Introdução
Neste artigo, analisamos a expansão do Ensino Superior a distância da Universidade Pitágoras Unopar sob a lógica da financeirização. O processo de financeirização faz parte do sistema capitalista, que busca constantemente a expansão e o lucro, e vem se expandindo no setor educacional (Mészáros, 2008).
O Ensino a Distância (EaD)1 se constitui uma das principais ferramentas para expansão do Ensino Superior privado, em especial dos grandes grupos educacionais brasileiros. Chaves (2019, p. 67) menciona que “[...] a educação deixou de ser direito social e foi transformada em serviço altamente lucrativo, favorecendo a expansão do setor privado-mercantil no Brasil”.
Conforme Sguissardi (2008), privado-mercantil refere-se às Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, classificadas também por grandes grupos educacionais brasileiros que possuem capital aberto na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa)2. Além disso, o termo serve para distinguir a forma de exploração da Educação Superior privada com foco na obtenção de lucro (Sguissardi, 2008). Os grupos educacionais que passaram a abrir seu capital na BM&FBovespa a partir de 2007 foram: Anhanguera Educacional S.A.; Estácio Participações e Kroton Educacional (Chaves, 2010). A Universidade Pitágoras Unopar se constitui como uma das IES privado-mercantis, por ser marca pertencente à Kroton/Cogna.
É importante destacarmos que a Kroton anunciou a mudança de nome para “Cogna Educação”, em dezembro de 2019. No entanto, a “Kroton” não se extinguiu, apenas se tornou um segmento de marca da holding Cogna, que atua principalmente no Ensino Superior (Cogna Educação, 2020a).
No percurso metodológico, realizamos um levantamento bibliográfico para proceder um estudo teórico acerca do EaD e do processo de financeirização, que teve como embasamento autores que discutem sobre o assunto, como Brettas (2020), Chaves (2010, 2019) e Sguissardi (2008). O estudo possui uma abordagem qualitativa. Para Minayo (2009), a abordagem qualitativa corresponde a um conjunto de fatores em volta da realidade, por trabalhar com um universo de significados, cujo fenômeno é interpretado como parte da realidade social.
Realizamos um levantamento documental extraído do site oficial da Universidade Pitágoras Unopar e da sua controladora, a Kroton/Cogna no período de 2011 a 2020, considerando a aquisição da IES Unopar realizada em 2011 com o grupo Kroton, até a última publicação do Censo da Educação Superior do ano de 2020. A análise documental constitui-se uma ferramenta indispensável pela relevância de informações para interpretação dos dados e suas articulações com a teoria (Minayo, 2009). Ademais, selecionamos outros documentos para análise, como Leis, Decretos e Portarias acerca do EaD no Ensino Superior. Para tanto, selecionamos documentos oficiais sobre o Ensino Superior, dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC).
Dito isso, este artigo estrutura-se em três seções: na primeira, apresentamos a lógica da financeirização do Ensino Superior privado-mercantil no Brasil; na segunda, mencionamos a expansão do EaD no Ensino Superior privado; e na terceira seção, elucidamos sobre a Universidade Pitágoras Unopar e a expansão do EaD. Para encerrarmos, tecemos as considerações finais.
A lógica da financeirização do Ensino Superior privado-mercantil no Brasil
A financeirização do Ensino Superior privado-mercantil modifica as formas de atuação das IES na oferta de cursos por meio da gestão corporativa, que são regidas pela lógica financeira (Seki, 2020), com reflexos em uma intensa transformação da Educação Superior em mercadoria pelo número expressivo de IES privadas que passaram a atuar no mercado de ações, em Bolsa de Valores. O processo de financeirização constituiu uma das “[...] características fundamentais do projeto burguês de dominação que desaguou no neoliberalismo3” (Brettas, 2020, p. 22) em curso e na rentabilidade financeira das grandes corporações com foco no lucro.
O processo de financeirização materializou-se, no Brasil, a partir de 2007, quando houve uma grande movimentação na BM&FBovespa, conhecida também por Brasil Bolsa Balcão (B3). A BM&FBovespa é um mercado de ações em que grandes empresas compram e vendem ações. A Bolsa constitui um mercado de títulos que tem a função de dar liquidez a eles, por meio da criação de um mercado em que possam ser negociados (Brettas, 2020).
