas imprescindíveis ao cuidado integral, contemplando diversos conhecimentos na busca por novos modelos de atenção e formação em saúde, que gerem um cuidado de qualidade e efetividade para a população usuária dos serviços. É necessário apreender os determinantes do processo saúde-doença em sua complexidade e seu dinamismo. A efetiva implantação do SUS enfrenta o desafio de contar com profissionais da saúde preparados e sensibilizados para atenderem às necessidades de saúde da população e que incorporem ao seu agir a importância e o impacto das dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais para a saúde (CAMPOS; AGUIAR; BELISÁRIO, 2012).
Em 1996, foram iniciadas discussões no âmbito do Conselho Nacional de Medicina, que originaram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso médico, publicadas em 2001. Estas DCN recomendaram a adoção de métodos ativos de aprendizagem, para maior confluência entre teoria e prática e para o desenvolvimento de competências e habilidades voltadas a uma atuação profissional diferenciada (CAMPOS; AGUIAR; BELISÁRIO, 2012).
Em 2014, foram promulgadas as novas DCN para o curso de graduação em Medicina, pela Resolução CNE/CES, de 20 de junho de 2014 (BRASIL, 2014). Ainda em vigor, essas DCN orientam a formação a partir da reflexão sobre a prática e de ações de transformação da realidade e interligam-se ensino, pesquisa e extensão. O médico formado deve ter o compromisso com a diversidade, estar a serviço da vida e garantia de direitos (PIO et al, 2019).
Para uma formação médica generalista, humanista, pautada em princípios éticos e que articule ações nos diferentes níveis de atenção, que pense integralmente o usuário e o sistema, o cuidado individual e coletivo de acordo com as necessidades de saúde, com ênfase no SUS, reitera-se a importância da compreensão dos determinantes sociais; culturais; ecológicos; éticos; comportamentais; legais e psicológicos do processo saúde doença (BRASIL, 2014).
Nesta perspectiva, observa-se mundialmente uma transição de métodos tradicionais para inovadores, ativos e críticos-reflexivos, como a ‘Aprendizagem Baseada em Problemas’ (ABP) ou Problem-Based Learning (PBL) (CAMPOS; AGUIAR; BELISÁRIO, 2012). Tais processos formativos buscam caminhos pedagógicos ativos, que permitem maior protagonismo do estudante, nos quais a aprendizagem emerge da interação com a realidade e das demandas do mundo do trabalho.
A ABP, como estratégia didático-metodológica, baseia-se no estudo de situações-problema a partir das quais, habilidades e conhecimentos são desenvolvidos. A efetividade do processo da ABP depende de diversos fatores interligados, o desempenho do tutor, os passos seguidos e a dinâmica do grupo de estudantes. Outro elemento essencial para isto são os disparadores utilizados, as situações-problema, que devem despertar os conhecimentos prévios dos estudantes, motivá-los a questionamentos, a construção de hipóteses explicativas, identificação de lacunas de conhecimento, elaboração de questões de aprendizagem, busca ativa de informações em fontes confiáveis e ampliação da compreensão do fenômeno abordado no problema disparador (PRATES; SÁ, 2010).
De maneira contextualizada, as situações-problema devem abordar aspectos do mundo real, casos autênticos, relevantes e representativos (AQUILANTE et al., 2011). Tais situações-problema não podem ser entendidas ou resolvidas, considerando apenas uma perspectiva disciplinar, pois os contextos cotidianos e/ou profissionais são de natureza interdisciplinar (AQUILANTE et al., 2011).
Em vista disso, a construção das situações-problema apresenta-se na forma de casos com o objetivo de motivar o estudante na busca por conhecimento e na compreensão da situação, conduzindo a uma solução que pode ser convergente ou divergente, pois o mais valioso é o olhar crítico e o pensar sobre o problema. A construção das situações-problema deve estimular o crescimento cognitivo dos acadêmicos ao longo do curso. Para cada uma, agrega-se um guia para os tutores, que contém os objetivos educacionais específicos a serem atingidos durante o processo tutorial, que são desconhecidos pelos estudantes (AQUILANTE et al., 2011).
Como elementos fundamentais para o aprendizado em um currículo por ABP, espera-se que as situações-problema abordem as múltiplas disciplinas de modo integrado e que sejam englobados assuntos pertinentes aos diferentes campos do saber que compõem as práticas em saúde, tanto sob o ponto de vista biológico, quanto psicológico e social (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014).
Diante da complexidade do processo saúde-doença, este estudo mostra-se relevante frente às disparidades econômicas, políticas, culturais, sociais, disseminadas pelas relações de gênero, etária, étnico-racial, sociabilidade, prática religiosa, estado civil, acesso ao trabalho e educação que permeiam o cotidiano. Fazer saúde tem uma dimensão social indeclinável, tanto por operar na relação entre indivíduo e sociedade, quanto por estar consistentemente implicada na dinâmica social. É importante que o processo de formação profissional contemple esta realidade social, despertando no aluno a sensibilidade para as necessidades concretas de saúde no sentido dos valores humanos, respeito mútuo, escuta qualificada, ética, séria e efetiva. Deve-se preparar os estudantes para assumirem responsabilidades técnicas, sociais e políticas na constituição de uma atenção integral à saúde (SIQUEIRA; HOLLANDA; MOTTA, 2017).
