1. Introdução
Este artigo3 tem por objetivo analisar a produção de dissertações e teses sobre o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) no período de 2009 a 2018. Parte-se do pressuposto de que em um cenário diverso, no qual se levanta as mais variadas análises e interpretações, torna-se necessário um estudo que ofereça uma síntese analítica e interpretativa das produções acadêmicas sobre o Programa, contemplando não apenas os seus recortes teórico-metodológicos, como também analisando criticamente os usos e o seu lugar nas Universidades Federais. O contexto de formulação do REUNI deu-se no segundo mandato do Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, já a sua implementação se perpetuou até o primeiro mandato da Presidente Dilma Rousseff. O Governo Lula teve início em 2003, com alguns desafios para a Educação Superior, sendo o principal alcançar os objetivos propostos no Plano Nacional de Educação (PNE 2001/20104), com a finalidade de ampliar a oferta de vagas
Em 2003, a taxa de escolaridade líquida (jovens de 18 a 24 anos) da Educação Superior era pequena e distante da meta de 30% proposta pelo PNE 2001/2010. Partindo dessa perspectiva, o Governo Lula assumiu e desenvolveu programas e políticas orientadas para alcançar os resultados propostos no PNE, tais como: Programa Expansão da Fase I, Programa Universidade Para Todos (PROUNI5), e a expansão do Ensino a Distância (EAD) com a proposta da Universidade Aberta do Brasil (UAB6).
O REUNI foi lançado por meio do Decreto nº 6.096 de 2007, já no segundo mandato do Governo Lula, como estratégia de implementação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE7), com objetivos de reestruturação física e pedagógica das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). A principal meta do programa foi ampliar o acesso e a permanência na Educação Superior. Para alcançar essa meta principal, existiram algumas diretrizes, como: reduzir a taxa de evasão, ocupando vagas ociosas e aumentando o número de ingressos, principalmente no período noturno; contribuir para implementar regimes curriculares e sistemas de títulos, oportunos para a construção de itinerários formativos; modificações qualitativas nas metodologias de ensino-aprendizagem; maior articulação entre graduação, pós-graduação e educação básica e aperfeiçoamento de políticas de inclusão e assistência estudantil8. Na prática, as IFES buscaram criar novos cursos e departamentos de graduação, aumentar a relação aluno-professor (RAP) para 18/1, modificar a cultura organizacional das instituições, dentre outras estratégias.
Desde o início de sua implementação, o REUNI foi considerado polêmico, dividindo a opinião da comunidade acadêmica e ocasionando protestos9. Em outras palavras, o REUNI foi uma política que impactou a oferta de cursos e vagas pela via estatal no Sistema Federal de Ensino Superior, o que provocou a comunidade acadêmica a pesquisar, analisando e interpretando, a efetividade do Programa nas Universidades Federais, seja qualitativamente ou quantitativamente.
Buscando apresentar o processo de análise de como os pesquisadores interpretam o REUNI, considerou-se uma forma didática de compreensão. Logo, este trabalho foi estruturado em quatro partes: na primeira parte, descreve o procedimento metodológico adotado no levantamento, análise e interpretação das dissertações e teses. Na segunda parte, elabora-se um panorama com a finalidade de construir uma visão ampla e abrangente das propostas nas dissertações e teses a respeito do REUNI. Na terceira parte, trata-se das abordagens desenvolvidas por estas dissertações e teses e seus respectivos resultados. E, na última parte, destacam-se as considerações finais.
2. Procedimento metodológico
Nesta análise, foram utilizados os procedimentos da pesquisa bibliográfica para realizar um levantamento das dissertações e teses. Minayo (2006) destaca que a bibliografia precisa ser ampla para encaminhar a moldura na qual o objeto se situa. Há a necessidade de buscar perspectivas de diferentes ângulos do problema que permitam estabelecer definições, conexões, mediações e demonstrar o “estado da arte”.
No levantamento da bibliografia, foi preciso destacar as categorias centrais, conceitos e noções utilizadas por diversas pesquisas a respeito do Programa REUNI. E, por último, relacionar a um modus disciplinar e operacional. Logo, aqui se tratou da tarefa de sistematização, análise e interpretação dos dados a partir do procedimento de ordenação e classificação.