Para Teixeira e Gomes (2021), as ações pelas Sociedades Anônimas (S.A.) são compradas e vendidas nas Bolsas de Valores, e os seus preços são definidos pela especulação acerca do volume de dividendos que podem resultar da sua posse no futuro. Essas ações podem ser observadas pela ocorrência de Fusões e Aquisições (F&A) no mercado educacional. As S.A. são compostas por empresas que abriram seu capital em Bolsa de Valores -BM&FBovespa (Brettas, 2020).
Conforme Botrel (2017), as F&A representam a realização de crescimento externo ou compartilhado de uma corporação que se concretiza por meio da combinação de negócio e de realização societária. No Ensino Superior privado-mercantil, os grupos educacionais utilizam estratégias para crescer no mercado, como adquirir outras instituições de ensino, para concentrar o número de alunos, bem como atrair novos acionistas para consolidar seus negócios no mercado de ações. Diante disso, no Gráfico 1, apresentamos a efervescência de F&A desse setor, de 2007 a 2020.
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Fonte: Adaptado pelas autoras de Santos (2023).
Gráfico 1 Fusões e aquisições no setor da Educação no Brasil 2007-2020
No ano de 2011, foram realizadas 27 operações, dentre elas, a aquisição da Universidade Pitágoras Unopar pela Kroton/Cogna. Destaca-se o ano de 2008, no qual foram realizadas 53 operações, e o setor educacional ficou classificado “[...] em terceiro lugar no conjunto de fusões e aquisições entre todos os setores econômicos no Brasil” (Chaves, 2019, p. 68). Em 2015, o mesmo setor ocupou o sétimo lugar no ranking no âmbito do setor econômico, em 2017, realizou 30 operações e, em 2019, ocorreram 32 F&A.
Ao total, foram realizadas 364 operações entre 2007 e 2020. Assim sendo, esses processos tendem a aumentar a cada ano devido à competição de ganhar mercado no setor educacional. Para Sousa (2018), isso ocorre pela falta de regulação formativa de compra e venda de IES via ações em BM&FBovespa. Ocorre, portanto, a concorrência do setor educacional no Brasil com uma competição acirrada nesse mercado empresarial, fortalecendo a atuação dos grupos educacionais no país e a presença da financeirização no Ensino Superior privado-mercantil.
Conforme Carvalho (2017), essas movimentações são realizadas por estabelecimentos de grande porte, cujas operações são emblemáticas, pois causam um intenso movimento de oligopolização do setor, em que a mantenedora, a empresa holding, controla os negócios das demais. A organização de holding visa “[...] fortalecer as posições conquistadas e impulsionar o processo de monopolização do setor industrial e das atividades de serviços. Garante-se, assim, o acesso às finanças em escala internacional e o exercício do poder econômico” (Brettas, 2020, p. 75).
Chaves (2010) e Carvalho (2013, 2017) elucidam o resultado desse processo intenso de F&A de IES, no qual a tendência é a formação de oligopólio, um número reduzido de grandes empresas que atuam no mercado e que passarão a ter o controle da Educação Superior do país. Esse processo tem levado à expansão do setor privado-mercantil com a oferta de cursos, principalmente a distância “[...] uma vez que [essa] modalidade se tornou uma das principais estratégias de expansão de matrículas a baixo custo” (Carvalho, 2017, p. 115).
A expansão do EaD no Ensino Superior privado
No Brasil, a expansão do Ensino Superior privado a distância se deu, principalmente, pelas flexibilizações nos regulamentos acerca da criação de instituições de nível superior. A Constituição Federal (CF) de 1988 autorizou, no art. 209, a livre iniciativa do setor privado na oferta do ensino (Brasil, 1988). No entanto, o que materializou a expansão das IES privado-mercantis foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), sancionada por Fernando Henrique Cardoso (FHC), que atribuiu o marco principal da expansão do Ensino Superior privado com finalidade lucrativa (Chaves, 2010; Sguissardi, 2008).
