Introdução
Esse é meu estilo.
(Neil, aluno com TDAH, 2020).
Refletir sobre a escolarização de crianças com deficiências e outros “transtornos”, como os chamados Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), é deparar-se com desafios emergentes da educação contemporânea. Na escola, ao mencionarmos a educação inclusiva, é comum ouvirmos falas pejorativas, muitas vezes naturalizadas, que rechaçam, ainda que sutilmente, a presença deste outro na escola. Discursos, como: “na minha época não se falava nisso”, “o poder público não nos ajuda”, “não tenho formação para isso” e, até mesmo, “aqui não é lugar para eles”, são recorrentes no cotidiano escolar.
No Brasil, o fortalecimento das políticas educacionais inclusivas na primeira década dos anos 2000, por meio da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - Pneepei (Brasil, 2008), garantiu o acesso e a permanência em instituições educacionais de um público até então invisível para a escola comum - os estudantes com deficiências, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação. A presença do outro, diferente, gera incômodos e desequilíbrios, evidenciando as fraquezas de um sistema consolidado (Skliar, 2003). As diferenças dos estudantes advindos das políticas inclusivas, marcadas por rótulos como, os “de inclusão”, os “especiais”, os “laudados”, os “com TDAH”, estabelecem as fronteiras de suas ações, mantendo-os às margens do sistema escolar. É nesse sentido que a inclusão revela seu lado perverso: apesar da inclusividade das macropolíticas educacionais, no universo micropolítico seu caráter excludente prevalece.
Nesse sentido, o presente artigo foi construído por meio de uma pesquisa de campo realizada em uma escola de Ensino Fundamental de um município de Santa Catarina (SC). Trata-se de um estudo de caso que se desenvolveu a partir do encontro de um evento específico: o processo de escolarização de um estudante de 7 anos de idade, matriculado no 2º ano do Ensino Fundamental e que tinha o diagnóstico de TDAH, em seu laudo médico.
Em nossos primeiros contatos com a escola, a fim de conhecer e mapear a situação da inclusão escolar na instituição, a diretora nos apresentou uma lista de estudantes com laudos médicos e seus diferentes diagnósticos. Na ocasião, uma professora chamou-nos a atenção para um estudante em especial, afirmando que “[...] esse aí deveria ser estudado pela NASA”. O nome fictício escolhido foi Neil, nome por nós atribuído em homenagem ao astronauta Neil Armstrong, primeiro homem a pisar na lua em 1970.
Não deixamos de notar aqui que, além da fala da professora sobre Neil, há certas menções para as crianças com TDAH - “é um foguete, não para um minuto”, “vive no mundo da lua, só presta atenção quando quer” - que operam como metáforas que as relacionam a seres de outro mundo, orientando narrativas e práticas educacionais. Assim como no caso de outras neurodiversidades como o autismo, o TDAH também carrega consigo a representação do alienígena, de um ente estranho, desconhecido, exótico, que vem do espaço, sendo impossível ser compreendido por pessoas deste planeta (Broderic; Ne’eman, 2008).
A compreensão do outro, neste caso o estudante com TDAH, pela metáfora do alienígena (Broderic; Ne’eman, 2008), remonta ao conceito de estigma proposto por Goffman (2008). Para Goffman (2008), o processo de estigmatização dá-se mediante as interações entre indivíduos categorizados a partir de normas socialmente estipuladas e os outros, considerados “normais”. O estigma constrói-se a partir de um atributo cujas normas sociais consideram como um defeito ou fraqueza, levando a seu descrédito pessoal. Assim, o autor define o estigma como uma relação que se estabelece por meio da “[...] discrepância específica entre a identidade social virtual [o que sua imagem representa aos outros] e a identidade social real [suas características e atributos como tal]” (Goffman, 2008, p. 12).
Neste trabalho, entendemos as relações com base no estigma como barreiras atitudinais que atuam na construção da deficiência, conforme seu modelo social (Diniz, 2007; Goffman, 2008; Ortega, 2009). Embora o TDAH não entre oficialmente no rol das deficiências, os modos como estudantes sob tal condição são marginalizados e estigmatizados em suas trajetórias acadêmicas, e o capacitismo1 daí decorrente, permite que este estudo se insira no campo dos estudos da deficiência (Davis, 2006; Gesser; Bock; Lopes, 2020).
Sob a óptica dos estudos da deficiência, compreendemos o TDAH como construção social e cultural (Timimi, 2017), em contraposição ao modelo médico vigente que limita sua definição a critérios comportamentais inerentes à condição individual2 (Davis, 2006; Marques; Wuo, 2021; Moore; Slee, 2012; Timimi; Leo, 2017; Valle; Connor, 2019).
