1 INTRODUÇÃO
A presente reflexão analisa a temática do desenvolvimento profissional docente a partir do levantamento de dados com os professores do Ensino Médio da rede pública estadual no município de Blumenau em Santa Catarina, focalizando os seguintes componentes curriculares: Matemática, Ciências Biológicas, Português, Inglês e História. Os dados desta pesquisa envolvem sujeitos que atuam nas disciplinas com carga horária mais expressiva, como Português e Matemática, mas também disciplinas com carga horária menor, como Biologia, História e Inglês.
Ressaltamos o ineditismo dos dados acerca da temática com o recorte proposto. Desse modo, o estudo objetiva refletir sobre o perfil do profissional docente, bem como seu processo de desenvolvimento profissional, levando em conta critérios como formação inicial e continuada, práticas docentes e percepção das políticas públicas recentes para a educação básica. Em especial, dedicamos uma reflexão a respeito da efetivação da Lei n.º 11.645/2008, uma vez que ela consta na formação inicial e continuada dos docentes.
A indagação que permeia o estudo em questão é: Qual o perfil profissional dos docentes que atuam no Ensino Médio da rede pública estadual em Blumenau - Santa Catarina?
Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa quantitativa descritiva, com aplicação de questionário composto de 30 questões abertas e fechadas e com participação não obrigatória dos docentes. O questionário foi estruturado em três blocos - (i) Perfil socioeconômico; (ii) Práticas pedagógicas; e (iii) Políticas Públicas e Legislação - e enviado a 20 escolas de Ensino Médio do município. Num universo de 206 professores da rede estadual, 65 professores responderam, totalizando 32%.
No contexto do percurso do desenvolvimento profissional docente, destacamos algumas ações que podem contribuir para tal, por exemplo, políticas de formação de professores mais atrativas para o ingresso e continuidade na profissão, que valorizem todo o processo formativo empreendido pelo docente ao longo da carreira com melhores condições de trabalho; a organização de um plano de carreira que incentive e institua promoções de acordo com sua trajetória e percurso de formação continuada; e, paralelamente, a inserção de procedimentos avaliativos que efetivamente contribuam para o crescimento profissional e assegurem o desempenho do professor no exercício da profissão (IMBERNÓN, 2011; NÓVOA, 1992; NUNES; OLIVEIRA, 2017).
Assim, este artigo estrutura-se da seguinte forma: na primeira seção, reflete-se sobre o perfil dos docentes; na segunda seção, discorre-se a respeito da formação inicial e continuada, práticas pedagógicas e percepção sobre políticas públicas pelo profissional da educação em sala de aula; na terceira seção, debate-se, em especial, acerca da formação inicial e continuada dos docentes com relação à Lei n.º 11.645/2008.
2 QUEM É O PROFISSIONAL QUE ATUA NO ENSINO MÉDIO
Quando se discute o desenvolvimento profissional do docente da educação básica, não se leva em conta somente a formação inicial e continuada. Nesse sentido, assume-se uma perspectiva mais ampla dos fatores que contribuem para constituir esse profissional. Para Imbernón (2011), além da formação que busca qualificar as práticas e os processos de aprendizagem, questões estruturais devem ser consideradas, por exemplo, condições salariais, níveis de participação, de carreira, ambiente de trabalho e legislação trabalhista, entre outras. Logo, analisar o desenvolvimento profissional do educador requer uma visão da complexidade do contexto em que vive e atua esse profissional. Como ele se relaciona com a gestão escolar e com a secretaria de educação, com os colegas de trabalho e com a própria família, se possui um nível socioeconômico que lhe permita não se sobrecarregar de trabalho e ter acesso aos bens culturais, se a legislação trabalhista concede a ele direitos suficientes e tranquilidade para exercer sua função, são questões que estão imbricadas na vida e na carreira docente e não se desvinculam da formação.
Alguns dados colhidos na pesquisa permitem traçar um perfil socioeconômico do profissional que atua na educação básica. Observa-se, a partir da pesquisa, que a grande maioria dos profissionais que atuam na educação básica na rede estadual é de mulheres. Nos dados obtidos, o número de mulheres é o dobro do que o número de professores do gênero masculino (45 de mulheres para 20 de homens). Dessa forma, embora seja um grupo que atua há mais de dez anos - a maioria na faixa de 40 a 50 anos -, possui renda média abaixo de outros profissionais em outras áreas com mesma titulação, segundo o IBGE (2017), uma vez que 47,7% têm renda de dois a cinco mil reais e trabalham em mais de uma escola com carga horária de 40 horas semanais. Mesmo na área da educação há diferença salarial entre homens e mulheres de 9,01% (IBGE, 2017).
