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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.19  Ponta Grossa  2024  Epub 18-Jun-2024

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.19.23259.047 

Artigos

Autoavaliação da escola: entre o exercício da democracia participativa e o simples exercício burocrático*

School self-evaluation: between the exercise of participatory democracy and the simple bureaucratic exercise

Autoevaluación de la escuela: entre el ejercicio de la democracia participativa y el simple ejercicio burocrático

**Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Portugal. Professora Auxiliar com Agregação. E-mail: <mjcc@utad.pt>.

***Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Portugal. Mestre em Ciências da Educação na área da Administração Educacional. Professora de Física e Química e coordenadora de Departamento no Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, Bragança, Portugal. Email: <ana.ferreira@aeemidiogarcia.pt>.


Resumo

O processo de autoavaliação faz emergir um confronto de racionalidades que coloca, de um lado, uma autoavaliação instrumental e instrumentalizadora e, do outro, uma autoavaliação enquanto exercício de democracia participativa. Neste âmbito, foi objetivo desta investigação conhecer o modo como participam os atores educativos de um Agrupamento de Escolas na tomada de decisão no processo de autoavaliação. O estudo incluiu as abordagens quantitativa e qualitativa, envolvendo a aplicação de um inquérito a uma população de 217 professores e a realização de 16 entrevistas, aprovado pelo serviço de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar, do Ministério da Educação, Portugal. Resumida à esfera decisória dos órgãos de gestão e suas tecnoestruturas, concluiu-se que a participação no processo de autoavaliação se encontra esvaziada de uma ação emancipatória dos seus atores, razão pela qual, aventa-se, não foi ainda encontrado o caminho para uma autoavaliação transformadora que sirva à escola democrática.

Palavras-chave: Autoavaliação; Participação; Escola democrática

Abstract

The self-evaluation process gives rise to a confrontation of rationalities that places, on the one hand, an instrumental and instrumentalizing self-evaluation and, on the other hand, a self-evaluation as an exercise in participatory democracy. In this context, the objective of this investigation was to understand how the educational actors of a Group of Schools participate in decision-making in the self-evaluation process. The study included quantitative and qualitative approaches, involving the application of a survey to a population of 217 teachers and the carrying out of 16 interviews, approved by the School Survey Monitoring service, of the Ministry of Education, Portugal. Summarized to the decision-making sphere of management bodies and their technostructures, it was concluded that participation in the self-evaluation process is devoid of an emancipatory action by its actors, which is why the path to a transformative self-evaluation that serves the democratic school has not yet been found.

Keywords: Self-assessment; Participation; Democratic school

Resumen

El proceso de autoevaluación hace surgir una confrontación de racionalidades que sitúa, por un lado, una autoevaluación instrumental e instrumentalizadora y, por el otro, una autoevaluación como ejercicio de democracia participativa. En este ámbito, el objetivo de esta investigación fue conocer el modo como los actores educativos de un Grupo Escolar participan en la toma de decisión en el proceso de autoevaluación. El estudio incluyó los abordajes cuantitativo y cualitativo, involucrando la aplicación de una encuesta a una población de 217 docentes y la realización de 16 entrevistas, aprobada por el servicio de Monitoreo de Encuestas en el Medio Escolar del Ministerio de Educación de Portugal. Resumida a la esfera decisiva de los órganos de gestión y sus tecnoestructuras, se concluye que la participación en el proceso de autoevaluación se encuentra vacía de una acción emancipadora de sus actores, razón por lo que, se aventa, aún no se ha encontrado el camino hacia una autoevaluación transformadora que sirva a la escuela democrática.

Palabras clave: Autoevaluación; Participación; Escuela democrática

Introdução

Nos últimos anos, a autoavaliação das escolas tem vindo a ganhar grande centralidade, acompanhando o protagonismo que a avaliação das organizações públicas e privadas têm adquirido enquanto linha de força da New Public Management e do referencial de governança educacional. O mesmo será dizer que

[...] a avaliação das escolas públicas decorre das mudanças, no mundo global, ao nível das esferas política, económica e social, sobretudo a partir da década de 70 do século XX, conduzindo a uma configuração geopolítica determinada por fatores como a globalização e a reestruturação do estado (Carvalho; Correia, 2018, p. 1262).

A autoavaliação institucional, que a Lei n.º 31/2002 (Portugal, 2002) preconiza enquanto processo “obrigatório” a desenvolver “em permanência” (artigos 5.º e 6.º), pode assumir diferentes pendores, fazendo-se depender das intencionalidades que encerra e dos quadros ideológicos que a suportam. Na verdade, quanto mais se anulam todas as possibilidades aos atores educativos de se constituírem como sujeitos da ação autoavaliativa, reduzidos a meros executantes de prescrições, das quais ignoram os seus propósitos, mais se nega uma racionalidade substantiva, isto é, uma racionalidade resultante “[...] da urgente necessidade que homens e mulheres têm em desafiar e questionar reflexivamente a sua ação, de forma a determinar a sua legitimidade” (Carvalho, 2009a, p. 152).

Assumindo tensões, conflitos e ambiguidades, uma tendência ideológica mais progressista advoga a favor de uma autoavaliação de escola assente no pressuposto de que este processo pode ser um exercício da democracia participativa e um espaço de confronto de diferentes racionalidades, do qual resultarão as soluções negociadas sobre aquilo que a escola deverá fazer em prol do seu desenvolvimento e da sua melhoria, reclamando mais envolvimento e responsabilidade de toda a comunidade, bem como o compromisso dos diferentes atores e a partilha de valores e de objetivos comuns, sustentando a prestação de contas em valores essenciais como a justiça, a transparência, o direito à informação, a participação e a cidadania.

Assim, se, por um lado, a autoavaliação pode assumir os valores democráticos da autonomia e do empowerment coletivo, constituindo-se como instrumento de aprendizagem organizacional e de elaboração do sentido da ação dos atores que na escola participam, por outro lado, em contexto de expansão de um paradigma de gestão neoliberal, o processo de autoavaliação pode ser visto como instrumento de apoio à gestão, uma prestação de contas penalizadora ou um exercício de controlo de um Estado metarregulador. Nos trilhos possíveis da autoavaliação das organizações educativas, pretendeu-se conhecer o modo como participam os professores no processo de autoavaliação da organização escolar.

Neste sentido, desenvolvemos uma investigação num Agrupamento de Escolas em Portugal, tendo todo o procedimento e respetiva fundamentação sido submetidos à aprovação do serviço de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar, do Ministério da Educação. O nosso estudo, de natureza mista, por incluir as abordagens quantitativa e qualitativa, envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas a 16 atores educativos e a aplicação de um inquérito por questionário aos professores da qual resultou a constituição de 145 unidades de análise estatisticamente válidas.

O lugar da autoavaliação

Desde a Lei n.º 31/2002 que a legislação portuguesa determina a realização de um processo de autoavaliação a desenvolver “em permanência” e “com carácter obrigatório” (artigo 5.º e artigo 6.º) (Portugal, 2002). No referido normativo, em que se aprova o sistema de avaliação dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, estão consignadas as orientações de carácter geral a ter em conta na realização da autoavaliação.

Posteriormente, no âmbito do regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, o Decreto-Lei n.º 75/2008 (Portugal, 2008) e o Decreto-Lei n.º 137/2012 (Portugal, 2012), vieram preconizar “[...] a consolidação de uma cultura de avaliação” (Portugal, 2012, Preâmbulo), num quadro em que o reforço da autonomia se faz pela “[...] hierarquização no exercício de cargos de gestão, a integração dos instrumentos de gestão e o reforço da abertura à comunidade” (Portugal, 2012, Preâmbulo). Quanto à sua ação e enfoque, a autoavaliação é fundamentalmente uma avaliação formativa pelo que visa informar sobre o curso dos processos educativos, colocando a tónica dominante no seu desenvolvimento e assumindo um papel de retroalimentação.