Nesse caso, é preciso analisar se o que está sendo oferecido enquanto ferramenta de aprendizagem no currículo do curso de medicina considera a singularidade do sujeito e o contexto social, visando à formação de um médico humanista e generalista. Olhar para estas situações-problema e guias, para o corpo curricular, construído pela Instituição de Ensino Superior (IES), permite identificar se há elementos disparadores capazes de levar à construção desta percepção do social e das práticas de cuidado almejadas.
Este estudo descreveu e analisou a representação da dimensão social em um currículo médico mediado pela ABP e indicou balizadores para aprimoramentos, visando a contribuir para a formação integral à saúde, bem como para o estudo de estratégias ou abordagens na perspectiva da aproximação à dimensão social.
Construiu-se um Roteiro de Análise da Dimensão Social (RADS), ferramenta que se mostrou relevante para futuras análises da dimensão social de situações-problema em currículos por ABP, mas também para avaliação e reconstrução curricular no modelo pedagógico em questão. A descrição do RADS é o objetivo principal do presente artigo, acompanhado da síntese dos resultados de sua utilização na pesquisa de Custódio (2018).
2 MÉTODO
Tratou-se de uma pesquisa de análise documental (SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009), de abordagem qualitativa, que utilizou o método de Análise Textual Discursiva (ATD) proposto por Moraes e Galiazzi (2006).
O cenário do estudo foi uma faculdade pública, localizada no interior do estado de São Paulo. O currículo do curso de Medicina desta faculdade é centrado no estudante, integrado e orientado por competência dialógica. São três unidades educacionais: a Unidade de Prática Profissional (UPP) com o Laboratório de Prática Profissional (LPP); a Unidade Educacional Eletiva (UEE) e a Unidade Educacional Sistematizada (UES). A UPP (de 1ª a 4ª séries) tem a realidade social como disparadora para o aprendizado. O contato com a comunidade se dá logo no primeiro ano de curso. O LPP permite ao estudante treinamento prático com simulação (CUSTÓDIO, 2018; REZENDE, 2020). A UES é composta por: tutoria, consultoria e conferência. A ABP viabiliza o aprendizado nas tutorias que ocorrem da 1ª a 4ª série no curso médico desde a década de 1990. As tutorias ancoram-se na situação-problema e no guia tutor, bem como em material de apoio. Cada série tem um grupo de construção multidisciplinar que formula as situações-problema a partir de situações reais vindas dos cenários de prática, propondo-se a apresentar as disciplinas de forma integrada (CUSTÓDIO, 2018; FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014; REZENDE, 2020).
Durante a coleta, as situações-problema apresentavam diferentes estruturas, sendo relatadas histórias de atendimento em diferentes serviços, situações entre os estudantes, estilos de vida e notícias da mídia. Alguns casos contendo exames e seus laudos. Os guias dos tutores contemplavam os principais objetivos educacionais que as situações-problema pretendiam atingir e serviam para orientar os professores na mediação dos pequenos grupos tutoriais.
O RADS foi elaborado pelas pesquisadoras, baseado em estudos e legislação brasileiros relacionados às situações de saúde local e a atual formação de médicos no país. Utilizou-se como fundamentação o estudo de Barros e Lourenço (2006) e os referenciais teóricos: Necessidades de Saúde (CECÍLIO; LACAZ, 2012), Determinantes Sociais de Saúde (GARBOIS; SODRÉ; DALBELLO-ARAUJO, 2017) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Medicina (BRASIL, 2014).
Na análise do material de estudo para posterior confrontação ao RADS, foi utilizado o método de ATD, um processo auto-organizado composto por três momentos: unitarização, categorização e metatexto. Na unitarização, foram realizadas a fragmentação e a codificação em unidades de significado do corpus de análise, sendo extraídos elementos constituintes dos textos, elencando as unidades de análise. Na categorização, organizaram-se as relações entre conceitos, associando as unidades de significados similares, surgindo a designação e a definição das subcategorias que, nesta pesquisa, se constituíram nos denominados Elementos da dimensão social. Assim, os elementos textuais possibilitaram o ordenamento de subcategorias a priori, construídas a partir das palavras mais significativas das unidades de sentido, e emergentes, elaboradas com base nas unidades de análise e representando o objeto da relação estabelecida entre elas (CUSTÓDIO; VIEIRA; FRANCISCHETTI, 2020).
Orientada pelo método da ATD, foi realizada a leitura atenta e exaustiva de cada situação-problema e de seu respectivo guia do tutor, objetivando identificar os Elementos da dimensão social para cada Eixo do RADS. A leitura foi feita série por série e a cada documento lido, foi preenchido seu respectivo RADS. Adicionalmente, calcularam-se as frequências relativas dos Elementos encontrados em cada situação-problema e guia nos Eixos estudados (CUSTÓDIO; VIEIRA; FRANCISCHETTI, 2020). Estas temáticas foram dialogadas com a literatura e tiveram sua fundamentação teórica alicerçada em sua relevância para a qualidade de vida da pessoa e necessidades de saúde.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A formação de profissionais, contextualizada com a realidade, voltada à promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e o estudo do contexto social, motivou a criação do RADS, um inventário descritivo com elementos correspondentes à dimensão social para avaliação e construção de casos em currículos de saúde que utilizam a ABP. O RADS constitui-se por nove eixos que caracterizam o perfil dos personagens e contextos das situações-problema, sendo apresentados no Quadro 1. Cada eixo apresenta alguns elementos que podem ser abordados nas situações-problema e casos na ABP para cursos na área da saúde.