Foram selecionadas dissertações e teses do repositório da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Esse repositório “integra e dissemina, em um só portal de busca, os textos completos das teses e dissertações defendidas nas instituições brasileiras de ensino e pesquisa”10 e foi criado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) no âmbito do Programa da Biblioteca Digital Brasileira (BDB) no ano de 2002. Atualmente, são 116 instituições participantes, 415.447 dissertações e 149.209 teses disponibilizadas ao acesso público11.
Essa seleção foi organizada a partir da temática REUNI. Utilizou-se, na seção avançada do repositório, as palavras-chave “REUNI”, “Ensino Superior”, “Educação
Superior”, “Trabalho Docente” e “Democratização do Acesso”. Foram encontrados um total de 63 trabalhos, como observado no gráfico a seguir:
Após o levantamento bibliográfico, organizou-se a análise a partir da categorização dos trabalhos em uma planilha virtual, com a finalidade de observar suas particularidades. Para validar a propiciação dessa análise do REUNI, na etapa de levantamento do material bibliográfico, foram aprofundados as definições a respeito da base de consulta (Banco de Dados de Teses e Dissertações) e os parâmetros para o mapeamento das pesquisas referentes a esse Programa. Esses parâmetros foram amparados em cinco dimensões: a) parâmetro temático; b) parâmetro linguístico; c) parâmetro de fonte; d) parâmetro cronológico de publicação; e) parâmetro de descritores (STAKE, 2011).
A etapa de análise se desdobrou em três procedimentos: a organização e a leitura de reconhecimento do material bibliográfico, a análise bibliométrica e a análise reflexiva e interpretativa (BAUER; GASKELL, 2010). Na organização e na leitura de reconhecimento, realizou-se a análise crítica e uma apreciação de juízo de valor, com a crítica externa – significado, importância e o valor histórico do trabalho – e a crítica interna do texto – o sentido e o valor do conteúdo. Na análise bibliométrica, as dissertações e teses foram classificadas quanto ao ano, região geográfica, instituição de origem, programa de pós-graduação/área do conhecimento e orientadores com maiores produções sobre o tema.
Na análise interpretativa, foram delineadas de uma a três palavras-chave para cada documento encontrado, tendo por base a apreciação das palavras-chave originais, o resumo da dissertação ou tese, seus objetivos e os resultados. Os achados foram agrupados por sua afinidade temática em macro categorias de análise. Os trabalhos nesse perfil de agrupamento foram analisados na íntegra e interpretados considerando suas convergências e divergências e seus achados concernentes ao Programa REUNI.
Desta maneira, a análise pôde ser dividida em dois eixos: os resultados quantitativos, focando nos levantamentos das dissertações e teses sobre o REUNI para a consolidação da montagem do panorama a respeito do Programa; e o qualitativo, observando quais os principais eixos temáticos e suas respectivas problematizações e resultados nas análises sobre o Programa. Nessa análise e interpretação, foram levantadas sete temáticas: avaliação, contrarreforma universitária, expansão, acesso e democratização do acesso, gestão e organização, reestruturação curricular, trabalho docente universitário.
3. Panorama das dissertações e teses a respeito do REUNI
A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, na amostra selecionada, apresentou a primeira dissertação a respeito do REUNI no ano de 2009. Naquele ano, somente uma dissertação foi publicada. Entretanto, nos anos posteriores, ocorreu um aumento na publicação de dissertações, acumulando doze publicações no ano de 2015, ápice da produção no Repositório. Entre os anos de 2016 a 2018 as publicações dessa categoria apresentaram uma queda, mas no biênio 2017-2018 existiu uma estabilidade de cinco trabalhos publicados.