É um processo avaliativo com uma especificidade própria que não escapa a uma dimensão subjetiva que lhe é intrínseca, uma vez que incide primordialmente na observação e na reflexão sobre a ação, correspondendo a situações em que é o próprio ator educativo (ou grupo de atores) quem faz a análise da situação em avaliação, toma decisões em relação às finalidades e aos objetivos, desencadeia a ação e a avalia, refletindo sobre todos os componentes deste processo complexo (Berger; Terrasêca, 2011).

Importa ter presente que, na autoavaliação, o avaliador é também implicado no processo que pretende avaliar, levantando-se sempre a questão sobre a falta de distanciamento entre o sujeito e o objeto que lhe é familiar. Tal facto imprime, em larga medida, um teor de grande nebulosidade a esta modalidade de avaliação, e o que inicialmente poderia apontar para facilidade e transparência pode encaminhar-se no sentido de adensar e obstaculizar a compreensão da realidade educacional e organizacional. No entanto, “[...] algumas escolas veem na avaliação oportunidades de provar o distanciamento entre a realidade do trabalho que desenvolvem e a imagem mediática extensível ao conjunto de todas as escolas, lesiva do seu profissionalismo, e da qual se pretendem demarcar” (Carvalho; Folgado, 2020, p. 6).

De acordo com o relatório da Eurydice (2004), o pendor desejável seria o de uma avaliação interna participativa que examinasse de forma sistemática os pontos fortes e fracos do estabelecimento escolar, apoiando-se tanto sobre os problemas identificados pelos diferentes atores da escola, como sobre as fontes exteriores de informação, tais como os desempenhos de outras escolas.

A este propósito, resta advogar desfavoravelmente a uma comparação entre escolas de ímpeto darwiniano, acicatadora da competitividade nivelada pela sobrevivência do mais forte, e a favor de uma comparação entre estabelecimentos de ensino direcionada a perceber as razões que consubstanciam as diferenças de desempenho entre as organizações educativas, ou seja, uma comparação habilitada ao maior conhecimento e à melhor compreensão dos fatores, das práticas e das metodologias conducentes ao sucesso educativo dos alunos e, assim, capaz de contribuir para a redução das diferenças nos resultados entre as escolas.

Contudo, e de acordo com Costa (2007), a autoavaliação é a modalidade que melhor poderá contribuir para o desenvolvimento organizacional da escola, ou seja, para o reforço da profissionalidade e das competências docentes, para a melhoria das práticas de ensino e aprendizagem e para o bem-estar dos elementos da comunidade educativa. Nesta perspetiva, enquanto aspiração interna, a autoavaliação é uma oportunidade de cada unidade orgânica poder refletir sobre a sua própria individualidade e de construir a sua identidade, sem a pressão que a avaliação externa sempre implica.

Refletindo sobre as representações simbólicas que geram a resistência dos atores educativos (Figueiredo, 2023), Afonso (2000) considera que uma das vantagens do processo de autoavaliação é permitir gerir a pressão da avaliação externa, quer antecipando a identificação dos seus pontos fracos, delineando as estratégias adequadas de melhoria, quer preparando a justificação/fundamentação das fragilidades identificadas pelos serviços de avaliação externa. Esta ideia encontra paralelo nas recomendações da Inspeção Geral da Educação (2006, p. A-503), atendendo a que se procura “[…] antes de mais, constituir um elemento estratégico útil para os próprios avaliados”.

O grau de utilidade que o processo de autoavaliação pode vir a ter depende, entre outros fatores, do modo como a escola se prepara para ela. Por isso, interessa que as escolas se organizem e se preparem de modo a poderem dispor de um conjunto de elementos de informação e de indicadores que funcionem como elementos demonstrativos da pertinência e adequação do seu projeto, da estratégia seguida e da qualidade dos resultados obtidos, e a poderem ser questionados e escrutinados de forma independente por observadores externos (Alaíz; Góis; Gonçalves, 2003).

Resta convocar MacBeath (1999) para quem, num contexto político-económico em que o desempenho da escola é tornado público, as listas ordenadas de escolas e os relatórios da inspeção contam apenas uma parte da história; as escolas que se autoavaliam sabem contar-nos a sua história e acolhem bem a prestação externa de contas, pois veem nela outra fonte de evidência e outra visão política e prática da sua escola.

Autoavaliação e democratização da escola

Sabemos como é extenso o debate no que concerne à problemática da democratização da organização escolar. Porém, em contexto de integração global, subordinada a lógicas de matriz económica, parece impor-se-lhe uma solução única e aparentemente sem alternativa: a de uma democracia despolitizada enquanto garante grandes e eficientes consensos.

Os debates mais atuais parecem abandonar a problematização da crise da democracia ou do deficit democrático avançando a ideia da “[…] inevitabilidade da vitória de uma democracia global” (Neto-Mendes, 2014, p. 41) o que, de resto, vem ao encontro da agenda globalmente estruturada para a educação de Dale e do gerencialismo global de McMicheal, que os autores adiantavam já na viragem do milénio.

Em contexto de mercado global, sustenta Lima (2005, p. 71), a educação funcionalmente adaptada à racionalidade económica “[…] vem sendo transformada num capítulo da gestão de recursos humanos”, orientada preferencialmente para a produção de vantagens competitivas, pelo que a problemática da educação para a cidadania, enquanto exercício de uma escola verdadeiramente democrática, vem evidenciando tendências para uma rutura relativamente às tradições da educação política, crítica e emancipatória.

A escola democrática conquistada na efervescência do 25 de abril de 1974, cedo foi vertida e consagrada num quadro legal-normativo, nomeadamente com a publicação do Decreto-Lei n.º 735-A/74, de 21 de dezembro (Portugal, 1974), que representa o primeiro grande sinal de recuperação de “[…] uma burocracia centralizada por um ministério enquanto aparelho central organizado para o controlo”, no fundo, um diploma que representa o início “[…] do processo de reconstrução do paradigma da centralização e o retorno do poder ao centro” (Lima, 2014, p. 148).

Metáfora enclausurada no universo dos textos e dos discursos sobre realizações adiadas, embora garantindo importantes princípios de democraticidade e de participação, a escola democrática viria a enformar uma ação organizacional profundamente subordinada e regulamentada pormenorizadamente por um extensíssimo corpus normativo (Lima, 2014). Ora, atendendo a uma racionalidade técnico-instrumental hegemónica, ganha forma uma “perspetiva instrumental da democracia”, no fundo, remetendo a “[…] um esvaziamento em termos de democraticidade da escola que se vai subordinando à esfera económica, ao mercado, à concorrência e ao controlo dos aparelhos burocráticos” (Lima; Afonso, 2002, p. 100).

Tudo é, afinal, uma questão essencialmente técnica e os imperativos de modernização, racionalização e otimização da escola social, ineficiente e improdutiva, reatualizam as conceções organizacionais de escola de tipo mecanicista e racionalista, baseadas na ideia de que cada escola é, sobretudo, um instrumento técnico-racional e que, tanto as relações interpessoais, como a sua estrutura informal, obstaculizam o alcance da excelência organizacional. O princípio the one best way dita a política da não política, ou a política das soluções e dos imperativos técnicos, uma política sem escolha, uma vez encontrada a solução ótima, enquanto o “[…] princípio da performance competitiva conduz, no limite, a uma cidadania corroída e fragmentada” (Lima, 2005, p. 71).

