1 INTRODUÇÃO
A formação de coordenadores metodológicos é uma prática desenvolvida por uma instituição de ensino do sistema S, com seus colaboradores, desde o início dos anos 2000. O objetivo dessa formação partiu de uma jornada de aprendizagem que buscou construir conhecimentos e habilidades na elaboração de estruturas de desenhos curriculares por competência, considerando preceitos metodológicos e referenciais da instituição, legislação da modalidade de educação ofertada, no caso a educação profissional e tecnológica e tendências contemporâneas.
No desenvolvimento dessa pesquisa, buscamos descrever, após 20 anos de formação presencial, entre anseios, emoções e dificuldades, a primeira experiência remota e híbrida da turma de formador de Coordenadores Metodológicos do ano de 2021, cujo formato foi escolhido em razão do período crítico da pandemia e da necessidade de corpo educacional com conhecimentos de uma metodologia curricular com base em ensino por competências e aprendizagem significativa.
Cabe salientar que o Coordenador Metodológico dessa formação desenvolve o papel de mediador da construção do currículo pré-escrito profissionalizante e de ensino superior, responsável por analisar e realizar atividades em múltiplos contextos, tais como:
a) analisar os resultados dos Estudos sobre o Mercado de Trabalho e sobre Tendências de Áreas Tecnológicas; b) preparar as apresentações, os formulários e as estratégias de trabalho; c) pesquisar as referências técnicas legais e normativas que impactam a elaboração dos Perfis Profissionais; d) realizar a articulação e o alinhamento com as instâncias institucionais demandantes; e) realizar o alinhamento técnico e metodológico com os participantes para a realização do trabalho; f) realizar a condução e preparação dos processos do CTS, consolidando as Minutas de Contextos de Trabalho e de Perfis Profissionais, bem como os documentos finais, conforme os formulários padrão; g) apropriar-se das ofertas realizadas pelo Senai na área/segmento tecnológico; h) redigir os documentos preliminares e finais de cada uma das etapas de trabalho, de acordo com a norma culta e rigor metodológico (Senai, 2019, p. 19).
De acordo com Zabala e Arnau (2014), competência é um termo complexo, apresenta múltiplas interpretações e é muito discutido no campo da educação, surgido como necessidade e resposta visando à superação do ensino tradicional centrada no conteúdo. Perrenoud (2013), na busca de um conceito, argumenta que é difícil definir competência, uma vez que está inserido em diferentes áreas do conhecimento e problemáticas. O autor exemplifica que tanto nas ciências da educação quanto nas do trabalho, aproxima-se do consenso: “competência é o poder de agir com eficácia em uma situação, mobilizando e combinando, em tempo real e de modo pertinente, os recursos intelectuais e emocionais” de modo resolver a situação (Perrenoud, 2013, p. 28).
Em consonância com os referidos autores, compreende-se por competência, no campo da educação, um conjunto interdisciplinar de saberes capaz de mobilizar conhecimentos, atitudes e habilidades necessárias para responder aos problemas reais da vida e aos desafios demandados do mundo do trabalho contemporâneo.
Em uma perspectiva de proposta curricular, as competências têm caráter funcional, representando “a formação em aprendizagens que têm como característica fundamental a capacidade de serem aplicadas em contextos reais”, sob qualquer situação, nova ou conhecida (Zabala; Arnau, 2014, p. 12).
Feldman e Masetto (2012, p. 86) discorrem que o currículo em seu processo construtivo deve ser compreendido como a vivência de um agrupamento de:
[...] conhecimentos, saberes, competências, habilidades, experiências e valores organizados de forma integrada, visando à educação dos aprendizes de nossas instituições educativas para uma sociedade contextualizada num determinado tempo e espaço histórico, político, econômico e social.
