Introdução
O mundo nunca foi tão conectado. Dados, metadados, algoritmos, textos, imagens estáticas e em movimento, tabelas, vídeos, animações, infográficos compõem um inesgotável estoque de palavras e signos em uma infinitude de informações que pululam em massas compactas ou nas nuvens, como nos lembra Lévy (1993), aguardando a magia de um clique para metamorfosear-se em uma infinitude de outros dados e informações. Quase todo esse arsenal infinito está em formato aberto, o que Peters e Britez (2008) cunharam de open decade (década do código aberto). Diante dessa oferta inesgotável de informações no ciberespaço, a busca e o uso de dados por meio de ferramentas digitais constituem o meio mais rápido, prático e, muitas vezes, seguro para explorar, extrair informações e conhecimentos já estabelecidos ou realizar pesquisas como atitude para produzir conhecimento.
Neste artigo, o ciberespaço é entendido “[...] não apenas como infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (LÉVY, 1999, p. 17). Independentemente do estágio formativo em que o estudante se encontra, o fazer pesquisa deve se constituir uma atitude cotidiana, permeada pela capacidade crítica, pelo questionamento reconstrutivo, por ações de busca e de questionamento voltadas à formação da competência histórica e à produção do conhecimento (DEMO, 1996, 1997). Demo (1996) é tributário do questionamento reconstrutivo pela pesquisa e alerta que é necessário superar a visão unilateral de considerar como pesquisador apenas estágios geradores de títulos - como mestre e doutor - e de produtos - como artigos científicos e livros. Para ele, a pesquisa deve ser internalizada como atitude cotidiana em todas as etapas da educação; portanto, utilizamos pesquisa e pesquisador em consonância com esses pressupostos do referido autor.
Esse mundo cibernético proporciona incontestável praticidade à pesquisa, mas essa facilidade intensificou e escancarou um grave problema: o plágio. Fazer um “Ctrl C + Ctrl V” nunca foi tão fácil. O “Ctrl C + Ctrl V” - atalho utilizado para recortar e colar da internet - é problema quando não está devidamente referenciado, constituindo, assim, o plágio, que está entre os mais graves problemas acadêmicos no Brasil e no mundo. Pesquisas internacionais (DOSS et al., 2016; HARJI et al., 2017; INCLÁN, 2016; MANSY; EISSA SAAD, 2019; OCHOA; CUEVA, 2016; SUREDA et al., 2013; SUREDA-NEGRE; COMAS-FORGAS; OLIVER-TROBAT, 2015; TORRES DÍAZ; DUART; HINOJOSA-BECERRA, 2018; TYLER, 2015) e nacionais (ALVES; MOURA, 2016; GOUVEIA et al., 2018; KROKOSCZ, 2011; RODRIGUES; LOPES, 2019) correlacionam o agravamento e a intensificação do plágio aos crescentes saltos tecnológicos proporcionados pelos avanços informático-comunicacionais. Em suma, o plágio quando associado à apropriação e ao uso indevido de conteúdo acessado por meio da internet, sem as atribuições de crédito às ideias e às palavras ao autor original utilizado em certa produção, é caracterizado como ciberplágio ou plágio cibernético (CAVANILLAS, 2008; COMAS; SUREDA, 2007; DIAZ ARCE, 2017; GALLENT TORRES; TELLO FONS, 2017). O plágio é relatado na história desde o século II que antecede a era cristã (KROKOSCZ, 2012). Contudo, o ciberplágio é um fenômeno relativamente novo e está associado ao desenvolvimento e à utilização da internet nos processos comunicacionais infotecnológicos, isso porque nunca foi tão fácil copiar e colar da web, em função de as informações serem disponibilizadas em formato aberto. Comas e Sureda (2007) reiteram essa compreensão de ciberplágio acadêmico, no âmbito das práticas estudantis, dizendo que
[…] se entiende el uso de las TIC (principalmente Internet y los recursos asociados a ésta -sobre todo el WWW-) para el plagio (total o parcial) de trabajos académicos por parte del alumnado. Esto es, la localización, adopción y presentación de ideas, teorías, hipótesis, resultados, textos, etc. ajenos como propios en cualquier trabajo académico. (COMAS; SUREDA, 2007, p. 1).
