1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa teve como objetivo comparar o conteúdo das apostilas com os conteúdos dos livros didáticos de História mais utilizados nos Anos Finais do Ensino Fundamental (6.º ao 9.º anos) nas escolas públicas, estaduais e municipais, das 12 cidades1 pertencentes à Diretoria Regional de Ensino (DIREN) de São Joaquim da Barra, entre os anos de 2017 e 2020.
Entre essas cidades, três apresentavam, à época da pesquisa, os Anos Finais do Ensino Fundamental ainda sob a responsabilidade do Estado de São Paulo; são elas: Aramina, Sales Oliveira e São Joaquim da Barra. As demais cidades possuíam, até 2020, os Anos Finais de seu Ensino Fundamental municipal sob a responsabilidade de seus respectivos municípios, cujas Administrações Municipais eram as responsáveis pela gestão das escolas.
Enquanto as escolas estaduais utilizavam os livros didáticos distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), as escolas municipais usavam livros didáticos ou apostilas dos Sistemas Apostilados de Ensino (SAE), em razão de cada Sistema Municipal de Ensino ter autonomia para optar por um ou outro material didático2.
A seleção dos materiais didáticos analisados se deu em face dos materiais mais utilizados nas escolas investigadas pela pesquisa, sendo escolhidas as coleções dos livros didáticos de História intitulados História Sociedade & Cidadania, de Alfredo Boulos Júnior e “Projeto Araribá”, de Maria Raquel Apolinário, e os materiais apostilados do Sistema Objetivo Municipal de Ensino (SOME), do Grupo Objetivo, e o Sistema Aprende Brasil (SAB), do Grupo Positivo.
Para tal, aplicamos, nas apostilas, os critérios de avaliação didático-pedagógicos adotados pelo MEC nas coleções de livros didáticos, prescritos no Edital do PNLD e no Guia de Livros Didáticos, para elaborar “diagrama de síntese” dessas apostilas, à maneira do que fez o MEC com os livros didáticos na edição 2017 do PNLD, balizados por cinco eixos centrais, a saber: o tratamento escolar das fontes históricas; a relação entre texto-base e atividades; o tratamento das questões da temporalidade histórica; a temática africana e afro-brasileira; a temática indígena.
Esses cinco eixos centrais constantes no Guia, subdivididos em quatro quesitos cada, foram os responsáveis pela elaboração de “diagramas de síntese”, sinalizadores visuais que o PNLD 2017 usou para permitir ao professor uma melhor compreensão da resenha das coleções de obras didáticas na forma de esquema, conforme exemplo na Figura 1:
O exemplo na Figura 1, extraído do Edital do PNLD 2017, ilustra o diagrama de síntese a que nos referimos. Cada círculo do diagrama corresponde a um livro de uma série do Ensino Fundamental Final e foi disposto concentricamente dos 6.º ao 9.º anos.
O círculo é dividido em quatro quadrantes, cada qual representando um dos quesitos que compõem o Eixo, sempre na forma escrita. Quando um quadrante for representado com área sólida, indica que aquele quesito apresentou-se de forma consistente; se estiver com sua área hachurada, simboliza que esta corresponde a uma redução em sua consistência, indicando que o quesito avaliado foi parcialmente atendido. Por sua vez, os casos com a marcação em branco expressam que o quesito não foi contemplado na obra.
Foram elaborados diagramas de síntese com base nos resultados obtidos em nossa análise do material apostilado, confrontando-se estes com os diagramas gerados pelo MEC.
2 ANÁLISE DOS SAE À LUZ DOS CINCO EIXOS CENTRAIS DO PNLD 2017
2.1 Eixo 1: Tratamento escolar das fontes históricas
O primeiro Eixo está subdividido em quatro quesitos: a função ilustrativa e favorecedora do acesso ao conteúdo dos livros por parte do jovem; a diversidade de gêneros textuais disponíveis para o trabalho didático; o favorecimento da compreensão do procedimento histórico por meio de orientações metodológicas precisas ao estudante; e a natureza e a densidade da orientação metodológica ao docente.
O primeiro quesito é utilizado para verificar se as fontes iconográficas presentes nos livros didáticos favorecem o acesso ao conteúdo desses materiais e se a leitura dessas fontes pelos alunos estimula a apropriação dos conhecimentos divulgados.
A preocupação com o tratamento das fontes iconográficas em sala de aula é objeto de discussão presente nas obras de Bittencourt (2011, 2015), Bueno e Galzerani (2013), Guimarães (2012), Mauad (2015) e Schmidt (2015). Para esses autores e autoras, o uso de fontes e documentos nos livros didáticos de História não serve apenas como ilustração do conteúdo da disciplina ou como confirmação da verdade histórica presente no texto escrito, mas também como um recurso didático que favorece o ensino e a aprendizagem do processo histórico.
As fontes históricas podem ser usadas como: ilustração, a fim de reforçar uma ideia expressa em sala de aula pelo professor ou no livro didático; como fonte de informação, ao explicitar uma informação histórica, reforçando a ação de sujeitos etc.; como introdução a um tema de estudo, assumindo a condição de situação-problema para o aluno (BITTENCOURT, 2011).
Nesse aspecto, as ilustrações dos livros didáticos revelaram-se mais completas que as ilustrações das apostilas. Enquanto as apostilas apresentaram um acervo iconográfico majoritariamente formado por imagens históricas, com pouca representação contemporânea, os livros didáticos mostraram, com frequência, imagens contemporâneas que ilustravam o conteúdo escrito e dialogavam com ele. Nessas imagens ilustrativas, percebemos a preocupação das editoras em representar a sociedade brasileira em sua diversidade racial, étnica, cultural, geográfica, de gênero, entre outras.
No que concerne às orientações do primeiro quesito do Eixo 1, tanto as apostilas do SAB quanto as apostilas do SOME apresentaram imagens que exemplificaram o texto escrito de modo a favorecê-lo. A função informativa das fontes históricas é apoiada na concepção do uso da iconografia em sala de aula como portadoras de valores cognitivos, impregnadas de conhecimento significativo, e não como meras ilustrações do texto (GUIMARÃES, 2012). Trata-se de uma concepção presente nas orientações curriculares do MEC para a disciplina de História, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) - documentos normativos que norteiam o currículo nacional e, consequentemente, a produção dos livros didáticos do PNLD, que devem estar em consonância com esses documentos.
A imagem desempenha importante papel, pois, por meio dela, o aluno pode não apenas visualizar o “passado como ele aconteceu”, mas especialmente analisá-lo e interpretá-lo como documento histórico em toda a sua complexidade. Por essa razão, autores e editores devem ser criteriosos na escolha do acervo iconográfico a ser incorporado aos materiais didáticos produzidos, com o intuito de que essas imagens possam suscitar, nos alunos, uma leitura crítica do processo histórico.
As imagens presentes nos livros didáticos e apostilas devem ser analisadas como representações da História que permitem inúmeras leituras por parte dos alunos, e não consideradas uma verdade absoluta.
Quanto à qualidade da reprodução das imagens em um material didático, Bittencourt (2015, p. 84-86) afirma que:
Os cuidados das editoras em relação à qualidade da impressão nem sempre são satisfatórios e se escudam da alegação dos preços. Dessa forma, existem ilustrações em tamanho minúsculo, ou ilegíveis pela má qualidade de impressão e de papel ou ainda pela profusão delas em uma única página, que pouco auxiliam como material de apoio ao próprio texto escrito.
As apostilas analisadas apresentaram, em todos os seus volumes, elevado padrão de qualidade na impressão das fotos e criteriosa seleção das imagens. Estas foram apresentadas com editoração atualizada, remetendo à ideia de hipertexto apropriada da linguagem informatizada, com o intuito de estimular a percepção visual nos leitores. Para Bueno e Galzerani (2013, p. 277-278), essas técnicas “renovaram o aspecto visual dos livros didáticos, possibilitando um maior número de informações, as quais estimulam ainda mais a percepção visual nos leitores”.