A in/exclusão vivenciada por estudantes com TDAH na escola, principalmente em sala de aula, remete ao que Berenzin (2014) denomina de “capital deficiente” (disabled capital) em alusão ao pensamento de Bourdieu (2013). Dessa maneira, assim como as desigualdades advindas das classes sociais, as salas de aula organizam-se a partir de classes de capacidades, em que o comportamento adequado, que responde à normatividade escolar, é valorizado em contraposição àqueles considerados desviantes do padrão determinado (Berenzin, 2014). Nesse sentido, a marginalização do estudante com TDAH dá-se mediante a patologização de seu comportamento, considerado inadequado ao processo de disciplinarização dos corpos escolares (Dussel; Caruso, 2003; Varela; Alvarez-Uria, 1992; Veiga-Neto; Lopes, 2007).
A escolarização de crianças com TDAH é pauta de debates na área da Educação, sobretudo a partir dos anos de 2000, com o aumento de diagnósticos e processos de medicalização do comportamento (Rocha; Dreon; Valle, 2020). No âmbito das pesquisas educacionais, observamos que, apesar de ampla produção, a maioria orienta-se por perspectivas biomédicas para compreensão do TDAH.
Entretanto, conforme mostram Marques e Wuo (2021) em revisão de literatura sobre o tema, estudos marcados por uma abordagem crítica destacam a importância em compreender a realidade do processo escolar de estudantes com TDAH a partir de suas relações e de seus próprios pontos de vista. Não obstante, a adoção de uma perspectiva social e crítica nas pesquisas educacionais sobre TDAH contribuem para novas construções do conhecimento que superem a noção de inclusão sob a lógica da normalização dos comportamentos (Fabris; Lopes, 2016; Marques; Wuo, 2021).
Considerando o TDAH como construção social (Davis, 2006) e em busca de novos modos de compreensão sobre a inclusão de estudantes com TDAH na escola, esta pesquisa objetivou investigar os rituais de interação (RIs) (Collins, 1981; Goffman, 2008, 2011) estabelecidos entre Neil, estudante com TDAH, e seus colegas. Olhar as interações que se estabelecem entre as crianças nos permite conhecer redes que atravessam as relações formais escolares, para além de seus dispositivos tecnológicos (Pagni, 2016), garantindo, além disso, o papel das crianças como atores políticos no processo educacional inclusivo (Davis, 2006).
Goffman (2011) define o ritual de interação como um jogo interacional, uma comunicação recíproca entre indivíduos que envolve atribuição de papéis e atos simbólicos. Collins (1981) afirma que os RIs estão envoltos por sentimentos, emoções e gestos simbólicos; logo, nossa vida abarca uma série de cadeias de rituais. Para Sennett (2012, p. 109), as interações são modos de “[...] estruturar as trocas simbólicas; estabelecem poderosos vínculos sociais e se têm revelado ferramentas usadas pela maioria das sociedades humanas para equilibrar a cooperação e a competição”.
Analisar os RIs nos permite conhecer a criança para além das relações de disciplinarização de sala de aula e das normas que regulam a estrutura escolar. Além disso, traz novas possibilidades de olhar o estudante com TDAH para além do seu rótulo e limites que carrega, superando o estigma que reduz suas chances de vida na escola, por meio da construção de relações com base na confiança e no reconhecimento do outro em sua potencialidade. Portanto, a análise dos RIs pode nos oferecer pistas para pensar novas possibilidades de inclusão de estudantes com TDAH na escola que rompam com modelos pautados no conhecimento biomédico, que reduzem sua escolarização a dificuldades decorrentes de uma suposta limitação neurológica.
Método
A opção pelo estudo de caso como modalidade de pesquisa justifica-se por seu caráter particular e único de estudo. A pesquisa teve ênfase na singularidade, mediante uma pesquisa sistemática de métodos direcionados a uma realidade multidimensional e historicamente situada. Conforme André (1984, p. 17), “[...] o caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular”. O presente caso refere-se às interações escolares vivenciadas por um estudante de 7 anos de idade, que denominamos Neil, matriculado no 2º ano de uma escola de Ensino Fundamental de um município do Médio Vale do Itajaí - SC.
Pesquisas como a de Malinowski (1984) e estudiosos da Escola de Chicago iniciaram os estudos de caso no campo da Sociologia e da Antropologia por volta do século XIX e início do século XX. No campo da Educação, os estudos de caso começaram a surgir entre as décadas de 1960 e 1970 nos manuais sobre metodologia de pesquisa (André, 2013). Contudo, nos anos de 1980, o estudo de caso assumiu uma abordagem qualitativa, com o intuito de compreender, de forma aprofundada, “[...] um fenômeno particular, levando em conta seu contexto e suas múltiplas dimensões” (André, 2013, p. 97), reconhecendo seu caráter unitário. É uma metodologia que advém de pesquisas do campo médico e que foi adaptada para as ciências sociais, caracterizando-se como uma das principais modalidades de pesquisa no campo social (Becker, 1993). Em vista disso, esse tipo de estudo envolve aspectos específicos da realidade observada: a complexidade do ambiente em estudo (a escola) e suas múltiplas dimensões (cotidiano escolar).