Esses dados nos dão uma primeira dimensão de quem é o professor das escolas de Ensino Médio na rede estadual e também compõem o portfólio de análise do desenvolvimento profissional como definido anteriormente.
3 A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL PROFESSOR: SABERES, PRÁTICAS DOCENTES E POLÍTICAS EDUCACIONAIS
A formação de professoras e professores é tema discutido amplamente nos meios acadêmicos, tanto nos cursos de graduação quanto nos de pós-graduação. O saber docente tem sido confrontado com as avaliações em larga escala e o desempenho dos estudantes da educação básica. Em 2019, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) para o Ensino Médio na rede estadual em Blumenau foram de 3,8 (INEP, 2019). Os cursos de licenciatura vieram a reboque dos bacharelados e muitos deles ainda privilegiam a formação de pesquisadores em detrimento da formação docente. Algumas pesquisas (CANDAU, 1987; GATTI, 1997; FREITAS, 1999) enfatizam esse cenário da licenciatura por ser um curso de formação de professores e estar vinculado à educação básica. Outra questão a se discutir nesse campo é a desvinculação do saber acadêmico do saber escolar, ou seja, o estudante, durante sua formação, salvo a prática dos estágios, não tem uma vivência longa do cotidiano da escola. As instituições formadoras e os professores dos cursos de graduação estão distantes da educação básica e, por essa razão, não dão conta de discutir aspectos relevantes à profissão docente, que é o foco de sua titulação. É, portanto, nesse contexto que se insere o estudante da licenciatura. Contudo, recaem sobre ele, ainda, a desvalorização social da profissão, baixos salários, falta de condições de trabalho adequadas, falta de um plano de carreira, entre outros. Com esse estigma profissional tão pesado, indaga-se: quem é o estudante que ingressa nos cursos de licenciatura e como ele lida com os desafios da profissão?
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) dispõe no artigo 62 que: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena” (BRASIL, 1996). Assim sendo, a legislação prescreve que, para atuar como docente no Ensino Médio, a titulação mínima exigida é curso de graduação no ensino superior. A formação inicial docente entende-se como a inserção do estudante em determinada área de conhecimento, mas não só. É o primeiro contato com sua futura profissão, um período de aprendizado sistemático e de experimentações, de reflexões e embates sobre sua atuação futura. Por essa razão, é importante que ele tenha contato com a realidade escolar e que vivencie esse ambiente a fim de constituir-se professor. Mesmo sabendo que existem práticas educativas em espaços não escolares, a escola deve ser o locus da pesquisa nos cursos de licenciatura. Os saberes docentes são tão significativos quanto a pesquisa e outros saberes no desenvolvimento profissional. Este é um dos critérios para qualificação do licenciando, mas não o único. Qualificar a formação inicial significa também qualificar o desempenho dos estudantes na educação básica.
Gatti (2013), Nunes e Oliveira (2017), Siqueira (2017) e Rosa (2019) confirmam que um profissional que domina os objetos de conhecimento de sua área de formação, além de vivenciar e refletir sobre o contexto educacional, desenvolve ações pedagógicas significativas para a escola, estudantes e comunidade escolar. Se a formação inicial deve estar articulada a um projeto de escola e, consequentemente, a um projeto de sociedade, com a formação continuada não será diferente. O artigo 62, § 1.º, da LDB define: “A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério” (BRASIL, 1996). Em seu parágrafo único, o artigo 62-A da LDB estabelece: “Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior [...]” (BRASIL, 1996). A formação docente, seja ela inicial ou continuada, só poderá ser relevante a partir de um trabalho coletivo, autônomo e que leve em conta as necessidades do professor. De acordo com Nóvoa (1992, p. 17):
A formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma nova profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma cultura profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das escolas.
Nóvoa (1992) ressalta ainda que o desenvolvimento profissional constrói-se em dupla perspectiva: o individual do professor e o coletivo docente. Dessarte, formar-se professor é buscar experiências e aprendizados que proporcionem reflexões sobre si e sua prática.