Uma editoração mais hodierna foi percebida nos materiais didáticos apostilados, com ambos os materiais, SAB e SOME, apresentando um aspecto visual que se destacou pelo esmero com que dispuseram as imagens e os demais elementos do projeto gráfico: textos, seções, boxes, atividades etc.
O segundo quesito do Eixo 1 tem por objetivo aferir a existência e a diversidade das fontes e gêneros para leitura e interpretação dos alunos em favor do trabalho didático. A variedade dessas fontes e gêneros textuais foi presenciada, em diferentes proporções, nos materiais didáticos analisados pela presente pesquisa.
No geral, as apostilas mostraram uma menor diversidade de gêneros e fontes, quando comparadas aos livros didáticos. Em especial, a apostila do SAB que, apenas a partir do 8.º ano, começou a trazer a reprodução de documentos em quantidade significativa e uma maior diversificação, com a presença de notícias, artigos de revistas acadêmicas, poesia, música, discursos, histórias em quadrinhos.
O material do SOME apresentou-se mais diversificado quanto aos gêneros textuais, oferecendo, desde o 6.º ano, uma gama considerável de fontes, como: lenda, conto, poesia de cordel, artigo de revista, documentos, testemunho oral, entre outros. Outrossim, trouxe uma boa variedade, e em grande quantidade, de mapas históricos.
Chamou a atenção a pouca presença de charges, letras de músicas e indicações de filmes, tanto nas apostilas do SAB como nas apostilas do SOME, em contraposição aos livros didáticos, que os apresentaram em profusão e em diversidade de gêneros.
O terceiro quesito apontado no Eixo 1 busca aferir se orientações metodológicas ao estudante são precisas e favorecem a compreensão do procedimento histórico e se a densidade das fontes e as explicações trazidas pelos materiais didáticos propiciam o entendimento histórico.
Bittencourt (2011) sublinha que a dificuldade de escolher tais fontes consiste em selecionar aquelas que sejam atrativas aos alunos e, ao mesmo tempo, inteligível, de fácil compreensão, que não apresentem obstáculos como: extensão, inadequação idade/série, vocabulário complexo.
A escolha de cada fonte é imprescindível para proporcionar o domínio dos conteúdos e a compreensão do processo histórico por parte dos alunos que, orientados pelos professores, produzem conhecimento a partir da análise das fontes históricas presentes nos materiais.
Mauad (2015, p. 86) afirma que alguns princípios devem ser observados quando da reprodução de fontes na forma de imagens visuais nos materiais didáticos, devendo estas:
a) ensejar uma compreensão histórica aprofundada do tema representado;
b) ser historicamente identificada segundo a sua natureza, como indicado acima;
c) ser acompanhadas de sua procedência: arquivo, museu, internet, agência de imagem, imprensa etc.;
d) ter legibilidade adequada: imagens diminutas ou mal impressas não se prestam a uma leitura visual adequada;
e) vir acompanhadas de indagações críticas sobre a natureza visual da representação - pintura, foto, filme, mapa -, não somente o conteúdo apresentado.
Essas fontes ou documentos devem possibilitar ao aluno o aprofundamento do tema tratado. Para que isso aconteça, é necessário que sejam reproduzidos nos materiais didáticos em tamanho e qualidade adequados, propiciando boa legibilidade. Ademais, que venham acompanhados de sua procedência e de indagações críticas que fomentem a reflexão sobre os documentos, articulando-os às informações presentes nos textos escritos.
Os documentos históricos constantes nos materiais didáticos não falam por si mesmos, há a necessidade de serem interrogados, analisados, discutidos, de se apresentarem o contexto e as motivações de sua produção, estabelecerem relações entre o passado e o presente, entre outras informações que possam subsidiar os alunos na problematização do tema abordado. Essas orientações foram identificadas nos materiais didáticos apostilados na forma de textos, boxes e nas legendas das imagens, usadas como um instrumento didático e objetivando permitir um maior esclarecimento da imagem ao aluno, ao proporcionar um maior diálogo entre a iconografia e o texto escrito.
O quarto e último quesito do Eixo 1 procura verificar se os materiais didáticos promovem uma orientação adequada aos docentes para seu uso correto. As orientações necessárias para a consecução desses objetivos encontram-se no Manual do Professor.
Todos os materiais didáticos, sejam eles livros ou apostilas, são acompanhados de um material destinado ao professor, comumente chamado de Manual do Professor. Neste, estão presentes os objetivos, os conteúdos e as orientações metodológicas importantes para a compreensão do conteúdo prescrito.
Essas orientações metodológicas não devem ser configuradas como um roteiro a ser seguido pelo professor, isto é, um passo a passo que restrinja a atividade docente ao simples cumprimento de tarefas das quais ele não participou na elaboração. Deve, sim, ser um instrumento que colabore para uma melhor compreensão do material didático, para o aperfeiçoamento da prática docente e, consequentemente, para o aprimoramento da qualidade do ensino.
Tanto no Livro do Professor do SAB quanto no Caderno do Professor do SOME, constataram-se orientações teórico-metodológicas adequadas, além de indicações bibliográficas, sugestões de atividades e textos complementares. Depois de aplicarmos, aos materiais apostilados, os quesitos constantes no Eixo 1, a presente pesquisa elaborou diagramas de síntese dos materiais apostilados do SAB e do SOME:
Confrontando esses diagramas elaborados pela pesquisa com os diagramas de síntese organizados pelo MEC para avaliar as coleções de livros didáticos, temos:
No eixo que aborda o tratamento escolar das fontes históricas nos materiais didáticos, percebemos que a função ilustrativa das fontes históricas e o favorecimento da compreensão do procedimento histórico, respectivamente quesitos 1 e 3 do Eixo, foram plenamente atendidos em todos os materiais analisados. A diversidade de gêneros textuais, porém, revelou-se deficitária nos 6.º e 7.º anos do material do SAB. O quesito 4, que trata da orientação metodológica ao docente, também apresentou inconsistência, tanto no material do SAB quanto no material do SOME, que entendemos não ter contemplado, com a densidade que se espera, esse importante quesito.
Ao cotejar nossos diagramas de síntese dos dois livros didáticos utilizados como fontes com os diagramas elaborados pelo MEC, percebemos uma pequena inconsistência nos materiais apostilados, uma vez que em ambos os livros os quatro quesitos foram plenamente atendidos.
2.2 Eixo 2: a relação entre texto-base e atividade
O segundo Eixo Central apresentado pelo Guia de Livros Didáticos do PNLD está subdividido em quatro quesitos: a relação entre texto-base e as atividades; a proposta de possibilidade de relacionamento entre passado e presente; o favorecimento do trabalho coletivo em sala de aula; e o estímulo da habilidade de pensamento e complexidade variada.
O primeiro quesito a ser analisado trata a conexão existente entre os textos-base e as atividades presentes nos materiais didáticos. Entendemos por texto-base todo o conteúdo escrito produzido pelos autores das apostilas, as representações iconográficas e os demais documentos inseridos com objetivo didático-pedagógico. Por sua vez, as atividades ou exercícios são definidos “operacionalmente e de maneira ampla, como tarefa(s) que o aluno desempenha em situações de aprendizagem escolar” (FREITAS; OLIVEIRA, 2015, p. 20).
Independentemente do nome, local e parceiros - exercício (auxiliado pelo professor, em sala de aula), atividade (sozinho no livro didático ou diante do computador), dever (em grupo, no campo), tarefinha (para o lar e junto aos pais) -, o aluno sempre trabalhou e continua a trabalhar (FREITAS; OLIVEIRA, 2015, p. 20).