Conforme Sguissardi (2008), a LDBEN foi aprovada como uma espécie de “guarda-chuva jurídico”, que possibilitou a edição de vários decretos que beneficiassem a expansão do setor privado. Essa expansão também é de interesse dos Organismos Internacionais, em especial o Banco Mundial, que defende o uso das tecnologias educacionais para a implantação de sistemas a distância (Banco Mundial, 1995). Para o Banco Mundial (1995), o EaD é uma ferramenta competente para promover a aprendizagem, bem como ele critica os programas universitários regulares, justificando que o custo financeiro é alto para os alunos de graduação, enquanto a utilização do EaD se torna favorável pelo baixo custo. A LDBEN de 1996 regulamenta o EaD pelo art. 80:
O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União. § 2º A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância (Brasil, 1996).
É normatizado o funcionamento das instituições de ensino de caráter privado nos níveis de ensino (Educação Básica e Educação Superior), bem como dispõe sobre o controle e a avaliação de programas de Educação a Distância e a autorização para a sua implementação ao se credenciarem nessa modalidade (Brasil, 1996).
Importante notar que o art. 80 da LDBEN foi regulamentado por três Decretos: Decreto nº 2.494, de 10 de fevereiro de 1998 (Brasil, 1998); Decreto n° 5.622, de 19 de dezembro de 2005 (Brasil, 2005); Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017 (Brasil, 2017). O Decreto nº 2.494/1998, em seu art. 1º, certifica que o EaD deverá se organizar segundo metodologia, gestão e avaliação; e, no art. 2º, elucida que essa modalidade de ensino poderá ser oferecida nas instituições superiores, nos seguintes cursos e programas: sequenciais; de graduação; de especialização; de Mestrado e de Doutorado. No entanto, nos cursos de Mestrado e Doutorado a distância será objeto de regulamentação específica (Brasil, 1998).
Essa legislação parte da primeira constatação de que “[...] o ensino a distância é trabalhado vinculado com um fazer metodológico, técnico, que é necessariamente mediado pelas tecnologias de comunicação lato sensu” (Monteiro, 2020, p. 56). Posteriormente, o art. 80 da LDBEN passou a ser regulamentado pelo Decreto nº 5.622/2005 (Brasil, 2005), o qual revogou o Decreto nº 2.494/1998.
O Decreto nº 5.622/2005, em seu art. 1º, passou a definir a Educação a Distância como modalidade educacional, na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorrem pela utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos (Brasil, 2005). No art. 2º, a Educação a Distância permanece a ser ofertada nos níveis e nas modalidades educacionais de Educação Básica, Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Especial, Educação Profissional e Educação Superior, abrangendo cursos e programas sequenciais, tais como: de graduação; de especialização; de Mestrado; e de Doutorado (Brasil, 2005). Percebe-se que, nessa atualização, os programas de Mestrado e Doutorado a distância se tornaram mais flexíveis, por não exigirem uma regulamentação específica.
No ano de 2017, foi estabelecida uma nova regulamentação sobre o EaD no Brasil, regida pelo Decreto nº 9.057/2017, que regulamenta o art. 80 da LDBEN, revogando o anterior, Decreto nº 5.622/2005 (Brasil, 2017). Essa regulamentação apresenta, em seu Capítulo 1, as disposições gerais, bem como sete artigos, dos quais destacamos o 1º, o 2º, o 3º e o 4º:
Art. 1º Para os fins deste Decreto, considera-se educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos.
Art. 2º A educação básica e a educação superior poderão ser ofertadas na modalidade a distância nos termos deste Decreto, observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados.
Art.º 3 A criação, a organização, a oferta e o desenvolvimento de cursos a distância observarão a legislação em vigor e as normas específicas expedidas pelo Ministério da Educação.
Art. 4º As atividades presenciais, como tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos, previstas nos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da instituição de ensino e do curso, serão realizadas na sede da instituição de ensino, nos polos de educação a distância ou em ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2017, p. 3, grifos nossos).
Daremos destaque ao Decreto em vigor que regulamenta o art. 80 da LDBEN acerca do EaD e suas mudanças, que é o de nº 9.057/ 2017. Destacamos algumas frases no excerto anterior para revelar as principais mudanças sobre o EaD. Podemos observar a maneira pela qual o didático-pedagógico é interpretado como metodologia de ensino para qualidade educacional e políticas de acesso em lugares e tempos diversos (Brasil, 2017).
