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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.19  Ponta Grossa  2024  Epub 18-Jun-2024

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.19.22730.041 

Seção Temática: A Educação Básica na América Latina: política, gestão e formação de professores

Formação pedagógica de professores da Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil: breve histórico e os desafios contemporâneos

Pedagogical teacher training of the Scientific, Technological and Professional Education in Brazil: brief history and contemporary challenges

Formación pedagógica de profesores de Educación Profesional, Científica y Tecnológica en Brasil: breve histórico y los desafíos contemporáneos

Leide Patrícia da Silva Cesar* 
http://orcid.org/0009-0008-5584-9139

Rafaella Rosa dos Santos Lins** 
http://orcid.org/0009-0009-1135-4449

Raysa Soares Moi*** 
http://orcid.org/0009-0002-6599-7131

Jefferson Manhães de Azevedo**** 
http://orcid.org/0000-0001-5010-2230

*Mestranda do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense). Pedagoga no IFFluminense - campus Quissamã. E-mail: <leide.cesar@iff.edu.br>.

**Mestranda do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense). Professora na Rede Municipal de Cabo Frio, Rio de Janeiro (RJ), Rede Estadual do Rio de Janeiro e Rede Privada. E-mail: <rafaellarosa.lins@gmail.com>.

***Mestranda do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense). Orientadora Pedagógica da Rede Municipal de Iguaba Grande-RJ e Orientadora Educacional na Rede Municipal de Cabo Frio-RJ. E-mail: <moi.raysa2@outlook.com>.

****Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) - Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT). Reitor do IFFluminense. E-mail: <jazevedo@iff.edu.br>.


Resumo

Neste artigo, aborda-se a formação pedagógica de professores da Educação Profissional, Científica e Tecnológica a partir de um breve histórico, dos seus aspectos legais, das primeiras manifestações, das perspectivas e dos seus desafios contemporâneos, em busca de evidenciar as discussões acerca da formação de professores no contexto da Educação Profissional e Tecnológica. Constatou-se, por meio dessa revisão bibliográfica, que, desde a preparação inicial, essa formação mostra-se distante de conceitos teóricos que relacionam Mundo do Trabalho e Educação. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com levantamento bibliográfico da literatura, que discute os aspectos históricos e políticos e os desafios da formação para a Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil. Os resultados apontam para a necessidade de reformulação das políticas voltadas à formação docente, sobretudo diante da expansão da oferta da Educação Profissional e Tecnológica, das singularidades da modalidade e das exigências que esta impõe aos docentes.

Palavras-chave: Formação pedagógica de professores; Formação continuada; Educação Profissional e Tecnológica

Abstract

In this article, the pedagogical training of teachers in Professional, Scientific and Technological Education is approached from a brief history, its legal aspects, the first manifestations, the perspectives and its contemporary challenges, in an attempt to highlight discussions about teacher training in the context of Professional and Technological Education. It was found, through this bibliographical review, that, since the initial preparation, this training appears to be distant from theoretical concepts that relate the World of Work and Education. This is a qualitative investigation, with a bibliographical survey of literature that discusses historical, political aspects and the challenges of training for Professional, Scientific and Technological Education in Brazil. The results point to the need to reformulate policies aimed at teacher training, especially given the expansion of the offer of Professional and Technological Education, the singularities of the modality and the demands it imposes on teachers.

Keywords: Pedagogical training of teachers; Continuing training; Professional and Technological Education

Resumen

En este artículo, se aborda la formación pedagógica de profesores de Educación Profesional, Científica y Tecnológica a partir de un breve histórico, de sus aspectos legales, de las primeras manifestaciones, de perspectivas y de sus desafíos contemporáneos, en búsqueda de evidenciar las discusiones sobre la formación de profesores en el contexto de la Educación Profesional y Tecnológica. Se constató, por medio de esta revisión bibliográfica, que, desde la preparación inicial, esta formación se muestra distante de conceptos teóricos que relacionan el Mundo del Trabajo y la Educación. Se trata de una investigación cualitativa, con levantamiento bibliográfico de la literatura que discute los aspectos históricos y políticos, y los desafíos de la formación para la Educación Profesional, Científica y Tecnológica en Brasil. Los resultados apuntan a la necesidad de reformulación de políticas dirigidas a la formación docente, sobre todo delante de la expansión de la oferta de Educación Profesional y Tecnológica, de las singularidades de la modalidad y de las exigencias que ésta impone a los docentes.

Palabras clave: Formación pedagógica de profesores; Formación continua; Educación Profesional y Tecnológica

Introdução

A formação pedagógica de professores da Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil é um tema de grande relevância e interesse, pelo fato de esse tema levantar discussões e trazer reflexões sobre essa modalidade educacional no país. Ao longo das últimas décadas, observam-se significativas mudanças na formação desses profissionais, na tentativa de obter melhoria na qualidade do ensino ofertado. Assim sendo, este artigo aborda a formação pedagógica de professores da Educação Profissional, Científica e Tecnológica a partir de um breve histórico, dos seus aspectos legais, das primeiras manifestações, das perspectivas e de seus desafios contemporâneos.

