Introdução
Como resposta à crise do Estado evidenciada ao final dos anos 1970, ganha impulso a formulação de um plano de reforma do Estado “concebido segundo a metodologia gerencial ou de resultados, que transplanta valores e racionalidades da seara do mercado para o seio do Estado” (PIRES, 1988, p. 12).
Tal iniciativa se concretiza com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995) e com a nova concepção de administração contida na Emenda Constitucional (EC) n. 19/98 (BRASIL, 1998), que inova o ordenamento jurídico ao introduzir no caput do artigo 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) o princípio da eficiência, abrindo caminho para uma nova cultura administrativa que buscava romper com as práticas burocráticas de gestão, otimizar os gastos, reduzir o tamanho e as atribuições do Estado e estabelecer sinergias entre o Estado e entidades de direito privado sem fins lucrativos.
Na esteira desse processo surgiram investigações com o intuito de analisar as parcerias entre o Estado e o setor não-estatal, buscando refletir sobre suas influências na oferta de serviços não-exclusivos do Estado (Educação, Saúde e Assistência Social), dentre os quais tem relevância o trabalho realizado por Graeff (2015) que analisou os objetivos e características do modelo legal-institucional das Organizações Sociais (OS). Também há que se considerar os trabalhos realizados por Adrião (2013) e Domiciano (2009), que tiveram como foco as parcerias realizadas entre prefeituras do interior paulista e Organizações da Sociedade Civil (OSC), onde ficou evidenciado um novo arranjo institucional entre os setores público e privado, em especial no que se refere à oferta de vagas em creches.
Partindo da literatura acerca das parcerias entre o Estado e as organizações sociais e buscando analisar a realidade da Educação Infantil no Distrito Federal, surgiu a questão de pesquisa desse estudo: a transferência de serviços não-exclusivos do Estado para o setor não-estatal tem se constituído como política central do Distrito Federal para o atendimento educacional à primeira infância?
A fim de responder à questão de pesquisa, elegeu-se como objetivo do estudo analisar a dinâmica de oferta de vagas e o perfil dos gastos realizados com Educação Infantil pelo Distrito Federal na Rede Oficial e nas Organizações da Sociedade Civil conveniadas.
Como percurso metodológico, optou-se pela análise documental, centrando-se inicialmente nos marcos legais que disciplinam a transferência de serviços não- exclusivos. Em um segundo momento, concentrou sua análise no fluxo de matrículas na educação infantil (creche e pré-escola) da Rede Pública de Ensino entre os anos de 2012 a 2017, realizando estudos comparativos entre as matrículas em unidades próprias e em instituições conveniadas. Por fim, foi analisada a evolução dos valores liquidados pelo Distrito Federal com o fomento às instituições conveniadas, comparando-os com as despesas liquidadas com a manutenção da Educação Infantil na Rede Oficial.
O plano diretor da reforma do aparelho do Estado (PDRAE): a educação como atividade não-exclusiva do Estado
Partindo do pressuposto de que a crise do Estado “implicou na necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo” (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 26), ganha força a defesa da redefinição do Aparelho do Estado, numa perspectiva liberal de que a crise seria superada por uma reforma que definisse “o Estado como avalista, e não necessariamente provedor” (WHITE, 1998, p. 3).
Tal reforma foi concebida na visão de seus autores como gerencial e social- democrata (BRESSER-PEREIRA, 1997, p.7), “gerencial porque busca inspiração na administração das empresas privadas” e social-democrata “porque o Estado tem a obrigação moral de garantir direitos sociais”.
Nesse sentido, foi proposto o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), que buscou “definir um modelo conceitual, que distinga os segmentos fundamentais característicos da ação do Estado” (BRASIL, 1995, p. 40), delineando dessa forma os quatro setores do Estado que podem ser assim distinguidos: a) Núcleo Estratégico: Corresponde ao governo em sentido lato, sua cúpula. É o setor que define as leis e constrói políticas públicas; b) Atividades Exclusivas: serviços que só podem ser prestados pelo Estado. Reúnem as ações de fiscalização, poder de polícia, etc; c) Serviços Não-Exclusivos: setor no qual o Estado atua simultaneamente com as outras organizações não-estatais, já que não possui poder de Estado. Contudo, por envolver direitos como a Educação, não devem estar à mercê apenas de interesses financeiros. d) Produção de Bens para o Mercado: correspondem às empresas que estão sobre propriedade do Estado.