Notamos que o art. 80 da LDBEN se contrapõe aos princípios básicos de qualidade tipificados na CF de 1988, pelo art. 206, inciso VII, que dispõe sobre a garantia de padrões de qualidade (Brasil, 1988), cujo cumprimento envolve os espaços adequados, a remuneração docente, os recursos tecnológicos, entre outros serviços que visam promover atividades que conduzam à melhoria da qualidade de ensino. No entanto, a CF de 1988, quando sancionada, referia-se ao ensino presencial, e, posteriormente, os Decretos, as Portarias e as Medidas Provisórias se apropriaram desses dispositivos para implementar o EaD pelos parâmetros jurídicos.
Vale ressaltarmos que o processo didático-pedagógico parte da interação entre discentes e docentes em espaços adequados, cuja finalidade é a socialização de aprender de forma crítica a realidade, o que se contrapõe ao EaD, uma vez que os cursos são online e sem interação ativa nas atividades. Além disso, reforça a precarização do ensino, tendo em vista que o Brasil possui multiculturas regionais, cujas localidades não possuem padrões para atender à era tecnológica como ferramenta principal para o processo de ensino.
Ademais, o Decreto nº 9.057/2017 flexibilizou a aprovação prévia do MEC sobre a abertura de polos de EaD, especificada no art. 5º, no qual a instituição de ensino, já credenciada nessa modalidade, só deverá informar ao MEC em casos de criação, alteração de endereço e fechamento de polos. Contudo, não passará novamente pela aprovação da sede da instituição (Brasil, 2017).
Para Santiago (2019), o Decreto nº 9.057/2017 corresponde ao novo marco regulatório, em que as mudanças realizadas no Decreto anterior, em especial aos polos EaD, revelam uma nova norma que fortalece o EaD e a expansão do setor privado, uma vez que, antes, o credenciamento do EaD era permitido como uma subcategoria do presencial. Segundo a autora:
Agora ele pertence a uma categoria autônoma, ou seja, com a nova regulamentação, as IES poderão oferecer, exclusivamente, cursos a distância de graduação e pós-graduação lato sensu, sem a oferta simultânea de cursos presenciais. Há, contudo, uma ressalva no art. 2° da referida normativa, não se aplicando para IES públicas do sistema federal, estadual e municipal, ainda não credenciadas para EaD (Santiago, 2019, p. 99).
Destacamos, também, que a avaliação in loco dos cursos superiores na modalidade a distância passou a ser realizada somente na sede da instituição credenciada, sem a necessidade da avaliação dos polos (Brasil, 2017). Com isso, as IES, em especial, as privadas, formalizam seus polos EaD apenas com área administrativa de serviços para realizar matrículas, bem como o financiamento de mensalidades dos futuros alunos de nível superior, utilizando o marketing de “apoio” semipresencial.
Sob respaldos da legislação, houve uma evolução das matrículas EaD, em especial nos cursos superiores, em IES públicas e privadas, no período 2011-2020, conforme mostra o Gráfico 2.
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Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Inep (2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020).
Gráfico 2 Evolução do número de matrículas de graduação por modalidade de ensino nas IES públicas e privadas - Brasil (2011 a 2020)
Nota-se que, desde 2015, o número de matrículas presenciais vem caindo e que, em 2017 e 2018, a diminuição dessas matrículas correspondeu a 2,1%. Na modalidade a distância, entretanto, houve uma variação de 17% no mesmo período (2017-2018), semelhante ao mesmo crescimento registrado nos anos de 2016 e 2017 (17,6%). Além disso, observamos uma redução de matrículas presenciais desde 2016 com índice acentuado no ano de 2020. Portanto, a evolução do número de matrículas presenciais teve queda de 3,0%, em contrapartida, as matrículas de EaD de 2011 a 2020 obtiveram uma evolução de 212,8%.
Conforme o Inep (2022), o número de ingressos via modalidade de EaD ultrapassa o total de ingressos em cursos de graduação presencial em 2020. “[...] dos mais de 3,7 milhões de ingressantes de 2020 (instituições públicas e privadas), mais de 2 milhões (53,4%) optaram por cursos a distância e 1,7 milhão (46,6%), pelos presenciais” (Inep, 2022). Importante destacarmos que o modelo de Ensino Superior adotado nas IES privadas é o EaD; essa evolução de matrículas via EaD são, portanto, majoritariamente nas IES privadas, em especial, nas privado-mercantis.