Portanto, as atividades são o conjunto de exercícios, pesquisas e quaisquer outras indagações ou questionamentos a serem respondidos pelos alunos. Assim, apareceram distribuídos de forma dispersa nos materiais didáticos apostilados ao longo de cada capítulo, e não mais apenas no final deste, indicando que sua função não é meramente a de aferir a aprendizagem, mas também a de apresentar conteúdos novos, aprofundar conhecimentos, propor atividades em grupo, entre outras.
A seleção de atividades apresentadas em sua ordenação no decorrer do texto (ou do capítulo) não são aleatórias e requerem uma análise específica, para se perceber a coerência do autor em sua proposta de fornecer condições de uma aprendizagem que não se limite a memorizações de determinados acontecimentos ou fatos históricos, mas permita ao aluno o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais (BITTENCOURT, 2011, p. 315).
Nos materiais didáticos apostilados, os exercícios foram visivelmente destacados do texto-base. As editoras realizaram um trabalho de diagramação que incluiu a criação de boxes para a inserção dos exercícios, seções específicas e ícones que anunciaram e identificaram o momento em que alunos e professores deveriam realizar as atividades propostas no material.
Nossa análise permitiu depreender que em ambos os materiais didáticos apostilados houve conexão entre os textos-base e as atividades propostas. Todos os conteúdos apresentados foram devidamente contemplados com atividades que propiciaram a apreensão dos conteúdos pelos alunos e momentos de reflexão do professor sobre a consecução de seus objetivos dentro da disciplina.
O segundo quesito do Eixo em análise investigou se as atividades existentes nos materiais didáticos propuseram a possibilidade de relacionamento entre o passado e o presente. As atividades constantes nos materiais didáticos que problematizem temas no passado e no presente estão em consonância com as diretrizes propostas pelos PCNs, que preceituam que as atividades escolares contribuem para “desenvolver sua formação intelectual, para fortalecer seus laços de identidade com o presente e com gerações passadas e para orientar suas atitudes como cidadão no mundo de hoje” (BRASIL, 1998, p. 36).
Identificamos nos materiais apostilados do SAB a presença significativa da problematização passado/presente em diversas atividades nas apostilas dos 6.º e 7.º anos, enquanto nas apostilas dos 8.º e 9.º anos detectamos uma menor quantidade e densidade dessas atividades. No material apostilado SOME, a pouca quantidade e densidade nos exercícios que problematizassem passado/presente foi verificada nas apostilas dos 6.º e 8.º anos, enquanto nas apostilas dos 7.º e 9.º anos essa problematização foi praticamente inexistente.
O terceiro quesito desse Eixo central analisou se as atividades presentes nos materiais didáticos favoreceram o trabalho coletivo em sala de aula, se esses recursos foram instrumentos usados para o trabalho em grupo em sala de aula, permitindo ao aluno o contato com o diverso, e se promoveram uma reflexão coletiva do conhecimento ensinado.
Entendemos o trabalho coletivo em sala de aula como o momento de interação, mediado pelo professor, em que o aluno tem a possibilidade de contato com o contraditório, com opiniões e interpretações diferentes das suas emitidas pelos demais colegas.
Essas atividades estiveram contempladas nos dois materiais apostilados analisados de maneira satisfatória nas apostilas dos 6.º ao 9.º anos e, mediadas pelo professor, fomentaram a participação dos alunos, proporcionando-lhes oportunidades de exercerem sua criticidade.
O quarto e último quesito do Eixo 2 dedicou-se a investigar se os materiais didáticos estimularam a habilidade de pensamento de complexidade variada, bem como se as atividades propostas promoveram a mediação pedagógica para múltiplas habilidades e modos de pensamento, e não apenas a memorização estéril do passado.
Os exercícios presentes nos materiais didáticos de história passaram a constituir elemento fundamental no processo ensino/aprendizagem, deixando de ser um recurso usado para a mera memorização mecânica dos conteúdos (BITTENCOURT, 2011).
O uso de uma avaliação formativa e contínua, ao longo do processo ensino-aprendizagem, e não pontual, como pressupõe o modelo tradicional, está prescrito nas DCNs da seguinte forma: “aquela avaliação do aluno, a ser realizada pelo professor e pela escola, é redimensionadora da ação pedagógica e deve assumir um caráter processual, formativo e participativo, ser contínua, cumulativa e diagnóstica” (BRASIL, 2013, p. 123).
Tanto os materiais do SAB quanto os materiais do SOME, em consonância com o texto dos PCNs, sugeriram a utilização dos exercícios presentes em suas apostilas como um instrumento avaliativo do aluno de maneira contínua, processual e qualitativa e que servisse de subsídio ao professor. O uso dos exercícios prescritos nos materiais didáticos como um instrumento a mais no processo de avaliação dos alunos contribui para evitar o modelo-padrão que, tradicionalmente, é realizado nas escolas.
Sobre a diversificação dos instrumentos de avaliação, Guimarães (2012, p. 423) explica que:
Os instrumentos de avaliação diversificados proporcionam diagnosticar no processo a construção de noções, conceitos históricos, a formação de atitudes, valores, saberes e habilidades. Permitem que o debate sobre a pluralidade de vozes, de fontes históricas incorporadas ao processo de ensino e aprendizagem seja contemplado nas ações avaliativas.
A diversificação dos instrumentos de avaliação também deve vir acompanhada da diversificação dos tipos de atividades presentes nos materiais didáticos, que devem se apresentar como atividades que favoreçam a reflexão e a compreensão do processo histórico.
Nesse sentido, identificamos que os materiais apostilados do SAB e do SOME trouxeram atividades de maneira diversificada, com uma gama de atividades que incluiu: questões dissertativas, desde as mais simples, cujas respostas eram, basicamente, preencher lacunas ou respostas diretas às perguntas formuladas, das mais complexas, baseadas na interpretação de documentos (textos, tabelas, gráficos e imagens); produção de textos; exercícios com mapas; cruzadinhas; testes, verdadeiro ou falso, entre outras.
Dessa forma, consideramos que ambos os materiais apostilados apresentaram, de maneira consistente, a diversidade de atividades propostas aos alunos nas apostilas. Assim, a presente pesquisa elaborou os seguintes diagramas de síntese referentes ao Eixo 2:
Comparados aos diagramas de síntese dos livros didáticos elaborados pelo MEC e usados como fontes na presente pesquisa, temos:
Chamamos a atenção para o segundo quesito, que versa sobre a possibilidade de relacionamento entre passado e presente, como a grande fragilidade revelada nos materiais apostilados. Nas apostilas do SAB, esse quesito mostrou-se de maneira consistente apenas nas apostilas dos 6.º e 7.º anos, enquanto nas apostilas do SOME esse mesmo quesito apresentou-se inconsistente nos materiais dos 6.º e 8.º anos e inexistente nos materiais dos 7.º e 9.º anos.
Na análise do 2.º Eixo, não podemos afirmar que haja notória distinção em favor do livro didático em comparação às apostilas, uma vez que somente a coleção do livro didático História Sociedade & Cidadania contemplou, plenamente, todos os quesitos, enquanto a coleção do livro Projeto Araribá apresentou inconsistências maiores que as detectadas nas apostilas do SAB, por exemplo, ficando em condições de igualdade com a apostila do SOME.
2.3 Eixo 3: o tratamento das questões da temporalidade histórica
O terceiro Eixo central está dividido em quatro quesitos, a saber: apresentar orientações acerca de operações de datação; contemplar o tratamento da simultaneidade histórica; favorecer uma compreensão problematizadora entre passado e presente; e possibilitar a noção da construção de duração.
O primeiro quesito descrito no Guia de Livros Didáticos é a possibilidade de o aluno “conseguir operar com operações essenciais que envolvem datação, periodização, bem como a compreensão das categorias essenciais de tratamento temporal vinculadas aos modos de quantificar, representar e se orientar no tempo” (BRASIL, 2016, p. 30).
A questão da datação é o elemento norteador desse quesito, porém não foram desconsideradas outras operações necessárias para que o aluno pudesse qualificar, representar e se orientar no tempo histórico apresentado no conteúdo dos materiais, por exemplo, a periodização e a datação. Esta última é analisada no quarto quesito do presente Eixo.