Houve no PDRAE a definição do tipo de propriedade mais indicada para cada setor. Para o de Serviços não-exclusivos, por envolver a garantia de direitos, foi estabelecida que a “propriedade ideal é a pública não-estatal. Não é a propriedade estatal porque aí não se exerce o poder de Estado. Não é, por outro lado, a propriedade privada, porque se trata de um tipo de serviço por definição subsidiado” (BRASIL, 1995, p.43).
O Plano também buscou elaborar “estratégias específicas para cada segmento de atuação do Estado, evitando a alternativa simplista de proposição de soluções genéricas a problemas que são peculiares dependendo do setor” (BRASIL, 1995, p. 40).
Dessa forma, a estratégia para o setor de Serviços Não-Exclusivos é:
Transferir para o setor público não-estatal estes serviços, através de um programa de ‘publicização’, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do poder legislativo para celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim ter direito a dotação orçamentária.
A fim de garantir as definições constantes no PDRAE foi proposta a EC 19/98 (BRASIL, 1998) que implementou modificações no regime administrativo brasileiro a partir da introdução no caput do artigo 37 da Constituição Federal do princípio da eficiência, bem como o estabelecimento do conceito de contratos de gestão.
Na visão de Adrião (2013, p.258) os dispositivos oriundos da Emenda Constitucional 19/1998 “se configuram como marcos significativos para a normalização de parcerias entre a administração pública e o setor privado, tendo em vista, o estabelecimento, no sistema jurídico brasileiro das agências executivas e das Organizações Sociais (OS)”, se constituindo como uma saída neoliberal justificada pela baixa qualidade da intervenção estatal e pela “ineficiência do funcionamento da administração pública brasileira, auferida pelos índices de corrupção e ausência de controle social e transparência” (ADRIÃO, 2013, p. 259).
A transferência de serviços não-exclusivos para o setor não-estatal
Com o PDRAE (BRASIL, 1995) e a EC 19/98, que visam à administração pública gerencial (BRESSER, 1996) mantendo, contudo, o Estado como “instrumento de promoção do bem-estar social e do crescimento econômico” (NUNES, 2007, p. 33), começa a ganhar corpo a transferência de serviços não-exclusivos.
Para tanto, surgiram novos modelos institucionais-legais para a transferência de serviços não-exclusivos: as Organizações Sociais (OS), as Organizações da Sociedade Civil (OSC) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
A literatura aponta que embora genericamente se convencionou nominar todas as instituições que atuam em parceria com o Estado de organizações sociais e que ambos modelos partam da concepção de administração pública gerencial, orientados pelos princípios da eficiência, qualidade social e transparência e com foco no atendimento ao cidadão-cliente (BRESSER-PEREIRA, 1996), a forma de se constituir e gerir tais parcerias tem distinções.
Surgidas na esteira do PDRAE, as OS foram estabelecidas na Lei n. 9.637/98 (BRASIL, 1998), tendo como objetivo central segundo Graeff (2015, p. 230) a “transferência dos serviços públicos não-exclusivos de Estado para o denominado setor público não-estatal, ou seja, a publicização desses serviços”, abrindo a possibilidade das OS assumirem serviços públicos realizados por órgãos da administração, extinguindo-os.
Já as OSC, entidades privadas sem fins lucrativos como fundações, associações, religiosas e cooperativas sociais, que desenvolvem ações de interesse público e atuem em atividades nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, são regulamentadas por meio da Lei 13.019/2014 (BRASIL, 2014), que sucedeu a Lei n. 9.790 (BRASIL, 1999).
As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) foram definidas pela Lei Federal n. 9.790 (BRASIL, 1999), e qualificadas como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos. A sua finalidade é realizar serviços não-exclusivos do Estado, contando com incentivo e fiscalização do poder público (DI PIETRO, 2007).