Nessa teia conceitual, a metodologia de construção curricular, com base em competência desenvolvida pela instituição, vai além de sistematização de saberes. Assim, destacam os documentos norteadores ao tratarem que “a apropriação plena desta metodologia não depende somente da compreensão das orientações técnicas contidas neste documento” (Senai, 2019, p. 14), mas de uma dinâmica de trabalho diferenciada que envolve a participação ativa de vários sujeitos.
Segundo Masetto (2018), a construção curricular se fundamenta em uma concepção filosófica, histórica, política, social e cultural de uma instituição, além de considerar a experiência, a subjetividade do sujeito que vivencia e da realidade emergente, que devem ser compreendidos como um processo contínuo em constante mudança.
O currículo, por sua vez, é uma palavra que vem do latim curriculum, significa caminho a percorrer (Gimeno Sacristán, 2013), que permeia uma conjuntura de complexidade e conhecimento construtivo da formação humana, social e para o trabalho. Apresenta tanto um enfoque estrutural (prescrito, norteador) como pós-estrutural (vivenciado, contextualizado). No caso dessa formação, trata-se de um enfoque estrutural (arquitetura do currículo), que busca delinear competências e habilidades de uma ocupação em seu processo de formação.
Feldmann e Masetto (2012, p. 88) entendem currículo como “a vivência de um conjunto de conhecimentos, saberes, competências, habilidades, experiências e valores organizados de forma integrada [...]”. Eles destacam que as aprendizagens ocorrem de maneira contextualizada, em determinado espaço e tempo cronológico. Essas aprendizagens serão adquiridas por meio de “práticas e atividades planejadas intencionalmente”, ou seja, para que o aprendizado ocorra de forma efetiva, há de existir uma intenção por trás dessas práticas.
“O currículo desempenha uma função dupla - organizadora e ao mesmo tempo unificadora - do ensinar e do aprender [...]” (Gimeno Sacristán, 2013, p. 17). Ao mesmo tempo que ensino, aprendo, em qualquer ambiente: na sala de aula, nos corredores da escola, assistindo a um filme, lendo notícias em jornais, na internet... cada um tem sua leitura de mundo a partir dessas leituras supracitadas, considerando suas vivências fora dos muros da escola e que são elementos de aprendizagem.
Para Hernández-Hernández e Sancho-Gil (2020, p. 1064), “conceber o currículo como espaço de relações pressupõe que a vida em sala de aula se constitui a partir de experiências que possibilitem formas de aprendizagem”. Logo, essas experiências não resultam em respostas homogêneas, mas em uma diversidade de caminhos que expandem os sentidos e a disposição em aprender, caminhos que aguçam a curiosidade no intuito da busca e da indagação.
2. METODOLOGIA DE ESTUDO
A proposta pedagógica dessa formação partiu de um modelo remoto sincrônico acompanhado de videoaulas, aulas tira-dúvidas uma vez por semana, situações de aprendizagens (saber-fazer) na prática e tutoria pedagógica on-line diária, com duração inicial de cinco meses, e se estendendo por oito meses em razão de inúmeros fatores como, a complexidade da temática da formação mediante a metodologia curricular de construção “por competência”, muito conhecimento em pouco espaço de tempo, além das demandas de atividades profissionais internas. A formação foi realizada pelos sujeitos em horário concomitante ao do expediente, cabendo-lhes utilizar-se de estratégias como gestão do tempo. Isso é notório na fala dos sujeitos/estudantes dessa formação:
Na primeira unidade curricular senti uma avalanche de informações complexas, já que abordaram vários aspectos legais e tantos outros essenciais para a atuação do Coordenador Metodológico. Nesse sentido, situações de aprendizagens que possibilitem a prática da teoria é um elemento fundamental, principalmente quando o conteúdo teórico é volumoso. A visão dos colegas ocorreu de forma variada na minha percepção, pois acredito que alguns estavam ajustando suas demandas de trabalho ao curso e até mesmo compreendendo e relacionando o conteúdo referencial. Na UC 3 achei o prazo adequado para a situação de aprendizagem e o apoio da tutoria foi primoroso [...] (Estudante Z - grifo nosso).