Segundo Imbernón (2011), a formação continuada é somente um aspecto do desenvolvimento profissional do professor. Paralelamente, outros fatores também contribuem para que ele qualifique seu desempenho, como o salário, as condições de trabalho, a possibilidade de ascensão na carreira, as estruturas hierárquicas, entre outros. O desenvolvimento profissional docente, assim, está articulado a uma rede de fatores que devem promover aprendizagens e qualificar o trabalho coletivo nas instituições de ensino: “A formação se legitimará, então, quando contribuir a esse desenvolvimento profissional do professor no âmbito laboral e na melhoria das aprendizagens profissionais” (IMBERNÓN, 2011, p. 3). Ainda em Imbernon (2011, p. 5):
[...] uma abordagem possível ao conceito de desenvolvimento profissional docente pode ser qualquer intenção sistemática de melhorar a prática laboral, crenças e conhecimentos profissionais, com o propósito de aumentar a qualidade docente, de pesquisa e de gestão. Este conceito inclui o diagnóstico técnico ou não de carências das necessidades atuais e futuras do professor como membro de um coletivo profissional, e o desenvolvimento de políticas e atividades que satisfaçam essas necessidades profissionais.
Tanto Nóvoa (1992) quanto Imbernón (2011) ressaltam que o desenvolvimento profissional está intimamente relacionado ao trabalho coletivo na escola. É, portanto, nesse locus que o professor enfrenta os desafios da profissão, e é aí que deverá solucioná-los. A busca por conhecimento, pesquisa e inovação metodológica, a desconstrução de práticas conservadoras há muito arraigadas na educação, bem como a militância por melhoria salarial e de carreira, passam pelo engajamento de grupo da instituição escolar. A formação inicial e continuada deve fornecer subsídios para a reflexão sobre as práticas docentes e o enfrentamento de realidades muitas vezes inóspitas na profissão. É no diálogo com o grupo que se delinearão estratégias de construção do tornar-se professor, em que pesem os estigmas da profissão. Constituir-se professor significa, portanto, inserir-se em um campo de permanente reflexão sobre a ação pedagógica e o papel da educação e do profissional na sociedade contemporânea. A formação do professor para o exercício de sua atividade é um processo que envolve múltiplas etapas e que está sempre em construção. As mudanças sociais, políticas e tecnológicas propiciam novos desafios à escola, ao ensino e ao professor. Ponderar acerca da formação continuada pressupõe compreender o contexto em que o sujeito professor está inserido, seus desafios, seus anseios, suas realidades. Os professores necessitam criar espaços em que se privilegie a autonomia e possam refletir a respeito do próprio processo de construção de conhecimentos (IMBERNÓN, 2011).
Conforme Gatti (2008), a formação continuada de professores pode ser entendida como qualquer prática, por exemplo, congressos, seminários, cursos, grupos de pesquisa, entre outros, que são organizados por setores públicos e privados educacionais. Essas atividades compõem ambientes que visam auxiliar o desenvolvimento profissional do professor, proporcionando a reflexão do constituir-se como docente.
Nesse sentido, os dados da pesquisa evidenciam um perfil de formação inicial e continuada do docente do Ensino Médio na rede estadual de um município de Santa Catarina bastante significativo. De 206 professores, obtivemos retorno de 65 somente. Dentre os entrevistados, somente dois sujeitos ainda não possuem curso superior completo; 63 docentes cursaram licenciatura e, destes, 18 têm curso de pós-graduação lato sensu, o que eleva mais o nível de qualificação desse profissional. Para um grupo tão bem qualificado no tocante à titulação, a hipótese inicial da pesquisa foi de inovação na organização do trabalho pedagógico, por exemplo, a adoção dos chamados métodos globalizados, em que as ações pedagógicas estão centradas nos estudantes e em suas necessidades e dos quais eles podem participar ativamente por meio de projetos interdisciplinares ou projetos de letramento, sequências didáticas ou outro (ZABALA, 1998). Tratando-se do Ensino Médio, são essas as metodologias mais adequadas para desafiar os jovens na construção do conhecimento e ainda levá-los, a partir de problemas concretos, situações verossímeis, questões específicas próximas da realidade, a refletir sobre seu papel como membro ativo de uma sociedade. Segundo Zabala (1998, p. 159):
[...] estabelecer vínculos com o mundo real e partindo de problemas tirados da sociedade, os métodos globalizados tentam proporcionar meios e instrumentos para que num determinado momento os jovens possam realizar a difícil tarefa de aplicá-los às complexas situações da vida em sociedade.