A fim de se estabelecer diferenças entre as OS, as OSC e as OSCIPS, trazemos a figura 2, produzida a partir dos estudos de Di Pietro (2007), Graeff (2015) e Adrião (2008):
Características | OS | OSC | OSCIP |
---|---|---|---|
Vínculo | Contrato de Gestão | Termo de Fomento (atividades das OSC), Acordo de Colaboração (quando há execução de políticas públicas) e Acordo de Cooperação (quando não há recursos públicos). |
Termo de Parceria. |
Raio de ação | Podem assumir serviços públicos realizados por órgãos da administração, extinguindo-os. |
Exerce atividades privadas com fomento do Estado, não interferindo no funcionamento da administração. | Exerce atividades não- exclusivas por meio de parceria fomentada com recursos estatais. |
Objetivos | Atuar em áreas de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, preservação do meio ambiente, cultura e saúde. | Atuar em áreas voltadas para a promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação. |
Atuação nas áreas de assistência social; cultura; conservação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde. |
Qualificação | Entidades criadas de forma customizada para atender a publicização. |
Qualificação de entidades já existentes, com atuação reconhecida. | Deve se habilitar perante o Ministério da Justiça para obter a qualificação. |
Forma de Gestão | Conselho de Administração com a presença de 20 a 40% dos |
Gerida de forma privada sem presença estatal, sendo acompanhada e fiscalizada por órgão do Estado da |
Gerida de forma privada sem presença estatal, sendo acompanhada e fiscalizada por órgão do |
membros representando o poder público. |
área de atuação relacionada à atividade fomentada. |
Estado da área de atuação relacionada à atividade. |
Fonte: Adaptado de Di Pietro (2007), Graeff (2015) e Adrião (2008).
Cabe apontar a existência de ações judiciais que questionam a transferência de serviços não-exclusivos, como o caso das OS, que foram alvo da ADIN 1.923 junto ao Supremo Tribunal Federal - STF, sob a alegação de que a Lei n. 9.637/98 (BRASIL, 1998) “promove profundas modificações no ordenamento institucional da Administração Pública brasileira”, por habilitar o Poder Executivo da União a instituir, mediante decreto, um Programa Nacional de Publicização que objetiva transferir serviços estatais para entidades de direito privado não integrantes da Administração.
No STF, em voto seguido pela maioria, o Ministro relator Ayres Brito apontou que é “notório que todos os serviços enumerados no art. 1º da Lei 9.637/98 são do tipo ‘não- exclusivos do Estado’, não havendo, a priori, impedimento na qualificação de entidades para que venham gerir esses serviços” (BRASIL, 2011).
A partir de tais considerações, analisamos o atendimento educacional à primeira infância no Distrito Federal na Rede Oficial e conveniada entre os anos de 2012 a 2017.
A transferência de serviços não-exclusivos e o atendimento educacional à primeira infância no Distrito Federal
As parcerias entre o Estado e a Sociedade Civil nos marcos legais do Distrito Federal
No Distrito Federal (DF), a transferência de serviços não-exclusivos para o setor não-estatal é uma prática anterior ao Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado e está regulamentada na Lei Orgânica do Distrito Federal - LODF (DISTRITO FEDERAL, 1993), que estabeleceu em seus artigos 218 e 243 a possibilidade de subvencionar instituições sem fins lucrativos que prestassem atividades educacionais, culturais ou socioeducativas.
Com a publicação do PDRAE e da EC 19/1998 surgiram novos marcos a fim de disciplinar e fomentar tais parcerias, dentre os quais a inclusão do Artigo 221-B na LODF, que estabeleceu que “os recursos públicos devem ser destinados às instituições públicas de ensino e podem ser dirigidos às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas de ensino” estabelecendo ainda que “os recursos de que trata este artigo podem ser destinados a bolsas de estudo para a educação básica, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas”, em situação análoga à apresentada por Adrião (2013) e Domiciano (2009) em seus estudos acerca da oferta de vagas na Educação Infantil em Organizações da Sociedade Civil fomentadas por municípios paulistas.
Com o advento do Marco Regulatório das Organizações Sociais (BRASIL, 2014), os convênios entre a SEDF e as Organizações da Sociedade Civil começam a ser regidos por tal legislação, que prevê a realização de chamamento público para firmar acordos de cooperação, que vem sendo realizados anualmente desde então.
O direito à Educação Infantil no Distrito Federal
A garantia de acesso à Educação Infantil no Distrito Federal foi estabelecida na LODF (DISTRITO FEDERAL, 1993) por meio do artigo 223 que determinou que “o Distrito Federal garantirá atendimento em creches e pré-escolas a crianças de zero a seis anos3 de idade, na forma da lei”, a serem custeadas “pelo Poder Público, mediante dotação orçamentária própria”.