Na direção das ideias de Comas e Sureda (2007), Gallent Torres e Tello Fons (2021) esclarecem a especificidade do conceito de ciberplágio em relação àquele sobre o plágio, afirmando:
Cuando se utilizan medios electrónicos para apropiarse del pensamiento ajeno, esta acción pasa adenominarse ciberplagio. En esencia, su significado es el mismo que el de plagio, con la diferencia de que incluye en su definición un elemento adicional: el aspecto tecnológico; es decir, la alusión al medio utilizado para acceder y utilizar las ideas de un tercero de forma deshonesta. (GALLENT TORRES; TELLO FONS, 2021, p. 2).
Olivia-Dumitrina, Casanovas e Capdevila (2019) situam que as primeiras pesquisas sistemáticas sobre o plágio ocorreram nos anos de 1990 e, de modo progressivo, se deu o avanço dos estudos em relação ao ciberplágio:
The systematic study of plagiarism began, as Sureda, Comas, and Morey (2009) documents, in the 1990s and early 2000s, with pioneering research by McCabe and Trevino (1993), Ashworth, Bannister, and Thorne (1997), Hexham (1999), Jordan (2001) or Lambert, Hogan, and Barton (2003), in the Anglo-Saxon context. Progressively, the technological element was introduced into research on the issue, given the relevance that technology was gaining in that, on the one hand, word processors were increasingly sophisticated and enabled the agile processing of information and, on the other, the Internet made it possible to locate, store and manage a large amount of information.1 (OLIVIA-DUMITRINA; CASANOVA; CAPDEVILA, 2019, p. 113).
Os estudos e as pesquisas sobre o ciberplágio podem ser tratados sob vários prismas, entre eles, ação de estudantes, pesquisadores, professores, empresas digitais, políticos, não se restringindo às práticas do alunado. Neste artigo, a especificidade da nossa análise recai sobre se o conteúdo dos livros didáticos do Ensino Médio, no enunciado de tarefas a realizar em pesquisas na internet, instrui os estudantes a tomarem cuidado com o plágio. É nesse âmbito que a menção no artigo ao termo “ciberplagiarismo” é correlacionada à apropriação intencional (fraudulenta) ou inadvertida de conteúdo do ciberespaço, sem atribuir os créditos ao autor do trabalho.
Diante da problemática crescente do plágio, neste artigo, analisamos o tratamento que os livros didáticos do 3º ano do Ensino Médio público, no Brasil, e o Edital de Convocação 04/2015 da Coordenação-Geral dos Programas do Livro (CGPLI) - documento oficial de convocação para o processo de inscrição e avaliação das obras didáticas, para posterior compra desses materiais para o Ensino Médio público brasileiro (BRASIL, 2015) - dão à temática do plágio quando orientam os estudantes a realizarem pesquisas na internet, bem como abordamos as possíveis consequências desse tratamento. A delimitação de análise dos livros didáticos ao 3º ano do Ensino Médio dá-se em função de esta ser a etapa precedente ao ingresso na Educação Superior, cujas regras relativas à referenciação e aos cuidados com o plágio são mais difundidas em função dos processos de comunicação científica que exigem, entre outros aspectos, a normatização da escrita acadêmica.
Entre tantos produtos, mediações e mediatizadores possíveis no ensino e na aprendizagem no Brasil, o livro didático é a principal mídia e, também, o grande filão do mercado editorial brasileiro, por ser este o setor mais relevante do negócio editorial do país. Conforme diagnosticado em revisão de literatura por Rodrigues e Lopes (2019), os livros didáticos respondem por 37% dos títulos, 61% dos exemplares e 42% do faturamento de todo esse mercado. Metade desse setor é destinado a compras governamentais por meio de diversos programas, sobretudo pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Conforme Zambon e Terrazzan (2013), o Brasil é o maior comprador de livros didáticos do mundo2, com uma média anual de 1,3% do orçamento total do Ministério da Educação (MEC), o que corresponde a 63,7 bilhões anuais, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Destacamos como maior, porque a aquisição é feita de forma centralizada e voltada a sustentar as escolas públicas de todo o país por períodos trienais e em ciclos alternados entre Ensino Fundamental e Ensino Médio.