No entanto, os dados nos mostraram práticas excessivamente tradicionais e, até certo ponto, contraditórias: 57 sujeitos elegem aulas expositivas como a metodologia de ensino preferida e 56 se utilizam basicamente do livro didático como material nas aulas. A prova escrita é, para 56 educadores, a avaliação mais adequada. Esses números fazem-nos refletir sobre os processos de formação inicial e continuada desse educador e a ausência de discussões a respeito de práticas docentes que efetivamente tratem do trabalho pedagógico em sala de aula. Muitos ainda afirmam trabalhar interdisciplinarmente (35). Contudo, quando perguntado de quais projetos participam, 40 indicaram que não participam de nenhum. Portanto, indaga-se: Os espaços de formação, tanto inicial quanto continuada, têm levado esse professor a refletir sobre si, seu papel social, seu desenvolvimento profissional e suas práticas? Têm permitido a ele conduzir-se em um projeto coletivo e autônomo de inserção na sociedade como um profissional qualificado da educação? Constata-se, portanto, que não basta uma boa formação para que haja transformações significativas no espaço escolar.
Imbernón (2011) aponta outros fatores, até mais decisivos, que também permeiam o desenvolvimento profissional do sujeito professor, por exemplo, os dados bastante próximos de professores efetivos (34) e professores não efetivos (31) na rede estadual. Esse aspecto nos leva a crer que o estado de Santa Catarina não está fazendo concurso para efetivar esse profissional e, por esse motivo, ele passa muitos anos como contratado sem um plano de carreira que lhe dê certa segurança e estabilidade. Isso também contribui para uma maior rotatividade do professor nas unidades escolares ano a ano e a consequente não participação em projetos duradouros na escola, o que compromete sobremaneira as práticas docentes. Dos entrevistados, 40 responderam ainda que já estão atuando na rede estadual por período de até 15 anos. O último concurso realizado pela Secretaria de Educação do estado de Santa Catarina foi em 2017, com número de vagas bastante restrito para as áreas pesquisadas: Língua Portuguesa - 40 vagas; Língua Inglesa - 48 vagas; História - 24 vagas; Matemática - 52 vagas; e Biologia - 26 vagas, para todo o estado de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2017).
Essa ausência do estado não se verifica somente nas políticas de carreira e salários, mas também na política de formação continuada e nas condições de ensino. A maioria das formações, da qual os professores participaram, não foi ofertada em serviço pela Secretaria de Educação do estado, como prevê a LDB. Foi iniciativa dos próprios professores na busca por qualificação profissional, o que também dificulta o vínculo desse profissional com a instituição escolar, uma vez que a formação não se volta para esse contexto e, por esse motivo, não estabelece pontes entre o trabalho pedagógico, os projetos da escola e o conhecimento docente. Esse processo solitário e unilateral de formar-se docente não tem se evidenciado nas práticas pedagógicas das áreas avaliadas, uma vez que essas se mostram ainda atreladas a uma educação bancária, para citar Paulo Freire, desrespeitando os conhecimentos e capacidades dos estudantes para a construção de um processo formativo autônomo e significativo.
Outro aspecto analisado no presente estudo relaciona-se diretamente com suas práticas docentes, ou seja, a compreensão sobre as políticas educacionais por meio dos documentos curriculares. Afinal, estes regem a educação no Brasil, alicerçam e legitimam os currículos na educação básica e, consequentemente, implicam a prática docente. De acordo com Nunes e Oliveira (2017), o trabalho, a carreira, as políticas de formação e a prática educativa são conceitos articulados e centrais para o exercício profissional docente, trazendo a ideia de formação ininterrupta. Nesse sentido, conhecer e perceber o papel das legislações que percorrem a educação e, por sua vez, a prática educativa faz parte do conjunto de aspectos que acompanham a trajetória profissional do professor. Sabe-se que, com a Constituição de 1988, determinou-se a obrigatoriedade da educação para todos, como incumbência do Estado, da sociedade e da família. Nesse contexto, identifica-se a falta de um sistema nacional de educação e de um currículo de base nacional. Considerando o texto constitucional, o artigo 26 da LDB estabeleceu que:
Os currículos [...], do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino [...], por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996).