Embora a garantia de acesso tenha sido estabelecida, nos anos posteriores à promulgação da LODF não houve a implementação de políticas voltadas ao atendimento educacional da primeira infância, devendo ser ressaltado que até o ano de 2011 a política de creches estava a cargo da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST), sendo transferida posteriormente à Secretaria de Estado de Educação (SEDF).
Tal dinâmica fez com que o DF apresentasse historicamente baixa cobertura educacional para a primeira infância, fato evidenciado pelo Tribunal de Contas do DF por meio do Processo TCDF 20440/2012 (DISTRITO FEDERAL, 2013) que apontou que em 2012 somente 7,46% (5.896) das crianças de zero a três anos de idade foram atendidas em creches e que havia somente 31.896 estudantes matriculados na pré- escola.
Esse quadro começa a se modificar a partir da Emenda Constitucional 59/2009 (BRASIL, 2009), da Emenda à LODF n. 80/2014 (DISTRITO FEDERAL, 2014) da aprovação do Plano Distrital de Educação do Distrito Federal - PDE/DF (DISTRITO FEDERAL, 2015), elaborado em consonância com as diretrizes de universalização de atendimento apontadas no Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), e que determinou a obrigatoriedade de:
Meta 1: Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches públicas e conveniadas, de forma a atender no mínimo 60% da população dessa faixa etária, sendo no mínimo 5% a cada ano até a final de vigência deste Plano Distrital de Educação - PDE, e ao menos 90% em período integral.
A Meta 1 do PDE-DF, diferentemente do PNE, que propôs a universalização da “pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos” (BRASIL, 2014), ampliou o público alvo ao estabelecer a obrigatoriedade de universalizar o acesso à pré-escola até 2016 e determinar que 60% dos estudantes com idade entre 0 a 3 anos sejam atendidos em creche, percentual que totaliza aproximadamente 82.000 crianças segundo dados do Censo Populacional (BRASIL, 2010), sendo que 90% deverá ser atendida em tempo integral.
A fim de compreender a opção política adotada pelo DF para garantir a universalização do acesso à pré-escola e garantir atendimento de 60% dos alunos com idade para frequentar a creche, e responder a questão de pesquisa proposta, o presente estudo analisou o perfil das matrículas da Educação Infantil (creche e pré-escola), bem como o valor investido para a oferta de educação para esse público.
Análise do atendimento aos estudantes com idade entre 0 e 3 anos no DF
Para compreender a política de acesso à creche, é interessante uma análise dos dados do Censo Escolar da Rede Pública do DF entre 2012 e 2017, período no qual as creches passaram para a responsabilidade da SEDF:
ANO | CRECHE | ||||
---|---|---|---|---|---|
Rede Oficial | Conveniadas Prédio Próprio | Conveniadas CEPIS | Total Conveniadas Próprio + CEPIS | Total Geral | |
2012 | 1.311 | 4.585 | 0 | 4.585 | 5896 |
2013 | 1.452 | 6.540 | 0 | 6.540 | 7.992 |
2014 | 1.195 | 7.829 | 64 | 7.893 | 9.088 |
2015 | 568 | 7.170 | 1.728 | 8.898 | 9.466 |
2016 | 355 | 7.636 | 3.234 | 10.870 | 11.225 |
2017 | 289 | 8.428 | 3.511 | 11.939 | 12.228 |
Fonte: Censo Escolar SEDF.
A partir da análise dos dados podemos apontar a seguinte dinâmica na oferta de vagas em creche no DF: i. a ampliação das matrículas realizadas em Organizações da Sociedade Civil, que saltaram de 4.585 vagas em 2012 para 11.939 vagas em 2017; ii. significativa queda de vagas em creches públicas da Rede Oficial, tendo em vista que em 2012 havia 1.311 vagas, das quais em 2017 só restavam 289.
Tal movimento foi impulsionado pela ampliação da oferta de vagas em prédios próprios das instituições conveniadas e pela opção de transferir a gestão dos Centros de Educação da Primeira Infância (CEPIS), construídos com recursos do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) às OSC a partir de 2014, evidenciando a preferência pela oferta de matrículas em creches no setor não-estatal, confirmando a tendência de transferência da oferta de creches para o setor não-estatal observada nos estudos de Domiciano (2009) e Adrião, Borghi e Garcia (2013).