Nesse sentido, está presente a atuação dos grupos educacionais, em especial a Kroton/Cogna que é listada na BM&FBovespa e controla a marca/IES - Universidade Pitágoras Unopar. No ano de 2019, a Universidade Pitágoras Unopar assumiu a primeira colocação no ranking de IES com mais matrículas EaD no Ensino Superior privado no Brasil, com 363.584 (Santos, 2022). Em 2020, ocupou o segundo lugar, com 395.414 matrículas EaD, ficando atrás apenas do Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), que concentrou 399.553 matrículas EaD no Brasil (Hoper Educação, 2022). Atualmente, a Universidade Pitágoras Unopar é responsável por grande parte da oferta de cursos superiores nessa modalidade, como discorremos na próxima seção.
A expressividade da Universidade Pitágoras Unopar na expansão do EaD
A Universidade Pitágoras Unopar teve sua origem na instituição de ensino União Norte do Paraná de Ensino Ltda., fundada no Estado do Paraná, na cidade de Londrina, em 1972. Posteriormente, passou por alterações de nomenclatura, como Centro Universitário, Faculdades Integradas, e mudou de nome para Faculdades Integradas Norte do Paraná - Unopar em 1992, ano em que a instituição de ensino passou a usar pela primeira vez a sigla Unopar, considerado um passo importante para sua transformação em Universidade (Unopar, 2020). No ano de 1997, a instituição se credenciou como Universidade Norte do Paraná (Unopar) e, a partir dos anos 2000, sua expansão baseou-se na abertura de polos presenciais e a distância (Unopar, 2020). Além disso, é importante destacarmos que a IES obteve mudanças no nome jurídico durante o recorte temporal da pesquisa. No ano de 2016, passou a ser Universidade Pitágoras Unopar, pela Portaria nº 422, de 2 de setembro de 2016 (Brasil, 2016).
A Universidade Pitágoras Unopar é de natureza privada, com fins lucrativos, e obtém no Brasil cerca de 1.179 polos EaD. Oferta cursos superiores de graduações e pós-graduações na modalidade presencial e a distância, mas sua visibilidade no mercado educacional se deu por meio da oferta de cursos a distância, tornando a principal instituição com matrículas efetivadas nessa modalidade em 2009, o que atraiu os investimentos financeiros de um dos maiores grupos educacionais privados no Brasil, a Kroton Educacional (Kroton Educacional S.A., 2012), atual Cogna Educação.
Como estratégia de mercado na concentração de matrículas no Ensino Superior privado-mercantil, o grupo Kroton/Cogna adquiriu a Unopar em 15 de dezembro de 2011, por um bilhão e trezentos milhões de reais, considerada a maior aquisição e movimentação financeira do setor de Educação Superior do Brasil. Com essa negociação, a Kroton torna-se um dos maiores grupos de Ensino Superior do Brasil e sexta maior do mundo em 2011 (Santos, 2022).
Conforme Santos (2022), após ser adquirida pela Kroton/Cogna, com a estratégia de valorizar suas marcas, criou e modificou outras instituições para carregar a sigla “Unopar” e, no atual momento deste estudo, a marca Unopar concentra nove instituições de ensino, de natureza privada e com fins lucrativos, como pode ser observado no Quadro 2.
Quadro 1 IES com a marca Unopar
Mantenedora | Mantida | Município | Unidade da Federação (UF) |
---|---|---|---|
Editora e Distribuidora Educacional S.A. | Universidade Pitágoras Unopar4 | Londrina | Paraná (PR) |
Anhanguera Educacional Participações S.A. | Faculdade Unopar de Ciências Jurídicas de Santa Cruz do Sul | Santa Cruz do Sul | Rio Grande do Sul (RS) |
Pitágoras - Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. | Faculdade Pitágoras Unopar de Canindé | Canindé | Ceará (CE) |
Pitágoras - Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. | Faculdade Pitágoras Unopar de Chapecó | Chapecó | Santa Catarina (SC) |
Pitágoras - Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. | Faculdade Pitágoras Unopar de Itajubá | Itajubá | Minas Gerais (MG) |
Pitágoras - Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. | Faculdade Unopar de Ciências Jurídicas de Petrolina | Petrolina | Pernambuco (PE) |
Pitágoras - Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. | Faculdade Pitágoras Unopar de Quixeramobim | Quixeramobim | CE |
Pitágoras - Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. | Faculdade Unopar de Ciências Jurídicas de Sete Lagoas | Sete Lagoas | MG |
União de Ensino Unopar Ltda. | Faculdade de Engenharia Unopar de Palmas | Palmas | Tocantins (TO) |
Fonte: Santos, 2022, p. 84.