A datação é importante pois situa os acontecimentos no tempo, tratando-se de uma localização temporal usada pelos historiadores para analisar e interpretar os fatos.
Não é suficiente o aluno conhecer os calendários ou indicar os acontecimentos nos séculos. A aquisição dessas informações e habilidades é, sem dúvida, necessária, mas deve ser acompanhada de uma reflexão sobre o significado da datação. O uso das datas precisa estar vinculado a uma busca de explicações sobre o que vem antes ou depois, sobre o que é simultâneo ou ainda sobre o tempo de separação de diversos fatos históricos. Deve-se, em suma, dar sentido às datações, para que o aluno domine as datas como pontos referenciais para o entendimento dos acontecimentos históricos (BITTENCOURT, 2011, p. 212).
O ensino de História trabalha, na maioria das vezes, com longos e longínquos períodos temporais, o que dificulta muito a compreensão dos alunos que necessitam de uma referência que os permita identificar ou localizar os acontecimentos na escala temporal.
As linhas do tempo, ou frisas cronológicas, são as representações gráficas mais comuns usadas pelos materiais didáticos, vislumbrando que os alunos visualizem melhor os períodos ensinados. Essas linhas do tempo foram detectadas nos materiais do SAB e do SOME, com outras formas de datação, como a elaboração de quadros cronológicos, infográficos, entre outros recursos visuais.
A periodização histórica utilizada no ensino de História na Educação Básica foi outra categoria analisada nesse primeiro quesito. A organização curricular usada na periodização da História ensinada em sala de aula, e reproduzida nos livros didáticos, pautava-se pela influência marxista, delimitando os períodos estudados pelos modos de produção (BITTENCOURT, 2011, 2015), ou, ainda, pelo tradicional modelo denominado “quadripartite francês”, um esquema cronológico composto pelos quatro grandes períodos históricos: Idade Antiga; Idade Média; Idade Moderna; Contemporânea (GUIMARÃES, 2012).
Da análise desse quesito nos materiais didáticos apostilados infere-se que ambos romperam com o modelo tradicional e eurocêntrico de periodização da História para assumir uma periodização mais temática - porém ainda não podemos falar que se trata de um ensino de História por eixos temáticos ou eixos geradores.
O segundo quesito do presente Eixo diz respeito à possibilidade de os materiais didáticos contemplarem o tratamento da simultaneidade histórica, cuja finalidade foi a análise da compreensão da História além da linha cronológica.
O enfoque simultâneo que os materiais didáticos têm conferido ao ensino da História está diretamente ligado à opção desses materiais pela chamada História Integrada, descrita nos PCNs como uma “proposta de história total que articula a História do Brasil, da América e Geral em um único processo, explicado por relações de causalidade, contiguidade e de simultaneidade no tempo” (BRASIL, 1998, p. 46).
A opção dos materiais didáticos pelo ensino da História por meio da proposta integrada possibilitou a introdução da simultaneidade histórica e permitiu estabelecer “novas posturas nas relações entre tempo e espaço e entre história nacional e mundial” (BITTENCOURT, 2011, p. 157). Essa proposta representou o fim do ensino da História que, tradicionalmente, era realizado com os estudos da História do Brasil nos 6.º e 7.º anos e a História Geral nos 8.º e 9.º anos, como se se tratasse de histórias distintas.
Os materiais apostilados do SAB e do SOME apresentaram a organização curricular da disciplina de História seguindo a proposta de História Integrada, não fazendo da História do Brasil um capítulo à parte na História Mundial, ainda que, tangencialmente ao tratamento da simultaneidade histórica, ambos se mostraram com significativas diferenças.
Nas apostilas do SAB, simultaneidade histórica esteve presente apenas a partir do 7.º ano, quando foram introduzidos os conteúdos referentes à África e à América, enquanto o material apostilado do SOME apresentou a simultaneidade ao longo dos volumes dos 6.º ao 9.º anos. A crítica que fazemos aos materiais, e que repercutiu em nossa avaliação, refere-se à disposição cronológica dos conteúdos oferecida pelos SAE, realizada seguindo a clássica visão eurocêntrica do capitalismo e presidindo a construção da História Mundial, que, no caso da História nacional, significou uma história “que não se origina no espaço nacional, mas no lugar central do capitalismo emergente” (BITTENCOURT, 2015, p. 24).
O terceiro quesito teve por objetivo investigar se os materiais didáticos favoreceram uma comparação problematizadora entre passado e presente para que o ensino de História não se limitasse apenas ao estudo dos fatos passados, mas que o utilizasse para responder, compreender e desvelar problemas presentes.
Os PCNs abordam a problematização entre o passado e o presente como uma forma de “sensibilizar e fundamentar a compreensão de que os problemas atuais e cotidianos não podem ser explicados unicamente a partir de acontecimentos restritos ao presente” (BRASIL, 1998, p. 45).
Para romper com a postura do ensino de História entendido como mero estudo do passado, sem qualquer conexão com o presente, os materiais didáticos têm trazido conteúdos favorecendo a conexão dos fatos históricos com a realidade vivida pelos alunos.
Nas apostilas do SAB, a problematização entre o passado e o presente se fez mais densa e continuada nos volumes dos 6.º e 7.º anos, enquanto nos volumes dos 8.º e 9.º anos esta problematização se fez mais superficial e esporádica. Nas apostilas do SOME, essa problematização esteve praticamente ausente nos volumes dos 7.º e 9.º anos e apresentada com pouca densidade nos volumes dos 6.º e 8.º anos.
O quarto e último quesito do Eixo 3 investigou se os materiais didáticos possibilitaram a noção da construção de duração, uma categoria definida pelos PCNs como a “identificação de mudanças e de permanências no modo de vida das sociedades” (BRASIL, 1998, p. 99). A avaliação desse quesito nos materiais didáticos justifica-se em razão de que, pela apreensão da duração, o aluno pode compreender e comparar as mudanças e rupturas presentes no tempo e no espaço sob as orientações do professor.
Cabe ao professor, em diferentes momentos de estudo, incentivar a construção de relações entre eventos, para que os estudantes possam caracterizar contextos históricos e dimensionar suas durações, identificar indícios e ritmos das suas transformações e das suas permanências no tempo (BRASIL, 1998, p. 54).
Bittencourt (2015), seguindo a concepção braudeliana de classificação das instâncias da duração, divide o tempo histórico em curta, média e longa duração. A curta duração, quando há abordagem do registro cotidiano da esfera de decisão política, como golpes de estado e mudanças de Governo; média duração, quando há referência aos acontecimentos mais estáveis, como os relacionados à longevidade de regimes políticos; longa duração, os fatos relacionados à subsistência de ideologias e formações políticas.
Percebemos, nas apostilas do SAB e SOME, o registro das três instâncias da duração do tempo histórico contempladas de maneira satisfatória, ao permitirem ao aluno a visualização das transformações e permanências ocorridas nas Histórias do Brasil e Mundial. Paralelamente à avaliação satisfatória que fizemos das categorias datação e periodização (vide quesito 1 do presente Eixo 3), depreendemos que esses materiais possibilitaram aos alunos os recursos necessários para a visualização do tempo histórico.
Concluindo o Eixo 3, elaboramos os seguintes diagramas de síntese:
Ao confrontarmos os diagramas de síntese apresentados na Figura 6 com os diagramas elaborados pelo MEC, temos:
A operação de datação, item presente no quesito 1, foi satisfatoriamente atendida em ambos os materiais apostilados, SAB e SOME, a qual visualizamos somente no livro didático Projeto Araribá, ao identificarmos um resultado similar ao que inferimos nas apostilas.