A metodologia de pesquisa utilizada foi a qualitativa, por meio de uma revisão bibliográfica a fim de explorar a trajetória histórica da formação pedagógica no país, bem como analisar os desafios e as perspectivas atuais que permeiam essa área. Para embasar o estudo, recorre-se a artigos que investigaram essa temática nos últimos anos, legislações sobre formação docente e Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, além de autores reconhecidos no campo desta pesquisa, a citar alguns: Paulo Freire (1996), José Libâneo (2013), Cipriano Luckesi (2011), Lucília Machado (2008a) e Acácia Kuenzer (2011).

Dentre as várias prerrogativas que permeiam o âmbito do ensino na Educação Profissional Científica e Tecnológica, também nomeada como Educação Profissional, Educação Profissional e Tecnológica, Educação Tecnológica ou apenas como EPT, nos textos selecionados, tomando como marco inicial o século XX e caminhando até os tempos atuais, mostrando que a formação pedagógica continuada na Educação Profissional e Tecnológica no Brasil se modificou significativamente ao longo do tempo devido a políticas públicas que regulamentam e buscam priorizar a formação pedagógica com práticas que se sobrepõem aos saberes meramente tecnicistas. Nesse aspecto, ainda enfrenta desafios específicos que demandam um olhar reflexivo e crítico.

A formação inicial para a docência na Educação Profissional, Científica e Tecnológica realiza-se em cursos de graduação, em programas de licenciatura, bacharelado ou cursos superiores de tecnologia na área correspondente. Observa-se, assim, que há a possibilidade de ingresso de professores nesta modalidade que não possuem cursos de formação específica para a docência. Conforme os pesquisadores, essa possibilidade reforça a tendência histórica de priorizar os conhecimentos técnicos de uma área de saber em detrimento dos saberes didático-pedagógicos (Costa; Coutinho, 2019).

No entanto, algumas questões são levantadas. A formação técnica é suficiente para qualificar professores para atuarem na promoção da aprendizagem integral e significativa dos estudantes? O profissional com apenas saberes técnicos está adequadamente instrumentalizado para promover um ensino de qualidade que atenda às necessidades de formação de um indivíduo pleno, em diálogo com os princípios e pressupostos da EPT? Conforme afirma Moura (2008), a resposta para as duas questões é um sonoro “não”!

A formação e a capacitação devem, portanto, ir além da aquisição de técnicas didáticas de transmissão de conteúdos para os professores e de técnicas de gestão para os dirigentes. Evidentemente, esses aspectos continuarão sendo importantes, mas o objetivo macro é mais ambicioso e deve privilegiar a formação no âmbito das políticas públicas do país, principalmente as educacionais, numa perspectiva de superação do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente, de modo que se deve priorizar mais o ser humano do que, simplesmente, as relações de mercado e o fortalecimento da economia (Moura, 2008, p. 31).

O saber técnico é extremamente importante, pois fornece aos docentes certezas alusivas a seu contexto de trabalho, mas o saber pedagógico traz conhecimentos primordiais para o ensino e a aplicação das técnicas, proporcionando um processo de ensino e aprendizagem que se relaciona com a práxis pedagógica combinando teoria e atividades práticas por meio do saber fazer pedagógico. Como bem afirma Kuenzer (2011, p. 684-685):

A formação de professores para a EPT deve articular conhecimentos sobre o mundo do trabalho, conhecimentos científico-tecnológicos sobre a área ser ensinada, conhecimentos pedagógicos, formação em pesquisa e experiência no trabalho docente. [...]. Torna-se necessário não só o trato com conteúdos, mas principalmente com formas metodológicas que permitam a utilização do conhecimento sócio-histórico e científico-tecnológico para intervir na realidade, criando novos conhecimentos.

Nessa conjuntura, nota-se que o profissional que atua na EPT precisa estar frequentemente em formação para saber lidar com as transformações e os desafios dessa modalidade, entendendo que os conhecimentos teóricos precisam estar ajustados às práticas e às inovações metodológicas de ensino. Nas concepções de Machado (2011, p. 6):

Formação docente continuada, de modo a assegurar o necessário trabalho coletivo e colaborativo dos professores de conteúdos da educação geral e profissional; a compreensão de como desenvolver os princípios educativos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura; o diálogo entre teoria e prática; o pensar e o agir na lógica da interdisciplinaridade; a sintonia com o desenvolvimento tecnológico e o contexto socioeconômico e ambiental.