EIXOS | ELEMENTOS | |
---|---|---|
IDENTIFICAÇÃO | Nome completo/ Idade/ Escolaridade/ Etnia/ Sexo/ Gênero/ Profissão/ Naturalidade e Procedência/ Religião/ Estado civil. | |
ESPAÇO | LOCAL | |
Território | Zona urbana/ rural/ local específico | |
Complexidade dos serviços | Atenção básica, secundária, terciária | |
Tipos de serviço | Política privada, pública, conveniada | |
Áreas de risco | Área contaminação ambiental/ violência/ tráfico de drogas/ epidemia/endemia/ conflitos por terras. | |
Equipamentos sociais de apoio e Integração Ensino-Serviço | Escolas, creches e universidades/ Igrejas e centros religiosos/ Hospitais/Pronto Atendimento/ Unidade Básica Saúde e de Saúde da Família/ Núcleo Apoio Saúde Família/ Programa Interdisciplinar de Internação Domiciliar/ Centro de Referência Assistência Social/ Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas/ Grupos de apoio/ Comunidades Terapêuticas/ Coletivos/ Associações | |
Intersetorialidade | Educação/ Assistência Social/ Transporte/ Habitação/ Meio ambiente/ Judiciário. | |
ÁREAS DE COMPETÊNCIAS | Cuidado individual/ Coletivo/ Organização e gestão do trabalho | |
VIGILÂNCIA EM SAÚDE | Ação de prevenção/ promoção/ assistência/ reabilitação | |
CONDIÇÕES DE VIDA | Aspectos socioambientais | Alimentação/ Escolaridade/ Lazer/ Atividade física/ Condições de moradia/ Meio ambiente/ Acesso à informação/ Emprego/trabalho/ Aspectos financeiros/ Renda, benefícios, aposentadorias/ Higiene/cuidados. |
Aspectos psicossociais | Religião/espiritualidade/ Estrutura/dinâmica e relações familiares/ Transtornos psiquiátricos/ Relações afetivas e sexualidade/ Funcionamento mental, psicológico e Ciclo da Vida/ Conflitos, perdas e separações (morte, luto, mudança) / Elementos do estado mental/ Apoio social (vizinhos, amigos). | |
ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE | Exames/ Medicação/ Rede básica, secundária e terciária/ Serviço móvel de urgência/ Consultas nas especialidades/ Acesso à informação e educação em saúde/ Acessibilidade | |
VÍNCULO | Comunicação (relação profissional de saúde-paciente) / Ética (sigilo, dilemas, divulgação de informações, redes sociais) / Empatia/solidariedade/alteridade / Escuta qualificada/ Adesão ao tratamento. | |
AUTONOMIA | Cidadania e participação social/ Mobilidade/ Dependência X Independência/ Redes sociais e mídias. | |
DIVERSIDADES E VULNERABILIDADES | Preconceito e discriminação / Racismo/ Violência (física, sexual, psicológica, de gênero, contra mulher, crianças, doméstica, urbana, negligência) / Grupos vulneráveis e minorias sociais (idosos, deficientes, crianças, indígenas, negros, refugiados, mulheres, homossexuais, transexuais) / Diversidade cultural. |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Em seguida, apresentam-se a descrição e o detalhamento dos eixos e elementos da dimensão social que compõem o RADS, discutindo cada eixo com a literatura atual. Percebe-se que alguns elementos podem ser específicos à realidade brasileira ou local, mas podem ser facilmente adaptados para uso em diferentes contextos, pois se referem a aspectos comuns à saúde e relações humanas. Obviamente, outros elementos podem ser incluídos e estes deverão ser organizados ao longo dos anos e séries do curso, de acordo com seu grau de complexidade e a competência almejada em cada momento da formação. Alguns destes resultados foram publicados em Custódio et al., (2019).
3.1 Descrição de Eixos e elementos do RADS
Identificação: Refere-se ao reconhecimento e/ou localização de dados demográficos, socioeconômicos e políticos relativos a peculiaridades dos indivíduos, externando e preservando sua identidade. Parte-se do pressuposto de que as pessoas são sujeitos das situações-problema, sendo importante qualificar sua posição e condição social (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017; SOUZA, CIAMPA, 2017). Exemplos de elementos importantes que caracterizam o sujeito e podem ser abordados nesse eixo são apresentados no Quadro2.