Sobre o quesito 2, que aborda a questão da simultaneidade histórica, ele foi apontado como a grande dificuldade a ser superada dos materiais didáticos analisados, fossem eles livros ou apostilas, uma vez que apenas o SOME contemplou plenamente o quesito. No SAB, esse quesito foi consistente nos materiais dos 6.º e 7.º anos e inexistente nos materiais dos 8.º e 9.º anos. Já nos livros didáticos, revelou-se inconsistente em todos os anos do Ensino Fundamental Final de ambos os materiais.
A comparação problematizadora entre passado e presente foi outro ponto deficitário detectado nas apostilas. No material do SAB, esse quesito foi inconsistente nas apostilas do 8.º e 9.º anos, enquanto no material do SOME foi inconsistente nas apostilas dos 6.º e 8.º anos e inexistente nas apostilas dos 7.º e 9.º anos.
Em comparação à análise realizada pelo MEC nos livros didáticos, podemos inferir que as apostilas apresentaram-se em condições de igualdade com o livro didático, senão estes com uma ligeira inconsistência em seu conteúdo em relação às apostilas.
2.4 Eixo 4: a temática africana e afro-brasileira
A questão da temática afro-brasileira, presente no currículo oficial nacional, está inserida no contexto da mobilização dos movimentos sociais em defesa dos negros no Brasil que, no começo do século XXI, ganhou maior visibilidade e representatividade no Poder Federal. Tal defesa resultou na adoção de várias políticas públicas voltadas para o ressarcimento da dívida histórica que o Brasil tinha - e ainda tem - com os afrodescendentes.
Por meio de várias políticas públicas, de instrumentos legais, programas, orientações e diretrizes relacionadas à política curricular, durante o governo Lula (2002-2010), o MEC buscou promover a valorização e o reconhecimento da diversidade étnico-racial na educação escolar brasileira (GUIMARÃES, 2012, p. 74).
Resultado direto da mobilização dos movimentos afro-brasileiros em favor da valorização e do reconhecimento da diversidade étnico-racial na educação brasileira foi a Lei 10.639/2003, que alterou a LDB para “para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira” (BRASIL, 2003, n.p.).
A Lei 10.639/2003 foi o primeiro ato legal que tornou obrigatório o estudo da História e da Cultura Afro-Brasileira e deu início a um conjunto de ações normativas do Governo Federal no sentido de nortear o currículo nacional, no que tange às relações étnico-raciais.
A obrigatoriedade do ensino da temática africana e afro-brasileira, bem como a temática indígena a ser estudada mais adiante, têm função de fomentar a reflexão acerca desses temas e transformar as práticas de ensino e aprendizagem de História, combater o etnocentrismo e o eurocentrismo, tão arraigados no ensino de História, e de promover a educação para a cidadania (GUIMARÃES, 2012).
Os documentos normativos referentes ao reconhecimento e à valorização da história afro-brasileira na educação nacional tiveram como resultado direto a adequação dos materiais didáticos de História, sobretudo as coleções didáticas inscritas no PNLD, que, na edição de 2017 do Programa, foram avaliadas no quarto Eixo central, composto por quatro quesitos a serem considerados: inscrição informativa e cronológica; densidade na orientação teórico-metodológica para o professor; visibilidade do protagonismo dos sujeitos ao longo do tempo; e promoção da educação para as relações étnico-raciais.
O primeiro quesito visa observar como as temáticas africana e afro-brasileira estão inscritas ao longo de todos os volumes das coleções, se essas temáticas se fazem presentes de modo contínuo ou de maneira irregular, como atenta o Guia de Livros Didáticos:
Tal inscrição ainda tende a se demonstrar de modo irregular entre os livros de 6.º a 9.º ano, e ainda se verifica a presença de obras que demarcam os temas vinculados à História da África aos marcos centrais da escravidão na sociedade brasileira e aos recortes temporais eurocêntricos (BRASIL, 2016, p. 32).
Na análise das apostilas dos SAE, identificamos uma diferença significativa entre os dois materiais no tocante a esse primeiro quesito. O material do SAB apresentou o tema com pouca densidade, enquanto o material do SOME tratou o quesito de maneira mais adensada.
Verificamos que, no caso do material apostilado do SAB, a temática africana e afro-brasileira não esteve contemplada de forma satisfatória nos volumes correspondentes aos 6.º e 9.º anos, que se limitou a apresentar a África como local da origem da humanidade e nada mais foi explorado sobre a temática. Nos volumes dos 7.º e 8.º anos, identificamos um tratamento mais completo do tema, ao apresentar como conteúdos, por exemplo, a sociedade açucareira do século XVII, a mineração no Brasil no século XVIII e o Período Imperial brasileiro, ocasião em que a apostila abordou as características da sociedade brasileira do Primeiro e Segundo Reinados e o processo de abolição da escravatura, além da descolonização da África.
Nas apostilas do SOME, identificamos uma melhor distribuição da temática africana e afro-brasileira ao longo dos volumes, com todos estes contemplando o tema de maneira satisfatória. Assinalamos no material do 6.º ano a presença de um capítulo dedicado à organização política da África, quando esta ainda era dividida em reinados, em que é apresentado um mapa histórico detalhado dessa divisão política e o texto-base destaca os Reinos de Gana, Aksum (Axum) e Etiópia, detalhando suas características.
Entendemos a importância da presença desse capítulo na apostila como o reconhecimento de que a história da humanidade durante a História Antiga não se limitou às civilizações tradicionalmente estudadas, mostrando a História da África paralela ao ensino da Antiguidade Clássica, período em que o viés historiográfico eurocêntrico dedicou-se, exclusivamente, ao estudo da Grécia e de Roma.
Quanto ao segundo quesito, constatamos que os materiais didáticos apostilados não trouxeram, aos docentes, significativas orientações teórico-metodológicas no Manual do Professor, no que se refere ao ensino da temática africana e afro-brasileira, limitando-se a sugestões bibliográficas, textos complementares e orientações sobre a condução de atividades e acerca das respostas aos exercícios propostos. Entendemos que, de modo geral, as orientações presentes nesses materiais furtaram-se de maiores aprofundamentos a respeito das questões da consciência política e histórica da diversidade racial.
O terceiro quesito dedica-se a investigar o “protagonismo social dos sujeitos no tempo, o que permite conferir visibilidade às lutas e às conquistas de direitos ao longo do tempo” (BRASIL, 2016, p. 33). Essa visibilidade às lutas e às conquistas visa refutar a imagem estereotipada do afro-brasileiro como personagem secundário em nossa História nacional, apresentado sempre de maneira negativa, cuja imagem é reforçada pela iconografia, ao mostrá-lo como vítima de maus-tratos.
Consideramos a visão estereotipada que possa existir nos materiais didáticos como prejudicial ao sentimento identitário dos alunos afrodescendentes que, ao visualizarem essas imagens, podem acabar se sentindo inferiorizados, o que não significa que se deva apagar dos materiais didáticos esse capítulo da história nacional, mas, sim, conferir visibilidade aos sujeitos históricos afro-brasileiros que contribuíram, e ainda contribuem, na formação do País, com sua cultura, história, lutas e vitórias.
Nesse sentido, houve uma “renovação de temas e abordagens da população de origem africana ocorrida nos livros didáticos a partir da mobilização dos movimentos negros e de sua atuação política” (BITTENCOURT, 2011, p. 305-306).
Com o objetivo de “permitir um olhar mais plural acerca da complexidade das sociedades africanas em uma historicidade alargada” (BRASIL, 2016, p. 32), o terceiro quesito contribui para que o conteúdo dos materiais didáticos desvincule a História da África e do Negro no Brasil como circunscrita apenas no âmbito do período da escravidão. Utilizamo-nos desse quesito para investigar, nos textos-base, escritos e iconográficos, dos materiais apostilados, a presença da história dos afrodescendentes fora do contexto exclusivo do período da escravidão no Brasil.