Nesta pesquisa, buscamos captar, mediante a observação participante, cenas da realidade escolar envolvendo as múltiplas dimensões existentes em seu cotidiano e a gama de interações face a face que se manifestam entre os atores escolares, principalmente entre os estudantes da classe de Neil. Para Becker (1993), a observação participante é o principal instrumento para os estudos de caso de abordagem interacionista, pois compreende que o processo social que observamos e vivenciamos é um “[...] processo observável de interação simbolicamente mediada” (Becker, 1993, p. 110). Além disso, a observação participante permite estabelecer interações entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, desenvolvendo situações de confiança e de reciprocidade.
O objetivo do pesquisador não é tornar-se um igual ao grupo investigado, mas ser aceito na convivência diária, pois, conforme Minayo (2002, p. 59), tal procedimento “[...] se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos”. Assim, enquanto realizamos a observação participante, sentimo-nos parte do contexto observado, estabelecendo “[...] uma relação face a face com os observados” (Minayo, 2002, p. 59).
Essa corrente teórica foi inaugurada pela Psicologia Social, a partir do filósofo Georg Hebert Mead e do cientista social Herbert Blume, no início do século XX, na Universidade de Chicago (Sant’Ana, 2010, p. 373). A interação face a face na vivência da pesquisa fundamenta-se no Interacionismo Simbólico, que privilegia o jogo expressivo constituído por falas, gestos, atitudes, expressões, repletas de sentido e significado, ações fortemente marcadas pela subjetividade que, assim, “[...] dão sinais de quem sou eu, quem somos nós e quem são eles” (Sant’Ana, 2010, p. 373).
Em outras palavras, o interacionismo simbólico compreende que as ações humanas são orientadas a partir dos sentidos que damos à realidade. Para Berger e Luckmann (1985), nossa vida cotidiana é marcada pelas experiências com os outros que, em situações face a face, se configuram como interações sociais (Berger; Luckmann, 1985). Nessa relação, o pesquisador é afetado pelo processo de investigação, pois os sujeitos, no convívio cotidiano, engajam-se em relações intersubjetivas nas quais estão envolvidas significações e experiências socioculturais de cada ser, sendo atualizadas durante as interações.
Sobre essa interação, Berger e Luckmann (1985, p. 47) relatam que:
Na situação face a face o outro é apreendido por mim num vívido presente partilhado por nós dois. Sei que no mesmo vivido presente sou apreendido por ele. Meu “aqui e agora” e o dele colidem continuamente um com o outro enquanto dura a situação face a face. Como resultado, há um intercâmbio contínuo entre minha expressividade e a dele. [...]. Isto significa que na situação face a face a subjetividade do outro me é acessível mediante o máximo de sintomas. Certamente, posso interpretar erroneamente alguns desses sintomas. Posso pensar, que o outro está sorrindo quando de fato está sorrindo afetadamente. Contudo, nenhuma outra forma de relacionamento social pode reproduzir a plenitude de sintomas da subjetividade presentes na situação face a face. Somente aqui a subjetividade do outro é expressivamente próxima. Todas as outras formas de relacionamento com o outro são, em graus variáveis, “remotas”.
Para estabelecer interações face a face com as crianças participantes da pesquisa, realizamos observação participante do cotidiano escolar durante o período de um mês, entre fevereiro e março de 2020, diariamente, no período escolar matutino. As conversas informais e as observações do cotidiano ocorreram em diferentes momentos e espaços da escola: na entrada, no ambiente da sala de aula, no recreio, nas aulas externas de Educação Física, na saída da escola.
Os dados produzidos foram registrados em diário de campo em que se anotaram todas as observações dos fatos, acontecimentos, interações, experiências, reflexões e comentários (Minayo, 2002, p. 63). O diário esteve presente em todos os momentos de pesquisa de forma que cada interação realizada pelas crianças, cada questionamento e inquietação eram ali anotados. Aqui resgatamos Becker (1993, p. 120) que afirma que o observador “[...] repara nos tipos de pessoas que interagem umas com as outras, o conteúdo e as consequências da interação” e, então, busca registrar fielmente o que foi observado, incluindo a transcrição literal das conversações.
Os dados obtidos com este estudo foram analisados por meio da Análise de Conteúdo (Franco, 2012), a qual tem como ponto de partida as mensagens emitidas pelos sujeitos participantes, mensagens que ocorrem de diversas formas, seja oral, escrita, gestual, figurativa e até mesmo silenciosa. A partir dos dados gerados por meio das anotações nos diários de campo, realizamos a categorização dividindo os elementos da análise como unidades de registro, de acordo com as categorias que foram levantadas a partir dos temas emergentes.