Os estudos selecionados para este trabalho apontam desafios comuns, mas não se limitam apenas ao levantamento de tais problemáticas, pois apresentam possibilidades, provocam educadores e demais atores da Educação Profissional e Tecnológica a buscarem caminhos que possam romper com tais situações e fomentar uma melhoria no processo de ensino e aprendizagem nesse âmbito educacional.

Um breve histórico da formação pedagógica de professores da Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil

A formação docente para a EPT vem passando por grandes transformações estruturantes no contexto contemporâneo; no entanto, é importante fazer uma breve revisão histórica acerca da formação pedagógica para o Ensino Profissional Tecnológico. A preocupação com uma formação dos professores sólida para esta modalidade pode ser considerada como uma pauta recente para os debates e para as legislações, uma vez que a maior preocupação formativa para essa modalidade esteve intimamente ligada a formar mão de obra para desempenhar um ofício.

No início do século XX, com o Decreto no 7.566, de 23 de setembro de 1909, de criação das Escolas de Aprendizes Artífices (Brasil, 1909), preconizavam apenas os professores como mestres de oficinas, mas não fizeram qualquer menção sobre a formação pedagógica dos docentes. O marco inicial em prol da formação docente para a Educação Profissional, no Brasil, foi a criação da Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, por meio do Decreto nº 1.880, de 11 de agosto de 1917, no Distrito Federal (hoje, Rio de Janeiro). A priori, a Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás tinha uma dupla finalidade: “[...] preparar professores, mestres e contramestres para estabelecimentos de ensino profissional, assim como professores de trabalhos manuais para as escolas primárias da municipalidade [...]” (Cunha, 2005, p. 83).

Um ano após a criação da Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, ela passou por crises, pois foi considerada dispendiosa e com uma finalidade restrita. Para contornar a crise, a escola foi transferida para a esfera federal, visando atender à carência de formação dos docentes para atuarem nas instituições criadas em setembro de 1909, pelo presidente Nilo Peçanha, as chamadas Escolas de Aprendizes Artífices, as quais, um século depois, constituiriam os atuais Institutos Federais. A escola foi fechada em 1937, pois não atendia às exigências do setor industrial. Assim:

O prédio onde funcionava a escola foi demolido, dando lugar à Escola Técnica Nacional, instituída pelo Decreto Lei nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942, e tinha como finalidades a formação de artífices, mestres e técnicos para a indústria nacional em crescimento, além da preparação de pessoal docente e administrativo para o Ensino Industrial. Esse ramo de ensino teve as bases de funcionamento e regime estabelecidos pela Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942 (Souza; Rodrigues, 2017, p. 625).

Em 1931, o governo do Estado de São Paulo, após uma grande expansão industrial, instaurou cursos de aperfeiçoamento voltados à formação de docentes nas escolas profissionais, mas estes duraram apenas dois anos, pois foram considerados uma experiência restrita.

No início do ano de 1946, despontou a Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI), que formulou um programa de ação, a partir da cooperação com os Estados Unidos visando a aproximação entre os dois países por meio do intercâmbio de professores, ideias, experiências, estratégias e métodos pedagógicos.

Em 1947, o CBAI promoveu o primeiro curso de aperfeiçoamento destinado aos professores do ensino industrial das escolas federais brasileiras, sendo considerado bastante proveitoso, de acordo com Fonseca (1961). Já em 1957, o CBAI resolveu reavaliar o percurso da sua atuação, o que resultou na instalação do Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores, oferecendo cursos de aperfeiçoamento para docentes de diferentes especialidades, em Curitiba-PR. Segundo Souza e Rodrigues (2017, p. 627),

[...] mesmo antes do funcionamento dos Cursos Pedagógicos da Escola Técnica Nacional e dos cursos de aperfeiçoamento promovidos pela CBAI, houve outras iniciativas importantes para formação de professores para a Educação Profissional, dentre as quais destacamos: as criações da Escola Normal de Artes e Ofícios, em Araraquara, da Escola Profissional Feminina Carlos Campos e do Instituto Pedagógico do Ensino Industrial, ambos na Capital Paulista, e ainda do Curso Normal-Profissional das Escolas Femininas Fluminenses, no Rio de Janeiro.

Diante do exposto, só em 1960 que o Ministério da Educação (MEC) passou a regular o exercício do magistério no ensino Profissional, preconizando as exigências para o registro de docentes para lecionar nessa modalidade. No ano consecutivo, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, estabeleceu, em seu art. 59, a separação entre os locais de formação dos professores do Ensino Médio (Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras) daqueles destinados aos professores do Ensino Técnico (cursos especiais de educação técnica) (Brasil, 1961). Vale ressaltar que, nesse artigo da LDB de 1961, fica evidente a dualidade na formação dos professores, tratando o Ensino Médio propedêutico e o Ensino Técnico como níveis distintos e independentes, assim como a formação docente para a educação profissional deve se dar em cursos especiais.