Em relação às teses, na amostra selecionada, a publicação de trabalhos foi mais tardia, iniciando em 2011, com uma única publicação, crescendo em 2012 com a elaboração de dois trabalhos, alcançando o ápice no Repositório em 2013, com quatro trabalhos, porém, existiu uma queda no ano seguinte para uma. Nos anos de 2015 e 2016 não foram encontradas teses, voltando a ter produção em 2017 e 2018, ambos com três trabalhos elaborados. A Tabela 1 sistematiza o panorama das produções no BDTD:
2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Teses | 0 | 0 | 1 | 2 | 4 | 1 | 0 | 0 | 3 | 3 |
Dissertações | 1 | 3 | 4 | 5 | 7 | 7 | 12 | 10 | 5 | 5 |
Fonte: Elaboração dos autores (2019)
Para existir uma demora no crescimento da produção acadêmica sobre o tema, refere-se ao mesmo tempo que uma agenda política (conjunto de problemas da comunidade política são percebidos como caso de intervenção pública) passa a ser constituída como uma agenda acadêmica (SECCHI, 2010). Ao observar, por exemplo, o objetivo da dissertação de 2009, averiguou-se que o debate proposto fica no campo da discussão teórica.
Outro ponto relevante a destacar é a criação e manutenção da agenda da política de expansão da Educação Superior, a partir da formulação e implementação do Programa, mesmo encontrando seu fim em 2012, o REUNI ainda levanta inquietações de pesquisadores, como pode ser observado na Tabela 1, ao revelar que ao longo de uma década ainda existem trabalhos acadêmicos sobre o mesmo. Se as teses e dissertações levantadas forem separadas por regiões, a produção acadêmica pode ser observada através do Gráfico 2:
Vale observar que nas dissertações, a região com maior destaque é a Nordeste, sendo seguida pela Sudeste, tal posição se inverte ao observar o número das teses, pois o Sudeste fica em primeiro e o Nordeste em segundo. A região com menor incidência de trabalhos acadêmicos é a Norte.
Ao aprofundar a investigação, em cada uma das regiões supracitadas no Gráfico 2, o levantamento bibliográfico aponta na soma das dissertações e teses por estados e o Distrito Federal, o seguinte panorama na produção acadêmica: região norte: Tocantins (3) e Amazonas (1); Nordeste: Pernambuco (5), Paraíba (1), Maranhão (2), Ceará ( 7), Bahia (6), Alagoas (1), Rio Grande do Norte (1) e Sergipe (1); Sudeste: Minas Gerais (13), Rio de Janeiro (3), Espírito Santo (1), São Paulo (10); Centro- Oeste: Mato Grosso (1), Goiás (1), Distrito Federal (7); Sul: Paraná (2), Santa Catarina (2), Rio Grande do Sul (5).
Através desses dados, a região que mais demandou produção foi a Sudeste, representado pelo Estado de Minas Gerais, enquanto o Norte representa a região que menos alavancou teses e dissertações. Outra consideração relevante é o fato de apenas o Sul e o Sudeste conseguirem preencher todos os estados com publicações de teses e dissertações, pois o Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul), Norte (Acre, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá) e Nordeste (Piauí) não apresentaram produção em algumas de suas unidades federativas.