Quanto aos aspectos éticos, o formulário de solicitação e a autorização para o desenvolvimento de pesquisa (Formulário de Autorização de Pesquisa Externa - FAPE) foi assinado pelo Secretário Municipal de Educação3. Em relação aos familiares, a escola enviou um comunicado informando sobre os objetivos da pesquisa e, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), solicitou a autorização dos pais/responsáveis para a participação de seus filhos na pesquisa. Destacamos que a turma contava com 26 crianças, sendo 13 meninas e 13 meninos, e os responsáveis de quatro alunos não autorizaram a participação na pesquisa. Por conseguinte, utilizamos apenas os dados produzidos por 22 crianças.
Rituais de interação de Neil na escola: entre alianças e conflitos
Os RIs podem contribuir com a ruptura de uma perspectiva biomédica sobre o TDAH que patologiza o comportamento individual. Sob a óptica das interações, também é possível compreendermos as diferenças comportamentais a partir das coalizões que se manifestam entre os diferentes grupos e indivíduos (Collins, 1981). Para Goffman (2008, p. 76), é por meio das interações que as pessoas podem “[...] trocar informações sobre uma certa quantidade de fatos íntimos sobre si mesmas como prova de confiança e compromisso mútuo”, o que possibilita a superação de relações baseadas em estigma.
Ao sentir de Collins (1981), os RIs fazem parte da vida cotidiana e são permeados por uma carga de energia emocional, centrada em sentimentos de associação, denominadas de coalizões, que determinam o pertencimento ou não de um indivíduo a um espaço ou grupo. A conversação é a atividade principal dos rituais, tendo em vista que, a partir delas, as coalizões se constituirão. Esse processo envolve a dimensão e a efetividade da atividade comum entre os indivíduos, com foco no conteúdo que, segundo o autor, “[...] é o veículo para estabelecer a adesão” (Collins, 1981, p. 998, tradução nossa). Em outras palavras, o mecanismo básico de uma coalizão é “[...] um processo de identificação de grupo emocional que pode ser descrito como uma série de cadeias rituais de interação” (Collins, 1981, p. 998, tradução nossa).
Os dados produzidos pela observação do cotidiano escolar foram analisados a partir de duas categorias de coalizão: as alianças e os conflitos. As alianças referem-se aos RIs que têm carga de energia emocional elevada e possibilitam a continuidade da cadeia de rituais. As alianças envolvem sentimentos de satisfação, confiança e entusiasmo que se manifestam por demonstrações de carinho, amor, união, companheirismo, amizade, cumplicidade, proximidade e escuta entre as crianças e, também, em cuidados, marcados pela ajuda e atenção ao outro. Tais coalizões garantem um senso de pertencimento entre os indivíduos proporcionado pela energia de solidariedade grupal. No excerto a seguir, apresentamos alianças que começam a se construir entre Neil e a pesquisadora, que evidenciam afetos e sentimento de pertencimento:
Neil saiu da sala em direção ao pátio, eu e a professora auxiliar fomos com ele. Questionei se ele gostava da escola e ele respondeu que “agora sim” e ainda complementou: “Ainda mais que tu me deu dois lápis”, e me abraçou (Diário de campo, 2020).
Os conflitos, por sua vez, são caracterizados por RIs com carga de energia emocional intensificadas por situações de enfrentamento, brigas, desentendimentos e discussões entre os pares ou entre adultos e crianças. Em virtude das relações de subordinação e rejeição, os conflitos podem dificultar a continuidade da cadeia de rituais. Sentimentos como raiva e rebeldia emergem de coalizões conflituosas, como podemos observar nas duas situações descritas a seguir:
Neil chegou bem revoltado, reclamando de tudo e dizendo que não gosta da escola.
Após desentendimento com a professora regente, ele jogou o estojo no chão, dizendo que não viria mais na escola. Neil voltou para a sala revoltado, batendo na mesa da professora e dizendo: “Eu vou fazer o demônio aqui só para ser expulso dessa escola”.
No recreio, Neil e os gêmeos brigaram (empurrões, socos). Fui perguntar para ele o que tinha acontecido. Quando o chamei, ele disse, apontando o dedo: “Eu vou transformar isso aqui um inferno!”. Em seguida, entrou na sala, dizendo: “Vocês vão ver, amanhã meu tio vai vir aqui nessa escola! Esses gêmeos aí, que brigaram comigo, vão ver meu tio!!” (Diário de campo, 2020).
Collins (1981) explica que a existência de coalizões conflituosas fortalece o sentimento de inadequação, hierarquia e subordinação. Desse modo, quando se percebe em um ritual de subordinação e/ou enfrentamento, Neil demonstra o descontentamento com a escola, pois suas vivências mostram “[d]ecrescente confiança emocional” que “[...] resulta[m] de rejeição ou falha no sucesso” (Collins, 1981, p. 1002, tradução nossa). Talvez isso permita com que Neil afirme, nos momentos de energias emocionais negativas, que não quer mais frequentar a escola, preferindo sua expulsão.