Desvelando e desestabilizando uma racionalidade dominante, percursora do alheamento e da domesticação dos votados a cumprir ordens sem nunca as questionar, só um projeto político participado, e alicerçado no exercício de uma cidadania ativa, de apelo aos valores, permitirá reedificar uma escola verdadeiramente democrática. Ora, o projeto político de cada escola, de cada contexto organizacional, funda-se primeiramente no seu projeto educativo que, dentro de um quadro axiológico próprio, verte as opções sobre aquilo que a comunidade educativa tem como preferível ou prioritário.

Assim sendo, um processo de autoavaliação, precedido e consubstanciado por uma construção democrática do projeto educativo, pode contribuir para o debate sobre os aspetos prioritários que os atores educativos entendem ser os catalisadores da melhoria e da aprendizagem organizacional, com a consequente melhoria dos resultados educativos dos alunos. Diríamos que,

[...] sendo o auto o ponto de incidência do projeto de autoavalia ção da escola, que se consubstancia na possibilidade de um sujeito (neste caso, individual ou coletivo) refletir criticamente sobre as consequências das suas ações, e pensar o seu futuro, nada seria mais contraditório e incongruente do que entender o processo de autoavaliação da escola como uma questão técnica que dispensa bem a indagação dos seus porquês (Carvalho; Folgado, 2017, p. 86).

Neste sentido, sendo o auto o ponto de incidência do projeto de autoavaliação da escola, que se consubstancia na possibilidade de um sujeito (neste caso, individual ou coletivo), refletir criticamente sobre as consequências das suas ações, e pensar o seu futuro, nada seria mais contraditório e incongruente do que entender o processo de autoavaliação da escola como uma questão técnica que dispensa bem a indagação dos seus porquês. Com ganhos consideráveis, tanto ao nível da respetiva validação e legitimação, como ao nível da democraticidade e da cidadania, das e nas escolas, tal processo autoavaliativo deverá reunir em si mesmo três pressupostos que nos parecem fundamentais.

O primeiro parte do reconhecimento da pluralidade humana, assente numa conceção de escola em que a divergência de posições e de interesses dos atores educativos adquire grande centralidade. Assim, o processo de autoavaliação, seria sempre um espaço aberto à reorganização e à reatualização, uma vez que a própria referenciação do modelo a construir, os objetivos que persegue, as metodologias que adota e os instrumentos que utiliza, decorreriam de processos decisórios que se fazem depender das diferentes perspetivas em confronto, e nos quais a imprevisibilidade dos atores e das suas decisões sempre precipitaria o novo.

O segundo pressuposto que nos parece basilar confere uma dimensão dialética ao processo de autoavaliação, reveladora da importância da comunicação e do compromisso entre os atores educativos. Aqui, tal como Habermas (1984) defendeu para o processo deliberativo argumentativo, a comunicação, dentro da organização que se autoavalia, surge como elemento central e imprescindível ao discurso racional que permite, não só, um maior envolvimento dos atores mas, também, concede uma maior legitimidade ao processo, agora fruto de um compromisso forjado pelo diálogo. Neste âmbito, ganha também relevo a figura de amigo crítico que ao mobilizar o seu saber de especialista contribui para uma tomada de decisão refletida (Leite; Marinho, 2021). Recuperando a nossa herança clássica, percebemos que é pela palavra, pela ação discursiva efetiva, que o homem faz política, e é através da sua participação dialógica que se enriquece o debate democrático, com vista à decisão em torno daquilo que se entende ser o que melhor serve todos os cidadãos.

O terceiro pressuposto faz da autoavaliação um processo hermenêutico que reclama uma produção de sentidos comuns com base na intersubjetividade, para uma maior inteligibilidade daquilo que é a organização educativa e em que moldes se processará a sua melhoria e o respetivo desenvolvimento organizacional. A este nível estaremos perante uma escola que desenvolve um processo de autoavaliação organizacional que é integrativo e ainda constitutivo da identidade comum que dá sentido à ação organizacional e aos atores educativos, ainda que não possa escapar a cenários de instabilidade e de ambiguidade, tal como refere o filósofo alemão.

Em suma, o plano de ação organizacional depende dos atores em interação e daquilo que criativamente conseguem construir e fazer das políticas educativas e avaliativas, na certeza de que quanto mais autónomos e reflexivos forem, mais complexo e rico será o contexto local e maior o seu peso na construção global. E, se “[…] os micropoderes e as microdecisões podem afetar consideravelmente as macrodecisões, contrariá-las ou mesmo vir a sobrepor-se-lhes” (Lima, 2014, p. 157) então, os atores educativos terão sempre a possibilidade de perscrutar uma escola mais democrática, que lhes permitirá outras referencializações para os seus projetos, outras soluções, talvez apenas satisfatórias, certamente mais conflituantes, mas, decerto, mais substantivas. Só assim, a escola democrática, enquanto terreno profícuo à emancipação dos homens e das mulheres, abrirá espaço à exigente e “[…] indispensável participação indagadora e refletida” (Carvalho, 2009b, p. 445), permitindo a democratização da escola democrática (Lima, 2005).

Assim, a interpretação e a compreensão do processo de autoavaliação da organização escolar reclama a problematização da forma como os atores educativos se envolvem e participam, quer na conceptualização do modelo a ser implementado na organização, quer na respetiva concretização e operacionalização, quer, ainda, nos efeitos (ou nos impactos) que este processo tem (ou deveria ter) sobre a melhoria da ação educativa dos seus atores e da organização escolar como um todo.

Metodologias de investigação

A autoavaliação da organização escolar é uma temática que sempre se atualiza, quer pelas dinâmicas que encerra, quer pelo impacto que tem no quotidiano da escola e na vida dos atores educativos. Desvelando motivações e finalidades de ordem diversa, que nos interessam conhecer, emerge um confronto que coloca, de um lado, uma autoavaliação instrumental e instrumentalizadora e, do outro, uma autoavaliação enquanto exercício de democracia participativa e espaço de confronto de diferentes racionalidades.

Neste sentido, foi nosso objetivo conhecer o modo como participam os atores educativos de um Agrupamento de Escolas de Portugal na tomada de decisão no processo de autoavaliação da organização escolar.

O problema e os objetivos da investigação

Neste contexto de estudo, procuramos facilitar a respetiva abordagem, elaborando a seguinte questão orientadora da investigação: Quais as representações simbólicas dos professores relativamente à sua participação ao processo de autoavaliação da organização escolar? A pertinência da nossa investigação reside no facto de que a interpretação e a compreensão do processo de autoavaliação da organização escolar reclamarem a problematização da forma como os atores educativos se envolvem e participam, quer na conceptualização do modelo a ser implementado na organização, quer na respetiva concretização e operacionalização, quer ainda, nos efeitos (ou nos impactos) que este processo tem (ou deveria ter) sobre a melhoria ação educação educativa dos seus atores e da organização escolar como um todo. Assim sendo, procuramos ir ao encontro dos seguintes objetivos de investigação: Conhecer e descrever as representações dos professores sobre o desenvolvimento do processo de autoavaliação do agrupamento e caracterizar a forma como os professores participam no processo de autoavaliação do agrupamento.