Nas apostilas do SAB, presenciamos a inexistência do quesito em discussão nos volumes dos 6.º, 7.º e 9.º anos, com a ausência, sobretudo, dos movimentos de resistência da população afro-brasileira e da influência dos negros na cultura brasileira. Nos volumes referentes ao 8.º ano, ocasião em que se estuda a abolição da escravidão, a visibilidade ao protagonismo é explicitada de modo coletivo, deixando de citar as importantes personalidades afro-brasileiras abolicionistas, como José do Patrocínio e André Rebouças e, mais recentemente incorporado à historiografia, Luiz da Gama. Tal feito, a nosso ver, prejudicou a densidade no tratamento do quesito, justificando nossa avaliação, o que não aconteceu nos materiais do SOME, que fizeram menção a tais personalidades.
As DCNs para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004) apontam para a necessidade da valorização das importantes personalidades afro-brasileiras da história brasileira, ao citarem vários que, entre outros, merecem destaque nos materiais didáticos por estarem, aquelas figuras, inseridas no contexto da resistência das populações afrodescendentes.
Entendemos que o quesito que trata a visibilidade do protagonismo dos sujeitos afro-brasileiros ao longo do tempo não esteve contemplado nas apostilas.
No material do SOME, o quesito não foi evocado nos volumes do 6.º ano, foi parcialmente atendido nos volumes do 7.º ano e satisfatoriamente atendido nos volumes dos 8.º e 9.º anos. Nestes, ressaltamos a menção a fatos históricos nos quais teve destaque a participação dos afro-brasileiros, como a Conjuração Baiana e a Revolta da Chibata. Na abolição da escravatura, ainda, aludiu-se à atuação do Quilombo do Leblon como importante símbolo de resistência à escravidão no Brasil e na História Mundial.
O referido material mencionou, também, importantes afrodescendentes norte-americanos, por exemplo, o atleta Jesse Owens e os ativistas dos direitos civis negros: Martin Luther King Jr., Malcom X e Rosa Parks. Contudo, apenas Rosa Parks contou com imagem ilustrativa no texto-base.
Compreendemos a ausência de imagens dessas personalidades como um ponto negativo do material didático na consecução dos objetivos do quesito que analisa a visibilidade e o protagonismo dos sujeitos ao longo do tempo. A ilustração das imagens de importantes personalidades históricas negras é fundamental para suscitar, nos alunos negros, o sentimento de pertencimento histórico e social e, nos demais alunos, a importância do negro na sociedade, contribuindo, assim, para a diminuição do preconceito racial.
O último quesito do Eixo 4 é apresentado no Guia de Livros Didáticos como:
[...] uma preocupação sistêmica com o tratamento de uma educação para as relações étnico-raciais, o que se manifesta não só na abordagem de todos os quesitos anteriores, mas também na opção metodológica voltada à tematização das formas de preconceito nas relações cotidianas e com foco sobre o estudante, seu universo de vida e suas práticas sociais (BRASIL, 2016, p. 33).
Esse quesito busca promover a reeducação das relações étnico-raciais, que não se resumem à inclusão de conteúdos nos currículos escolares, mas se preocupam com a formação de atitudes éticas dos alunos, premissa fundamental na educação para as relações étnico-raciais (CONCEIÇÃO, 2010).
A inclusão dos conteúdos referentes à História da África e Afro-brasileira não pode prescindir-se da discussão de temáticas como o racismo, o preconceito e questões identitárias, mas deve preparar o estudante para a problemática étnico-racial, conscientizando-o, assim, para efetivas mudanças, vislumbrando a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Nossa análise depreendeu que nenhum volume dos materiais apostilados contemplou o quarto quesito de maneira satisfatória, e nas apostilas do SAB observamos que esse quesito esteve inexistente nos volumes correspondentes aos 6.º e 7.º anos, sendo parcialmente atendido em sua densidade nos volumes correspondentes aos 8.º e 9.º anos. Por sua vez, nos materiais do SOME, o quesito foi identificado como inexistente nos volumes do 6.º ano e parcialmente atendido nos volumes dos 7.º, 8.º e 9.º anos.
Ao contrário dos livros didáticos analisados, que ilustraram seus textos a todo instante com fotografias de pessoas negras representadas em diversas situações como forma de mostrar aos alunos a diversidade étnico-racial brasileira e a participação do negro na sociedade, os materiais apostilados não o fizeram.
A presente pesquisa elaborou os seguintes diagramas de síntese:
Ao cotejarmos os diagramas de síntese ilustrados na Figura 8 com os dos livros didáticos usados como fontes na presente pesquisa, temos:
Depreende-se da análise dos diagramas que a temática afro-brasileira não foi contemplada satisfatoriamente nos materiais apostilados. Evidenciamos a completa inexistência do quesito que trata a visibilidade ao protagonismo do sujeito ao longo do tempo nas apostilas do SAB dos 6.º, 7.º e 9.º anos, e, no 8.º ano, esse quesito revelou-se inconsistente. O mesmo aconteceu com o quesito 4, que trata a promoção da educação para as relações étnico-raciais e esteve ausente em metade das séries desse material (6.º e 7.º anos), sendo contemplado de maneira inconsistente nos demais materiais (8.º e 9.º anos). Por outro lado, nos materiais do SOME, percebemos uma melhor apresentação da temática, com menor número de quesitos inconsistentes e inexistentes, quando comparados aos materiais do SAB.
2.5 Eixo 5: a temática indígena
A obrigatoriedade do estudo da temática indígena no currículo prescrito nacional ocorreu por meio da Lei 11.645/2008, a qual modificou a Lei n.º 10.639/2003, que tratava a obrigatoriedade do estudo da temática afro-brasileira, incluindo a obrigatoriedade do estudo da história e da cultura indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, no Brasil (BRASIL, 2008).
Essa lei, fruto da luta dos povos indígenas, teve por objetivo a valorização e a perpetuação de sua cultura e sua contribuição na formação da sociedade nacional. Entendemos que a inclusão da temática indígena no ensino oficial do País significou um avanço com relação ao compromisso ético com a diversidade cultural que marca a formação do povo brasileiro.
Ela concede um direito reivindicado pelas próprias sociedades indígenas: o direito ao passado (que dá direito ao presente) e à divulgação desse passado no cotidiano de todos os membros da sociedade nacional. Ela formaliza uma nova abordagem: a diversidade indígena dentro de uma educação pela tolerância (FREITAS, 2010, p. 160).
Desde a promulgação dessa lei, as editoras de materiais didáticos têm se adequado à exigência da inclusão da temática para não apenas incluir ou ampliar o que já vinha sendo estudado, mas também aprofundar a discussão da temática e fomentar nos alunos a reflexão sobre essa importante questão, que nem sempre recebeu a devida atenção na historiografia didática no País, a fim de favorecer a educação para a cidadania.
Por essa razão, o PNLD tem se atentado para a obrigatoriedade da temática indígena nas coleções didáticas participantes, regulamentando a forma como esse tema deve ser apresentado nos materiais para não incorrer nas visões estereotipadas anteriormente citadas. Na edição 2017, a temática indígena foi avaliada nas coleções aprovadas por meio do quinto Eixo central, subdividido em quatro quesitos, a saber: inscrição informativa e cronológica; densidade na orientação teórico-metodológica para o professor; visibilidade do protagonismo dos sujeitos ao longo do tempo; e promoção da educação para as relações étnico-raciais.
No primeiro quesito, buscamos investigar a forma como as apostilas representaram o indígena brasileiro, fosse na nomenclatura usada para referir-se a eles, fosse nos estereótipos presentes em textos e na representação iconográfica. Ademais, visamos pesquisar a disposição cronológica de sua história ao longo dos volumes correspondentes aos quatro anos do Ensino Fundamental Final.