Buscando aprofundar a produção desses trabalhos nas amostras selecionadas, desvela-se o seguinte contexto de instituições envolvidas com a produção acadêmica:
Como apontado no Gráfico 2, as regiões que se destacaram na produção de dissertações e teses são, respectivamente, Sudeste e Nordeste. Ao observar a Tabela 2, as Universidades que apresentaram maior produção são do Centro-Oeste e Nordeste: a Universidade de Brasília e Universidade do Ceará com 7 trabalhos, enquanto o Sudeste, aparece em segundo lugar com a Universidade Federal de São Carlos, com o mesmo quantitativo de 5 trabalhos das Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal da Bahia. Se for observada a produção de apenas dissertações por Universidade, a Universidade de Brasília e a Universidade Federal do Ceará ainda alcançam a primeira colocação, contudo, isso muda ao observar o quantitativo de teses na Tabela 2, ganhando destaque as Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal de São Carlos, Universidade Federal de Minas Gerais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Universidade | Dissertações | Teses | Dissertações: Programa de Pós- graduação (quantidade) | Teses: Programa de Pós- graduação (quantidade) | Total |
---|---|---|---|---|---|
UnB | 7 | 0 | Economia (4)/Economia e gestão de finanças (1) /Educação (2) | -- | 7 |
UFC | 6 | 1 | Educação (2)/Economia (1)/ Avaliação de políticas públicas (2) / Políticas públicas e gestão da educação superior (1) | Economia (1) | 7 |
UFBA | 4 | 1 | Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade (4) | Economia (1) | 5 |
UFPE | 3 | 2 | Ciências contábeis (1) / Educação (1) / Gestão pública (1) | Educação (2) | 5 |
UFSCAR | 3 | 2 | Educação (1)/ Gestão de organizações e sistemas públicos (1)/ Ciência política (1) | Educação (2) | 5 |
UFJF | 4 | 0 | Gestão e avaliação da educação pública (3)/ Serviços sociais (1) | -- | 4 |
UFV | 3 | 0 | Administração (2)/Educação (1) | -- | 3 |
UFTO | 3 | 0 | Gestão de Políticas Públicas (2) / Desenvolvimento regional (1) | -- | 3 |
UFMG | 0 | 2 | _ _ | Educação (2) | 2 |
UERJ | 2 | 0 | Políticas públicas e economia humana (1)/ Serviços sociais (1) | -- | 2 |
UCP | 1 | 1 | Política social (1) Política social e direitos humanos | (1) | 1 |
PUC SP | 0 | 2 | _ _ | Educação (1) | 2 |
UEP | 1 | 1 | Serviço social (1) | Educação (1) | 2 |
UFG | 1 | 0 | Administração (1) | -- | 1 |
UFSC | 2 | 0 | Educação (2) | -- | 2 |
UFU | 1 | 1 | Educação (1) | Educação (1) | 2 |
UFMA | 2 | 0 | Educação (2) | -- | 2 |
UFRGS | 2 | 0 | Educação (1)/ Geografia (1) | -- | 2 |
UFVJM | 2 | 0 | Educação (2) | -- | 2 |
UFRN | 1 | 0 | Educação (1) | -- | 1 |
UEOP | 1 | 0 | Desenvolvimento regional e agronegócio (1) | -- | 1 |
UVRS | 1 | 0 | Ciências contábeis (1) | -- | 1 |
USP | 1 | 0 | Educação (1) | -- | 1 |
UFAL | 1 | 0 | Educação (1) | -- | 1 |
UFMT | 1 | 0 | Educação (1) | -- | 1 |
UFS | 1 | 0 | Desenvolvimento regional e gestão de empreendimentos locais (1) | -- | 1 |
UFAM | 1 | 0 | Educação (1) | -- | 1 |
UFES | 1 | 0 | Gestão pública (1) | -- | 1 |
UFPR | 0 | 1 | _ _ | Educação (1) | 1 |
UFRB | 1 | 0 | Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade (1) | -- | 1 |
UFF | 1 | 0 | Educação (1) | -- | 1 |
UnB, UPB, UFRN | 1 | 0 | Multi-institucional e Inter- regional de Pós-graduação em Ciências Contábeis (1) | -- | 1 |
UFPB | 1 | 0 | Serviço social (1) | -- | 1 |
Fonte: elaboração dos autores (2019)
Em relação às áreas dos programas de pós-graduação que contêm produção sobre o REUNI, a área de educação obteve maior destaque. Em relação as dissertações, foram encontrados 20 trabalhos que se inseriram em uma pós-graduação de educação, enquanto nas teses foram oito. Vale ressaltar que em ambos os casos, esses dois resultados foram os únicos que passaram do quantitativo de cinco trabalhos, pois o segundo programa que obteve maior destaque entre as dissertações foram três, todos com um total de quatro dissertações: pós-graduação em administração, pós-graduação em serviço social e pós-graduação em Estudos Interdisciplinares Sobre a Universidade. Enquanto, em relação às teses existiu uma relação de igualdade de produção entre as pós- graduações de administração, economia, história, políticas sociais e direitos humanos e serviço social, todas com apenas uma tese publicada.