Em contraposição, a diversão com os colegas, mesmo em situações intraclasse, em desobediência às normas de silêncio e atenção da sala de aula, compõe ricos momentos de alianças afetivas. Divertimento, distração e risos em sala de aula trazem sentimento de proximidade, amizade e acolhimento:
O colega D., que é muito tímido, foi mostrar o desenho para a professora. Apesar das inúmeras perguntas feitas, D. não respondia. Neil, em tom de brincadeira, gritou: “Ele travou... joga água!”, e a turma toda riu, inclusive D.
O colega M. que estava sentado próximo, virou para Neil e disse: “Neil, você é meu amigo?”. Neil respondeu que sim. M. perguntou: “Se eu pular da ponte tu pula?”. Neil respondeu: “Eu pularia, meu tio pulou de uma ponte de dez metros.”. E M. pergunta: “Se eu fosse atropelado, tu também seria?”. Neil responde: “Não né, mas da ponte eu pulava. Mas para de me fazer essas perguntas idiotas! (risos)”.
Na sala de aula, Neil chamava o colega D. que estava em outra fileira. Cantava e fazia graça, até que se jogou da cadeira. D. e Neil riam continuamente.
Aula de Educação Física: pesquisadora e auxiliar de classe estão sentadas na arquibancada, Neil sentou-se junto delas, dizendo que estava cansado. O colega J. veio na tela da quadra e o chamou. Neil respondeu rindo: “Calma mestre, já estou indo correr” (Diário de campo, 2020).
Nesses rituais, Neil expressa alegria, prazer, diversão em estar, em interagir com os outros e fazê-los rir. Interessante destacarmos que Neil possui uma posição dominante entre os colegas, uma vez que, como centro das atenções, provoca estímulos emocionais positivos nos demais participantes do ritual. Tudo isso faz com que sua própria carga de energia emocional também se eleve rapidamente, possibilitando RIs bem-sucedidos, com mais confiança, entusiasmo e diversão (Collins, 1981).
Quanto ao companheirismo, destacamos as observações em que Neil e seus colegas demonstram grande afinidades nos rituais, características de camaradagem, parcerias visíveis entre eles.
Neil adora números. Na atividade do livro didático acertou tudo e o colega ao lado (D) disse: “Nossa, tu és bom hein”. Ele sorriu e concordou: “Eu sou muito esperto né, tenho uma cabeça inteligente!” (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
A fala do colega expressa admiração por Neil, fator que provoca seu reconhecimento na interação, pois o colega estimula e parabeniza Neil, incentivando-o. Ao mesmo tempo, observamos que Neil reconhece suas próprias habilidades, possibilitando sentimentos de autoestima.
Na aula de Educação Física, Neil adorou a brincadeira. Em nenhum momento ficou bravo ou chateado. Depois, ficou correndo e D., seu colega, foi atrás dele. Desafiei Neil a dar 80 voltas na quadra, ele deu umas cinco voltas e disse: “eu sou quase o flash, mas cansei”. Ele queria tomar água e chamou o D. para ir junto (Diário de campo, 2020).
Nessas situações, o companheirismo revela a proximidade entre Neil e seus colegas, tendo Neil demonstrado apreço por aqueles que são mais próximos, mantendo-se juntos na maior parte do cotidiano escolar. Acompanham-se uns aos outros nas aulas e nos momentos de pátio, e quando percebem a ausência do outro elemento do grupo, logo se procuram.
Neil não queria participar de uma brincadeira na Educação Física. Falei que D. estava sem par para brincar. Ele prontamente disse: “Tá bom, vou lá com ele então”.
Um dos gêmeos veio reclamar de Neil. Ele o viu, voltou correndo, abraçou-o e disse: “Não dá bola pro teu irmão tá, a gente é amigo sim” (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
Nas coalizões marcadas pelo companheirismo, Neil assume uma postura de liderança e solidariedade pois acompanha aqueles colegas que necessitam se acalmar. As relações hierárquicas entre Neil e os colegas são, portanto, fluídas. Também há momentos em que são os colegas que o procuram, o consolam e o acalmam:
Após a cena do choro, J. tentou consolá-lo dizendo que era a última chance de Neil. Foram para a fila dizendo que são amigos.
No recreio, Neil estava correndo muito. A pedagoga mandou-o sentar-se no chão e brincar. J. sentou-se ao lado dele e ambos brincaram durante o restante do tempo do recreio (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
Em todos esses rituais de companheirismo, foi possível identificar a elevação das cargas positivas de energia, elevação marcada pelo reconhecimento, respeito recíproco, entusiasmo e confiança mútuos, o que possibilitou a continuidade dos rituais.