Por fim, foi evidenciada a baixa cobertura educacional na creche quando comparada ao disposto na Meta 1 do PDE-DF, que determinou o atendimento de no mínimo 60% dos alunos com idade entre 0 a 3 anos, estimada no diagnóstico das metas do PDE-DF em 27.500 alunos, fazendo com que o Sistema Público de Ensino do DF apresente um déficit de aproximadamente 12.772 vagas em creches.
Análise do atendimento educacional aos estudantes com idades entre 4 e 5 anos
Ao analisar os dados do Censo Escolar da Rede Pública de Ensino do DF referentes à oferta de vagas na pré-escola (4 e 5 anos) no período entre 2012 a 2017, temos:
ANO | PRÉ-ESCOLA | ||||
---|---|---|---|---|---|
Rede Oficial | Conveniadas Prédio Próprio | Conveniadas CEPIS | Total Conveniadas Próprio + CEPIS | Total Geral | |
2012 | 30.019 | 3.515 | 0 | 3.515 | 33.534 |
2013 | 32.416 | 3.479 | 0 | 3.479 | 35.895 |
2014 | 34.014 | 3.621 | 48 | 3.669 | 37.683 |
2015 | 33.303 | 3.456 | 1.296 | 4.752 | 38.055 |
2016 | 38.399 | 2.933 | 2.460 | 5.393 | 43.792 |
2017 | 40.715 | 3.287 | 2.573 | 5.860 | 46.575 |
Fonte: Censo Escolar SEDF
No período analisado observou-se a ampliação de matrículas na pré-escola, que saltaram de 33.534 vagas em 2012 para 46.575 vagas em 2017, uma ampliação de 36,1%, sendo que: o quantitativo de vagas ofertadas em escolas da Rede Pública de Ensino apresentou evolução, passando de 30.019 matrículas em 2012 para 40.715 em 2017, e as vagas ofertadas em instituições conveniadas passaram de 3.515 em 2012 para 5.860 em 2017, das quais 2.573 foram ofertadas nos Centros de Educação da Primeira Infância - CEPI, construídos com os recursos do Proinfância e que foram repassados pelo Distrito Federal às OSC.
Gastos do DF com a oferta de vagas em creche e pré-escola mediante convênios
Ao analisar as parcerias entre o Distrito Federal e as Organizações da Sociedade Civil para oferta de Educação Infantil, ganha relevância o estudo das transferências de recursos públicos às instituições conveniadas, tendo em vista que tais valores poderiam ser utilizados para ampliar a oferta de vagas na Rede Pública de Ensino do DF.
Destarte, iniciamos pelo valor per capita mensal destinado às OSC conveniadas para a oferta de vagas em creches e pré-escola (Gráfico 1):
Os dados apontados no gráfico 1, extraídos dos Editais de Chamamento Público publicados pela SEDF entre 2012 a 2017 e analisados no Estudo Técnico 02/2017 (DISTRITO FEDERAL, 2017), apontam que o valor repassado às OSC vem se ampliando, tendo em vista que a per capita para a creche que em 2012 era de R$ 446,30 mensais saltou para R$ 747,53 a partir de 2015. Já para a Pré-escola, os repasses que eram de R$ 446,3 por estudante chegaram a 640,74 em 2015, se mantendo nesse nível nos anos de 2016 e 2017.
Assim, constata-se que o valor mensal per capita repassado às OSC apresentou elevação de 67,49% para a creche e de 43,57% na pré-escola, ficando acima da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC no período, que foi de 33,97%.
Outro foco de análise se concentra na comparação entre os valores liquidados com convênios e o gasto total do DF com Educação Infantil, e que se baseia nos valores consolidados extraídos do Sistema Integrado de Gestão Governamental do DF (SIGGO):
EXERCÍCIO | I. DOTAÇÃO AUTORIZADA ED. INFANTIL |
II. LIQUIDADO ED. INFANTIL |
III. LIQUIDADO CONVÊNIOS |
---|---|---|---|
2012 | R$ 365.369.457 | R$ 322.492.125 | R$ 39.765.329 |
2013 | R$ 373.289.593 | R$ 327.580.133 | R$ 54.002.410 |
2014 | R$ 636.387.854 | R$ 540.377.367 | R$ 84.038.724 |
2015 | R$ 529.032.568 | R$ 464.759.297 | R$ 108.803.988 |
2016 | R$ 636.998.140 | R$ 465.056.543 | R$ 130.244.068 |
2017 | R$ 410.024.018 | R$ 315.514.986 | R$ 161.294.688 |
Nota: Nesses valores estão englobados recursos para pagamento de salários, obras e MDE. Fonte: Sistema Integrado de Gestão Governamental (SIGGO).