Da flexibilização dos prazos para realização das atividades e conclusão da situação problema foi bastante providencial, pois só tenho acesso a computador aqui no trabalho, quando é leitura até faço de casa pelo meu celular, mas no trabalho desenvolvo as atividades, dessa forma com a flexibilização me ajudou demais (Estudante X - grifo nosso).
No início senti muita dificuldade de acompanhar as aulas. As demandas são grandes na UO e não estava conseguindo me organizar temporalmente para realizar as atividades do curso. (Estudante Y - grifo nosso).
A flexibilização quanto aos prazos de entrega foi uma decisão bastante positiva. (Estudante F - grifo nosso).
Embora nesta primeira Unidade Curricular tantos conteúdos fossem apresentados, era necessário, justamente, um planejamento e organização por parte dos alunos para iniciar os estudos, principalmente pela natureza e modalidade do curso, ser no formato a distância [...] (Estudante M - grifo nosso).
A metodologia dessa pesquisa seguiu a utilização de um enfoque exploratório descritivo. Optou-se como análise para esse estudo, a qualitativa. Para Feldmann, Pereira e Hage (2018, p. 101), a abordagem qualitativa de um problema, representa uma forma válida e confiável de compreensão da natureza dos fenômenos sociais. Na concepção de Chizzotti (2003), a pesquisa qualitativa implica fatos, pessoas e locais, que compõem o objeto de investigação. Triviños (1987, p. 128) aduz que toda pesquisa qualitativa é essencialmente descritiva:
Como as descrições dos fenômenos estão impregnadas de significados que o ambiente lhe outorga, e como aquelas são produto de uma visão subjetiva, rejeita toda a questão quantitativa, numérica, toda medida. [...] Assim, os resultados são expressos, por exemplo, em retratos (ou descrições), narrativas, ilustradas em declarações de pessoas para dar fundamento concreto necessário [...].
Nessa perspectiva, esse estudo foi desenvolvido a partir das vozes dos sujeitos (subjetividade), com o objetivo de entender como a tutoria contribuiu em seu processo formativo. Os sujeitos dessa formação foram colaboradores de duas instituições do sistema S (Senai e Sesi), profissionais tanto de educação profissional quanto de educação básica, entre eles: gestores, coordenadores e docentes, pertencentes às diferentes regiões do Brasil, totalizando 50 pessoas, com idade média entre 35 e 55 anos. Nesse relato, denominamos cada sujeito pela letra do alfabeto de A-Z.
A jornada de aprendizagem foi organizada modularmente e em etapas com suas respectivas unidades curriculares, sendo: a) um módulo básico com duas unidades curriculares, sendo uma sobre aspectos legais e curriculares e outra mediação de equipe, ambas com atividades diagnósticas e investigativas; b) dois módulos específicos com uma unidade curricular cada (elaboração de perfil profissional, elaboração de desenho curricular), com situações de aprendizagem desafiadoras do objeto de estudo visando a saber-fazer (colocar em prática os conhecimentos construídos).
Ao longo dessa formação, os sujeitos encontraram inúmeros desafios, sendo um deles a formação de grupos focais (comitês) para a realização das atividades práticas de construção curricular e o registro das coletas e mapeamento das informações, conforme relatos a seguir:
[...] Foi desafiador, porque mesmo trabalhando com base em alguns conteúdos vistos, colocá-los em prática, desenvolvendo com representantes do comitê técnico setorial formado não foi tão fácil como parecia ser, mas diante do embasamento teórico facilitou a sensibilização e a atenção para a responsabilidade que estávamos desenvolvendo, o que facilitou o trabalho e conseguimos desenvolver um perfil dentro do esperado para a empresa solicitante [...]. (Estudante Z - grifo nosso).