Ficou evidente o quanto as crianças que participam dos RIs demonstram cargas de energia emocional de solidariedade, manifestadas nas situações que envolvem confiança e entusiasmo. Por meio desses RIs, “[...] um indivíduo tem mais recursos emocionais para negociar, com sucesso, a solidariedade na próxima interação” (Collins, 1981, p. 1002, tradução nossa).
Outrossim, observamos rituais de afeto em que ficaram evidentes trocas estabelecidas entre os alunos como recompensas pelas coalizões positivas:
No recreio, D. disse que era amigo do Neil, porém ele não o deixava correr junto. Assim que Neil percebeu e aceitou a participação do colega, ambos correram durante todo o recreio, com J.
No recreio, todos os meninos em torno de Neil queriam sua bolacha. Ele quebrava a bolacha ao meio e repartia entre os meninos. Quando acabou, ele foi servir o lanche da escola e ficaram somente L, J e K com ele.
Neil ganha material da professora e da pedagoga, e é a forma de que usa para conquistar os amigos. Ele dá os materiais que ganha e, em seguida, pede (e convence) os colegas a dar os materiais a ele.
No início da aula, Y. perguntou se tinha aula de informática naquele dia. Quando soube que sim, disse para o Neil: “Eu te dou aquela caneta amarela se tu sentares comigo na informática”. Neil concordou e eles comemoraram com um “ebaaaa!” (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
Para Collins (1981), os sentimentos de solidariedade são fundamentais para as coalizões. Isso porque: “Se dois indivíduos sentem um pertencimento comum, eles sentem um desejo de retribuir presentes, porque o presente e a sua reciprocidade são emblemas da continuidade de seu pertencimento” (Collins, 1981, p. 1006, tradução nossa). Nesse sentido, observamos que, para estabelecer um ritual de interação com os colegas em prol de coalizões positivas e recíprocas, Neil utiliza objetos simbólicos para preservar a continuidade de seu pertencimento ao grupo.
Da mesma forma, seus colegas utilizam as trocas para garantir a presença de Neil nos rituais, a exemplo do que ocorreu na aula de informática: um colega queria a companhia de Neil, que estava resistente, mas, após estabelecer uma troca oferecendo uma recompensa, Neil a aceitou, dando continuidade ao ritual.
Destacamos que os presentes aparecem como recursos utilizados para a construção de coalizões positivas e garantia da sensação de pertencimento, ampliando a confiança e a carga de energia emocional na cadeia de rituais. Dessa maneira, os materiais servem como recompensas em prol da continuidade do ritual. Silva (2005, p. 44) salienta que “[...] o valor das coisas trocadas está principalmente nos vínculos sociais que se estabelecem entre os sujeitos”.
Uma segunda dimensão dos rituais de coalizão positiva é a ajuda mútua. Nela, as crianças estabelecem um cuidado entre si, de auxílio ao outro, de forma voluntária e espontânea, conforme o trecho que segue:
Neil passou a aula toda conversando com o M., que está sentado na carteira ao lado. M. brincava com uma corrente que tinha em seu pescoço. Neil disse a ele que seu irmão tinha morrido enforcado com uma corrente. M. perguntou se era verdade. Ele disse que era de mentirinha, que era só para ele tirar a corrente do pescoço mesmo.
A professora chamou atenção de uma colega, L., que Neil é bem próximo. Em defesa da colega, Neil se dirige a professora e diz: “Não fala assim com minha amiga não!”.
A professora auxiliar chamou a atenção do colega A., que é próximo de Neil. Imediatamente ele responde a professora: “Não fala assim com ele porque tu não mandas nele”.
Na aula de Libras, o colega Y não estava conseguindo fazer um sinal, Neil viu o sinal correto na mão do colega D. e foi ajudar o Y.
No início da aula, retomaram a atividade da aula anterior. Ele já havia concluído em casa e queria ajudar a colega pois percebeu que ela não sabia ler. A professora não deixou. Ele insistiu inúmeras vezes para ajudá-la; no entanto, a professora declinou o pedido, porque a colega deveria aprender também.
O colega sentado à sua frente derrubou os materiais, Neil se levantou para ajudar a juntar.
Caiu o estojo da G., ele se levantou, parou ao lado dela e disse: “Quer ajuda?”; ela: “Sim, Neil. Obrigada” (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
As situações apresentadas demonstram as relações de cuidado que Neil estabelece com os colegas, tanto no tocante à atenção às suas necessidades como em defesa daqueles que, para ele, estavam sendo injustiçados pela professora. Nessas ocasiões, podemos perceber que, sob a perspectiva dos estudantes, Neil não é um “estudante-problema”, que, apesar de mencionado pela diretora como um ser que “precisa ser estudado pela NASA”, é na verdade um colega participativo e colaborativo nas diferentes práticas escolares.