Analisando a evolução dos gastos a partir dos dados do SIGGO percebe-se que os valores destinados ao fomento da Educação Infantil liquidados na Rede Pública de Ensino do Distrito Federal passaram de R$ 365.369.457,00 em 2012 para R$ 410.024.018,00 em 2017, uma ampliação de 12,22% aproximadamente, enquanto os valores liquidados para a oferta de vagas na Educação Infantil pelas OSC cresceram de R$ 39.765.329 em 2012 para 161.294.688 em 2017, uma ampliação de 305,6% aproximadamente, em um período no qual as matrículas nas OSC cresceram 119,7%.
Quando comparamos o volume de recursos destinados ao fomento da Educação Infantil ofertada nas OSC e os gastos totais liquidados na subfunção 365 (Educação Infantil) pelo Distrito Federal, constata-se que em 2012 os gastos com OSC representavam 12,3% dos gastos totais, ao passo que em 2017 alcançaram 39,3% das despesas liquidadas pelo Distrito Federal na subfunção 365.
Interessante apontar que enquanto em 2017 o valor gasto com Educação Infantil nas conveniadas alcançou o ápice da série histórica analisada, o valor gasto na Rede Pública de Ensino teve a menor marca da série temporal usada no presente estudo. Também se constatou que o valor gasto nas OSC alcançou a maior proporção em relação ao gasto total com educação infantil, passando de aproximadamente 12,3% (2012) para um patamar em torno de 39,33% dos gastos totais com Educação Infantil liquidados em 2017.
Outro ponto de análise que nos detivemos foi no comparativo entre o investimento per capita anual realizado na Rede Pública de Ensino do DF e o investido nas Organizações da Sociedade Civil para atender a estudantes da Educação Infantil, dado obtido a partir de dados extraídos do SIGGO (Tabela 4):
EXERCÍCIO | I. LIQUIDADO REDE OFICIAL | II. LIQUIDADO CONVÊNIOS | III. PER CAPITA REDEOFICIAL ANUAL | IV. PER CAPITA CONVÊNIOS ANUAL |
---|---|---|---|---|
2012 | R$ 322.492.125 | R$ 39.765.329 | R$ 10.293,39 | R$ 4.909,29 |
2013 | R$ 327.580.133 | R$ 54.002.410 | R$ 9.724,51 | R$ 5.390,00 |
2014 | R$ 540.377.367 | R$ 84.038.724 | R$ 15.347,70 | R$ 7.268,53 |
2015 | R$ 464.759.297 | R$ 108.803.988 | R$ 13.721,45 | R$ 7.970,98 |
2016 | R$ 465.056.543 | R$ 130.244.068 | R$ 12.000,22 | R$ 8.008,61 |
2017 | R$ 315.514.986 | R$ 161.294.688 | R$ 7.694,74 | R$ 9.062,01 |
Nota: Nesses valores estão englobados recursos para pagamento de salários, obras e MDE. Fonte: Sistema Integrado de Gestão Governamental (SIGGO).
Ao analisar os gastos per capita anual na Rede Oficial e na rede conveniada (OSC), constatamos que em 2012 o valor foi de R$ 10.293,39 e R$ 4.909,29 respectivamente, havendo uma diferença aproximada de 109,6% maior no valor investido por estudante na Rede Oficial em comparação ao estudante atendido nas OSC. Já em 2017, o valor per capita anual investido na Rede Oficial (Educação Infantil) foi de R$ 7.694,74 contra R$ 9.062,01 nas OSC, fazendo com que a Rede Oficial passasse a receber um investimento per capita anual 17,7% inferior ao realizado nas OSC.
Com a análise dos dados, uma questão interessante surge diante da realidade apresentada a partir do ano letivo de 2017: tendo em vista que o valor per capita anual investido por estudante na Educação Infantil atendido na Rede Oficial passou a ser inferior ao valor destinado ao atendimento dos estudantes matriculados nas instituições conveniadas (R$ 7.694,74 na Rede Oficial versus R$ 9.062,01 nas OSC), o princípio da eficiência, introduzido no caput do artigo 37 da Constituição Federal por meio da EC nº 19/98 (BRASIL, 1998) e que deve orientar as parcerias entre o Estado e as entidades não-estatais fica comprometido, afastando pelo menos do ponto de vista financeiro a alegada eficiência e economicidade. Apontamos para a necessidade de maior acompanhamento desses dados, a fim de verificar se o observado no ano de 2017 é uma tendência ou apenas uma sazonalidade.