Idade: Representa a característica individual da pessoa, bem como compõe o conjunto de elementos dos determinantes intermediários da saúde. Relativa à fase do ciclo da vida, meio de compreensão dos fenômenos sociais relacionados às faixas etárias, bem como o conjunto de leis que abarcam cada grupo etário, garantindo seus direitos correspondentes (GARBOIS; SODRÉ; DALBELLO-ARAUJO, 2017). | Gênero: Representa a característica individual da pessoa, bem como compõe o conjunto de determinantes estruturais das desigualdades de saúde. O gênero relaciona-se à identidade, aos papéis sociais e a imagem da construção social das identidades feminina e masculina produzidas no contexto histórico e social, orientada por particularidades culturais e não por aspectos biológicos e físicos somente (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017; SOUZA, 2014). |
Etnia: Apresenta a diversidade étnico, racial e cultural dos grupos sociais que compõem a sociedade no reconhecimento e respeito às diferenças (GARNELO; PONTES, 2012). | Religião: Relativo às práticas religiosas, crenças, valores, fé, espiritualidade, sentimento de religiosidade. Força maior, transcendental que abarca a diversidade sociocultural que permeia a humanidade. Algo que caracteriza o ser humano na vida social e nas diversas questões e ações, inclusive na negação da espiritualidade, religiosidade e/ou religião (TONIOL, 2017). |
Estado civil: Caracteriza a conjugalidade e parentalidade, situação do vínculo pessoal e afetivo entre os indivíduos, designa a particularização da inserção e papel social do indivíduo na família e no Estado que repercutem no estilo de vida e condição social (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017; FONTES et al., 2017). | Escolaridade: Relativo ao acesso à educação, nível de escolaridade, processos de aprender, ensinar, valores, alfabetização, socialização na escola. Corresponde à legitimação do direito social no processo de ensino aprendizagem que, por meio da educação, transmite conhecimento, cultura e pode promover emancipação, resultando em mudanças sociais. Representa um dos fatores relacionados às condições de vida e ao trabalho, bem como compõe o conjunto de determinantes estruturais das desigualdades de saúde (FREIRE, 2015; GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017). |
Profissão: Compõe o conjunto de determinantes estruturais das desigualdades de saúde no qual as populações são estratificadas de acordo com sua ocupação e renda. Relaciona-se à capacidade técnica, escolha vocacional, fonte de renda, desempenho de funções, rotina diária, carreira e identidade profissional, venda da força de trabalho, sobrecarga, estresse e relações interpessoais no trabalho, atividade e/ou inatividade laboral, desenvolvimento psicossocial que refletem a condição do indivíduo no contexto social (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017; RABELO, SILVA, LIMA, 2018). | Naturalidade e Procedência: Representa a característica individual da pessoa, especificando o local de nascimento (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Espaço: Refere-se ao território e suas especificidades, tendo em consideração o espaço geográfico, espaço vivido e espaço administrativo, que representam a identidade social, cultural, saberes e territorial das pessoas, famílias, grupos e comunidades. Indica o espaço onde se materializam as relações sociais, de poder, culturais, políticas e econômicas, bem como as redes de relações formadas pelos fatores de morbi-mortalidade do local. Corresponde à conjuntura, à estrutura, à rede de serviços e aos modos de produção, representados pela diversidade, pluralidade e pelas condições sociais e individuais e coletivas às quais os indivíduos estão submetidos (GOMES, LIMA, 2015; PEREIRA, KOGA, 2020). Os elementos que podem ser abordados nesse eixo são apresentados no Quadro 3.
Território: Apresenta os contextos socioterritoriais: característicos e/ou contextos dos domicílios e da região, espaço definido e delimitado, aspecto social, demográfico, administrativo, cultural, epidemiológico, político, econômico, tecnológico; oferta de serviços, benefícios; programas e projetos; articulação intersetorial; estabelecimentos de relações sociais, bem como elementos cotidianos da vida, aproximação da realidade, ações de saúde, entre outros.(GOMES, LIMA, 2015; PEREIRA, KOGA, 2020). | Local: Considera e reconhece a dimensão territorial e o diagnóstico socioterritorial: identifica o nome, delimita a área de referência, apresenta os serviços e bens disponíveis no território, planejamento, organização e execução dos serviços, democratização e participação popular, evidenciando os elementos do cotidiano e da realidade. (GOMES, LIMA, 2015; PEREIRA, KOGA, 2020). |
Áreas de riscos: São espaços geográficos definidos, cujas condições sociais, demográficas e ecológicas mostram-se passíveis à ocorrência de eventos desfavoráveis, naturais ou não, que geram danos, ameaças ou perigos, bem como um espaço físico marcado pela desigualdade social e territorial, onde as situações de risco e vulnerabilidade acontecem (PEREIRA, KOGA, 2020; SAMPAIO, GUIMARAES, SAMPAIO, 2013). | Equipamentos sociais de apoio: Relativos ao fluxo de demandas frente às necessidades da população e acesso às políticas, estratégias, mecanismos e recursos disponíveis, de naturezas distintas, que compõem as redes organizacionais dos territórios que objetivam o fortalecimento e continuidade das ações de cuidado e proteção social (GOMES, LIMA, 2015; PEREIRA, KOGA, 2020). |
Intersetorialidade: Integração das políticas, visando à atuação nos determinantes e condicionantes sociais. Relativo à parceria, cooperação, compreensão interdisciplinar e articulação da rede de políticas e serviços com ações complementares diante da complexidade que envolve o processo saúde/doença/cuidado, considerando a integralidade do indivíduo, promoção da saúde, bem como necessidades individuais e coletivas (GUERRA, COSTA, 2017). | Integração ensino/serviço: Relativo à parceria entre educação e saúde para o fortalecimento da formação em saúde, fomenta ações intersetoriais e valoriza as necessidades de saúde na qual os estudantes conhecem as demandas e necessidades nos contextos das pessoas (VASCONCELOS, STEDEFELDT, FRUTUOSO, 2016). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Áreas de competência: Capacidade de mobilizar atributos cognitivos, afetivos e psicomotores que permitam abordar/resolver situações complexas referentes à prática profissional, aprender a olhar o problema. Refere-se à leitura e às respostas profissionais qualificadas determinadas pelos conhecimentos, pelas habilidades, pelas atitudes, articulados às necessidades individuais e coletivas e à gestão na área da saúde, respeitando e valorizando o indivíduo na sua totalidade (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2012 e 2014). Os elementos que podem ser abordados nesse eixo são apresentados no Quadro 4.