Opções metodológicas

O trabalho que aqui apresentamos insere-se numa investigação de natureza mista, pois inclui a abordagem quantitativa e qualitativa, realizada num Agrupamento de Escolas em Portugal. A par deste facto, e porque a investigação aplicada a seres humanos exige da parte do investigador um conjunto de medidas que visem a proteção dos direitos e das liberdades das pessoas que participam nas investigações, tivemos em conta cinco direitos fundamentais aplicáveis aos seres humanos, determinados pelos códigos de ética, designadamente, “[…] o direito à autodeterminação, o direito à intimidade, o direito ao anonimato e à confidencialidade, o direito à proteção contra o desconforto e o prejuízo e, por fim, o direito a um tratamento justo e leal” (Fortin, 2009, p. 116).

Para o efeito, foi solicitado ao Diretor do Agrupamento de Escolas um pedido de autorização para a realização da investigação, ao qual foi dado um parecer favorável; o agrupamento de escolas onde decorreu a investigação não foi identificado; foi solicitada a devida autorização para a aplicação do inquérito por questionário. O processo foi registado no sistema de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar mediante o seguinte procedimento: registo da entidade, designação do inquérito, descrição, objetivos, data de aplicação, inquérito e nota metodológica. Na primeira página do inquérito por questionário, foram explicitados os objetivos e as finalidades do estudo bem como o âmbito da sua realização; os respondentes foram informados com clareza de que as respostas são anónimas e confidenciais. No início das entrevistas, os participantes foram informados de que elas seriam registadas em áudio e de que poderiam, a qualquer momento, optar por não colaborar com o estudo.

Dimensão quantitativa do estudo

O inquérito por questionário é especialmente adequado a estudos estatísticos, uma vez que permite a obtenção de indicadores simples, diretamente, em meio natural, a partir dos quais são definidas as variáveis latentes, ou complexas, do estudo com referência ao marco teórico construído (Cohen; Manion; Morrison, 2007; Fortin, 2009; Vilelas, 2009). No nosso caso, consideramos importante que fosse constituído por duas partes, tendo sido previamente submetido a um pré-teste e aperfeiçoamento de forma a garantir a qualidade dos dados recolhidos. A primeira parte corresponde aos dados biográficos dos respondentes, e a segunda parte diz respeito à escala principal, com 29 questões (Quadro 1) cujas respostas foram dadas em escala de Likert, de concordância, de 5 pontos.

Quadro 1 Escala principal do inquérito por questionário 

1 A autoavaliação do agrupamento é da exclusiva responsabilidade da equipa e dos órgãos de gestão.
2 Os aspetos informais do processo de autoavaliação são mais importantes do que os aspetos formais.
3 A autoavaliação do agrupamento é um processo em que todos podem e devem participar.
4 Os professores apresentam as suas ideias e propostas de melhoramento do processo de autoavaliação.
5 Há pouco a decidir sobre a autoavaliação porque tem de se cumprir a legislação que a regulamenta.
6 Os atores educativos devem ser envolvidos na decisão acerca da melhoria do agrupamento.
7 A autoavaliação depende dos professores perante problemáticas imprevistas.
8 A equipa de autoavaliação tem um desempenho em prol da eficácia e da eficiência do agrupamento.
9 A equipa de autoavaliação deve ter condições especiais para desenvolver o seu trabalho.
10 A autoavaliação do agrupamento funcionaria eficazmente mesmo sem equipa de autoavaliação.
11 O trabalho da equipa de autoavaliação contribui para a melhoria do meu desempenho profissional.
12 Os critérios de seleção dos membros da equipa de autoavaliação são claros e explícitos.
13 A competitividade entre as escolas e a livre escolha das famílias promovem uma cultura de avaliação.
14 A comunidade educativa pressiona o agrupamento a avaliar-se.
15 A autoavaliação é um dispositivo de controlo do ministério sobre as performances do agrupamento.
16 Os rankings das escolas são cada vez mais relevantes como objeto de autoavaliação.
17 A autoavaliação é essencialmente um diagnóstico do qual resultam informações úteis.
18 A autoavaliação é essencial para o conhecimento profundo das dinâmicas internas do agrupamento.
19 A autoavaliação é uma atividade de preparação para a Avaliação Externa.
20 Faz-se autoavaliação essencialmente porque é uma imposição da Lei que a regulamenta.
21 A autoavaliação tem como principal objetivo a elaboração de um relatório final.
22 A autoavaliação potencia o trabalho colaborativo.
23 Uma autoavaliação credível promove a imagem externa do agrupamento e a sua sustentabilidade.
24 A autoavaliação potencia a construção da identidade do agrupamento.
25 A autoavaliação deve sustentar a elaboração dos Planos de Melhoria do agrupamento.
26 A autoavaliação é indispensável ao desenvolvimento e planeamento do futuro do agrupamento.
27 O processo de autoavaliação gera sentimentos de desconfiança entre os professores.
28 A autoavaliação é uma boa oportunidade de aprendizagem individual e coletiva.
29 A participação e a negociação fazem parte do processo de autoavaliação.

Fonte: Elaboração própria.

Para a recolha dos dados, evitando uma amostragem por conveniência, foram distribuídos os inquéritos aos 217 indivíduos que constituíam a população. Dos 217 inquéritos distribuídos, obtivemos um total de 157 inquéritos devolvidos, dos quais 145 foram validados para efeitos de tratamento estatístico, constituindo, desta forma, a amostra da população em estudo.

Porém, medir a participação dos atores educativos é um desafio que não permite esquecer, nem a complexidade da natureza humana, a nem pluralidade de aceções que o conceito pode encerrar. Face à inegável dificuldade em quantificar um âmbito tão intrincado, as nossas opções metodológicas passaram por considerar a definição, não de uma, mas de duas variáveis latentes que permitissem descrever a forma como os atores educativos participam no desenvolvimento do processo de autoavaliação da escola. E, neste sentido, definimos ainda a variável latente Colaboração. Em síntese, a Participação e a Colaboração são duas componentes explicativas da participação dos atores educativos, cujas definições foram, coerente e congruentemente subsidiadas pela fundamentação teórica do nosso trabalho. A variável Participação remete a uma vertente mais politizada, emancipatória e substantiva da participação. No fundo, entendendo a participação como um ato político, de um ator educativo que arrisca a existir pela ação, pela palavra, que luta pelo poder que lhe confere a sua participação nos atos decisórios. A variável Colaboração remete a uma forma de participação que deixa cair o conflito de poder e de interesses dos sujeitos, a favor de um consenso em torno dos objetivos gerais da organização. Deste modo, o ator educativo participa em prol da missão definida para a unidade orgânica, num papel que o faz deslocar do plano de decisão, para o plano de execução das decisões; o consenso e a confiança obviam um ato decisório efetivamente participado.

A operacionalização das variáveis latentes envolveu a análise das correlações entre todos os itens, com recurso ao coeficiente de Pearson, a fim de encontrar os conjuntos de indicadores que pudessem ser explicativos de cada variável complexa a definir, consubstanciada, lógica e congruentemente, com a fundamentação teórica do nosso estudo. Cada variável latente, assim definida, foi sujeita a um processo de afinamento da respetiva fiabilidade e precisão, que consistiu em avaliar o impacto de cada item, sobre consistência interna dessa variável latente, através do Alfa de Cronbach, determinado antes e após a eliminação de cada item da subescala em apuramento. Procedemos à análise da precisão e da fiabilidade dos instrumentos mediante a determinação da consistência interna do questionário através do Alfa de Cronbach, com recurso ao programa SPSS 22.0. Na Tabela 1, são apresentados os valores do Alfa de Cronbach obtidos, para a escala principal e para as duas subescalas.