No período militar, o foco estava nos grandes projetos nacionais, surgindo a necessidade de cumprir com os programas que buscavam mão de obra qualificada. Visto isso, aconteceu a revitalização do Programa Intensivo de Mão de Obra (PIPMO), idealizado pelo governo de João Goulart, em 1963, e efetivado no período da ditadura militar, até 1982, cujo treinamento era ofertado pelas instituições voltadas à formação profissional, como o Sistema S e as Escolas Técnicas Federais. Consequentemente, essa política exerceu influência na formação dos professores que atuavam nesses cursos.

Em 1968, com a Portaria nº 111/1968, ficou definido que os cursos “especiais” eram voltados para a formação de professores para as disciplinas específicas e que poderiam cursá-los tanto aqueles que possuíam diploma de nível superior quanto aqueles que possuíam diploma de nível técnico (Machado, 2008b). Ainda em 1968, foi aprovado o Parecer nº 479, para diminuir a separação que se estabeleceu entre formação de professores para o ensino técnico e formação de professores para o ensino médio (Machado, 2008b).

A Lei da Reforma Universitária, Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, teceu um nível de exigência maior para o magistério de 2º grau, no seguinte artigo:

Art. 30: A formação de professores para o ensino de segundo grau, de disciplinas gerais ou técnicas, bem como o preparo de especialistas destinados ao trabalho de planejamento, supervisão, administração, inspeção e orientação no âmbito de escolas e sistemas escolares, far-se-á em nível superior (Brasil, 1968c).

Contudo, flexibilizaram a determinação da Lei por meio do Decreto-Lei no 464, de 11 de fevereiro de 1969, aceitando a habilitação para as respectivas funções mediante exame de suficiência (Brasil, 1969a). Era grande o contingente de professores que estavam atuando de forma irregular diante das novas exigências da Lei para o exercício do magistério nessa modalidade. Para prover essa defasagem, foi instituída, por meio do Decreto Lei nº 616, de 9 de junho de 1969 (Brasil, 1969b), a Fundação Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para Formação Profissional (CENAFOR), diretamente ligado ao MEC.

O MEC também criou a Portaria Ministerial nº 339/1970, dos cursos emergenciais conhecidos como “Esquemas I e II” (Machado, 2008b). O Esquema I era destinado à complementação pedagógica de portadores de diplomas de nível superior, enquanto o Esquema II era destinado aos portadores de diploma técnico industrial de nível médio. Para estes últimos, além das disciplinas do Esquema I, eram necessárias também disciplinas de conteúdos correlativos (Machado, 2008a).

Em 1970, o Parecer CFE nº 74/1970 estabeleceu que os cursos de formação para o ensino técnico deveriam ter 1.600 horas/aula, integralizadas em nove meses (Machado, 2008b). Para os candidatos que tivessem diploma de formação técnica, o curso poderia ser reduzido para 800 horas/aula, integralizados em cinco meses (Machado, 2013). Fica evidente a urgência que o governo militar tinha em formar docentes, pelo fato da carência de mão de obra qualificada para atender às demandas do mercado em expansão, principalmente em função do incentivo dado pelo governo à vinda de empresas multinacionais. O exposto acima também explica a criação da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que preconiza, dentre outras coisas, a profissionalização no ensino de segundo grau (Brasil, 1971).

Em 1997, a Educação Profissional foi regulamentada por meio do Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997, que oficializa a segmentação entre a formação geral e a profissional e trata da formação de professores para as disciplinas técnicas (Brasil, 1997a). O art. 9º desse Decreto expressa que:

As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, que deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica (Brasil, 1997a, p. 7761).

Com o intuito de ofertar uma formação de qualidade para os professores, o Decreto nº 2.406, de 27 de novembro de 1997, objetivou a função de “[...] ministrar cursos de formação de professores e especialistas, bem como programas especiais de formação pedagógica, para as disciplinas de educação científica e tecnológica” (Brasil, 1997b). Dez anos depois, o Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, revogou o Decreto nº 2.208/1997 (Brasil, 2004), que, por sua vez, não valoriza a formação docente, retrocedendo e prevalecendo as autorizações a título precário para lecionar.

Somente em 2008, com a Lei nº 11.784, de 22 de setembro, as questões da formação docente para o ensino técnico foram retomadas, com a criação da carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, tendo como requisito para o ingresso nesses cargos, conforme seu art. 113, § 2º, inciso I: “[...] possuir habilitação específica obtida em licenciatura plena ou habilitação legal equivalente” (Brasil, 2008). Com a implementação dos Institutos Federais no final de 2008, a temática relativa à formação de professores para a Educação Básica e Educação Profissional também foi colocada em forma de lei, sendo uma das metas a serem cumpridas pelos institutos.