No Brasil, com um sistema com liberdade de escolha dos professores em relação aos livros didáticos que serão adotados pelas escolas públicas, os editais que regulam a inscrição das obras didáticas, avaliação, consequentemente produção e compra dos livros didáticos, estabelecem princípios e critérios avaliativos para cada área do conhecimento. Para fins desta pesquisa, analisamos o Edital 04/2015 - CGPLI (BRASIL, 2015), que se refere à inscrição e à avaliação dos livros didáticos para o triênio 2018-2020 para cadastramento de editores e pré-inscrição das obras no período de 11 de janeiro de 2016 a 30 de maio de 2016. Após avaliadas e aprovadas as obras, as editoras publicam o material e este é distribuído conforme a livre escolha de cada escola.
Conceito de plágio e atualidade do problema
Entre os vários conceitos de plágio existentes, destacamos o conceito do dicionário Merriam-Webster, no qual se afirma que plagiar é “[…] to steal and pass off (the ideas or words of another) as one’s own: use (another’s production) without crediting the source; to commit literary theft: present as new and original an idea or product derived from an existing source”3 (PLAGIARIZE, 2021, n.p.). Para Ferreira et al. (2013), o plágio é a apropriação ou a apresentação indevida de obras alheias de caráter técnico, artístico, literário e científico, entre outras, e tal prática caracteriza-se como fraude autoral. Para os autores, apesar de o plágio ser praticado desde a antiguidade, ele repercute de modo mais alarmante na atualidade em função das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).
O plágio pode ocorrer por várias razões, dentre elas, a insuficiente capacidade autoral, o desconhecimento dos procedimentos adequados de referenciação e de citação de fontes, a má fé, a falta de planejamento do tempo para se produzir a tarefa, a preguiça, o desleixo, a ausência de articulação textual e a incapacidade autoral, conforme apontam Rodrigues e Lopes (2019), com base em autores como Barbastefano e Souza (2008), Castro Junior (2011), Diniz e Terra (2014), Garschagen (2006) e Krokoscz (2012).
Existem várias tipologias de plágio elaboradas por diferentes autores e instituições, a exemplo de Christofe (1996), Krokoscz (2012), Mateus, Silva e Silva (2020), Moraes (2014) e Wachowicz e Costa (2016). Todos eles enfatizam que o ato de copiar ou de se apropriar indevidamente do texto alheio não é um fenômeno recente, mas ponderamos que se agrava com os avanços infotecnológicos, caracterizando, assim, o ciberplagiarismo, já relatado por Cavanillas (2008), Comas e Sureda (2007), Diaz Arce (2017), Gallent Torre e Tello Fons (2017).
Destacamos, aqui, os diferentes tipos de plágio relatados por Krokoscz (2012): a) plágio direto, isto é, cópia de palavra por palavra das ideias do autor, sem citar a fonte e a referência; b) plágio indireto, sob três formas: 1) texto reescrito, como uma paráfrase, mas sem citar a fonte consultada; 2) texto escrito como uma colcha de retalhos, extraindo conteúdo de referências diferentes, mas sem indicar as fontes; 3) uso de chavões ou clássicas expressões sem apontar a fonte; c) plágio de fontes: a forma da citação está elaborada corretamente e há indicação correta do autor citado, mas o conteúdo foi extraído de outra fonte sem consulta ao original, no que algumas vezes isso pode ser constatado por eventuais erros cometidos na transcrição da fonte copiada; d) plágio consentido ou conluio: envolve a parceria entre os fraudadores ou quando ocorre a compra de trabalhos acadêmicos; e e) autoplágio: quando o autor omite que o conteúdo já foi apresentado em outro trabalho, não havendo citação da sua própria obra.