Iniciam-se a partir desse momento a elaboração e a seleção de conteúdos a serem trabalhados nacionalmente, culminando com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em 1997, que trazem orientações gerais para a educação. Por sua vez, o documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologado em 2017, ressalta o que deve ser ensinado em cada ano escolar, o que pode contribuir com o trabalho do professor e o encaminhamento daquilo que se pretende ensinar no contexto escolar, assim definindo:
[...] deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil.
Não adentraremos nos debates que circundam a construção e posterior execução dos PCNs e da BNCC, no presente trabalho. Relacionar a prática docente à BNCC, conforme Franco, Silva Junior e Guimarães (2018, p. 1019), “é uma prescrição reguladora, instrumento-padrão de controle do fazer pedagógico dos professores [...]”. Dessa forma, as políticas de educação para o estabelecimento do sistema nacional de educação incidem também no desenvolvimento profissional do docente que atua na escola. Foi questionado aos professores quais políticas perpassam a educação brasileira e, entre as citadas, temos: a LDB, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os PCNs, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, a Lei n.º 11.645/2008, o Plano Nacional de Educação 2014 a 2024, a Proposta Curricular de Santa Catarina 2014 e a BNCC. A maioria dos docentes tem conhecimento das políticas que incidem sobre as práticas educativas. A LDB foi a mais citada, seguida da BNCC e da Proposta Curricular de Santa Catarina. Entretanto, menos de 50% dos docentes (30) utilizam a proposta curricular de Santa Catarina, e o tema mais trabalhado no documento é a diversidade das relações de gênero (24); os demais assuntos, diversidade ambiental, sexual e especial, são menos contemplados.
Resultados e análises desses dados complementam o panorama do desenvolvimento profissional do educador da educação básica catarinense, compreendendo o complexo e, por vezes, contraditório percurso de construção de saberes docentes e das políticas educacionais.
4 A LEI N.º 11.645/2008: A DIVERSIDADE ÉTNICO-CULTURAL NA FORMAÇÃO DOCENTE
Para uma análise mais detalhada da percepção e inclusão das políticas educacionais nas práticas docentes e na formação inicial e continuada dos educadores da rede estadual, o estudo avaliou a efetivação da Lei n.º 11.645/2008 na educação, demonstrando o quão salutar é o aprimoramento constante do docente, sua formação relativa a temas que atravessam o contexto escolar, que fazem parte de documentos curriculares, mas também estão presentes no dia a dia da sociedade nacional. As Leis Federais n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008 estabelecem a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena em todo o âmbito do currículo escolar da educação básica. Essas leis, além de ampararem e favorecerem o debate e a produção de conhecimento nas variadas áreas sobre a discussão da diversidade étnico-cultural, reforçam e visibilizam o protagonismo de sujeitos de origens africanas e indígenas na História do Brasil. Ademais, elas robustecem que a cultura brasileira é composta por vários grupos étnicos, que configuram diferentes culturas. Contribuem ainda para a introdução desses temas nos currículos, ressignificando-os e, por consequência, tornando-os presentes no contexto escolar. Conforme disposto na Lei n.º 11.645/2008: “[...]Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras” (BRASIL, 2008).
Importante atentar que, a partir da Constituição de 1988, abre-se um amplo debate em torno da pluralidade étnico-cultural brasileira, elaborando-se as referidas leis que alteram a LDB, reforçada ainda com a criação dos PCNs em 1997. Além disso, instituiu-se a Resolução n.º 1, de 17 de junho de 2004, do CNE/MEC, que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e, em 2016, as Diretrizes Operacionais para a implementação da História e Cultura dos Povos Indígenas, na educação básica. A própria constituição da lei possui em seus alicerces a ativa participação dos movimentos negros e indígenas (GOMES, 2012; BANIWA, 2012). Nesse sentido, a Lei n.º 11.645, de 10 de março de 2008, altera o artigo 26-A da LDB definindo:
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1.º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil (BRASIL, 2008).
Nesse contexto, analisamos a seguir o tema da formação inicial e continuada a partir da coleta de dados com os docentes, em especial sobre a implementação da Lei n.º 11.645/2008 na educação, particularmente nos componentes curriculares contemplados neste trabalho. É importante ressaltar que a grande maioria dos professores concluiu a graduação no século XXI, a partir dos anos 2000, principalmente após 2010, e, por sua vez, a maior parte dos docentes possui mais de dez anos de experiência. Ademais, 80% dos docentes empreenderam formação continuada nos últimos quatro anos.