A publicação da Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP), define as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação inicial em nível superior (cursos de Licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda Licenciatura) e para a formação continuada dos profissionais do magistério para a Educação Básica, incluindo suas respectivas etapas e modalidades, entre as quais a EPT (Brasil, 2015).

Em conclusão, foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019 (Brasil, 2019), que estabelece as DCN para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e concebe a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), revogando a Resolução CNE/CP nº 2/2015.

Entrou em vigor, também, a Resolução CNE/CP nº 1, de 27 de outubro de 2020 (Brasil, 2020), que dispõe sobre as DCN para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e constitui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada).

Diante do exposto, a trajetória da formação docente para a EPT brasileira carrega, em seu cerne, a imagem de uma sociedade com marcas dos processos históricos de conflitos, por projetos em disputa, que, consequentemente, atingem os processos educativos e a todos que neles estão envolvidos. É o que fica explícito na reformulação das DCN para a formação de professores ao buscar adequá-las à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

O retrocesso nos documentos atuais de políticas curriculares salienta o anseio entre a visão pragmática e reducionista da formação por competências evidentes nos documentos oficiais, em discordância à visão de formação humana e cidadã elencada no trabalho como princípio educativo. Entender, portanto, que se está mergulhado em uma sociedade capitalista e tal configuração afeta a formação de professores, ficando evidente que a formação inicial e continuada de docentes para atuar na Educação Profissional no país carece de políticas e práticas efetivas, sendo necessária a discussão para a sua configuração.

Desafios e perspectivas da formação de professores na Educação Profissional, Científica e Tecnológica: a formação continuada

É inegável a importância da educação para a formação de uma sociedade melhor. Nesse aspecto, o acesso a um ensino de qualidade é um direito de toda a população. No entanto, esbarra-se em várias situações que comprometem que tais afirmações sejam concebidas integralmente, o que não se faz diferente no âmbito da Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

A Educação Profissional no Brasil possui características e trajetória histórica que remete a objetivos de formação voltados aos interesses do mercado de trabalho. Nesse sentido, as políticas públicas de formação de professores para essa modalidade passaram e ainda passam por soluções imediatistas que só atendem objetivos numéricos, mas nada sistematizado, que possibilite ao educador uma formação pedagógica consistente para o tamanho do desafio que a prática educacional diária exige atualmente.

Por um lado, Hupalo e Richit (2019) chamam atenção de que, dentro dessa lógica de profissionalização técnica para o mercado, se observa a supervalorização dos saberes próprios das áreas de atuação e dos saberes técnicos, tomando-os como suficientes para a prática docente. Por outro lado, nota-se, na prática cotidiana, uma baixa priorização de políticas e ações institucionais que fomentem a formação didático-pedagógica, a educação para o mundo do trabalho e os pressupostos da Educação Profissional.

Essa tendência repercute dentro das instituições de ensino com a constatação de que há um número significativo de professores atuando na Educação Profissional sem nenhuma formação pedagógica, cujas práticas são baseadas apenas nos conhecimentos técnicos e na experiência docente adquirida ao longo dos anos de magistério, um saber experiencial. E mais, reforça a ideia de que a profissão de professor pode ser exercida sem os devidos conhecimentos inerentes à prática educativa, logo, por qualquer profissional que tenha a solicitude para ensinar.

Tais engrenagens se estruturam na contramão das demandas que revelam as pesquisas sobre a formação de professores no Brasil. Estas apontam para a necessidade urgente de ações que garantam uma formação pedagógica sólida que permita ao educador práticas emancipatórias dos sujeitos e não apenas o desenvolvimento específico de habilidades e competências técnicas sem a preocupação com o desenvolver da criticidade que deve fazer parte de todo o processo de ensino e aprendizagem e que são os princípios formativos da Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Hupalo; Richit, 2019).

Observa-se, por meio da análise dos textos elencados, a variedade de perfis profissionais que atuam na EPT, considerando atuações na rede privada e pública, a citar: “[...] professores técnicos com habilitação de ensino médio; professores bacharéis, sem formação pedagógica; e professores licenciados, com pouco ou nenhum conhecimento sobre Educação Profissional (EP) e mundo do trabalho” (Pires, 2019, p. 3).

Colocando-se luz sobre a realidade dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, por constatar-se que a maior parte da produção selecionada está baseada em estudos envolvendo a EPT oferecida por essas instituições de ensino, pesquisa e extensão, bem como o potencial de desenvolvimento dessa modalidade por conta da expansão da Rede Federal promovida a partir de 2008, a exigência de formação mínima para ingresso no seu quadro de Magistério é a Graduação, sem pré-requisitos, aos bacharéis e tecnólogos, de formação pedagógica.