Tabela 1 Consistência interna do questionário utilizando o Alfa de Cronbach 

Escalas Composição Alfa de Cronbach Consistência Interna
Escala Principal 29 itens 0,859 Boa
Subescala Participação 11 itens 0,803 Boa
Subescala Colaboração 8 itens 0,838 Boa

Fonte: Elaboração própria.

Dos resultados obtidos, podemos concluir que a escala principal e as duas subescalas permitem fazer medições com boa fiabilidade e boa precisão. O estudo nomotético da forma como participam os atores educativos, no fenómeno organizacional em foco, recorreu à técnica de análise da estatística descritiva dos itens do questionário e das variáveis latentes Participação e Colaboração.

Dimensão qualitativa do estudo

Inserida no design do nosso estudo, a opção metodológica de realização de entrevistas semiestruturadas teve como função “servir de complemento” ao trabalho desenvolvido permitindo “explorar resultados não esperados” e “validar os resultados obtidos” e, “ainda, para ir mais em profundidade” (Fortin, 2009, p. 246) e neste sentido realizamos 16 entrevistas semiestruturadas, sendo a escolha dos entrevistados intencional, considerando o desempenho de cargos no interior do próprio agrupamento de escolas (Quadro 2).

Quadro 2 Codificação dos entrevistados e data das entrevistas 

Codificação Entrevistados em função dos cargos desempenhados Data da entrevista
E1 Diretora de Turma 13 de maio de 2015
E2 Coordenadora dos projetos do agrupamento 15 de maio de 2015
E3 Coordenador do departamento de Línguas e Humanidades 19 de maio de 2015
E4 Coordenador da Equipa de Autoavaliação; Assessor pedagógico 19 de maio de 2015
E5 Diretor de Turma 19 de maio de 2015
E6 Presidente do Conselho Geral 22 de maio de 2015
E7 Professora membro da Equipa de Autoavaliação 26 de maio de 2015
E8 Coordenador dos Diretores de Turma do ensino secundário 26 de maio de 2015
E9 Professora membro do Conselho Geral 27 de maio de 2015
E10 Subdiretor do agrupamento 28 de maio de 2015
E11 Professora de Matemática 28 de maio de 2015
E12 Professora de História 2 de junho de 2015
E13 Coordenador do Departamento de Expressões 4 de junho de 2015
E14 Adjunto do Diretor; coordenador de estabelecimento 5 de junho de 2015
E15 Professora de Francês 17 de junho de 2015
E16 Coordenadora do Departamento de Matemática e Ciências 17 de junho de 2015

Fonte: Elaboração própria.

As entrevistas foram gravadas em suporte áudio e posteriormente transcritas de forma a facilitar a respetiva análise de conteúdo. Neste âmbito, para a descrição, compreensão e interpretação do fenómeno em estudo a partir das respostas construídas pelos atores educativos, em contexto de entrevista semiestruturada, recorremos a uma análise de conteúdo do corpus de prova constituído. Constituído o corpus documental, realizada a leitura flutuante e estabelecida a matriz categorial, procedemos à codificação das unidades de registo e à respetiva indexação a cada categoria.

Quadro 3 Dimensão, categoria e subcategorias para a análise de conteúdo das entrevistas 

Dimensões Categorias Subcategorias
Participação Participação e Colaboração - processo burocratizado
- conflito e dissenso
- ineficiência
- participação passiva ou dependente
- assessoria e lideranças intermédias
- elitismo

Fonte: Elaboração própria.

Por fim, seguiu-se a interpretação dos resultados, subordinada, desde logo, a uma aproximação à questão de investigação.

Apresentação e discussão dos resultados

Nesta seção, dividida em duas partes, discutimos, inicialmente, as variáveis latentes Participação e Colaboração; e, na sequência, discorremos sobre as ações discursivas dos atores educativos.

Participação e colaboração

Atendendo a que a população era constituída por 217 indivíduos (N=217) e que a amostra é constituída por 145 unidades de análise (n = 145), temos a considerar um erro amostral de 4,7%, a intervalo de confiança a 95%. O tratamento e a análise dos dados recolhidos através das respostas dos inquiridos à primeira parte do inquérito por questionário permitiu-nos caraterizar a amostra. Assim, os educadores e professores do nosso estudo apresentavam uma média de idades próxima dos 50 anos, cerca de 68% de inquiridos eram do sexo feminino e 90% tinham 15 ou mais anos de serviço.

No que concerne à estatística descritiva do item 1 do questionário (Gráfico 1), os atores educativos revelaram-se bastante convictos de que o processo de autoavaliação do agrupamento não deve ser da exclusiva responsabilidade de uma equipa e dos órgãos de gestão, verificando-se que 80,0% dos respondentes discordou ou discordou totalmente da proposição desta questão. O item 1 tem uma média empírica de 1,98 pontos (σ=0,996), o que configura um valor abaixo da média teórica.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 1 Estatística descritiva em percentagem da Questão 1 

No que concerne à estatística descritiva do item 3 do questionário (Gráfico 2), os atores educativos entendem, quase unanimemente, que a autoavaliação do agrupamento é um processo em que todos podem e devem participar, com 96,6% das respostas a recair nas opções concordo e concordo totalmente.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 2 Estatística descritiva em percentagem do item 3 

Em termos médios, a concordância no item 3 é de 4,64 pontos (σ=0,597), um valor muito próximo do máximo teórico de 5 pontos, o que não deixa dúvidas de que os inquiridos entendem que o fenómeno organizacional em estudo conta, e deve contar, com a participação de todos.

Relativamente à concretização da autoavaliação do agrupamento, com referência à legislação que a institui, os atores educativos dividem-se entre os que entendem que há ainda muito a decidir (45,5%) e os que entendem que pouco há a decidir, para lá das determinações legais (33,1%). Com efeito, o item 5, Há pouco a decidir na concretização da autoavaliação porque tem de se cumprir a legislação que a regulamenta (Gráfico 3), obteve uma média empírica de 2,83 pontos (σ=1,007) ficando ligeiramente abaixo da média teórica de 3 pontos.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 3 Estatística descritiva em percentagem da questão 5 

Embora a média empírica revele um posicionamento praticamente neutro dos atores educativos, nesta matéria, a leitura da distribuição das frequências em percentagem permite ver que apenas 21,4% dos inquiridos têm um posicionamento neutro; os restantes 78,6% dividem-se entre os concordam, mais ou menos, com a proposição, e os que não concordam, em maior ou menor grau, com a afirmação.

Quando questionados sobre se os professores, na generalidade, devem ser envolvidos no processo de tomada de decisão relativamente ao melhoramento do processo de autoavaliação, 94,5% dos respondentes afirmou que concorda ou concorda totalmente (Gráfico 4).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 4 Estatística descritiva em percentagem da questão 6 

Para a questão 6, a média empírica é de 4,47 pontos (σ=0,727), o que possibilita concluir que, em termos globais, os atores educativos consideram que devem ser envolvidos na tomada de decisão sobre o desenvolvimento do processo de autoavaliação do agrupamento.

Fazendo uma análise global dos indicadores da participação dos professores no processo de autoavaliação do agrupamento, diremos que os atores educativos entendem com grande expressão que este é um processo em que todos podem e devem participar, que devem ser envolvidos nas tomadas de decisão do seu melhoramento e que apresentam as suas ideias e propostas com grande frequência.

Pela negativa, os atores afirmam que o processo de autoavaliação não é da exclusiva responsabilidade da equipa de autoavaliação e dos órgãos de gestão do agrupamento. Também, não consideram que os aspetos informais do processo sejam mais importantes que os formais. Em termos médios, os seus posicionamentos são praticamente neutros no que concerne aos sentimentos de desconfiança que o processo possa fazer surgir e quanto à necessidade de soluções improvisadas ou de situações de imprevisto, no desenvolvimento do processo de autoavaliação.