Krokoscz (2012) sugere que um dos mecanismos de enfrentamento ao problema do plágio está na reflexão ética subjacente ao desenvolvimento do conhecimento. O autor chama atenção para a responsabilidade do professor frente ao plágio, e Rodrigues e Lopes (2019) alertam para a necessidade de se ter livros didáticos orientativos aos professores diante desse problema.
O eixo norteador desta pesquisa foi justamente a orientação dada aos estudantes no livro didático, quando orientam para a realização de pesquisas na internet. Nesse sentido, procuramos identificar se os livros didáticos orientam os estudantes e os professores na realização das pesquisas na internet quanto à apropriação das informações contidas no ciberespaço, pois a orientação seria um fator preventivo. Como alerta Krokoscz (2012, p. 28): “Ainda que hoje a rapidez de acesso a informações na Internet e a facilidade de utilização das mesmas intensifiquem o processo de pesquisa como um simples hábito de cópia, isso deve ser abolido das práticas de ensino e aprendizagem escolares”.
Para Diniz e Terra (2014), a falta de conhecimento das normas e das regras é um dos propulsores do plágio; todavia, a nosso ver, essas regras já deveriam ser esclarecidas desde o Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Entretanto, conforme asseveram Castro (2017), Rodrigues e Lopes (2019) e Soares (2022), a literatura tem dado maior ênfase ao tema do plágio na Educação Superior do que na Educação Básica; assim sendo, na etapa básica do ensino, pouco é dito sobre o assunto.
Metodologia
Adotamos por procedimento nesta investigação a análise de conteúdo temático-categorial, segundo as diretrizes de Bardin (2011), que apresenta quatro etapas essenciais para a realização da análise de conteúdo: a pré-análise, a exploração, o tratamento de resultados e a inferência. Bardin (2011) alerta, na categorização, para a vigilância em aspectos de fragmentação, como, por exemplo: a homogeneização, não misturar; a exaustividade, esgotar a totalidade do texto; a exclusividade, um mesmo elemento do conteúdo não pode ser classificado aleatoriamente em duas categorias diferentes; a objetividade, codificadores diferentes devem chegar a resultados iguais; e a pertinência, adaptação ao conteúdo e ao objetivo.
Para indagar a respeito das causas ou dos elementos antecedentes e os consequentes (ou seja, os efeitos) de determinados problemas ou fenômenos, analisando os componentes e os significados da mensagem, Bardin (2011) destaca o aspecto inferencial da análise de conteúdo, acrescido de outras características fundamentais à unidade e à especificidade dentro da análise. A maior parte das técnicas propostas por Bardin (2011) é do tipo temático e frequencial, um dos eixos adotados nesta pesquisa.
Entendemos que o plágio é um tema bastante amplo, englobando todas as áreas do conhecimento; então, analisamos os livros didáticos utilizados pelos alunos e professores do 3º ano do Ensino Médio no Distrito Federal e o edital de inscrição e avaliação dos livros didáticos, documento que regula a produção e a compra desse material. Analisamos os manuais do professor relativos ao triênio 2018-2020, extensivo a 2021, dos seguintes componentes curriculares: Português (CEREJA; VIANNA; DAMIEN, 2016); Matemática (DANTE, 2016); Geografia (LUCCI; BRANCO; MENDONÇA, 2016); História (SCAMPOS; PINTO; CLARO, 2016); Física (NANI, 2016); Química (BEZERRA et al., 2016); Biologia (GEWANDSZNAJDER; LINHARES; PACCA, 2016); Inglês (KIRMELIENE, et al., 2016); Espanhol (COUTO; COIMBRA; CHAVES, 2016); Filosofia (ARANHA; MARTINS, 2016); Sociologia (BOMENY et al., 2016); e Artes (UTUARI et al.,2016), totalizando 12 livros. Embora tenhamos analisado o Manual do Professor, ela alcança também o livro dos alunos, já que o conteúdo é o mesmo, acrescido das orientações e das dicas no guia do docente. Todos os componentes curriculares são integrantes e atendidos pelo PNLD. Esses componentes, por sua vez, são integrantes das grandes áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e suas tecnologias.