Buscando observar quais foram os professores/pesquisadores que mais se destacaram na orientação de teses e dissertações, montou-se a tabela 3 através do cruzamento dos trabalhos, observando os nomes que se repetiram mais de uma vez.
Nome | Tese | Dissertação | Total | Universidade: |
---|---|---|---|---|
Alfredo Macedo Gomes | 2 | 1 | 3 | Universidade Federal de Pernambuco |
José Vieira de Sousa | 0 | 2 | 2 | Universidade de Brasília |
Eduardo Magrone | 0 | 2 | 2 | Universidade Federal de Juiz de Fora |
Eduardo pinto e Silva | 1 | 1 | 2 | Universidade Federal de São Carlos |
Fonte: Elaboração dos autores (2019)
Alfredo Gomes e Eduardo Silva são os únicos professores/pesquisadores no qual foram encontradas orientações em nível de doutorado. No caso específico de Gomes, atenta-se para o fato de que a dissertação que ele orientou não trata especificamente sobre o REUNI, mas aborda políticas de expansão da educação superior e seus impactos para a democratização do Nordeste. Em relação às teses, uma delas realiza um levantamento bibliográfico sobre a produção acadêmica referida a expansão da educação superior brasileira de FHC até Lula, o que permeia o REUNI. Já, a segunda tese, analisou o processo de expansão, advinda do REUNI, na Universidade Federal de Pernambuco, buscando focar na democratização do acesso.
Ao analisar Eduardo Silva, percebe-se uma aproximação com a teoria marxista, pois os dois trabalhos sob sua orientação buscaram aproximar o REUNI de tal pressuposto teórico-metodológico. Enquanto a tese aborda as condições de trabalho docente referidas ao REUNI na Universidade Federal de Viçosa, a dissertação observou as contradições do programa, a partir do materialismo histórico-dialético, com o recorte espacial na Universidade Federal de São Carlos.
As duas dissertações orientadas por José Sousa buscaram averiguar como funcionou a expansão de vagas na Universidade de Brasília, modificando apenas os estudos de casos na Instituição Federal. Enquanto um trabalho investiga os cursos de licenciatura em Física, Letras, Matemática e Química; a outra dissertação permeia os cursos de Agronomia, Medicina Veterinária e Gestão de Agronegócios.
Por fim, as dissertações orientadas por Eduardo Magrone analisam aspectos da implementação do REUNI na Universidade Federal de Juiz de Fora. Um dos trabalhos aborda a questão de mudanças curriculares trazidas pelo REUNI ao tratar dos bacharelados interdisciplinares, a outra investiga questões curriculares, infraestrutura e o avanço qualitativo do ensino na Universidade. Em outras palavras, a partir do levantamento documental, o autor observou aspectos mais amplos da implementação do REUNI na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Analisado a origem das orientações na amostra sobre o REUNI, o artigo avança perante os aspectos metodológicos das dissertações e teses encontradas no BDTD. Para essa finalidade, vale observar a tabela 4:
Abordagem qualitativa | Abordagem quantitativa | Abordagem quali/quanti | |
---|---|---|---|
Dissertações | 32 | 7 | 17 |
Teses | 8 | 0 | 4 |
Total | 40 | 7 | 21 |
Fonte: elaboração dos autores (2019)
Entre os trabalhos analisados, três dissertações e duas teses não esclareceram qual abordagem seguiam, não sendo contabilizadas na Tabela 4. Sobre essa mesma tabela, vale observar que os pesquisadores se propuseram a analisar os resultados da política REUNI para além dos números da expansão, mas identificando qualitativamente o que isso representaria.
Buscando avançar perante essa discussão quantitativa, o trabalho segue para a compreensão dos principais eixos temáticos elaborados pelos pesquisadores, com uma finalidade compreensiva das dimensões analíticas que o REUNI está sujeito na amostra selecionada.