No que diz respeito à quantificação da participação, tratando-se de um âmbito de grande complexidade, as nossas opções metodológicas foram no sentido de definir duas variáveis complexas, Participação e Colaboração, enquanto duas vertentes diferentes e complementares, da participação dos atores educativos; a variável Participação, acentuando uma tendência à participação enquanto ato político, envolvendo a divergência e o conflito de interesses; a variável Colaboração, colocando a tónica na consensualização e na convergência das intenções e das ações, a favor do interesse geral da organização.

A análise da estatística descritiva das duas variáveis latentes permite consubstanciar as respetivas diferenças, tal como se pode verificar na Tabela 2, confirmando que a participação é um campo de análise intrincado, exigindo mais do que um fator explicativo.

Tabela 2 Síntese da estatística descritiva das variáveis complexas Participação e Colaboração 

Variável Nº itens Mínimo teórico Máximo teórico Média teórica Média empírica Desvio padrão Índice obtido
Participação 11 11 55 33 28,2 5,768 0,391
Colaboração 8 8 40 24 30,7 4,439 0,709

Fonte: Elaboração própria.

A variável Participação obteve uma média empírica de 28,2 pontos (σ=5,768) que se situa abaixo da média teórica (de 33 pontos), e, assim, bastante afastada do máximo teórico (de 55 pontos). Obtendo um índice de 0,391, podemos dizer que a variável participação dos atores educativos, no processo de autoavaliação, é pouco expressiva.

Já a variável Colaboração obteve um valor médio de 30,7 pontos (σ=4,439) que, situando-se acima da média teórica (de 24 pontos), ainda assim, se encontra afastada do seu máximo teórico (40 pontos). Obtendo um índice de 0,709, podemos dizer que a variável Colaboração é mais expressiva do que a variável Participação, em 32 pontos percentuais (Gráfico 5).

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 5 Índices para as variáveis Participação e Colaboração 

Em termos globais, o comportamento estatístico das duas variáveis complexas leva-nos a considerar que os atores educativos não têm uma participação muito afirmativa, em especial se entendermos a participação

[...] como um valor por referência a um projeto político democrático, como afirmação de interesses e de vontades, enquanto elemento limitativo e mesmo inibidor da afirmação de certos poderes, como elemento de intervenção nas esferas de decisão política e organizacional, como gerador de conflitos (Lima, 2001, p. 70).

A participação dos professores aponta para uma dimensão tendencialmente mais colaborativa entre os atores, mais convergente quanto aos objetivos e à missão da organização e revela maiores preocupações com fatores de sustentabilidade e de estabilidade face a eventuais perturbações e influências externas. Neste sentido, a participação dos atores educativos é mais instrumental e instrumentalizadora, uma vez que os inquiridos se vinculam preferencialmente a uma assunção de participação que os remete mais ao plano da execução das decisões, e menos ao plano do ato decisório; tomam-se os objetivos individuais, pelos objetivos gerais, e, assim, o conflito cede lugar à confiança.

Mais afastada de uma racionalidade substantiva e emancipatória, a ação organizacional empiricamente referenciada remete-se predominantemente a um quadro de grande pragmatismo, fazendo presente uma ideia de sentido único para ação organizacional. Assim sendo, os resultados obtidos permitem-nos desvelar uma realidade construída em que a participação dos docentes não adquire os contornos de uma participação ativa e capaz de seu empowerment.

As ações discursivas dos atores educativos

Mergulhados num quotidiano de rotinas cada vez mais mediadas por plataformas informáticas, a generalidade dos docentes vê a autoavaliação do agrupamento como um processo burocrático e, portanto, em certa medida, sem relevância para o desenvolvimento da sua atividade docente e sem efeitos sobre o sucesso educativo dos seus alunos, como se pode confirmar a partir das afirmações de alguns interlocutores quando expressam a ideia de que:

As pessoas não participam porque são assoberbadas com um excesso de burocracia, que tem sido crescente, e porque têm tantas coisas que fazer que procuram escapar a mais papéis. Acabamos por ver a autoavaliação como mais um processo burocrático pelo que o rejeitamos logo sem pensar (E11).

A maior parte das pessoas acha que são mais uns papéis para preencher e que o melhor é despachar (E13).

Há uns 10 anos a esta parte há um excesso de trabalho burocrático que não tem implicações diretas no rendimento dos alunos e que nos vão desgastando. Acredito que a maioria dos professores está empenhada nas atividades que mais estão ligadas aos alunos propriamente, e vejam este tipo de processos como marginais (E14).

A autoavaliação do agrupamento acaba, assim, por ser percebida por muitos como um procedimento exigido pela tutela (com poder controlador e penalizador sobre os estabelecimentos escolares, face à respetiva articulação com a avaliação externa) que requer uma resposta mais ao nível dos órgãos de gestão do agrupamento e das equipas especializadas nas matérias em foco.

Deste modo, a generalidade dos docentes entende que o processo autoavaliativo do agrupamento deve ser levado a cabo por uma equipa que se responsabilize pelo seu desenvolvimento e dinamização, adotando muito mais uma postura colaborativa com a mesma e com os órgãos de gestão que a suportam, do que um posicionamento de participação ativa, de confronto de interesses e de luta política, tal como se pode inferir das seguintes unidades de contexto:

O agrupamento não faz autoavaliação… Alguém a faz por nós. Torna-se mais fácil despachar para uma equipa que faça a autoavaliação por nós (E13).

Acredito que a generalidade dos professores entende que uma equipa pode bem fazer a parte deles (E14).

Das respostas construídas pelos entrevistados, vai ganhando força a ideia de que os atores educativos não estão envolvidos no processo e que colaboram mais do que participam:

Não me pareceu que a participação tenha sido muito ativa. Os docentes foram simplesmente chamados a colaborar (E15).

Muitos docentes nem colaboram muito com o processo de autoavaliação; fazem-no porque têm de o fazer ou porque o colega lhe pede (E8).

Eu creio que a comunidade não está envolvida e não participa neste processo, delegam na equipa a sua participação (E11).

Não vejo a participação dos professores como uma participação ativa, antes como uma colaboração, não tanto como um ato interventivo (E8).

Sabendo que há uma equipa constituída, confesso que o meu papel foi muito passivo, foi a responder a inquéritos (E8).

A minha participação é procurando estar sempre disponível para realizar os inquéritos. De outra maneira, não (E11).

A única coisa que fiz foi preencher os inquéritos (E9).

Neste sentido, a participação dos docentes consiste essencialmente na colaboração com a equipa de autoavaliação no “preenchimento de questionários” (E1, E2, E8, E9, E11, E12, E13, E15, E16) o que os leva a declarar “a minha participação é nula” (E12), “restringida” (E1), “de conformidade” (E3, E8, E9), uma vez que o processo de autoavaliação se encontra “subvertido desde o princípio” (E3, E5, E12).

Deste modo, para além do preenchimento de inquéritos, a participação da generalidade dos atores educativos no processo de autoavaliação do agrupamento é remetida a uma representatividade nos órgãos de gestão que, como vimos antes, na esteira de Lima (2009), aponta a uma democracia de pendor elitista, dispensando o debate democrático participado e alargado às bases, cada vez mais distantes dos contextos decisórios, ou arremetidas a uma participação ensaiada e ritualizada em arenas políticas de política sem escolha, no intuito de legitimação de decisões, de regras e modos de procedimentos de sentido único, tidos como neutros, racionais e sustentáveis. Daí que:

Os docentes, na generalidade, são chamados a apresentar as suas ideias. Poderão é não apresentar (E7).