Os colegas evidenciam o cuidado que têm com Neil, pois, mesmo quando as interações não ocorrem diretamente entre eles, todos se mostram dispostos a ajudar, demonstrando atenção e afeto. Essa reciprocidade nas relações de cuidado entre Neil e os colegas pode ser observada nos excertos a seguir:
Neil voltou do banheiro e a mochila dele caiu, a colega ao lado o chama - “ei” -, apontando para a mochila. Ele pegou a mochila e a abraçou, como agradecimento.
A colega ao lado viu que tinha lixo de Neil no chão. Ela falou que “lixo era no lixo” e ajudou Neil a juntar.
Neil solicitou à professora uma borracha porque sua mãe não havia comprado. O colega ao seu lado imediatamente responde: “Eu tenho duas, eu te empresto”.
Durante um jogo, os estudantes estavam sentados em fila. Neil ficou bravo pois sua fila não havia ganhado o jogo. Y. foi até ele para explicar que sua fila havia ficado em primeiro lugar, mas como ele que não estava sentado, não havia prestado atenção ao resultado, explicando para Neil a situação (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
O que podemos apreender a partir dessas situações é que o cuidado com o outro não ocorre de forma assistencialista, mas por meio de modos colaborativos próprios das coalizações positivas. Os colegas não tratam o outro como inferior ou como alguém que tem “necessidades especiais”, mas como iguais. Trata-se de um cuidado afetivo e espontâneo, estabelecendo relações de cooperação que envolvem empatia, cumplicidade e gentileza.
As situações que emergiram não estavam direcionadas especificamente para as crianças que “ajudaram”, mas indiretamente elas mesmas perceberam e proporcionaram o devido auxílio. Sobre isso, Sennett (2012, p. 34) contribui, afirmando que:
Tanto a simpatia quanto a empatia transmitem reconhecimento, e ambas forjam um vínculo, mas aquela é um abraço; esta, um encontro. A simpatia supera as divergências através de atos imaginativos de identificação; a empatia mostra-se atenta à outra pessoa em seus próprios termos. A simpatia costuma ser considerada um sentimento mais forte que a empatia, pois “Estou sentindo a sua dor” dá ênfase ao que eu sinto, ativando o ego. A empatia é uma prática mais exigente, pelo menos na escuta; o ouvinte precisa sair de si mesmo.
Resta nítido que o cuidado com a empatia estabelece uma forma de cooperação que, para Sennett (2012, p. 93), “[...] diz respeito simplesmente à experiência de dar e receber entre todos os animais. Ela se manifesta graças ao ritmo básico de estímulos e respostas da vida [...]”. Não obstante, é importante estabelecer e ampliar os RIs pautando-se na cumplicidade e no acolhimento, de modo a contribuir com o processo de inclusão.
Para tanto, é preciso compreender que todas as crianças possuem suas diferenças e que juntas brincam, aprendem, se desenvolvem e cooperam, pois “[...] a cooperação natural começa, assim, pelo fato de que não podemos sobreviver sozinhos” (Sennett, 2012, p. 92). Diante disso, compreendemos que a cooperação, com base em Sennett (2012, p. 15), “[...] pode ser definida, sucintamente, como uma troca em que as partes se beneficiam. [...] eles cooperam para conseguir o que não podem alcançar sozinhos”.
Entretanto, nas coalizões marcadas por conflito, as cargas de energia emocional são modificadas. Nessas situações, ocorrem enfrentamentos, brigas, desentendimentos e descontentamentos que tendem a romper com as cadeias de interação:
Um colega veio me contar: “Professora, sabia que o Neil me bateu e o meu irmão foi xingar ele?”. Na Educação Física, Neil e um colega que ele não tem muito contato brigaram. Estavam lutando e a professora chamou a atenção.
Hoje entraram dois meninos gêmeos na turma, um chamado A. sentou-se ao lado de Neil. Ele estava na carteira do M. (em pé) e A. questionou: “Você não quer mais seu lugar não?”. Neil falou que queria sim. A. disse: “Então vai sentar no teu lugar!”. Neil reclamou, resmungando: “Afff, todo mundo quer mandar em mim agora”.
Em uma brincadeira de pegar a dupla do outro lado do campo, Neil se bateu de frente com outro colega. Nisso, perdeu sua dupla e ficou “emburrado”, saiu xingando e se agachou no gramado ao lado, fora da quadra.
No recreio, Neil e os gêmeos brigaram (empurrões, socos). Perguntei a ele o que tinha acontecido. Porém, ele me viu falar com os gêmeos primeiro. Quando o chamei, ele disse, apontando o dedo: “Eu vou transformar isso aqui num inferno!”.
O colega D. tinha salgadinho na hora do recreio. Neil queria abrir o pacote e o M. também. Ambos brigaram. Neil deu um soco no rosto do M. porque ele ia pegar o salgadinho do amigo dele, relatando que o amigo não queria.