[...] tive muita dificuldade no desenvolvimento da simulação do mini comitê, pois fazê-lo individualmente foi muito estressante, afinal, durante o comitê é necessário realizar a mediação e realizar os registros. Outro ponto complicado, foi a necessidade de mobilizar especialistas para tal simulação, pois foi uma tarefa complicadíssima [...] (Estudante E - grifo nosso).
Cabe salientar que a formação de grupo focal, chamado pela metodologia da instituição de comitê, corresponde a uma das etapas de construção a percorrer, e diz respeito ao procedimento metodológico de coleta de dados. Em consonância com o documento institucional, o comitê
[...] é um fórum-consultivo multidisciplinar” composto por representantes de diversos setores como acadêmico, governamental, conselho de classe e/ou associações, sindicatos, empresarial e especialistas docente. Tem por objetivo possibilitar aproximação entre os mundos produtivo e da educação (Senai, 2019, p. 40).
Nesse caso, o comitê foi formado por especialistas docentes das diversas áreas do conhecimento.
De acordo com planos de ações elaborados pelos sujeitos dessa formação, as atividades desenvolvidas com a condução do comitê aconteceram em diversos formatos (remoto, híbrido e presencial). Isso se deu em razão do cenário de pandemia da variante Ômicron - Covid-19, vivenciado por essa turma. Nota-se nos registros que as atividades propostas pelos sujeitos ficaram divididas em: atualização e construção de novos desenhos curriculares.
Em face dos desafios encontrados, o percurso metodológico de construção curricular dessa formação levou os sujeitos ao processo investigativo, a estudos preliminares do contexto (social, econômico, legal, político, global), a mobilizarem conhecimentos, a terem atitudes na composição e na condução de grupo focal, à coleta e mapeamento de informações, à imersão e à transcendência das informações do mundo do trabalho para o mundo da educação e os fez perceberem que o currículo é uma construção coletiva, além de se utilizarem de estratégias de interatividade com o uso de diversas ferramentas e tecnologias.
Berbaum (1982 apudMarcelo García, 2009, p. 19) propõe a utilização do conceito formação quando estamos nos referindo à instrução de adultos, porque se trata de uma “ação que se destina à aquisição de saberes e de ‘saber-fazer’ mais do que de ‘saber-ser’. O conceito de formação é passível de várias interpretações, porém neste artigo ele está associado ao termo tutor/mentor, pois trata-se de uma pesquisa que envolve gestores, coordenadores e docentes. Ademais, o conceito de formação docente ou formação de professores está sujeito a múltiplas perspectivas, mas a maioria delas está relacionada ao entendimento de desenvolvimento pessoal, ou seja, o de formar profissionais competentes com conteúdo e experiências em sua área de formação.
Zabalza (2014) pondera que a formação não tem a ver somente com o desenvolvimento social e econômico, mas também com o desenvolvimento pessoal e social, sendo este, vinculado ao sentido da cultura, das vivências. Não estamos falando aqui de treinamento de professores, mas de o sujeito estar contribuindo para seu próprio processo de formação, a partir dos conhecimentos trazidos ao longo de suas vidas e de suas competências.
3 TUTORIA NO TEMPO DOS SUJEITOS: RELATOS, DISCUSSÕES E ANÁLISE
A tutoria nessa formação é no formato on-line (a distância), cuja proposta inicial era monitorar e dar suporte pontual aos sujeitos, em uma perspectiva de concepção tradicional de tutor (monitor). No entanto, em práticas contemporâneas desencadeadas pelos avanços do mundo digital e pelas mudanças no contexto social, o formato de ensino a distância tem demandado novas conotações dos atores sociais, tanto do estudante quanto do tutor (Velloso; Lannes; Barros, 2013).