A escola cria canais de comunicação, mas não mobiliza à participação (E11).

Os docentes estão à vontade para presentar as suas propostas em sede de departamento, mas o que se vê é que são sempre os mesmos a debater as propostas, e os outros aceitam-nas pura e simplesmente (E16).

O afastamento dos professores da esfera decisória redunda na sua desinformação sobre o processo de autoavaliação e respetivo alheamento conducentes a uma ação organizacional que tende a ser ritualizada, burocratizada, abreviada ou subvertida, face a uma perspetiva instrumental e instrumentalizadora que o processo adquire:

Não é uma colaboração efetiva, nem sentida, nem intrínseca. É uma autoavaliação de conformidade com aquilo que a direção acha que é o melhor para o agrupamento (E14).

Acho que os professores participam neste processo de autoavaliação de uma forma indireta e um pouco superficial (E14).

Eu acho que não há muito debate… não, não se debate nada (E12).

Não debato nada. Também ninguém mais me perguntou nada (E9).

Os atores educativos entrevistados são de opinião de que “não há muitos espaços criados para a participação dos docentes” considerando que “[...] não são chamados a pensar. São mais chamados a colaborar e nem sempre novas ideias são tidas em conta” (E1). Declararam, também, que o processo de autoavaliação decorre “[...] mais de uma decisão que vem do topo e as pessoas têm obrigatoriamente de seguir a corrente, quando não deveria ser assim” (E14), acrescentado que “[...] o problema é que o professor ao participar (que reflete, que apresenta os resultados das suas reflexões e pontos de vista) é muitas vezes visto como não colaborante” (E8).

Efetivamente, de uma maneira geral, os professores entendem que o processo de autoavaliação não envolve substantivamente a comunidade educativa como deveria, tendo referido que “[...] a autoavaliação não poderia ser feita desta maneira, tão centralizada e tão pouco participada” atendendo, inclusivamente, a que “[...] quando nós nos limitamos a preencher um papel é porque alguém já decidiu antecipadamente sobre aquilo que lá está e, se calhar, aquelas perguntas poderiam ser outras…” (E9).

Ideia que não encontra eco na afirmação de E8 quando refere: “Eu situo-me muito mais na democracia centralizada, porque assim as coisas funcionam, e o importante é que as coisas funcionem”. É, nesta medida, que se verifica que o princípio da participação nas escolas se vai subordinando a agendas técnico-racionais, compatibilizado com uma situação generalizada de participação esvaziada de qualquer possibilidade emancipatória dos atores educativos, num quadro pós-democrático, no qual “[...] várias dimensões do conceito weberiano de burocracia, nunca tinham atingido uma tão expressiva presença e radicalização” (Lima, 2009, p. 249).

Neste âmbito, as representações dos atores educativos possibilitam desocultar a emergência de uma perspetiva de democracia elitista e oligárquica, que remete ao pensamento democrático da primeira metade do século XX, com referência a Weber, Schumpeter e Michels, cujas obras são, marcadas pelo ceticismo quanto à possibilidade da concretização de uma democracia participativa, revelando-se muito mais favoráveis a um ato decisório que dispensa bem a participação e a argumentação de todos os interessados. A este propósito, declararam os entrevistados:

Acho que quando não se quer fazer alguma coisa é pôr muita gente a trabalhar, e muita gente a apresentar ideias, e muita gente a refletir, e assim não se faz nada. É impossível (E8).

É extremamente difícil pôr todos os docentes a contribuir para determinado processo. É muita cabeça a pensar e de facto não se chega a lado nenhum. Quando somos muitos não resulta… uma comunidade educativa está sempre muito dividida em relação às coisas (E13).

Eu vejo vantagens numa participação emancipatória dos docentes, o problema é que não se consegue. Se todos participássemos com a mesma garra as coisas não andavam (E13).

Todos os professores a participar?... Iria criar mais incómodo e seria mais moroso (E8).

A democracia participativa não devia ser irrealista, mas acaba por haver tanta confusão, que na prática é mais morosa (E8).

Quando se envolve a grande maioria, os processos tendem a ser mais longos e mais conflituosos (E14).

Envolver toda a gente não se consegue (E14).

Tal como patenteiam as unidades de contexto acima transcritas, faz-se presente a descrença weberiana quanto às (des)vantagens da constituição de uma esfera decisória alargada, fundamentalmente, em virtude dos inconvenientes que resultariam da interação entre indivíduos/grupos de interesses/culturas diferentes. Ou seja, na esteira de Weber (1946, p. 176), para quem “[...] as esferas de valor do mundo estão em conflito irreconciliável entre si”, no que diz respeito à autoavaliação do agrupamento, o conflito é dado como cientificamente irresolúvel sendo a argumentação de todos os atores educativos dispensável quando se pensa e se decide o quem?, o como?, com que finalidades? e o para quem? se procede à autoavaliação da organização escolar.

Se, por um lado, o confronto de interesses e o dissenso são vistos como razões que justificam um processo de autoavaliação decidido à partida ao nível da equipa de autoavaliação e da assessoria responsável pelo seu desenvolvimento, por outro lado, surge, ainda, a ideia de que nem todos os atores educativos são capazes de apresentar propostas eficientes e racionais, e que, no caso de estas serem tidas em conta, relevariam num processo de autoavaliação em nada eficiente ou pragmático. Perceba-se das declarações:

Muitas vezes há sugestões que, não é que não sejam válidas, mas são menos eficientes, mas não posso descurá-las, mesmo que às vezes pareçam descabidas, por pequena que seja, devemos aproveitá-la (E13).

Não vejo o corpo docente pouco ativo, pelo contrário, às vezes tem estado muito ativo e às vezes sem grande perspetiva, mas é daí que se pode filtrar e chegar às melhores opções (E6).

Não sei… se algumas pessoas apresentassem propostas e estas não fossem aceites, não sei como reagiriam (E8).

Com efeito, tal como Weber (1946) questionou a soberania popular e a sua utilidade para a complexa atividade administrativa que, advogou, sempre seria obstaculizada pela participação, também em contexto organizacional do fenómeno em estudo alguns atores revelaram desconfiança quanto à viabilidade das ideias que pudessem vir a emergir em cenários de participação alargada que, a serem consideradas, levariam a um processo de autoavaliação não concretizável e irrealista (E4, E6, E8, E13).

Ora, se Weber, e mais tarde Schumpeter, preconizaram um processo democrático encarado com realismo, na medida em que os indivíduos são portadores de interesses egoístas e que, na sua maioria, são incapazes de participar na tomada das decisões importantes, também alguns atores educativos entrevistados defenderam um processo de autoavaliação centralizado e pensado por um número restrito de responsáveis, afastados da confusão e irrealismo dos contextos participados de decisão.

A partir das respostas construídas pelos atores, este afastamento entre decisores e executantes de decisões emerge legitimado na sequência de uma determinada “[...] apatia em relação aos processos organizacionais, um certo desleixo com o processo dos colegas que não dão valor à sua representação e preferem delegar responsabilidades” (E13).

A participação não é de facto muita, mas é uma opção deles (E16).

Os professores não estão interessados em mudar, são comodistas (E5).

Eu penso que há bastante divulgação, nós estamos sempre a pedir novas propostas. As pessoas é que não as apresentam (E16).

Cada vez mais o corpo docente prefere uma situação de comodidade, porque dá muito menos trabalho (E9).

O processo de autoavaliação é insipiente porque as pessoas não gostam de se incomodar… o comodismo… (E8).