Cuidado individual: Delimita e identifica as necessidades de saúde postas nas etapas do atendimento clínico individual (história, exame clínico, formulação do problema, elaboração e avaliação do plano de cuidado (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2012 e 2014). |
Cuidado coletivo: Abre possibilidades de intervenção no âmbito familiar e social, na identificação das políticas públicas de saúde, reconhecimento do território, elaboração de diagnóstico epidemiológico e identificação da importância da rede social no processo saúde/doença/cuidado individual e coletivo (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2012 e 2014). |
Organização e gestão do trabalho em saúde: Compreende elementos da organização e do processo de trabalho, gestão do cuidado em saúde, trabalho em equipe, planejamento em saúde, acesso e estrutura da rede de serviços, abrange as políticas e práticas capazes de organizar e gerir ações que atendam às necessidades e demandas individuais e coletivas, o atendimento integral (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2012 e 2014). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Vigilância em saúde: Conjunto de ações interdisciplinares, em redes, por meio de práticas articuladas e intersetoriais no desenvolvimento de ações de promoção, prevenção, assistência, controle dos agravos e reabilitação, buscando melhorias das condições de vida e proteção da saúde. Tem como finalidade desenvolver medidas capazes de diminuir, eliminar ou prevenir riscos à saúde. Ênfase em problemas de saúde que requerem atenção e acompanhamento contínuos, como ações sobre o território e integração setorial. (VERMELHO, VELHO, 2016). Os elementos que podem ser abordados nesse eixo, que se refere a caracterização dos contextos, são apresentados no Quadro 5.
Ação de promoção: relativo às ações que buscam melhorias de qualidade nas condições de vida e trabalho (VERMELHO, VELHO, 2016; FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014). | Ação de prevenção: relativo às ações de prevenção de riscos, agravos e doenças (VERMELHO, VELHO, 2016; FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014). |
Ação de assistência: relativo às ações de assistência, diagnóstico e tratamento de doenças (VERMELHO, VELHO, 2016; FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014). | Ação de reabilitação: relativo às ações de recuperação e reabilitação de funções comprometidas (VERMELHO, VELHO, 2016; FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Condições de vida: expressa necessidades de saúde históricas e socialmente construídas e demandas individuais e coletivas em respostas aos modos de vida e trabalho influenciados pelos fatores sociais, econômicos, culturais, psicológicos, comportamentais, psicossociais, étnicos, políticos, ambientais, circunstâncias materiais, entre outros, que estabelecem relação com a qualidade ou o estilo de vida, trabalho, saúde e comportamento das pessoas (CECÍLIO, LACAZ, 2012; GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017). Os elementos que podem ser abordados nesse eixo são apresentados no Quadro 6.
ASPECTOS/SOCIOAMBIENTAIS: Conjunto de elementos básicos e fundamentais que compõem a vida social, que preservam a integridade da pessoa como: |
Condições de vida e Hábitos diários: Alimentação, escolaridade, lazer, atividade física, condições de moradia, acesso à informação, emprego/trabalho. Renda, benefícios, aposentadoria: Fontes de renda para prover a subsistência, determinantes estruturais das desigualdades de saúde, acesso aos programas, projetos, serviços e bens de direito social, fator determinante e condicionante dos níveis de saúde (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017; BRASIL, 1990). Aspectos financeiros: Relativos ao poder aquisitivo de bens e serviços para prover necessidades básicas e outras demandas, boas condições de vida (CECÍLIO, LACAZ, 2012; GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017). Higiene/cuidados: Relativos aos hábitos pessoais e de vida. Limpeza do ambiente e autocuidado. Meio ambiente: Ações de saúde ambiental que compreendem: identificação e caracterização de fatores de risco para a saúde originados no ambiente; planejamento de ações de prevenção e promoção da saúde; ações de controle e vigilância e educação ambiental. Relativo aos fatores externos e internos das condições de vida e trabalho, acesso às políticas, serviços e bens de saúde ambiental, fator determinante e condicionante dos níveis de saúde (MOTA, 2013; BRASIL, 1990). |
ASPECTOS PSICOSSOCIAIS: Conjunto de elementos que compõem a vida social, relações sociais, estado mental, apoio no contexto social, fatores estressantes, afetividade e comportamento humano como: |