Cabe pontuar que os Institutos Federais trabalham com a verticalização do ensino, ofertando cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio1, Técnicos Subsequentes2 e Técnicos Concomitantes3, e os cursos de Nível Superior. Assim, no que se aplica ao Ensino Médio Integrado, por exemplo, acaba admitindo a atuação de professores não licenciados enquanto a LDB de 1996 - Lei no 9.394, de 20 de dezembro, em seu art. 62, prevê que a formação mínima para atuar na Educação Básica deve-se dar a nível superior por meio de licenciatura plena (Brasil, 1996). E não para por aí, como prevê o art. 53 da Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021:

§ 2º Aos professores graduados, não licenciados, em efetivo exercício docente em unidades curriculares da parte profissional, é assegurado o direito de:

I - participar de programas de licenciatura e de complementação ou formação pedagógica;

II - participar de curso de pós-graduação lato sensu de especialização, de caráter pedagógico, voltado especificamente para a docência na educação profissional, devendo o TCC contemplar, preferencialmente, projeto de intervenção relativo à prática docente em cursos e programas de educação profissional; e

III - ter reconhecimento total ou parcial dos saberes profissionais de docentes, mediante processo de certificação de competência, considerada equivalente a licenciatura, tendo como pré-requisito para submissão a este processo, no mínimo, 5 (cinco) anos de efetivo exercício como professores de educação profissional.

§ 3º A formação inicial não esgota as possibilidades de qualificação profissional e desenvolvimento dos docentes do ensino da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, cabendo aos sistemas e às instituições e redes de ensino a organização e viabilização de ações destinadas à formação continuada de docentes da educação profissional (Brasil, 2021, p. 23).

Ressalta-se que a Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, revogada pela Resolução CNE/CP nº 1/2021, estipulou o ano de 2020 como limite para a formação pedagógica dos professores com os perfis descritos no parágrafo 2º (Brasil, 2012), citado acima. Pontua-se, ainda, o que prevê o parágrafo 3º que reafirma a importância da formação contínua durante todo o percurso de atuação docente (Brasil, 2021). O que se vê, entretanto, por meio de estudos como os de Silveira e Castaman (2020, p. 11), é uma carência de pesquisas na área de formação pedagógica docente.

Há poucas iniciativas das instituições de ensino federais no sentido de oferecer institucionalmente programas de formação continuada, de complementação pedagógica e, até mesmo, para atualização dos já licenciados, dada a insuficiência da formação pedagógica oferecida em muitas das licenciaturas, o que afeta diretamente a prática dos professores licenciados atuantes no magistério da EPT. Tem-se, ademais, a desatualização docente acerca dos conhecimentos didático-pedagógicos ao longo dos anos de carreira, quando os docentes acabam priorizando o saber experiencial e as formações mais especializadas em suas áreas e menos os saberes sobre ensino, aprendizagem, avaliação, metodologias diversificadas e saberes políticos que posicionam o indivíduo como protagonista em seu desenvolvimento cidadão.

Luckesi (2011) destaca a importância das habilidades do educador na aplicação de procedimentos didáticos. Essa perspectiva evidencia um desafio significativo na formação de professores para a EPT no Brasil, dado que muitos docentes, nessas instituições, como nos Institutos Federais com seu ensino verticalizado, atuam sem formação pedagógica inicial e/ou continuada. Esse cenário é agravado pela diversidade dos públicos atendidos, o que demanda processos de ensino e aprendizagem diferenciados.

Nesse contexto tão diversificado e heterogêneo, o professor se vê diante da necessidade de transpor conhecimentos científicos de forma facilitadora e mediadora a um alunado que muitas vezes só tem esse local como possibilidade de formação para emancipação cidadã. Assim sendo, algumas indagações são inevitáveis: De que maneira o professor pode dar conta desses desafios? De quais saberes ele deve estar munido para atender às demandas atuais de formação profissional e tecnológica?

Os estudos convergem para algumas possíveis respostas, tais como a necessidade urgente de discussões quanto à formação de professores, em especial a formação pedagógica e política voltadas às especificidades da Educação Profissional, Científica e Tecnológica. A superação da ideia que supervaloriza os saberes técnicos em detrimento dos saberes pedagógicos, uma vez que estes últimos são essenciais à compreensão e à articulação de planejamentos de ações formativas para jovens e adultos, norteadas pelas concepções e pelos princípios da Educação Profissional, mundo do trabalho e do saber político que não permite o pensamento ingênuo da neutralidade das ações educativas (Luckesi, 2011).

Não buscar o sentido crítico no movimento de tais ações fortalece o pensamento dominante que remete a práticas educativas passivas. Segundo Luckesi (2011, p. 123), a não exigência de formação específica para a docência contribui para a tendência de políticas que reforçam pensamentos dominantes. O autor ressalta que professores sem formações iniciais para docência não estão fadados a serem más profissionais; entretanto, falta instrumentação para se refletir sobre o “papel do educador no processo educativo”, inclusive para apresentar possibilidades pedagógicas que deem conta de demandas sociais, econômicas e emocionais que são fatores que podem agravar as dificuldades no desenvolvimento escolar dos educandos.