4. Eixos temáticos e suas problematizações a respeito do REUNI
O debate qualitativo surge a partir da leitura, em escala crescente: das palavras- chave, resumos e texto completo das dissertações e teses. Ao realizar a análise mais aprofundada da amostra, buscou-se observar quais temáticas sobre o REUNI as dissertações mais destacavam, procurando compreender o que se tem discutido sobre o Programa. Foram encontradas sete temáticas com maior recorrência nos trabalhos: avaliação, contra-reforma universitária, expansão, acesso e democratização do acesso, gestão e organização, reestruturação curricular, trabalho docente universitário. A Tabela 5 sistematiza a quantidade de trabalhos por temática:
Categorias | Dissertação | Tese | Total |
---|---|---|---|
Avaliação da política pública | 4 | 0 | 4 |
Contrarreforma | 6 | 1 | 7 |
Acesso e Democratização do acesso | 26 | 2 | 28 |
Expansão | 35 | 6 | 41 |
Gestão e organização | 8 | 2 | 10 |
Reestruturação curricular | 5 | 3 | 8 |
Trabalho docente universitário | 7 | 4 | 11 |
Fonte: elaboração dos autores (2019)
A partir da tabela é possível observar que as categorias que adquiriram maior destaque são sobre “expansão” e “acesso e democratização do acesso”. Esse fato não é estranho, pois os dois são elementos centrais do REUNI. A seguir dá-se continuidade com a análise de cada categoria levantada na Tabela 5. Ressalta-se que uma análise mais aprofundada das categorias foge a esse espaço, aqui será apresentado sucintamente elementos encontrados na pesquisa realizada.
REUNI e a avaliação da política pública
Antes de ser instituído como programa nas instituições, o REUNI foi elaborado como uma política, sendo sua meta global a ampliação das vagas nos cursos de graduações nas IFES. Ao observar os estudos ao longo dos anos, pode-se inferir que esses trabalhos buscaram avaliar os resultados do REUNI, como foi o caso do estudo de Edriene Sales (2018). Em sua dissertação a autora destaca:
Howlet, Ramesh e Perl (2011) apresentam a avaliação de políticas como sendo “o estágio do processo em que se determina como uma política de fato está funcionando na prática, analisando-se os meios empregados e os objetivos atingidos” (Ibid., 2018, p. 31).
Ao abordar o caso do REUNI, Sales (2018) focou na Universidade Federa de Goiás, contemplando a fala dos gestores que participaram da implantação do programa analisado. Em seus achados, o REUNI trouxe mais resultados positivos para a IFES, apresentando que o Programa conseguiu inserir grupos marginalizados na Universidade. Outro trabalho de dissertação, de Margareth Mesquita (2016), também dialogou em seus resultados com uma avaliação positiva sobre o REUNI, apontando que o Programa foi um fator preponderante e instrumento eficaz tanto para a modernização do sistema de bibliotecas como para a gestão desse sistema na Universidade Federal do Ceará.
Silva (2017), ao realizar um estudo de caso sobre o campus Pinheiro da Universidade Federal do Maranhão, em sua dissertação de mestrado, também averigua um saldo positivo do programa. Para ela, o campus renasceu com o apoio do REUNI em 2010, pois ele não vinha ofertando cursos regulares desde 1998. Ela ainda descreve: “Também promoveu transformações no meio administrativo e na forma como os processos eram desenvolvidos, a oferta de códigos de vagas promoveu um intercâmbio de saberes e culturas” (SILVA, 2017, p. 107).
Lugão (2011) foi o autor que trouxe mais problemáticas sobre o REUNI. Sua análise esteve limitada ao ano de 2011, ou seja, não se podia ter uma dimensão ampla do programa, porém seus resultados não devem ser desconsiderados. Para o autor, a expansão do REUNI focou na expansão de vagas, em detrimento dos aspectos contextuais da qualidade do ensino.
Contrarreforma universitária e o REUNI
O debate sobre a contra-reforma universitária está relacionada a uma crítica realizada aos governos neoliberais, ou seja, aos governos que vieram a aderir as reformas do Estado da nova economia global. Essa leitura sugere existir maior aproximação entre Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva do que diferenças. Nesse sentido, as subserviências a organismos internacionais, como o Banco Mundial, são criticadas, pois orientam setores da organização social, apresentando como exemplo a Educação Superior e as IFES a uma aproximação ao modelo do quase-mercado educacional.