Segundo Bezerra e Carvalho (2011), o tutor desenvolve um papel essencial e ativo no ensino a distância, como uma linha tênue entre a instituição e o estudante. Os autores mencionam que a amplitude das atribuições da tutoria, vão além do simples monitoramento pedagógico, o tutor é capaz de propor estratégias, como também “criar um ambiente que possibilite a construção por parte dos estudantes, buscando envolvê-los ativamente no processo de aprendizagem” (Bezerra; Carvalho, 2011, p. 243).
Por outro, o tutor é visto como um encorajador, facilitador, mentor, mediador e orientador da aprendizagem, promovendo o protagonismo individual e coletivo. Desempenha a função socioafetiva traduzida em vínculo afetivo de acolhimento, humanização e de segurança, propiciando um ambiente favorável à aprendizagem (Mattar et al., 2020).
Para Pimentel (2013), interação mútua e reativa entre tutor e estudante, tem um papel fundamental como ‘motivador’ com o intuito de: evitar a evasão e a postergação e de promover a participação ativa. A importância da tutoria nessa formação e a transformação de seu papel, baseiam-se nos relatos dos sujeitos, destacando-se:
Os encontros remotos e a orientação da tutora foram essenciais para a formatação do trabalho que a meu ver teve como maior desafio reunir um grupo de especialistas que topassem, no período determinado, participar de um CTS. (Estudante E - grifo nosso).
Após conversas e orientações com nossa tutora e com o Coordenador Metodológico do meu DR-RS, me senti mais confiante e comecei a me organizar e a produzir material para a realização do Comitê de Especialistas SENAI. Estudei a ocupação, busquei referências em relatórios e documentações federais e consegui elaborar um plano de ação, cronograma e material didático. (Estudante Y - grifo nosso).
A tutoria foi um grande diferencial do curso (Estudante F_Y - grifo nosso).
Confesso que quase desisti, pois foi muito difícil conciliar minha agenda com ao dos colegas que fizeram parte do comitê, então a ansiedade apertava cada vez mais. Mas toda vez que abria o grupo do WhatsApp, e lia as mensagens da tutora motivando a gente, a energia recarregava. Acredito que esse foi o fator fundamental para conclusão dessas atividades, o acompanhamento e a dedicação dela em todas as etapas do trabalho fizeram uma diferença enorme, e nos motivou a continuar. (Estudante G_Y - grifo nosso).
Cabe salientar que a tutoria dessa formação aconteceu no tempo dos sujeitos de forma individual e coletiva, com duração de 30 a 60 minutos. As ferramentas pedagógicas de interação utilizadas foram: o Google Meet (videoconferência), WhatsApp (grupo), mural informativo e aulas remotas sincrônicas tira-dúvidas. Além das atividades diárias de orientação e mediação, a tutoria realizou a busca ativa dos sujeitos em razão de inúmeros fatores desmotivacionais (emocional, profissional, pessoal, organizativo, complexidade da temática, entre outros).
O procedimento metodológico de coleta de informação adotado nessa formação ocorreu por meio de questionários com perguntas abertas e fechadas, aplicados em dois momentos. Um primeiro momento aconteceu no decorrer das atividades com o objetivo de levantar opinião dos sujeitos acerca dessa formação, conforme relatos supracitados. Em um segundo momento, foi aplicado um questionário ao término dessa formação, com o propósito de avaliar o desempenho e a importância da tutoria.
Esse segundo questionário foi estruturado em três perguntas, duas fechadas com respostas objetivas e uma aberta com respostas subjetivas que dizem respeito à fala dos sujeitos.
A primeira pergunta - Qual foi sua opinião sobre a tutoria? - foi dividida em três categorias de resposta: a) teve relevância; b) teve parcial relevância; c) não teve relevância. A unanimidade da resposta foi a alternativa “a”. A tutoria teve cem por cento de relevância, ou seja, está em consonância com os estudos apresentados, conforme evidencia o Gráfico 1.