Deve-se considerar, ainda, as consequências à aprendizagem que o período pós- isolamento e ensino remoto, impostos pela pandemia da covid-19, poderão acarretar e que só estudos futuros sobre a temática poderão precisar. Mediante tais realidades presentes no cotidiano escolar, é necessário o olhar pedagógico para perceber, entender, e assim, desenvolver técnicas e estratégias para aprender a lidar com a diversidade e oferecer um ensino e uma aprendizagem ativos e significativos para todos os alunos.

Acrescenta-se à discussão os achados de Silveira, Gonçalves e Maraschin (2017) que posicionam o olhar institucional sobre a formação pedagógica dos professores como uma ação relevante de permanência e êxito dos estudantes. Outras pesquisas vão além e relacionam a formação inadequada e/ou insuficiente do docente às dificuldades de aprendizagem dos educandos, dando pistas de como superar essa problemática. Segundo Hupalo e Richit (2019, p. 121), por exemplo,

[...] muitos dos problemas do ensino, decorrentes da formação inadequada dos professores, acabam por dificultar a aprendizagem dos alunos. E este aspecto pode ser superado mediante o desenvolvimento da dimensão pedagógica da formação do professor, que, por conseguinte, pode contribuir para o processo de integração das dimensões formativas da própria educação profissional em sua origem.

Diante de uma crescente preocupação mundial com sustentabilidade, com as novas formas de empregabilidade e a Educação Inclusiva com todas as suas especificidades, não se pode adiar a centralidade de discussões sobre a formação de professores e os saberes didáticos, políticos e pedagógicos para a Educação Profissional no Brasil, haja vista que a continuidade de práticas educativas passivas e engessadas podem inviabilizar esse projeto de desenvolvimento e, tal projeto, só pode ser efetivado no campo educacional por meio do “[...] saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 47).

Os estudos selecionados para este trabalho apontam desafios comuns, ora mencionados, mas não se limitam apenas ao levantamento de tais problemáticas. Eles apresentam possibilidades, provocam educadores e demais atores da EPT a buscarem caminhos que possam romper com os desafios apresentados. Nesse sentido, defende-se que a efetivação de políticas de valorização da formação de professores passe pelo olhar de estruturação da carreira de docente e do rompimento com soluções de formação imediatistas.

Ainda que haja uma movimentação do MEC na direção de incentivar os Institutos Federais na oferta de licenciaturas, chama-se atenção para a relevância da implantação de licenciaturas que formem professores para a EPT, dadas as suas especificidades (Maldaner, 2017). Miranda e Sales (2020) contribuem ressaltando, ainda, a necessidade de acolhimento institucional aos professores recém-formados que, uma vez admitidos em concursos públicos para atuarem em cursos da EPT, chegam às instituições de ensino e são deixados sem maiores orientações e assistência nesse primeiro e desafiador período.

Os autores seguem enfatizando a importância da escuta e da troca de experiências entre os docentes em espaços de formação dentro das próprias instituições - formação continuada. Espaços que envolvam o professorado e os técnicos das equipes pedagógicas em movimentos de ação, reflexão e re(construção) de saberes. Miranda e Sales (2020) destacam, entretanto, outra situação que pode comprometer a efetivação dessas ações, o excesso de atividades exercidas por profissionais que atuam diretamente em coordenações de ações pedagógicas, fato que pode ocorrer pela insuficiência de profissionais da educação nas unidades, o que acaba por inviabilizar muitas das ações formativas necessárias.

Para além das iniciativas pontuais das Instituições de Educação Profissional, no que se refere à formação continuada de professores nessa modalidade, evidenciam-se políticas mais amplas que estão em andamento no país e que, segundo os estudos revisados, objetivam a melhoria da formação desses profissionais. Cabe salientar que não é objeto deste trabalho aprofundar o estudo dessas ações, mas faz-se importante citá-las para incentivar novas pesquisas que possam contemplar os resultados de tais iniciativas para a formação de professores na EPT. São elas:

[...] Programa de Formação Inicial e Continuada, Presencial e a Distância, de Professores para a Educação Básica (PARFOR), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Projeto Gestor, o Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola (PPGEA), Programa Institucional de Qualificação Docente para a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (PIQDTEC) e Programa Educação em Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção. Porém, ainda incipientes e em estágio embrionário (Dornelles; Castaman; Vieira, 2021, p. 16-17).

Os desafios são muitos e todos passam pela certeza de que uma formação de professores consistente promovida por meio de políticas e ações de formação inicial e continuada comprometidas com a qualidade da Educação e voltadas à formação integral do sujeito requerem “formação teórica e política” e que envolvem conhecimentos das disciplinas de “Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, História da Educação e outras” (Libâneo, 2013, p. 78). Mais ainda, afirma Libâneo (2013): os conhecimentos dos métodos de ensino e o seu domínio dão maior segurança ao professor no seu fazer educativo, o que, certamente, repercutirá nos processos de ensino e aprendizagem.