Questionou-se se na formação inicial dos docentes a Lei n.º 11.645/2008 foi contemplada. A maioria (40) respondeu que não desenvolveu reflexões durante suas graduações sobre o tema; os demais (25) responderam que trataram das temáticas na graduação. Dos professores que debateram sobre a Lei, 16 lidaram com o tema em meio a discussões diluídas nas disciplinas; outros (5) participaram de eventos extracurriculares e puderam abordar a temática em disciplinas específicas; um esteve envolvido em eventos de culinária. Ainda três dos entrevistados não responderam como o tema foi desenvolvido na época de sua formação inicial.
Tratando da formação continuada dos docentes com relação à Lei, verificou-se que apenas 20 professores realizaram cursos sobre a temática; 45 docentes destacaram que não tiveram a oportunidade de participar de uma formação sobre a Lei. Entretanto, um dado chama a atenção: oito sujeitos nunca tiveram interesse pela temática. Também foi indagado se a Gerência Regional de Educação promoveu alguma formação sobre o tema, sete responderam positivamente.
Primeiramente, é necessário assinalar, a partir de Russo e Paladino (2014), que até 2003, com a Lei n.º 10.639/2003, não existia nenhum documento curricular na educação brasileira que incorporasse a temática da diversidade étnico-cultural no contexto escolar. Nesse sentido, com a promulgação da Lei n.º 11.645/2008, de acordo com Nascimento (2010, p. 234), “o tema da diversidade começa a sair do plano da transversalidade no currículo, assumindo concretamente o seu lugar no cotidiano escolar”. A autora ainda ressalta que a Lei dá prosseguimento à discussão sobre a diversidade étnico-cultural na educação, estimulando “a adoção de novas metodologias e práticas pedagógicas orientadas pelo respeito e reconhecimento destas diferentes presenças em nosso país, em nossas cidades e nas nossas escolas” (NASCIMENTO, 2010, p. 234). Nesse contexto, também deve ocorrer a adequação dos cursos de licenciatura, seus currículos e práticas, alicerçando a importância da formação inicial do professor sobre a temática. Conforme Wittman et al. (2018, p. 156), a configuração dos conteúdos trabalhados no ensino superior é distinta: “Há documentos, como o projeto de curso, que tratam das intenções de uma instituição a partir de pressupostos pedagógicos, políticos, teóricos e metodológicos específicos[...]”. Afinal, os acadêmicos dos cursos de licenciatura tornar-se-ão profissionais que atuarão na educação básica.
Na educação básica, a partir das legislações educacionais, devem-se introduzir reflexões acerca da diversidade étnico-cultural permeando todos os currículos, de todas as disciplinas do currículo, como consta na Lei n.º 11.645/2008, tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio das escolas públicas e privadas do País. Além disso, constituíram-se as propostas curriculares estaduais para a implementação da Lei; no caso, em Santa Catarina, temos a atualização da proposta curricular, “Formação Integral na Educação Básica, tendo como eixo a Diversidade como Princípio Formativo” (RODRIGUES, 2019, p. 5), “uma formação que reconheça e ensine a reconhecer o direito a diferença, a diversidade cultural e identitária” (SANTA CATARINA, 2014, p. 27). Percebemos que os órgãos governamentais estaduais são também agentes importantes na orientação e capacitação dos docentes, para uma educação que reconheça e valorize a diversidade étnico-cultural.
Analisando os dados coletados na pesquisa sobre a formação inicial e continuada com relação à Lei n.º 11.645/2008, o que esses resultados demonstram? De que forma isso pode impactar o contexto escolar, as práticas docentes dos componentes curriculares e, por fim, o desenvolvimento profissional do docente?
Conforme constatamos na análise do presente trabalho, os docentes, em sua maioria, não tiveram uma formação sólida sobre o tema da diversidade étnico-cultural em sua formação inicial. No tocante à formação continuada desses docentes, a partir das respostas dos questionários, a maior parte não participou de cursos, seminários, entre outros, acerca da temática, e alguns professores revelaram que não têm interesse pelo tema, ainda que esses mesmos profissionais tenham realizado cursos de formação continuada nos últimos anos. Há mais de dez anos que a Lei n.º 11.645/2008 foi promulgada e, praticamente, faz vinte anos que a discussão sobre a diversidade étnico-cultural está presente no cenário nacional e, por consequência, nos documentos curriculares. A invisibilidade dos grupos étnicos que fazem parte da história do Brasil, nos debates dos currículos escolares, reforça a elaboração de estereótipos e ambiguidades na sociedade brasileira, e os professores podem contribuir para uma educação que contemple a diversidade de forma ampla.