Apesar de os livros didáticos no Brasil operarem em ciclos trienais, os livros analisados abasteceram os estudantes no país no quadriênio 2018-2021, protelado por mais um ano pelo MEC, justificando, assim, a adaptação ao novo Ensino Médio implementado em 2022. O suporte utilizado na pesquisa é o ePUB,4 disponibilizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A Figura 1 a seguir exemplifica como foi feita a busca temático-categorial, segundo as diretrizes de Bardin (2011), nos 12 livros, que totalizam 16.752 páginas analisadas com todos os termos elencados nas unidades temáticas.
A abordagem que livros didáticos fazem sobre o plágio como orientação na produção textual, mais especificamente quando essa produção estudantil está relacionada diretamente às atividades que os estudantes são orientados a pesquisar na internet, e os editais de inscrição e de avaliação desse material didático são as questões norteadoras deste estudo. De modo a priori, foram estabelecidas as categorias “pesquisa” e “plágio” para a exploração no conteúdo dos livros. As categorias são expostas no artigo em associação com as subcategorias e estas são compreensíveis a partir das unidades de contexto que dão significação aos itens codificados (BARDIN, 2011). A contagem das frequências ocorreu em relação às subcategorias.
Já no Edital 04/2015 - documento oficial de convocação para o processo de inscrição e de avaliação das obras didáticas para o PNLD 2018 (BRASIL, 2015), constam as regras, as normas de submissão de obras, a orientação substancial e estrutural dos materiais didáticos, com anexos para cada coleção e obra a serem avaliadas; por essa razão, foi o documento escolhido para análise de conteúdo temático-categorial. Dessa forma, englobamos o documento orientativo de publicação e de compra dos livros didáticos e analisamos, também, todo o material didático destinado aos estudantes e professores do 3º ano do Ensino Médio público no Brasil. De modo geral, este estudo observou princípios éticos na análise e na interpretação dos dados.
Resultados e discussão dos dados
O levantamento empírico que se segue é composto pela análise de conteúdo temático-categorial, segundo as diretrizes de Bardin (2011), feita em 12 livros didáticos5 do 3º ano do Ensino Médio utilizados por professores e estudantes, com exceção dos unilivros, que são de Artes, Arte por toda parte, de Utuari et al. (2016); Filosofando: introdução à filosofia, de Aranha e Martins (2016), e Tempos modernos, tempos de Sociologia, de Bomeny et al. (2016), coleções que abrangem o 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio. Também se insere nessa análise o Edital 04/2015, no qual, conforme já afirmado, constam as regras, as normas de submissão de obras, a orientação substancial e estrutural dos livros didáticos, com anexos para cada coleção e obra a serem avaliadas.
Categorias | Subcategorias | Unidades de contexto | Frequência em 12 livros (1) | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ART | BIO | ESP | FIL | FIS | GEO | HIS | ING | MAT | LPO | QMC | SOC | |||
Pesquisa | Internet | Acessar, ver, pesquisar (e derivações verbais) em blog, vlog, portal, sítio, diário eletrônico, internet. | 81 | 29 | 26 | 22 | 54 | 53 | 89 | 38 | 10 | 21 | 21 | 31 |
Livros, jornais e revistas | Ler (e derivações verbais) | 33 | 24 | 14 | 19 | 28 | 27 | 37 | 5 | 22 | 15 | 27 | 21 | |
Áudios | Ouvir (e derivações verbais) | 1 | ----- | 31 | ----- | ----- | ----- | 1 | 17 | ----- | 8 | ----- | ----- | |
Filmes | Assistir (e derivações verbais) | 60 | 15 | 13 | 96 | 2 | 23 | 32 | 9 | 16 | 8 | ----- | 41 | |
Plágio | ------ | ----- | ----- | ----- | ------- | ----- | ----- | ----- | ----- | ----- | ----- | ----- | ----- | ----- |
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados dos 12 livros didáticos utilizados pelo 3º ano do Ensino Médio.
Legenda: ART: Artes; BIO: Biologia; ESP: Espanhol; FIL: Filosofia; FIS: Física; GEO: Geografia; ING: Inglês; MAT: Matemática; LPO: Língua Portuguesa; QMC: Química; SOC: Sociologia.