Religião/espiritualidade: Compõem as redes sociais e comunitárias, redes estas de solidariedade e confiança entre pessoas e grupos que, para além das práticas religiosas, desempenham um papel fundamental como ferramentas de cuidado, suporte social, bem como, auxiliam mudanças de hábitos de vida (TONIOL, 2017; ZERBETTO et al., 2017). Estrutura/dinâmica e relações familiares: Refletem as condições de saúde e de vida, posição social quanto à responsabilidade pelo domicílio, autonomia e renda. Relativo às relações afetivas e de interdependência, pluralidade de arranjos e estruturas familiares, relações familiares por laços consanguíneos e/ou de afetividade, ligação conjugal ou marital entre duas pessoas do gênero oposto e/ou do mesmo gênero. Abarcam conflitos, separações, crises e enfrentamentos ligados à família (ACOSTA, VITALE, 2015). Transtornos psiquiátricos ou mentais: São caracterizados por perturbação clinicamente significativa na cognição, nas emoções ou no comportamento de uma pessoa, que indica uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento relacionados ao funcionamento mental. Geralmente geram sofrimento e/ou incapacidade importantes para a realização de atividades sociais, laborais, de vida diária, entre outras. Podem enquadrar-se em diagnósticos psiquiátricos e/ou psicodinâmicos. Exemplos de transtornos psiquiátricos: depressão, ansiedade, transtornos do humor e personalidade, transtornos alimentares, psicóticos, como esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, dependência de álcool e/ou outras drogas. Acesso às políticas e serviços disponíveis, recursos terapêuticos, relações familiares e afetivas, repercussões na vida, inserção social (SAMPAIO, GUIMARAES, SAMPAIO, 2013; APA, 2014). Funcionamento mental, psicológico e fases do ciclo de vida: refere-se à psicodinâmica humana e diferentes momentos da vida, marcados por conflitos e aprendizados diversos. Segundo a psicanálise, elementos constituintes, como id, ego e superego, determinismo psíquico inconsciente, mecanismos de defesa do ego, como compensação, negação, identificação, racionalização, entre outros, suas manifestações e repercussões para sujeitos e sua vida. Também pode englobar as fases de desenvolvimento psicossexual dos sujeitos (SANTOS, 2014). Para outras abordagens psicológicas, como a Análise do Comportamento, são as ações, comportamentos verbais e não verbais, relações com ambiente, que promovem consequências reforçadoras ou punitivas, aumentando as chances de os comportamentos ocorrerem novamente. Segundo outras abordagens psicológicas, pode referir-se à subjetividade humana, identidade, processos de internalização da cultura, sentido de self, constituição da personalidade, entre outros. Há, também, a possibilidade de abordagem de especificidades de fases do ciclo da vida, como infância, adolescência, vida adulta e senilidade (SAMPAIO; GUIMARAES; SAMPAIO, 2013). Apoio social: relativo às relações de solidariedade, confiança, autonomia, bem como situações de vulnerabilidades e perda de autonomia, tendo como atores pessoas da família, os amigos, os cuidadores, os vizinhos, entre outros, formas de participação social e estabelecimento de vínculos. Contribuem para o cuidado em saúde. Exemplos: participar de grupos religiosos; associação de bairro; compartilhar experiências; confiança nos vizinhos, atendimento domiciliar, entre outros. (GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017; CECÍLIO, LACAZ, 2012). Elementos do Estado Mental: Relativo a aspectos que constituem o ser humano, sendo afetados por agentes externos e internos, como genética, relações interpessoais e condições ambientais. Precisam ser avaliados para melhor vínculo, comunicação, diagnóstico e tratamento. Relacionados à aparência, comportamentos, pensamentos e sentimentos das pessoas, podendo indicar ou não alteração em diferentes níveis e/ou transtornos mentais. Dentre eles, estão: consciência, memória, vestimenta, postura, orientação, humor, afeto, linguagem, inteligência, pensamento, volição, juízo crítico, sensopercepção, entre outros (DALGALARRONDO, 2019). Conflitos, perdas, separações, situações de estresse, morte, luto: Diversas vivências de situações disparadoras de conflitos e mobilizadoras de afetos, com repercussões na vida dos sujeitos e em sua saúde, tais como perdas de emprego, divórcio, mudanças, brigas e sobre a morte e o morrer, situações de perdas de entes queridos, diagnósticos graves, doenças terminais, mortes súbitas e o processo de luto vivenciado. |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Acesso aos serviços de saúde: Necessidade de se ter acesso e poder consumir a tecnologia de saúde capaz de melhorar e prolongar a vida. Tecnologias estas de acolhimento, internação, terapêuticas, bem como exames de diagnóstico e imagem. O acesso ao conjunto de tecnologias (leves, leves-duras e duras) disponíveis será de acordo com as necessidades individuais e coletivas expressas na prestação de serviços de saúde (CECÍLIO, LACAZ, 2012).
Os elementos da dimensão social abordados nesse eixo são apresentados no Quadro 7.