Percebe-se que a Kroton/Cogna possui mantenedoras e mantidas no seu nicho de mercado. São aproximadamente 15 mantenedoras e 153 mantidas - IES no setor educacional (Santos, 2022). Entretanto, neste artigo, selecionamos apenas as mantenedoras e mantidas que se referiam à marca Unopar, por ser o lócus de pesquisa. Nesse sentido, a expansão da Unopar se dá pela maneira como a Kroton/Cogna busca dar visibilidade à marca, tendo em vista que seu crescimento está ancorado na aquisição de marcas conhecidas no mercado, não por ser controladora delas, mas por se tratar de estratégia de mercado. Essa estratégia de valorizar marca é utilizada por várias empresas, as quais “[...] optam por fortalecer uma marca nacional que acaba sendo utilizada em diferentes instituições do mesmo grupo” (Tricontinental5, 2020, p. 8). Com isso:
A realização de um trabalho de marketing para agregar valor a uma marca, quando é desconhecida no mercado, torna-se trabalhoso. Em contrapartida, expandir e/ou valorizar uma marca já estável, torna-se acessível para o grupo, nesse caso, para a Kroton/Cogna [...] a expansão e valorização da marca Unopar é fundamental para expansão do grupo, no qual muda o nome de IES para carregar uma marca consolidada no mercado e considerada favorável diante os parâmetros da modalidade a distância (Santos, 2022, p. 85).
Com a expansão da Unopar e consolidação no setor privado-mercantil a distância, a Universidade Pitágoras Unopar é uma das principais IES que lideram o EaD no Brasil. Segundo o site oficial da instituição, são ofertados cerca de 101 cursos de graduação, sendo 13 de licenciaturas, 29 de bacharelados e 59 tecnológicos (Unopar, 2020). O Gráfico 3, a seguir, demonstra a evolução no quantitativo das matrículas no EaD e presencial.
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Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Inep (2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020).
Gráfico 3 Evolução do número de matrículas por modalidade de ensino (Presencial x EaD) - Universidade Pitágoras Unopar (2011 a 2020)
Desde 2011, as matrículas da Universidade Pitágoras Unopar já se destacavam no EaD, representando cerca de aproximadamente 94% do total das matrículas. Em 2012, quando passou a ser pertencente à Kroton/Cogna, o crescimento variável percentual foi de aproximadamente 29%, e comparado ao ano de 2013, as matrículas aumentaram para 32,8%. Com relação às matrículas presenciais, houve uma queda desde 2016 (-8,3) e sucessivamente nos anos seguintes.
Em relação ao ano de 2020, as matrículas presenciais tiveram uma queda de -15,5%, enquanto o EaD representou um crescimento de 8,8%. De maneira geral, o crescimento das matrículas EaD correspondem aproximadamente a 166,9%, enquanto o presencial apenas 9%. Portanto, a diferença de matrículas presenciais e a distância é grande. Com isso, pressupomos que a diminuição nas matrículas presenciais vem ocorrendo por conta da maior procura pelos cursos a distância, por ser “flexível”, e sem a exigência de o aluno estar presencialmente durante as aulas na instituição, além de que o custo pelos cursos presenciais é maior do que o EaD.
Para Silva (2013), a participação da Unopar no mercado é prioritariamente o EaD, em cursos de licenciaturas e bacharelados. O Gráfico 4, a seguir, ilustra as matrículas por grau acadêmico6.
![](/img/revistas/praxeduc/v19//1809-4309-praxis-19-e22828-ch4.jpg)
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Inep (2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020).