Sinal convencional utilizado: --- Ausência de dados.
Análise dos livros didáticos do 3º ano do Ensino Médio
A Tabela 1, elaborada nesta pesquisa, segue as diretrizes de Bardin (2011) e aborda, de forma frequencial, o conteúdo encontrado em cada livro e no referido Edital com pertinência temática à questão da pesquisa e do plágio. Portanto, as indicações de sites são ainda maiores, mas não se correlacionam com a categoria e respectiva subcategoria na análise temático-categorial indicadas por Bardin (2011), pois, nessa proposta, seguindo o rigor metodológico, excluímos descritores textuais, referências bibliográficas relacionadas a sites, filmes, áudios, imagens e textos. Há, no total, 475 indicações de pesquisas na internet; contudo, após análise atenta - item por item -, em dois formatos de e-books diferentes (ePUB e PDF), averiguamos que, em nenhum material analisado, há quaisquer menções ao plágio e, em apenas três obras, localizamos cuidados que os estudantes devem tomar nas pesquisas que realizam na internet para não copiar e colar sem mencionar a fonte. No entanto, nesse caso, não se menciona o termo “plágio”.
Apenas nas obras de Filosofia, Português e Química, os autores trazem alertas para citação de fonte ao pesquisar na internet ou não copiar textos do espaço virtual, mesmo sem mencionar diretamente o plágio, como, por exemplo, na obra de Aranha e Martins (2016), que orienta o estudante para que elabore sua dissertação, pesquisando em sites e livros: “Antes de redigir a dissertação, faça uma pesquisa em livros ou sites de ciências, como também de ONGs protetoras de animais, a fim de ampliar seus conhecimentos sobre o assunto. Não se esqueça de indicar a referência da bibliografia utilizada e de usar aspas quando recorrer a citações” (ARANHA; MARTINS, 2016, p. 1037). Apesar de não tratar diretamente sobre os riscos do plágio na elaboração de dissertação, Aranha e Martins (206) orientam para a indicação das referências bibliográficas e citação por meio de aspas.
No livro de Português, os autores indicam a leitura de um conto disponível na internet e, em seguida, solicitam ao estudante que conte a história, sob a seguinte orientação: “Não copie partes do texto e conte a história toda, mas de forma resumida, em um texto que tenha de 30 a 40 linhas” (CEREJA; VIANNA; DAMIEN, 2016, p. 114). No livro de Química, Bezerra et al. (2016, p. 735) trazem orientação quanto à citação de fontes: “[...] escrever a introdução e os capítulos, cuidando para não copiar textos de livros ou de sites. É preciso citar a fonte de tabelas, gráficos, figuras e esquemas”.
Em Cereja, Vianna e Damien (2016), dentro do comando de produção textual, os autores sugerem a elaboração de um livro, detalham as formas de elaboração, de técnicas a serem utilizadas, de ilustração, de organização das equipes, de lançamento da obra, de hospedagem na internet, de lançamento do livro, de público-alvo, mas nada é dito sobre o plágio, a cópia, as referências de pesquisas ou de uso das ilustrações e de imagens pesquisadas, o que consideramos uma falha, já que se remete à apropriação de textos e imagens oriundas da internet. As demais obras não destacam a temática do plágio ou mesmo tratam da cópia.
Análise do Edital 04/2015 - CGPLI
Conforme justifica Choppin (2008), em análises de livros escolares, não podemos abrir mão dos normativos e das leis que regulam a produção, a distribuição e o financiamento dos livros didáticos, por isso a inclusão do Edital 04/2015 - CGPLI. Embora o livro didático não seja o único instrumento que faz parte da educação sistematizada das juventudes no Brasil, é dispositivo essencial nos processos de ensino e de aprendizagem - e o principal instrumento utilizado -, e as demais mídias exercem relações de complementaridade com esse veículo educativo.