Exames: Demanda por acesso aos procedimentos, exames de diagnósticos, de rotina e preventivos que ajudam a identificar a condição de saúde (MENDES, 2011). | Medicação: Demanda por acesso à prescrição e ao medicamento disponíveis na rede de serviços pública e/ou por outras vias. Pode incluir automedicação, erro de medicação e adesão aos tratamentos medicamentosos (MENDES, 2011; CECÍLIO, LACAZ, 2012). |
Rede básica: Acesso à atenção primária, porta de entrada de baixa complexidade para o cuidado em saúde, tendo como características: a integralidade, a longitudinalidade, coordenação, entre outros (MENDES, 2011). | Rede secundária: Acesso aos serviços especializados, hospitalares e ambulatoriais de média complexidade para o cuidado em saúde (MENDES, 2011). |
Rede terciária: Acesso aos serviços hospitalares e ambulatoriais de alta complexidade para o cuidado em saúde (MENDES, 2011). | Serviço móvel de urgência: Acesso ao serviço de transporte em saúde de pessoas em situação de urgência e emergência Ex: SAMU (MENDES, 2011). |
Consultas nas especialidades: Demanda por acesso ao atendimento especializado de acordo com as necessidades de saúde; equipe multiprofissional e especialidades médicas (MENDES, 2011). | Acesso à informação/educação em saúde: Acesso à informação com relação à condição de saúde (quadro clínico, tratamento, prognóstico), aos serviços prestados, a um espaço organizacional de comunicação e educação, aos materiais educativos, às tecnologias, aos meios eletrônicos, às orientações, ao conhecimento, às mídias sociais, entre outros (MENDES, 2011). |
Acessibilidade: Diversos fatores de ordem sociocultural, econômica, organizacional, geográfica, entre outros, que podem contribuir na redução da assistência em saúde. Refere-se às condições e/ou limitações, barreiras e obstáculos que permitem, dificultam ou impossibilitam o acesso aos bens e serviços. Garantia de direitos e cuidados de saúde com equidade a todos que necessitam (BRASIL, 2012; MENDES, 2011). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Vínculo: Corresponde à constituição de elo entre o usuário, a equipe e/ou profissional numa relação de referência afetiva e de confiança. Um dispositivo essencial para estabelecimento e fortalecimento das relações entre os atores envolvidos no processo de saúde/doença/cuidado, contribuindo para o acesso dos usuários às ações e serviços de saúde, de modo humanizado. Influenciado por fatores como a comunicação, a escuta, a empatia e a ética profissional (CECÍLIO, LACAZ, 2012). Os elementos da dimensão social que podem ser abordados nesse eixo são apresentados no Quadro 8.
Comunicação: Relação entre paciente e profissional de saúde, marcada por linguagem verbal e não verbal, diálogo, acolhimento, técnicas e atitudes que facilitam ou dificultam a compreensão mútua e o vínculo. Deve incluir a Comunicação de Más Notícias em Medicina, como comunicar diagnósticos e prognósticos difíceis a pacientes e familiares, bem como comunicar óbito (BRASIL, 2014; CECÍLIO, LACAZ, 2012). | Ética: Ações fundamentadas em valores; fatos; autonomia; conhecimento; entre outros. Trata-se de valores e regras de conduta estabelecidas pela sociedade para convivência coletiva, com respeito à vida, ao bem e ao respeito ao direito de todos. A ética profissional é regida por códigos específicos, fiscalizada por conselhos. Abarca sigilo profissional, contato com paciente, condutas variadas em situações de tomadas de decisões, tratamento de informações fornecidas e registros, entre outros (ZANELLA, 2018; BRASIL, 2014). |
Empatia/solidariedade/alteridade: Fortalecimento da construção de vínculo, colocar-se no lugar do outro, sensibilidade para compreender a vivência alheia, de modo a respeitá-la, ter iniciativa de cooperação e ajuda ao outro (BRASIL, 2014; CECÍLIO, LACAZ, 2012). | Escuta qualificada: Compromisso e capacidade de escuta singular das necessidades de saúde de cada pessoa. Ouvir atentamente os motivos, as queixas e a história ampliada, valorizando a arte da escuta, do encontro e da troca (CECÍLIO, LACAZ, 2012). |
Adesão ao tratamento: Trata-se do comportamento mais ou menos receptivo do paciente em relação ao que é proposto pelo profissional, repercutindo em seus comportamentos relacionados aos hábitos de vida, medicação e procedimentos indicados. Depende de cinco dimensões: sistema de saúde, doença, tratamento de pacientes e fatores relacionados ao cuidador (World Health Organization, 2003). Refere-se ao consentimento estabelecido na relação profissional de saúde/paciente proporcionados pela informação e esclarecimentos das hipóteses, considerando dúvidas e questionamentos da pessoa sob cuidados e familiares e compartilhamento do processo terapêutico (BRASIL, 2014; CECÍLIO, LACAZ, 2012). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Autonomia: Relaciona-se à liberdade que as pessoas necessitam para conduzirem seus modos de viver. A informação e a educação em saúde são elementos deste processo de construção. Refere-se à capacidade de o indivíduo e/ou grupos sociais administrarem e gerirem a vida, possibilitada pela tomada de decisão no exercício de liberdade (CECÍLIO, LACAZ, 2012).
Os elementos da dimensão social abordados nesse eixo são apresentados no Quadro 9.
Cidadania e participação social: Democratiza a capacidade de decidir e participar nos espaços decisórios de caráter coletivo e individual. Revela o exercício dos direitos, cumprimento de deveres e controle social. Compromisso político com um projeto popular e democrático, valorização da coletividade, respeito aos bens comuns, à autonomia, ao pluralismo, à inclusão e igualdade participativa (BRUTSCHER, CRUZ, 2020). | Mobilidade: Capacidade de locomoção que amplia a sobrevivência e qualidade de vida. Garantia de acesso às políticas, serviços e bens, considerando-se as necessidades e o respeito às diferenças entre os cidadãos (CECÍLIO, LACAZ, 2012; MENDES, 2011). |
Dependência X Independência: Diz respeito à incapacidade e capacidade na manutenção da autonomia dos sujeitos de suas próprias vidas, bem como ao direito e condições para que isto se efetive (BRASIL, 2012; CECÍLIO, LACAZ, 2012). | Mídias e redes sociais: Acesso aos meios de comunicação e informação, contribuição para o saber, melhorias para a saúde, contato com familiares, amigos e profissionais, podendo ter impacto positivo e/ou negativo (CECÍLIO, LACAZ, 2012; GARBOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
Diversidades e vulnerabilidades: Refere-se às pluralidades e fragilidades determinadas por fatores de ordem física; econômica; social; ciclos de vida; fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural ou de gênero; desvantagem pessoal resultante de deficiências; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advindas do núcleo familiar, grupos e indivíduos. Representam as características e os aspectos sociais relacionados à condição de vida e situação pessoal que favorecem a exclusão social (PEREIRA, KOGA, 2020; SIQUEIRA, CASTRO, 2017). Os elementos da dimensão social abordados nesse eixo, que se refere à caracterização dos contextos, são apresentados no Quadro 10.