Gráfico 4 Evolução do número de matrículas por grau acadêmico - Universidade Pitágoras Unopar (2011 a 2020)
Os cursos de bacharelados lideraram nas matrículas; no entanto, em 2016 e 2017, os cursos de licenciaturas ultrapassaram os bacharelados com aproximadamente 154.927 matrículas. No ano de 2018, os bacharelados tiveram uma diminuição (-6,5%), e, ao mesmo tempo, se aproximaram das matrículas de licenciaturas (139.086) e bacharelados (138.407). Já no ano de 2019, as matrículas tiveram um crescimento tanto em bacharelados (10,07%), quanto nas licenciaturas (5,21%). Destacam-se os cursos tecnológicos, os quais são os mais ofertados, mas são os que possuem menos matrículas. Tais cursos tiveram um crescimento a partir de 2013 (43,6%), ocorrendo uma diminuição a partir de 2015 (-4,55%), e tornou a crescer em 2019 (-2,85%).
Em relação ao ano de 2020, as matrículas nos bacharelados predominaram, mas o crescimento variável anual corresponde a 10%, enquanto as matrículas de licenciaturas tiveram uma queda anual de -2%. As matrículas dos cursos tecnológicos no ano de 2020 obtiveram um crescimento variável de 24%. De maneira geral, as matrículas que tiveram um crescimento variável anual de 2011 a 2020 foram os cursos de licenciaturas, representando 250%, seguido dos cursos tecnológicos 149%, e, por último, dos cursos de bacharelados 113,9%.
Ao realizar uma comparação do total de matrículas a distância no Brasil, com o total de matrículas EaD da Universidade Pitágoras Unopar, obtiveram-se os seguintes dados, expressos na Tabela 1.
Tabela 1 Matrículas EaD - Universidade Pitágoras Unopar x Brasil (2011 a 2020)
Ano | Total de matrículas EAD no Brasil | Total de matrículas EaD na Unopar | (%) | Total de matrículas EaD no Brasil - IES privadas | (%) |
---|---|---|---|---|---|
2011 | 992.927 | 148.141 | 14,91 | 815.003 | 18,17 |
2012 | 1.113.850 | 191.951 | 17,23 | 932.226 | 20,59 |
2013 | 1.153.572 | 254.893 | 22,09 | 999.019 | 25,51 |
2014 | 1.241.842 | 310.855 | 25,03 | 1.202.469 | 25,85 |
2015 | 1.393.752 | 336.315 | 24,13 | 1.265.359 | 26,57 |
2016 | 1.494.418 | 355.329 | 23,77 | 1.371.817 | 25,90 |
2017 | 1.756.982 | 358.336 | 20,39 | 1.591.410 | 22,43 |
2018 | 2.056.511 | 329.284 | 16,01 | 1.883.584 | 17,48 |
2019 | 2.450.264 | 363.584 | 14,83 | 2.292.607 | 15,85 |
2020 | 3.105.805 | 395.414 | 12,73 | 2.948.431 | 13,41 |
Fonte: Elaborada pelas autoras com base em Inep (2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020).
Note-se que, desde o ano de 2011, a Universidade Pitágoras Unopar assumiu uma parcela da atuação no EaD no Brasil de aproximadamente 14,91%, que, comparada ao setor privado, representou 18,17%. O ano que mais se destacou foi 2014, em que a instituição detinha aproximadamente 25% do total de matrículas a distância no Brasil, e 25,85% do total de matrículas entre as IES privadas. Assim sendo, a Universidade Pitágoras Unopar detinha um quarto do mercado educacional a distância.
A partir do ano de 2015, a participação da Universidade Pitágoras Unopar por meio dos cursos a distância no Brasil vai diminuindo, e, em 2020, representou 12,73%, e 13,41% do total de matrículas a distância entre as IES privadas. Apesar da IES ter uma queda na participação no mercado do EaD no Brasil, as matrículas aumentaram a cada ano, ultrapassando 400.000 mil matrículas, sendo 395.414 a distância. Logo, inferimos que, ao mesmo tempo que a Universidade Pitágoras Unopar aumenta suas matrículas EaD, há uma criação de outras IES privadas com polos EaD no país, que também se utilizam dessa modalidade de ensino.
Tal acontecimento é devido à criação de IES privadas nos últimos anos, em especial a partir de 2017, quando a legislação flexibilizou a criação de IES com a abertura de polos EaD sem avaliação pelo MEC, apenas na sede da IES. Conforme a Kroton, o novo marco regulatório da modalidade de EaD respaldado pelo Decreto nº 9.057/2017 facilitou a expansão no número de polos no mercado. “Até 2018, podíamos abrir 200 novos polos por ano considerando a Uniderp, com nota 3, e a Unopar, com nota 4, e usufruímos deste benefício em 2017 e 2018 com ampla oferta de cursos de graduação a distância” (Kroton Educacional S.A., 2019, p. 144).