No Edital 04/2015 - CGPLI, documento que regulamenta a inscrição e a avaliação das obras adquiridas pelo MEC no Brasil para distribuição na rede pública de ensino (BRASIL, 2015), não localizamos quaisquer menções aos cuidados que os autores e as editoras devem ter em relação à orientação aos professore e aos estudantes sobre o plágio. Utilizando a mesma metodologia de análise temático-categorial de Bardin (2011), localizamos quatro menções à internet e a livros, cinco aos filmes e nenhuma ao áudio. Todavia, nenhuma dessas menções faz relação com o plágio.
Ao referir-se aos critérios eliminatórios específicos para cada componente curricular, o documento regulatório afirma que será observado se a obra “[...] oferece referências suplementares (sítios de Internet, livros, revistas, filmes, outros materiais) que apoiem atividades propostas no livro do estudante” (BRASIL, 2015, p. 48) e faz várias menções à necessidade de CDs em áudio, em especial quando se remete à língua estrangeira (inglês e espanhol), mas nenhuma das menções se refere aos cuidados com o plágio e à cópia que autores e editoras devem recomendar em relação às atividades complementares a serem realizadas pelos estudantes na internet e em outras mídias para além do livro didático.
O Edital 04/2015, com 75 páginas, detalha: características, composição, critérios para avaliação e tipos de suporte das obras, abordagem teórico-metodológica, proposta didático-pedagógica, critérios eliminatórios e classificatórios, número de páginas, tanto para o livro do aluno quanto para o manual do professor, e outros critérios técnico-científicos, tendo cada coleção um anexo regulatório sobre o componente curricular (BRASIL, 2015).
Quanto à temática do plágio, o edital nada menciona, se limitando a excluir do processo de inscrição, avaliação e compra obras que privilegiam a memorização de termos técnicos, cópia mecânica ou memorização. Ao referir-se aos impactos dos novos suportes e tecnologias de escrita, construção e reconstrução dos sentidos de um texto, e ao abordar os modos de ler e de escrever característicos dos textos multimodais e dos hipertextos, o Edital prioriza a contratação de obras que promovam os diferentes letramentos envolvidos na leitura e na produção textual, sem, contudo, tratar precisamente do plágio e da cópia de textos oriundos da internet nas pesquisas comandadas pelos materiais didáticos nas atividades dos estudantes. Diante dessa análise documental e conteudística, podemos afirmar que o cuidado com o plágio não é diretriz prioritária do PNLD e não integra os princípios diretivos das editoras de livros didáticos no Brasil, posto que o Edital recomenda “[...] abordar efetivamente os modos de ler e de escrever característicos dos textos multimodais e dos hipertextos, promovendo os diferentes letramentos envolvidos em sua leitura e produção” (BRASIL, 2015, p. 37). Assim, questionamos: essa recomendação bastaria para incluir os cuidados com o plágio nos livros didáticos?
Considerações finais
Ao considerarmos que em apenas três de 12 livros didáticos foi constatado o alerta dos autores para que os estudantes tenham cuidado para não copiar da internet, que em nenhuma obra localizamos cuidados com o plágio, e que o Edital de avaliação e de inscrição dos livros didáticos também silencia sobre o plágio, podemos afirmar que a temática não está integrada às diretrizes de livros didáticos, não constitui política pública preventiva do PNLD para o ensino básico - pois não está integrada ao Programa, nem substancialmente como diretriz orientativa aos estudantes quando comandados a pesquisar na internet, e nem nos editais para inscrição e avaliação dos livros didáticos. Conforme identificado por Rodrigues e Lopes (2019), editoras e autores de livros didáticos seguem as orientações do MEC. Desse modo, depreendem, também, com base em entrevistas realizadas com autores de livros didáticos no Brasil, que há um deslocamento de responsabilização para os professores em sala pela mediação das orientações sobre os riscos de copiar e colar da internet e de plagiar conteúdos.
Essa prevalência da ausência de orientações nos livros didáticos do Ensino Fundamental constatada por Rodrigues e Lopes (2019) e por Soares (2022), e nos livros didáticos do Ensino Médio e PNLD, identificada nesta pesquisa, tanto para estudantes quanto para os professores, pode ter várias implicações, entre elas: negligência, imperícia, permissividade à cultura da cópia, do plágio e da desonestidade acadêmica em etapas mais avançadas do ensino sistematizado. As consequências podem ser, entre outras, o desconhecimento das regras que, por sua vez, podem conduzir à apropriação indevida dos conteúdos disponibilizados na internet, o que, a seu turno, conduz ao plágio e à desonestidade acadêmica.