Neste sentido, alguns atores educativos vão subscrevendo, conscientes ou não disso mesmo, um argumento que aponta à face mais elitista da democracia, do qual Schumpeter foi percursor, que levaria, posteriormente, muitos autores a advogar a favor da apatia das massas (Ugarte, 2004), uma vez que “[...] para muitos a política é vista como uma atividade difícil e desagradável, na qual nem todos podem, querem ou devem participar” (Birch, 1993, p. 80, tradução nossa).

A retração e o alheamento da generalidade dos professores são, desta forma, apontados:

A maioria dos colegas colaboram às vezes… se isso não os afetar muito (E3).

Os colegas não querem saber se temos pontos fortes, se temos pontos fracos. Não querem saber porque se fazem alterações… só querem saber quais são e como isso afeta os seus esquemas estabelecidos (E13).

Como antes referimos a este propósito, Michels (1982, p. 35), destacando sobretudo as vertentes oligárquicas da democracia, insistiu na ideia de uma participação passiva ou dependente e, partindo da tese da “superioridade intelectual dos chefes profissionais”, derivada da sua instrução e competência técnica, sobre a correspondente “incompetência formal e real das massas”, concluiu que “[...] apesar de queixar-se, às vezes, a maioria, no fundo, está encantada por ter encontrado indivíduos dispostos a cuidar dos seus assuntos”.

Refletindo sobre o posicionamento da generalidade dos atores educativos face ao desenvolvimento do processo de autoavaliação e à equipa de autoavaliação, um dos entrevistados declarou que “[...] quanto mais não seja pela falta de tempo que nós temos, é muito mais fácil para nós deixar que alguém nos dirija” (E9).

Dentro de um quadro legal-normativo que consubstancia um reforço da hierarquização do poder dos gestores, assessores e outras tecnoestruturas, percebe-se, tal como Lima (2009) refere, que a estrutura interna da escola tende a ser governada pelas assessorias e pelas lideranças intermédias, executivamente subordinadas, quer ao conselho geral, quer ao conselho pedagógico, quer, especialmente, ao diretor, a quem têm de prestar contas. Assim, as respostas construídas pelos atores entrevistados permitem inferir um processo de autoavaliação tendencialmente centralizado e uma esfera decisória restrita, verificando-se que: “Estão escolhidos à partida os elementos que pensarão por todos os outros docentes” (E9). Assim corroboram as seguintes unidades de contexto:

Nesta escola tudo se resume aos órgãos de gestão e às equipas de trabalho. Tive a preocupação de fazer um apanhado e verificar que há professores que estão em tudo, e eu não concordo com isso. Há muitos outros professores que estariam interessados em participar e em colaborar e não lhe são dadas essas possibilidades (E5).

Nem todos os docentes são envolvidos a participar e não sinto um grande esforço por parte da gestão em perceber que se calhar há mais valor. Chamam sempre os mesmos, são sempre aqueles em que têm confiança (E1).

Acho que se parte do princípio de que têm de ser sempre as mesmas pessoas… seja qual for a missão é praticamente a mesma equipa, mudando um ou outro elemento, são sempre os mesmos (E1).

Por fim, destacar a ideia que um dos atores avançou quando declarou que “[...] falar é algo único, exclusivo do ser humano. E quando eu deixar de poder falar, não resta nada” (E12) e que no fundo decorre de um parecer generalizado de que a participação está limitada aos poucos, que pensam e desenvolvem o processo, em representação dos muitos.

Desta maneira, inferimos um corpo docente que reconhece a importância de uma participação ativa nos processos decisórios concernentes às condições da sua própria existência e convocando uma perspetiva de matriz fenomenológica-existencialista diríamos que, se estes atores se sentem cada vez mais afastados dos processos decisórios, reconhecem, para além disso, que sem uma participação emancipatória, enquanto ato político, não podem, nem poderão, descobrir-se e constituir-se como sujeitos, arriscar-se a existir, não como objetos, estáticos, mas, como sujeitos históricos em construção no mundo (aqui refletindo o pensamento freireano).

Deste modo, alguns dos professores entrevistados foram considerando as mais-valias para a unidade orgânica que adviria de um processo autoavaliativo mais abrangente e participado (E1, E2, E3, E9, E12), que a seguinte unidade de contexto consubstancia:

O processo de autoavaliação mais participativo era mais difícil, mas teria mais sentido e teria maior capacidade de mudança, aprenderíamos mais uns com os outros, teríamos que nos ouvir mais uns aos outros, e isso acabaria por ser mais construtivo e mais significativo (E16).

Conclusões

A realidade organizacional que os atores entrevistados construíram revelou um quotidiano a induzir, na generalidade dos docentes, a ideia de que a autoavaliação do agrupamento de escolas é fundamentalmente um processo burocrático e, portanto, em certa medida, sem relevância, quer em termos organizacionais, quer ao nível do desenvolvimento da sua atividade docente, e daí sem efeitos sobre o sucesso educativo dos alunos. Na verdade, ficou evidente que a autoavaliação do agrupamento acaba por ser percebida por muitos professores como um procedimento exigido pela tutela (com poder controlador e penalizador sobre os estabelecimentos escolares, face à respetiva articulação com a avaliação externa) pelo que, neste sentido, mais do foro dos órgãos de gestão do agrupamento e da equipa responsável por esta matéria.

Deste modo, foi possível constatar que a cultura de avaliação induzida pela tutela, que chega aos atores educativos através dos normativos que a balizam, redunda, para a generalidade dos docentes, num processo burocrático a exigir uma resposta contínua de adaptação formal, facilitada por todo um referencial construído externamente, essencialmente prescritivo, do qual constam as práticas mais eficazes e mais eficientes, os roteiros passo-a-passo, as pautas mais otimizadas a seguir pelas escolas e pelos seus atores, assim orientando e modelando um processo de autoavaliação cada vez mais homogéneo e tendencialmente melhor posicionado para responder às solicitações da tutela, em especial, em sede de avaliação externa das escolas.

Deste modo, para além do preenchimento de inquéritos, a participação da generalidade dos atores educativos na autoavaliação do agrupamento reduz-se a uma representatividade nos órgãos de gestão ou a uma participação ensaiada e ritualizada em arenas políticas de política sem escolha, que visam muito mais uma legitimação de decisões antes tomadas, do que a promoção de um exercício de democracia participativa.

Dispensado um debate alargado e participado, obstaculizante a uma autoavaliação eficaz e eficiente, percebe-se que o processo não envolve significativamente a comunidade educativa, deixando cair o seu potencial gerador de mudança, face a uma perspetiva instrumental e instrumentalizadora que o mesmo adquire, razão pela qual, aventamos, não foi ainda encontrado o caminho de uma autoavaliação transformadora, construtora de conhecimento, percursora de desenvolvimento e de melhoria do sucesso educativo.

É, nesta medida, que se verifica que o princípio da participação nas escolas se vai subordinando a agendas técnico-racionais, compatibilizado com uma situação generalizada de participação esvaziada de qualquer possibilidade emancipatória dos atores educativos, ficando, pois, clara a importância da emergência de uma racionalidade substantiva, no que à autoavaliação das escolas diz respeito.

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*Este trabalho foi apoiado por fundos nacionais, através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP, no âmbito do programa estratégico do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Universidade do Porto [ref.ª UIDP/00167/2020; UIDB/00167/2020].

Recebido: 02 de Fevereiro de 2024; Revisado: 11 de Maio de 2024; Aceito: 12 de Maio de 2024; Publicado: 23 de Maio de 2024

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