Chamamos a atenção para a forma genérica com que muitas vezes os indígenas brasileiros são tratados nos livros, ao serem utilizados vocábulos como índio, silvícola e nativo para generalizar todas as populações existentes no País. Tal fato sugere que esses termos sejam substituídos por povos, comunidades ou sociedades indígenas, terminologias que “expressam a diversidade e reconhecem como singulares as suas formas de organizações” (FREITAS, 2010, p. 167).
Apenas substituir as expressões índio ou silvícola por povos ou comunidades indígenas não garante que o material didático contemple a heterogeneidade que caracteriza as nações indígenas existentes no País. No capítulo intitulado “Povos do Brasil”, o material apostilado do SAB, apesar de manter o uso de expressões que não generalizariam os povos indígenas, acabou fazendo-o, ao apresentar características dessas sociedades de maneira homogênea, sem especificar a quais etnias essas características correspondiam.
Nessa perspectiva, o material apostilado do SOME representou as populações indígenas em seu texto-base de maneira mais heterogênea, fazendo referência à pluralidade de etnias indígenas existentes no Brasil, com a menção de muitas delas, tanto no texto escrito quanto em suas representações iconográficas, por meio de mapas.
Sobre a disposição cronológica da temática indígena nos materiais didáticos, Bittencourt (2011) afirma que o índio é, tradicionalmente, representado nos livros apenas em alguns momentos específicos da história brasileira, como no início da colonização, na fase de conquistas, objetivando justificar a introdução do estudo do trabalho escravo africano. Na atualidade, esta última está presente na questão da demarcação de reservas indígenas.
Identificamos nos materiais apostilados a existência de grandes lapsos temporais no tratamento da temática indígena. No material do SAB, os povos indígenas brasileiros foram apresentados apenas nos volumes 3 e 4 do material do 7.º ano, inseridos no contexto da Colonização do País, mais precisamente no movimento Bandeirante e nas Missões Jesuíticas. Além desses volumes, o que se presenciou no referido material didático foi um silenciamento com relação a essa temática.
Os lapsos temporais no tratamento da temática indígena fizeram-se presentes em menor proporção nos materiais apostilados do SOME, emergindo nos volumes 1 e 2 das apostilas do 6.º ano, em um capítulo dedicado aos Povos Pré-Cabralinos, que apresenta os indígenas em sua pluralidade étnica e diversidade na ocupação geográfica do território brasileiro. Nos volumes do 7.º ano, em razão de o conteúdo contemplar o período da Colonização do País, novamente a temática foi evocada, entretanto com destaque para as etnias localizadas no litoral brasileiro. Os indígenas brasileiros só foram inscritos novamente no conteúdo dos materiais ao final da apostila do 9.º ano, ocasião em que foi abordada a questão dos direitos indígenas nos dias atuais.
O segundo quesito visa contribuir como ferramenta para o docente na promoção da criticidade e para a reflexão sobre a questão indígena nos alunos. Conforme afirma o Parecer CNE/CEB n.º 14/2015, que dispõe sobre as Diretrizes Operacionais para a implementação da história e das culturas dos povos indígenas na Educação Básica, em decorrência da Lei n.º 11.645/2008, o
[...] MEC orienta para que os livros didáticos não veiculem preconceitos, estereótipos ou qualquer outra forma de discriminação; que abordem temas relacionados às questões da identidade e das diferenças, bem como reconheçam a contemporaneidade dos povos indígenas, tornando esses livros ferramentas importantes na formação contínua dos professores, desenvolvendo também nos estudantes uma consciência reflexiva crítica a respeito de sua própria sociedade e história, bem como dos grupos que as constituem (BRASIL, 2015, p. 5).
Os lapsos temporais identificados nas apostilas no quesito anterior tiveram reflexo direto em nossa avaliação do segundo quesito. Nos volumes em que a temática foi evocada, as orientações teórico-metodológicas presentes nos manuais do professor apresentaram-se com a densidade necessária para que os professores pudessem fomentar, nos alunos, a conscientização para a questão da temática indígena. As poucas sugestões bibliográficas, orientações vagas ou, muitas vezes, inexistentes acerca do tratamento da questão explicitada pelo material prejudicaram a avaliação desse quesito em ambos os materiais didáticos.
No terceiro quesito, investigamos, nas apostilas, se estas valorizaram as lutas por direitos e as conquistas das populações indígenas e não realizaram sua mera inscrição na história nacional, com o intuito de atender à formalidade legal imposta pela legislação. Nesse sentido, Coelho (2019, p. 163) afirma:
O que o princípio da legislação e da movimentação da sociedade civil organizada requer é que os povos indígenas sejam considerados em perspectiva histórica. Para tanto, é necessário não apenas a ampliação do espaço destinado aos povos indígenas e a constatação e relevância de sua diversidade linguística, mas, sobretudo, o reconhecimento de sua condição de sujeito histórico - logo, de agente que, por meio de suas ações, participa da significação do tempo.
A inclusão e/ou ampliação da temática indígena presente nos materiais didáticos deve vir acompanhada da valorização e do reconhecimento do protagonismo e da importância das diversas populações indígenas na história e na cultura do Brasil, fugindo da visão simplista e eurocêntrica de relegá-los a um papel secundário em nossa História. A inclusão da história e cultura indígenas nos currículos oficiais tem por objetivo:
[...] promover a formação de cidadãos atuantes e conscientes do caráter pluriétnico da sociedade brasileira, contribuindo para o fortalecimento de relações interétnicas positivas entre os diferentes grupos étnicos e raciais e a convivência democrática, marcada por conhecimento mútuo, aceitação de diferenças e diálogo entre as culturas (BRASIL, 2015, p. 8).
Nesse quesito, no material do SAB, o foco da temática indígena limitou-se ao índio histórico, apresentado no texto-base das apostilas como um povo cuja história ficou circunscrita no passado colonial brasileiro, cujos protagonismo e visibilidade não persistiram com o passar do tempo, inexistindo na contemporaneidade. Também a diversidade étnica foi pouco explorada, com o foco do conteúdo nos indígenas que habitaram o litoral brasileiro. A referência à existência de outras etnias limitou-se à apresentação de um mapa que permitia a visualização da ocupação indígena na América do Sul dividida por troncos linguísticos, o que não contemplava a diversidade étnica das populações indígenas brasileiras.
O material apostilado do SOME, nesse quesito, apresentou-se de maneira mais completa. Ele trouxe, no volume 4 da apostila do 9.º ano, a inclusão das questões indígenas na Constituição Federal de 1988 e a evolução histórica da legislação em favor dos povos indígenas do Brasil, em 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) até 2013, com a inclusão de representantes de povos de diversas etnias indígenas na Conferência de Desenvolvimento Sustentável.
No quarto quesito analisado no Eixo 5, investigamos a presença de propostas de discussões aprofundadas no texto escrito e imagético das apostilas, quer fosse das questões históricas do passado, quer fosse do presente. Esse quesito visou investigar se as apostilas apresentavam-se como promotores da formação de uma consciência histórica e cidadã dos estudantes, e não apenas como mero cumprimento de um preceito legal, mas um instrumento que contribui para respeitar, valorizar e incorporar a história e a cultura afro-brasileira à educação escolar e serem tratadas com posicionamento crítico, contribuindo para a formação da consciência histórica e cidadã dos jovens (GUIMARÃES, 2012).
Na busca por uma educação voltada para as relações étnico-raciais na temática indígena, é imprescindível que os materiais didáticos, nos Anos Finais do Ensino Fundamental, fomentem, nos alunos, a conscientização. Além disso, é fundamental que tais materiais promovam uma visão multicultural das populações indígenas brasileiras, de modo a romper a visão etnocêntrica e estereotipada que já esteve presente nesses materiais em outras épocas, no começo do século XXI (GOBBI, 2007).
A visão etnocêntrica e estereotipada do indígena não foi detectada nos materiais analisados. Entretanto, ressaltamos que estes trouxeram pouca contribuição para despertar, nos alunos, uma consciência mais crítica com relação às questões que permeiam a problemática das populações indígenas no País.