A política de acesso à Educação Infantil no Distrito Federal: pública estatal ou pública não- estatal?
Concluída a análise dos dados, retomamos a questão da pesquisa, ou seja: a transferência de serviços não-exclusivos do Estado para o setor não-estatal tem se constituído como política central do Distrito Federal para o atendimento educacional à primeira infância?
Diante dessa questão, é necessário apontar que os dados indicaram dinâmicas distintas para cada uma das sub-etapas da Educação Infantil, ou seja, para Creche (estudantes com idades entre 0 e 3 anos) e para a Pré-escola (estudantes com idades entre 4 e 5 anos).
Levando-se em consideração que entre 2012 a 2017 o número de matrículas de estudantes com idade entre 0 a 3 anos em creches públicas caiu de 1.311 para 289, uma redução de 77,9%, ao passo que o número de estudantes atendidos em creches conveniadas subiu de 4.585 para 11.939, é possível apontar que a transferência de serviços-não exclusivos do Estado para o setor não-estatal tem se constituído como política central do Distrito Federal para oferta de atendimento escolar aos estudantes que compõem o público-alvo das creches. Tal ação, ou seja, priorizar a oferta de vagas em creches via convênio, não é uma tendência apenas do DF, tendo em vista o desvelado nos estudos já citados (ADRIÃO, BORGHI E GARCIA, 2013; DOMICIANO, 2009).
Em relação à Pré-escola, os dados apontam para a ampliação das vagas na Rede Oficial, chegando em 2017 a um total de 46.575 matrículas, das quais 40.715 são ofertadas nas escolas da Rede Pública de Ensino e 5.860 nas conveniadas, em especial nos CEPIS. Assim, constata-se uma dinâmica na qual o DF tem firmado acordos de cooperação com as OSC a fim de garantir a universalização do atendimento aos estudantes com idades entre 4 e 5 anos em cumprimento à obrigatoriedade de universalização da Pré-escola estabelecida na Meta 1 do PDE-DF, sendo possível perceber a tendência de que o atendimento na Rede Oficial se constitua como opção preferencial da política de oferta de Pré-escola.
Considerações Finais
Com a crise do Estado a partir do final da década de 1970, começa a ganhar espaço a defesa de uma ampla reforma que redefinisse a configuração e os raios de atuação do Estado. No Brasil, tal proposta se materializa com PDRAE e com a EC 19/98, que abriram espaço para a transferência dos serviços não-exclusivos do Estado para o setor não-estatal, e se baseia no discurso da eficiência, da economia e da transparência social. Diante dessas mudanças, diversos entes federados buscaram empreender ações de reforma de sua estrutura estatal, buscando transferir serviços não-exclusivos, como saúde e educação para Organizações Sociais ou para as Organizações da Sociedade Civil.
No caso analisado, envolvendo o Distrito Federal, ente federativo com longo histórico de parcerias com o setor não-estatal para a oferta de serviços públicos, foi possível perceber a ampliação das matrículas de estudantes da educação infantil nas OSC, em especial de estudantes com idades entre 0 a 3 anos (Creche). Também se constatou o aumento do investimento realizado pelo DF em tais parcerias, contrariando a retração dos gastos na Rede Oficial, chegando a uma realidade na qual o valor investido nas OSC anualmente por aluno superasse o valor investido por aluno na rede própria.
Em relação à questão que orientou esse estudo, observou-se que a transferência de serviços não-exclusivos para o setor não-estatal tem se constituído como política central para oferta de vagas em creches e que tem sido usada na Pré-escola como forma de garantir a universalização do atendimento educacional estabelecida no Plano Distrital de Educação.
Por fim, apontamos para a necessidade de estudos que analisem os aspectos pedagógicos que envolvem as parcerias entre o Distrito Federal e as Organizações da Sociedade Civil para a oferta de Educação Infantil, tendo em vista que o simples acesso à escola não tem se constituído como garantia de qualidade.