Para Bezerra e Lima (2022, p. 14), o compartilhamento de vivências e experiências em sala de aula consiste em um meio de redefinir a prática profissional. Por meio desse procedimento, professores, coordenadores e gestores puderam desenvolver novos saberes e novas práticas profissionais. Além dos conhecimentos teóricos, as experiências pessoais e profissionais contribuíram para suas aprendizagens.
A segunda pergunta - A tutoria desenvolveu um papel de... - trazia as seguintes categorias de alternativas: a) mediador; b) orientador; c) mentor. A resposta ficou dividida em percentuais, em que 57,1% dos sujeitos responderam que tutoria desenvolveu o papel de mediador, outros 33,3%, de orientador e, por fim, 9,5% de mentor (Gráfico 2). Cabe salientar, que a tutoria desempenha inúmeras ações educativas e a função deveria ser reconhecida como professor tutor mediador em virtude das características apresentadas nos dados coletados.
Ainda sob o contexto de análise, a mediação, nesse caso, a ‘pedagógica’, pode ser compreendida de acordo com Masetto (2000, p. 144-145), como “a atitude, o comportamento do professor que se coloca como facilitador, incentivador ou motivador da aprendizagem, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte rolante entre o aprendiz e a aprendizagem”. A mentoria, por sua vez, teve seu destaque nos resultados como um novo modelo educacional mais ativo, colaborativo, personalizado que, aos poucos, vem ganhando espaço na transformação das práticas e da função do professor e da tutoria (Moran, 2022).
A terceira pergunta - O que chamou mais atenção na tutoria? - foi aberta, com o objetivo de conhecer a opinião dos sujeitos por meio de relatos, em que obtivemos respostas em torno das recorrências de disponibilidade, conhecimento do tema, motivação e segurança, no qual consideramos como categorias de análise. Assim, podemos concluir que a tutoria foi realizada no tempo dos sujeitos dessa formação. De acordo com as narrativas dos sujeitos dessa pesquisa, A, B, C, D, ..., a seguir:
Educação e disponibilidade da tutora.
A disponibilidade. Sempre se mostrou muito prestativa e atenciosa, apontando o que poderia ser melhorado e contribuindo para a construção do conhecimento em todas as atividades. Foi impecável em sua atuação!
Dedicação, segurança do conhecimento, motivação e experiência.
O profundo conhecimento da metodologia por parte da tutora.
A disponibilidade, atenção, conhecimento e motivação foram pontos fundamentais para fazer com que o curso, por ser um pouco complexo, se tornasse fácil.
Experiência, dedicação, motivação, segurança e domínio de conteúdo.
A atenção aos alunos.
O acompanhamento em todas as etapas, sempre disponível para me auxiliar quando porventura precisasse.
A dedicação da Tutoria, os conhecimentos abordados e dinâmica do curso.
O pronto atendimento, a disponibilidade, postura profissional, a valorização do estudante (mediação do sentimento de competência) e o conhecimento técnico.
A sua disponibilidade.
O conhecimento do assunto, a generosidade em transferir o que sabe e a simpatia, sua marca registrada.
A disponibilidade constante e a construção dos resultados em conjunto.
Disponibilidade e clareza. Também demonstrou profundo conhecimento nas temáticas.
Disponibilidade em atender todas as solicitações que fiz.
A disponibilidade para atendimento, orientações assertivas e motivação para executar as ações necessárias para o desenvolvimento das atividades propostas.
No tocante ao conhecimento que predominou na fala dos sujeitos sobre a tutoria, Moran (2000, p. 18) descreve que:
[...] o conhecimento não é fragmentado, mas interdependente, interligado, intersetorial. Conhecer significa compreender todas as dimensões, captar e expressar essa totalidade de forma cada vez mais ampla e integral. Conhecemos mais e melhor conectando, juntando, relacionando, acessando o nosso objeto de todos os pontos de vista, por todos os caminhos, integrando de forma mais rica possível.