A Universidade Pitágoras Unopar possui tanta relevância nas atividades da Kroton/Cogna que, em 2020, ganhou o prêmio Top de Marcas da Kroton7 (ver Figura 1).
É importante destacarmos que essa grande participação no setor educacional a distância se deu pelas atividades no mercado de Bolsa de Valores do grupo Kroton/Cogna no Ensino Superior privado-mercantil. Para expandir mais seu mercado, a Kroton/Cogna utiliza estratégias de marketing para fortalecer o EaD e atrair novos estudantes, com criações de plataformas digitais, tais como: o Canal Conecta; Kroton Learning System 2.0; e o EaD Premium.
No ano de 2014, a Kroton divulgou a plataforma digital “Kroton Learning System 2.0” como estratégia de inovação, a era “tecnológica no ensino”, baseado em competências, cujo modelo acadêmico “[...] foi desenhado para capturar próximo da totalidade dos 20% da carga horária total em formato [a] distância, com potencial de aumentar para os 40% permitidos pela Portaria do MEC 2.117/19” (Cogna Educação, 2020b, p. 163).
No mesmo ano de 2014, criou-se o Canal Conecta, a ser empregado para as IES/marcas, com o discurso de que o aluno, ao se formar nos cursos superiores, terá emprego garantido (Kroton Educacional S.A., 2015). No ano de 2016, foi divulgado o “EaD Premium”, no qual é a oferta de cursos que exige grande carga horária de matérias práticas. “Nessa nova modalidade, oferecemos parte do conteúdo por meio de nossa plataforma de Ensino a Distância, e as atividades práticas são realizadas em laboratórios dentro dos nossos polos” (Kroton Educacional S.A., 2016, p. 35).
Para Sguissardi (2008), a atuação dos grupos educacionais que negociam ações em Bolsa de Valores tem como objetivo a rentabilidade dos ativos financeiros, por meio da maximização do valor acionário da empresa. E o crescimento das receitas financeiras como líquida, bruta, patrimônios e outras, são os resultados que revelam o principal objetivo de manter a holding no mercado.
Considerações finais
A expansão do EaD no Ensino Superior privado está relacionada ao processo de financeirização do capital, que tem ganhado força para tal atuação, e revela a participação do Estado brasileiro no favorecimento da entrada dessas IES privado-mercantis devido à flexibilização da legislação educacional ao permitir que esses grupos listados na Bolsa de Valores possam ofertar cursos de formação na lógica mercantil. A LDBEN constituiu o marco regulatório do EaD, que colaborou para a expansão do setor privado-mercantil no Brasil, em especial o Decreto nº 9.057/2017 (Brasil, 2017), o qual regulamentou o art. 80 da LDBEN, que dispõe sobre a modalidade EaD (Brasil, 1996).
A Universidade Pitágoras Unopar é umas das principais instituições de Ensino Superior que lidera o EaD no Brasil, bem como contribui para a lucratividade do grupo Kroton/Cogna na educação. No final do ano de 2020, a Kroton/Cogna divulgou que obteve uma receita líquida de aproximadamente R$5.597,8 bilhões de reais8 (Cogna Educação, 2022).
A Universidade Pitágoras Unopar como instituição privado-mercantil insere-se no processo de financeirização do Ensino Superior, cujo objetivo é se expandir por meio de cursos a distância em busca da maximização do valor acionário das IES administradas pela Kroton/Cogna. Além disso, a IES possui grande participação no EaD no Brasil, representando, aproximadamente, 12% entre as IES públicas e privadas, e 13,41% entre as IES privadas no ano de 2020. Identificamos que a predominância de matrículas na modalidade EaD influenciou a Kroton/Cogna a criar, nos anos de 2019 e 2020, oito faculdades com a marca Unopar, além de criar marketing com plataformas digitais, com o objetivo de fortalecer o mercado EaD, evidenciando que a Educação Superior via ensino a distância está se expandindo de forma mercantilizada na lógica da financeirização do capital.