É por meio da formação pedagógica continuada que o docente pode trocar conhecimentos com seus pares e desenvolver habilidades para melhorar seu fazer educativo, relacionando as novas práticas pedagógicas às bases científicas da sua graduação inicial, agregando mais suporte e conteúdo para oferecer aos seus alunos e promover uma formação integral, por ter ciência e competência sobre todas as etapas do processo de ensino.

Seguindo nesse caminho, as pesquisas apontam que grande parte dos professores sujeitos dos estudos, ora analisados, reconhecem a importância da formação nas áreas pedagógicas e ligam esses saberes à possibilidade de maior conhecimento e recursos para elaborar suas aulas. Segundo Souza e Nascimento (2013, p. 416):

A formação de professores para a EPT vai muito além do domínio do conhecimento prático. A falta de uma fundamentação teórica e prática que oriente o exercício da docência, [...], traz certos entraves e dificuldades para os bacharéis professores no seu desenvolvimento na profusão docente (Souza; Nascimento, 2013, p. 416).

O reconhecimento da importância da formação pedagógica inicial e continuada dos professores da EPT já modifica a prática docente, pelo fato de que, por meio da qualificação, há um alinhamento dos conhecimentos técnicos às demandas práticas dando maior segurança ao professor para atuar e lidar com as demandas do fazer educativo.

Considerações finais

A análise dos estudos acadêmicos elencados neste trabalho expôs a fragilidade da formação pedagógica de um número significativo de professores que atuam na Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil. Essas vulnerabilidades apontadas pelos autores não estão limitadas aos docentes Bacharéis e/ou Tecnólogos. Elas se estendem aos professores licenciados que passam por formações pedagógicas insuficientes para essa modalidade de educação, pois não abordam saberes inerentes à Educação Profissional e Tecnológica, bem como à educação e ao mundo do trabalho.

Somando-se a tais desafios, tem-se, ainda, a problemática da falta de atualização dos professores quanto aos saberes metodológicos e didáticos, falta que não se aplica quando tomadas para estudo as formações em nível de especialização nos conhecimentos específicos por meio de programas de Mestrado e Doutorado.

Os objetivos desta pesquisa visaram trazer inquietações e possíveis caminhos para a formação de professores da EPT no Brasil, bem como provocar a discussão sobre tal temática, dada sua relevância no cenário de valorização dessa modalidade da educação, no Brasil e no mundo. Considerando o viés inclusivo que a Educação Tecnológica traz em seus princípios, encerra-se este texto com uma conclusão inquietante que requer reflexões e ações imediatas dos atores dessa modalidade da educação apresentados por Costa e Coutinho (2019, p. 421):

[...] embora tenham um quadro de professores com significativa experiência e anos de estudos em suas áreas específicas de graduação, predomina o despreparo e até um desconhecimento científico acerca das questões relativas ao processo de ensino e de aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de aula e desenvolvem suas práticas didático-pedagógicas.

Os resultados deste estudo levam à urgência de formulação de políticas públicas de formação de professores para a EPT mais pautadas no trabalho e na pesquisa como princípios educativos, assim como à valorização e ao investimento em formação pedagógica inicial e continuada. Apontam a importância das formações continuadas, no âmbito das instituições, que permitam a troca de saberes entre os docentes e equipes pedagógicas, ainda que ressaltem a dificuldade encontrada pela insuficiência de profissionais para a construção de tais espaços.

Esses movimentos, conforme os pesquisadores da temática, favorecem os processos de ensino e aprendizagem e corroboram para a permanência e o sucesso dos estudantes matriculados nos cursos dessa modalidade, além de auxiliar na identificação e no planejamento de práticas educativas inclusivas e de superação das dificuldades de aprendizagens dos educandos.

Nesse sentido, deixa-se mais uma provocação: Como promover inclusão e elevar o nível de escolaridade ao máximo de jovens e adultos, dando possibilidade de acesso, permanência e êxito sem a adequada preparação que os fazeres educativos diários exigem? Finaliza-se o estudo deixando essa reflexão, mas não se tem o objetivo de encerrar qualquer discussão sobre o tema. Ao contrário, estimula a continuidade das investigações.

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1Ensino Médio junto com um curso técnico.

2Voltados a quem já concluiu o Ensino Médio.

3Os estudantes cursam as disciplinas do Ensino Médio em uma instituição e fazem a formação técnica em outra.

Recebido: 02 de Dezembro de 2023; Revisado: 23 de Março de 2024; Aceito: 31 de Março de 2024; Publicado: 13 de Maio de 2024

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