Com a análise desse último quesito do Eixo 5, elaboramos os seguintes diagramas de síntese dos materiais apostilados, confrontando-os com os diagramas preparados pelo MEC, fruto da avaliação dos livros didáticos do PNLD.
Cotejando os resultados ilustrados pelos diagramas de síntese, temos:
Entre todos os cinco Eixos propostos pelo PNLD 2017, o que trata a questão indígena foi o que apresentou a maior disparidade, ao compararmos as apostilas com os livros didáticos.
Percebe-se, no material do SAB, a presença da temática apenas nos materiais do 7.º ano, ainda que de maneira parcialmente atendida nos quatro quesitos propostos. Nos demais anos do Ensino Fundamental Final, nenhum quesito do Eixo foi abordado. O material apostilado do SOME, por sua vez, apresentou um cenário um pouco diferente, porém igualmente preocupante. Se, por um lado, presenciamos ausências e inconsistências em muitos quesitos da temática indígena, sobretudo no material do 8.º ano, em que ela está completamente ausente nos quatro quesitos, e, no 9.º ano, com dois quesitos ausentes e outros dois atendidos parcialmente, por outro lado, quesitos como a inscrição informativa e cronológica da temática indígena foram contemplados de maneira densa nos materiais dos 6.º e 7.º anos.
Portanto, da análise geral dos diagramas das apostilas depreende-se que a temática indígena, em todos os seus quesitos, apresentou resultado inferior, quando comparada com os diagramas dos livros didáticos elaborados pelo MEC.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao cotejarmos os resultados obtidos a partir de nossa análise do material apostilado e o resultado da avaliação do MEC, a presente pesquisa concluiu que, ao serem aplicados, nas apostilas do SAE, os critérios didático-pedagógicos utilizados pelo MEC na avaliação dos livros didáticos constantes no Edital do PNLD 2017 e no Guia de Livros Didáticos do PNLD 2017, houve inconsistência no conteúdo das apostilas em relação aos livros didáticos. Essa inconsistência, contudo, carece ser mais bem pontuada, uma vez que não ocorreu de forma unânime e vultosa em todos os cinco Eixos.
No que diz respeito ao tratamento das fontes históricas, tema do Eixo 1, a inconsistência das apostilas, com relação ao livro didático, não se mostrou de forma muito acentuada, pecando mais na orientação metodológica ao docente do que nos aspectos da função ilustrativa.
Percebemos, porém, um acervo iconográfico muito menor nas apostilas, o que entendemos ter explicação econômica. Para minorarem os custos e, assim, ganharem em competitividade nas Administrações municipais, os SAE editam materiais didáticos com um número menor de páginas, o que garante um custo de produção menor do material. Soma-se, ainda, a isso a presença de fotos quase exclusivamente históricas, o que isenta esses materiais de pagarem direitos autorais ao reproduzirem fotografias adquiridas nas agências de publicidade.
A quantidade menor de imagens não interferiu no resultado da avaliação das apostilas no Eixo 1, em razão de que nenhum quesito tinha abordagem quantitativa. Ademais, o MEC não trabalha com quantidade mínima de imagens, aferindo os aspectos qualitativos em detrimento dos quantitativos, motivo pelo qual as apostilas obtiveram, em nossa avaliação, resultados parecidos com os resultados da avaliação do MEC quanto aos livros didáticos.
Na relação entre texto-base e atividades, tema do Eixo 2, a comparação das apostilas em relação aos livros didáticos também não se apresentou de maneira acentuada, chegando, inclusive, um dos materiais apostilados a receber uma melhor avaliação que um dos livros.
No terceiro Eixo analisado, o tratamento das questões da temporalidade histórica, a presente pesquisa encontrou a maior semelhança nos resultados obtidos da comparação entre os materiais apostilados e os livros didáticos.
Ambos os materiais apresentaram os conteúdos da disciplina dispostos na linha do tempo clássica da História da Humanidade e não verificamos, nesses materiais, o excesso de datação dos fatos históricos, que reduz a disciplina a mera sucessão e memorização de datas. Entretanto, ambos mostraram dificuldade de estabelecer relações comparativas e problematizadoras de fatos do passado com o tempo presente, o que consideramos prejudicial à compreensão do aluno da disciplina de história como processo, bem como a pertinência dos conteúdos ensinados.
No tocante à temática africana e afro-brasileira, presente no Eixo 4, concluímos que os materiais apostilados ficaram aquém na comparação com os livros didáticos, com relação a essa temática. As apostilas não aprofundaram a discussão sobre as questões étnico-raciais, como o racismo, o preconceito, a discriminação e as políticas afirmativas no Brasil no século XXI, entre outras. Além de não promoverem a valorização da diversidade racial brasileira nas imagens ilustrativas dos conteúdos das apostilas, não reproduziram imagens nesse sentido.
No que se refere às fotos ilustrativas, mais do que cumprir um preceito legal e moral, a veiculação da imagem de pessoas negras em imagens nos livros didáticos contribui para que a população negra se veja representada nas páginas dos livros, e não apenas como escravo, mas, sim, como cidadão e integrante da sociedade e assim minorar o preconceito racial. Nesse aspecto, as apostilas pouco contribuíram para a formação de alunos mais conscientes e críticos quanto às questões étnico-raciais.
No que diz respeito à temática indígena, quinto e último Eixo, os materiais tiveram o pior desempenho, tanto na avaliação do MEC dos livros didáticos quanto na avaliação da presente pesquisa realizada nas apostilas dos SAE. Quanto à presença da temática indígena nas apostilas, quando comparada à sua presença nos livros didáticos, nossa análise permitiu-nos visualizar a maior disparidade na comparação das apostilas com os livros didáticos entre os cinco eixos analisados.
Se, por um lado, não presenciamos nas apostilas a visão estereotipada do indígena como um ser exótico, nem sua homogeneização, por outro, ficou evidente que o índio é retratado nas apostilas como um ser histórico, cuja existência restringiu apenas a poucos períodos do passado nacional.
Ademais, não identificamos, também, no conteúdo desses materiais discussões aprofundadas acerca da temática indígena, focando mais os aspectos culturais e o modo de vida das sociedades indígenas. Não houve, por exemplo, menção ao genocídio e ao etnocídio, acontecimentos nos quais essas populações foram vítimas ao longo de séculos de opressão, nem referência à importância da política de demarcação de terras e questões inerentes à problemática atual dos povos indígenas.
A inclusão das temáticas afro-brasileira e indígena deve estar em consonância com as discussões das políticas antidiscriminatórias que, desde o começo do século XXI, contribuíram para ampliar o debate sobre a necessidade da valorização identitária e deram maior visibilidade às pautas das minorias étnico-raciais, as quais foram historicamente marginalizadas na sociedade brasileira em seus aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.
Embora não tenha sido detectada no conteúdo dos materiais analisados nenhuma incorreção ou imprecisão nas informações, há que considerar a necessidade de fomentar, nos alunos, as discussões étnico-raciais. É dever da escola, e os materiais didáticos devem contribuir para tal, incentivar a criticidade do aluno para temas como esses, sobretudo nos tempos atuais.
Entendemos que, nos municípios da região de São Joaquim da Barra - SP, que adotaram as apostilas dos SAE como material didático oficial da Rede Municipal de Ensino, deixou-se de trazer discussões importantes que podem gerar prejuízos ao processo de assimilação dos conteúdos no que se refere à educação para a cidadania, uma vez que esses materiais apresentaram temas, como a temática afro-brasileira e indígena, de maneira insatisfatória.
Assim, demonstrada essa inconsistência, inferimos que a escolha dos materiais didáticos ocasionou um descompasso entre as escolas no que tange à educação para a cidadania. Nesse sentido, as escolas que optaram pelos livros didáticos se mostraram mais bem estruturadas para a discussão e fomento dos temas em questão, quando comparadas às escolas que fizeram a escolha pelas apostilas.