Nesse sentido, a interação e a conectividade se fazem importantes no processo da construção do conhecimento. Por outro lado, é notável a necessidade de que o tutor da formação, construa os devidos conhecimentos relacionados à competência pedagógica, que se envolva com a proposta de educação e de currículo da instituição. O tutor precisa entender a conjuntura em que está inserido para envolver seus estudantes no processo de aprendizagem e que cada uma se conceba fazendo parte do currículo da instituição e como sujeito capaz de se construir continuamente.
Para Albuquerque (2022), por ser um termo multifacetado, currículo é um artefato histórico, social e cultural, que exige compreensão dos múltiplos contextos. O currículo nunca é neutro. Ele sempre desempenhará uma intenção de quem o está organizando. Sendo assim, ele não pode ser concebido senão estando inserido na complexa trama social da qual faz parte. As lutas e os embates que ocorrem no interior da sala de aula devem constar no currículo. Esse contexto particular de cada instituição de ensino formal ou não formal faz parte do currículo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar este trabalho, julgamos necessário retomar os objetivos propostos nesta pesquisa. Precipuamente, objetivou-se descrever uma experiência de intervenção da tutoria pedagógica no tempo dos sujeitos diante de uma temática complexa que exige aprofundamento de estudos conceituais, de conhecimento de contextos, de metodologia e procedimentos metodológicos de uma concepção de currículo, indo além da proposta pedagógica da formação de coordenadores metodológicos.
Percebe-se que a grande dificuldade encontrada nas instituições de ensino diz respeito à compreensão mais abrangente do currículo. Não há uma compreensão cabal de que o currículo envolve todo o espaço histórico, social, cultural, econômico, humano e contemporâneo. O documento que estamos habituados a organizar nas instituições de ensino é superficial e desconexo em relação à acepção da palavra.
Nessa perspectiva, a intervenção se fez necessária pela dificuldade encontrada pelos sujeitos diante de uma visão fragmentada do currículo. A ação buscou apoiar os sujeitos a partir dos encontros individuais (personalizados), espaços virtuais de interferências pedagógicas, como diálogos e reflexões capazes de viabilizar o processo de entendimento, desenvolvimento e aprendizagem. Em alinhamento com Morin (2013), devemos promover práticas pedagógicas de intervenção que permitem estabelecer relações mútuas entre as partes, e tudo de forma a promover a apreensão do objeto de estudo em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto.
A tutoria demandou conhecimentos, acolhimentos diversos e diferenciados em tempos atípicos de pandemia em razão da saúde mental dos sujeitos, como também acompanhamento contínuo e diário dos estudantes, estimulando-os à motivação e ao engajamento nos objetivos educacionais e na conclusão dessa formação. Em consonância com Masetto (2000), no que diz respeito à mediação pedagógica e ao uso de tecnologia no processo de educação a distância e no ensino remoto, o curso oportunizou aos sujeitos dessa formação o desenvolvimento da autoaprendizagem e de interaprendizagem.
Nesse cenário, a referida tutoria desenvolveu processos formativos que propiciaram aos sujeitos aquisição de novos saberes teóricos indispensáveis a seu trabalho, além de norteá-los ao desenvolvimento didático-pedagógico que será reelaborado e reconstruído a partir de suas práticas. Assim sendo, o sujeito da mediação pedagógica estará em constante processo de aprendizagem, construindo uma forte articulação entre teoria e prática profissional.
Por fim, a tutoria dessa formação transcendeu a mediação e orientação e se aproximou do papel de mentoria, o que faz refletir sobre práticas pedagógicas contemporâneas na perspectiva de novos olhares a partir da compreensão do papel do currículo para o ensino-aprendizagem dos sujeitos. Assim, concluímos que a tutoria em seu novo papel fomenta intervenções pedagógicas e insights no tempo do sujeito, respeitando suas limitações, promovendo práticas diferenciadas e disruptivas das convencionais e articuladas com o protagonismo do estudante.