A colega C. reclamou que ele bateu na perna dela. e ele disse que foi o D. Neil foi até ele e disse: “Eu não sou mais teu amigo, tu vais ver”.
Na Educação Física, Neil jogou bastante com os meninos, até que ele e J. se deram socos. Quando a professora chamou a atenção deles, Neil ficou bravo e fugiu para o pátio.
Quando retornamos para a sala, o colega K. falou alguma coisa para um dos gêmeos, Neil ouviu e disse para o colega K.: “Não fala assim com meu amigo” e os dois começaram a se empurrar. Neil deu um soco na boca do K. (Diário de campo, 2020, grifos nossos).
Por certo, esses momentos também fizeram parte da cadeia de rituais na vida cotidiana da escola. Na maior parte, foram desentendimentos rapidamente solucionados, ora por intervenção dos professores, ora pelos próprios estudantes. Ainda assim, como afirma Collins (1981, p. 1002, tradução nossa), a carga de energia emocional envolvida em situações de conflito é muito intensa, uma vez que “[...] quanto mais intenso o estímulo emocional [...], tanto mais energia emocional um indivíduo recebe por participar” do ritual. Esses conflitos são marcados pela redução de sentimentos de confiança emocional, o que pode levar à falha na cadeia de rituais, provocando sua ruptura.
Considerações finais
Cada contexto é singular. Assim, um estudo de caso não possibilita amplas generalizações, mas permite compreendermos a importância do olhar atento para as microrrealidades da estrutura social. Por meio da observação participante, foi possível captarmos subjetividades e singularidades do cotidiano escolar próprias das interações face a face. Conhecermos as vivências de um estudante com TDAH sob o prisma dos RIs nos permitiu compreender a criança para além de seu estigma, observando suas múltiplas possibilidades de ser e agir com os outros.
Os RIs entre Neil, criança diagnosticada com TDAH, e seus colegas se estabelecem sob duas formas de coalizão: as alianças e os conflitos. As alianças propiciam a continuidade dos rituais, pois envolvem sentimentos positivos, de confiança e entusiasmo, o que contribui para fortalecer o pertencimento das crianças ao grupo, favorecendo sua inclusão, por meio do acolhimento, do sentimento de pertencimento e sua participação ativa nas diferentes situações escolares. Nessas situações, vale destacarmos que, entre os colegas, as posições de dominação e submissão são constantemente modificadas, indicando fluidez das relações provocadas pelo respeito mútuo, cumplicidade e igualdade.
Os RIs marcados pelas alianças surgem em diferentes situações do cotidiano escolar e, em sala de aula, parecem se manifestar como pequenas brechas à normalização imposta pelas regras de disciplinamento. Entre os colegas, Neil não é aquele que “deve ser estudado pela NASA”, mas um amigo, brincalhão, divertido e companheiro. E é mediante os RIs marcados pela cooperação e amizade que Neil se sente pertencente ao mundo da escola. Nesses momentos, a “deficiência” de Neil desaparece e as relações que emergem das coalizões positivas possibilitam a criação de modos de vidas alternativos àqueles estabelecidos pelos rótulos dados por um laudo médico. Com isso, traz a possibilidade de novas formas de inclusão que vão além dos dispositivos de normalização estabelecidos por práticas de ensino enraizadas na disciplinarização dos corpos e em uma concepção bancária de educação (Freire, 2019; Pagni, 2016; Skliar, 2003).
As coalizões conflituosas, por sua vez, ao intensificarem as cargas de energia emocional, podem dificultar ou romper com as cadeias de interação. Em sala de aula, observamos que a imposição de regras e proibições, provocam situações de confronto entre Neil e a professora, que o fazem querer fugir da escola. Entre os colegas, da mesma maneira, a ruptura das cadeias de interações por meio de brigas e desentendimentos levam ao sentimento de marginalização por parte de Neil. Destacamos que, nas situações que envolvem exclusivamente os colegas, o sentimento de ruptura é minimizado frente às alianças pré-existentes entre os alunos.
Os RIs estão presentes na nossa vida cotidiana. No espaço escolar, muitas vezes, esses rituais são naturalizados e invisibilizados, pois a lógica de disciplinarização em sala de aula exige, em muitos momentos, silêncio, obediência, isolamento e comportamento adequado. Essa lógica não se adequa aos diferentes corpos que vivenciam a realidade escolar.
A construção de uma educação inclusiva que promova, para além da entrada e da permanência, a aprendizagem e a participação dos estudantes na vida escolar, depende da criação de meios de superação de um olhar que fixa o outro a laudos médicos, limitando a vida escolar a uma pedagogia capacitista. Assim sendo, observar as redes que atravessam os espaços escolares, alianças e conflitos que se estabelecem para além da formalidade das relações pedagógicas, permite vislumbrar a potencialidade do outro e suas múltiplas possibilidades de ser.