Preconceito e discriminação: Compreende qualquer opinião, tratamento injusto ou negativo a um grupo ou uma pessoa, baseado em hábitos de julgamentos (BARROCO, 2016). | Racismo: Fundamenta-se em atitudes discriminatórias e preconceituosas sem fundamento científico que atribuem hierarquia nas diversas manifestações de discriminação racial sistemática de indivíduos pertencentes a grupos sociais identificados por traços físicos e/ou culturais (ROCHA, 2016). |
Violência: Compreendida como um ato intencional da força, do poder ou da coerção, real ou em ameaça, realizada por indivíduo, grupo, instituição, classes ou nações, destinada a outrem ou a si próprio que resulte ou possibilite a lesão, morte, dano físico, social, patrimonial, psicológico, espiritual, entre outros (COELHO, SILVA, LINDNER, 2014). | Grupos vulneráveis e Minorias sociais: São formados por pessoas e/ou grupos que, por falta de representatividade, vivem em situação de risco. Os grupos vulneráveis buscam exercer seus direitos frente às desigualdades sociais na sociedade, as minorias buscam pela conquista de direitos frente às desigualdades culturais, sociais, étnicas, bem como seu exercício. Ex: populações indígenas, pessoas com deficiências, idosos, negros, mulheres, refugiados, homossexuais, transexuais, entre outros (SIQUEIRA; CASTRO, 2017). |
Diversidade cultural: Representa a pluralidade e integração das diferentes culturas existentes no campo das relações humanas (RUCKERT, CUNHA, MODENA, 2018). |
Fonte: Traduzido de Custódio et al. (2019).
3.2 Uso do RADS na análise dos problemas e guias de tutores de um curso médico
Os resultados relacionados à caracterização dos personagens evidenciaram déficits de informações. Dados fundamentais de identificação como idade, etnia, escolaridade, religião, estado civil e profissão, que constroem a identidade do sujeito e interferem no processo saúde/doença, foram omitidos em várias situações.
Além disso, vários elementos não repercutiram a realidade. Os resultados sobre a caracterização dos contextos explicitados em várias situações não condiziam com o território real, uma vez que foram pouco explorados em suas características, as áreas de riscos, reconhecendo seus limites e potencialidades. Os equipamentos sociais e a intersetorialidade foram pouco acionados em atendimento às necessidades de saúde na busca de um cuidado integral. Esses resultados foram detalhados por Custódio, Vieira, Francischetti (2020).
Destaca-se que o RADS demonstrou ser um instrumento potente para a identificação dos elementos necessários, qualificação dos mesmos, organização dos dados, indicando sua viabilidade e potencial para que seja utilizado em outros estudos que pretendem caracterizar e analisar a dimensão social nos currículos bem como no processo de elaboração dos problemas, como norteador dos eixos e elementos importantes para a formação na área da saúde. O instrumento permite a organização do conteúdo, desempenhos e/ou atividades (a depender da proposta curricular), de modo a visualizar em que momento dos cursos, em quais cenários, cada temática está sendo trabalhada com os estudantes, promovendo uma formação ampliada, abordagem mais integral de assuntos relevantes e facilitação da gestão do currículo.
4 CONCLUSÃO
Este estudo é o início de uma reflexão para melhor inserção da dimensão social nos problemas de ABP. A originalidade do conjunto deste material dá-se especialmente pela criação do roteiro, um inventário descritivo dos elementos correspondentes à esta dimensão social. Uma investigação desta natureza configura-se como estudo em profundidade da realidade observada. Dessa forma, o RADS, o inventário descritivo, fruto deste estudo, bem como a descrição detalhada de cada um dos seus eixos e elementos podem contribuir para a avaliação da dimensão social presente em problemas de currículos que utilizam a ABP, bem como a construção de novos casos e problemas, podendo servir como um norteador dos elementos a serem inseridos na matriz curricular dos Projetos Pedagógicos dos Cursos, considerando a longitudinalidade e transversalidade dos desempenhos/competências/conteúdos.
Ao utilizarem o instrumento, outras instituições podem realizar adaptações de acordo com as especificidades das realidades locais, com diversidade em políticas públicas, dados epidemiológicos, necessidades de saúde, serviços ofertados, currículos dos cursos, hábitos e culturas. A despeito destas possíveis diferenças, o roteiro apresenta eixos norteadores de certo modo universais, relativos aos seres humanos, suas relações sociais e contexto cultural e ambiental. Assim, embora diversos, os mesmos elementos costumam ser importantes na formação de médicos e demais profissionais da saúde em qualquer lugar do mundo.