5 À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados deste estudo revelam um quadro do desenvolvimento profissional do docente do Ensino Médio da rede estadual de um município de Santa Catarina bastante relevante e, até certo ponto, necessário. Algumas questões demandam outros estudos para que se obtenham respostas mais esclarecedoras. Outras nos levam a refletir acerca do contexto de atuação e do percurso individual e coletivo desses sujeitos que, com titulação acima da média nacional e com mais de dez anos de atuação, aparentemente não demonstram qualificar sua prática. Não parece ser um educador desinteressado em sua formação, uma vez que mais de 60% frequentaram presencialmente cursos de pós-graduação, nível de especialização, conforme dados da pesquisa. Alguns (7), inclusive, foram além; são mestres e doutores. Nesse sentido, é oportuno indagar: Em que medida a qualidade da formação inicial e continuada desses educadores influencia seu desenvolvimento profissional? Que outros fatores relacionados à carreira e condições de trabalho impedem que, de fato, haja qualificação na educação básica? O estudo nos aponta que as políticas públicas para educação do estado de Santa Catarina podem contribuir mais para o desenvolvimento profissional do professor, pois, ao não realizar concurso para efetivação, colabora para a precarização da profissão, no que se refere à carreira e às condições de trabalho. Além disso, a rotatividade ano a ano em unidades escolares diferentes prejudica a inserção do educador na comunidade escolar, não permitindo que ele(a) identifique e conheça o contexto educativo. Como realizar um trabalho pedagógico qualificado em curto período e sem diagnóstico prévio? As respostas ao questionário demonstram que a Secretaria de Educação dos dois últimos governos, na maioria das vezes, não é promotora de formações continuadas das demandas apontadas pelos docentes, nem mesmo para conhecimento e efetivação da proposta curricular de Santa Catarina, e mais de 50% responderam não utilizá-la para o planejamento das aulas. Aqui, contudo, eles próprios têm buscado por formação tanto nas áreas específicas quanto no eixo geral.
Ainda com relação às políticas, observa-se o quanto é importante a participação do poder público no planejamento da formação continuada. A discussão sobre a diversidade étnico-cultural na educação básica, pautada pela Lei n.º 11.645/2008, está longe de ser a ideal, conforme demonstram os dados da pesquisa.
Um dado significativo foi a baixa adesão dos professores à pesquisa. Num universo de 206 professores consultados, 65 docentes responderam ao questionário, perfazendo um total de 32%. Por que os demais docentes não participaram? Entre as possíveis razões para tal podemos destacar o acúmulo de atividades do professor, o desinteresse em participar da proposta, pois talvez não traga benefícios para a profissão, ou a própria desilusão com a carreira docente. Portanto, um maior incentivo por parte do poder público, com planejamento de curto, médio e longo prazo para educação, no que concerne a promover mais concursos e ainda atrelado a uma revisão na carreira, poderia engajar mais os professores em diversas ações, entre elas pesquisas que investigam aspectos do contexto escolar, tão pertinentes para a reflexão em torno da educação, apontando caminhos para a efetiva valorização da formação inicial e continuada dos professores, revertendo, em última análise, na qualificação da educação. Acrescente-se a isso ainda o fato de que é necessário reforçar os laços entre a universidade e a educação básica, promovendo espaços de discussão sobre as práticas docentes e a formação inicial e continuada dos professores.
O estudo discutiu o desenvolvimento profissional dos professores do Ensino Médio da rede estadual de Santa Catarina, construindo um portfólio de análise que partiu do perfil socioeconômico, formação inicial, continuada e as práticas docentes e, finalmente, a percepção sobre as políticas públicas para a educação básica. Contextos e cenários diversos perpassam o dia a dia do sujeito professor. Logo, o desenvolvimento profissional precisa ser considerado nos variados aspectos que permeiam a construção da profissionalidade docente de forma global. Ser professor implica lidar com os desafios presentes, tanto nos níveis individual e social quanto no coletivo da escola, afinal, o professor é um ator social, um indivíduo que participa da sociedade. Implica também, além de estar em constante processo de busca por aprimoramento, reivindicar melhores condições de carreira e trabalho. Esse complexo processo contínuo e ininterrupto de busca por qualificação e melhores condições de trabalho é o que constitui a profissão docente.