Verificamos, neste estudo, que é lacunar e insuficiente a orientação sobre o plágio e a cópia nos livros didáticos do Ensino Médio diante da inexistência dessas orientações em nove dos 12 livros didáticos destinados ao Ensino Médio em comandos de pesquisas no ciberespaço. A respeito da pesquisa na internet, averiguamos que falta, nos livros didáticos destinados ao estudante do 3º ano do Ensino Médio, ensino pluricultural, multiletrado e multissemiotizado, no quesito plágio e cópia; assim sendo, os estudantes não aprendem, por meio dos livros didáticos, a se apropriar correta e dignamente das pesquisas disponibilizadas nas infovias. Lembramos que, na concepção de Demo (1996), pesquisar é dialogar com a realidade de modo crítico e criativo e inexiste, suficientemente, o diálogo sobre ciberplagiarismo nos livros didáticos. Diante da inexistência de cautela quanto ao plágio - nos livros didáticos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e no Edital de inscrição, avaliação e compra desse material -, nublam-se os incentivos a uma cultura de formação ética de valorização da honestidade intelectual na apropriação das informações oriundas da internet nas pesquisas realizadas pelos estudantes no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O livro didático, pela potência do PNLD em chegar às escolas públicas brasileiras, tem conteúdos e atividades estruturadas para as mediações nos processos de ensino e de aprendizagem em sala de aula. É nesse aspecto que o tema do plágio e ciberplágio devem ser inseridos e se conectar às iniciativas pedagógicas que promovam a integridade acadêmica nas atividades de iniciação à pesquisa na formação do alunado em etapas que antecedem o ingresso na Educação Superior. A integridade acadêmica é um conceito amplo que engloba o compromisso com os valores da honestidade, da confiança da justiça, do respeito, da responsabilidade e da coragem, os quais devem ser cultivados e traduzidos em ações, como aponta o International Center for Academic Integrity - ICAI (2021), que informem, orientem e formem na direção do comportamento ético e moral.
Hipotetizamos, assim, que esse silêncio pode refletir na cultura do plágio e da cópia. A comprovação parcial desse reflexo demanda pesquisas posteriores com estudantes e professores. Diante desse silêncio, essa importante mídia que é o livro didático nega o diálogo do usuário com ele mesmo relativo aos efeitos preventivos quanto ao plágio e à eticidade quando da apropriação indevida e não creditada de conteúdos oriundos da internet. Portanto, faz-se mister que o livro didático brasileiro - pela amplitude que o PNLD assume no Brasil, pelo fato de o programa se constituir política de Estado, estabelecendo ainda metodologia de escolha dos livros didáticos pelos professores e pela inclusão nas escolas públicas do País (ZAMBON; TERRAZZAN, 2013) - seja mais uma alternativa de prevenção ao plágio e de formação para uma cultura de integridade acadêmica.
Enfatizamos, também, que, dentre as dez competências socioemocionais essenciais para o século XXI, estabelecidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), está o desenvolvimento da competência relacionada à cultura digital, que, segundo a diretriz da Base, é a “[...] utilização de tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética” (BRASIL, 2018, p. 96). Ponderamos, contudo, que negligenciar orientações quanto à apropriação do conhecimento oriundo do ciberespaço é incentivar a opacidade ética e obstaculizar a competência socioemocional relacionada à cultura digital, descumprindo, assim, um dos preceitos estabelecidos na BNCC. Levando em consideração os aspectos e as perspectivas tratados neste estudo, medidas como ensino pluricultural, multiletrado e multissemiotizado, no quesito plágio e cópia, são necessários ao Ensino Médio, etapa que precede o Ensino Superior e, também, constitui a fase maturacional do estudante. Desse modo, acreditamos que o livro didático e o PNLD são instrumentos essenciais para esse ensino multiletrado.