Em sua dissertação, Juliana Cislaghi (2010) classifica o REUNI como um “canto de sereia”, alegando que o programa é revestido de boas intenções, porém ele vem imbuído com características do mercado privado, como o fortalecimento de uma lógica gerencial de gestão. Colocando a parte suas peculiaridades de pesquisa, autores que vão dialogar com a mesma linha de pensamento de Cislaghi são, a saber: Guerra (2017), Ferreira (2011) e Paula (2009).
REUNI e o debate sobre expansão
O debate sobre expansão associado ao programa REUNI desenvolveu-se em duas frentes analíticas nas dissertações e teses: a) quantitativa e b) qualitativa. Os elementos que se refere nas questões quantitativas estão referenciados nas modificações sócio espacial, em outras palavras, crescimento e modificações dos campi, acréscimo do quantitativo do corpo discente, aumento do pessoal (servidores técnicos, administrativos e professores).
Em sua dissertação, por exemplo, Maria Almeida (2011) mostrou que o campus da FURG (inserida na Universidade Federal do Rio Grande) teve um aumento no número de docentes, técnicos, criação de novos cursos de graduação, como também o número de estudantes assistidos por programas. Outros autores, tais como Nogueira (2012), Machado (2015), Henriques (2016), Moraes (2013), Rocha (2018) e Carvalho (2016) também avaliaram o aspecto da expansão quantitativa da Universidade. Moraes (2013), por exemplo, realizou um apanhado da produção acadêmica sobre a expansão acadêmica na Educação Superior (1995-2010), observando o ponto no qual o REUNI se integra nesse macro debate. Já Carvalho (2016) traz outro elemento significativo para o debate, ao abordar a contribuição do REUNI para o processo de interiorização das IFES.
Em relação aos aspectos qualitativos da expansão, existe um debate entre acesso versus permanência, permeando uma discussão de que o REUNI foi contributivo para a permanência dos discentes. Amaro (2015), Brito (2013) e Santos (2013) apontam, em seus respectivos estudos de caso, a existência de uma inserção de mais alunos de camadas mais pobres. Porém, Amaro (2015) destaca não ser possível apontar um real processo de permanência. Outra pesquisadora, Arruda (2011) apontou que o REUNI também contribuiu com a democratização do acesso ao ensino, todavia não se pode culpar apenas a Universidade pelas fragilidades no processo de permanência dos estudantes.
Trabalho docente e REUNI
Ao abordar a relação de trabalho docente e REUNI existe uma crítica referida a relação aluno-professor (RAP) e a autonomia do professor universitário. Nishimura (2012), Filardi (2014), Batista (2013) e Santana (2018) defendem, por meio de uma abordagem amparada nos constructos teóricos marxistas, que o Programa fomentou a precarização e intensificação do trabalho docente. Esses trabalhos apontam uma valorização do produtivismo e de uma lógica gerencialista do mercado privado na implementação do Programa.
Partindo de outro ponto de vista, outros autores trabalham com a perspectiva da docência universitária, como Coelho (2012) e seu estudo de caso sobre o REUNI na Universidade Federal de Minas Gerais. Coelho salientou que o modelo de docência se relaciona ao modelo de universidade, nesse sentido, o REUNI contribui com modificações para a cultura organizacional das instituições, seja através de criação de novos prédios, secretarias ou cursos. Através de um novo modelo de burocratização que afetou o trabalho dos professores, pesquisadores debruçaram-se em novos estudos.
Reestruturação curricular
O debate que os autores propõem sobre reestruturação curricular passa pelos Bacharelados Interdiscipliares (BIs), como pode ser observado nas dissertações de Costa (2014), Santos (2016), Silva (2014) e Barreto (2013). Os BIs emergem como uma forma de estabelecer a Universidade Nova, que esteve relacionada com a alteração do processo seletivo de ingresso nas Universidades, ou seja, deveria existir a formação em dois ciclos: o primeiro seria uma formação geral formada pelo BI, seguida então de uma formação profissional mais específica, com durações mais curtas e existindo maior aproximação das práticas profissionais. Uma leitura mais aprofundada sobre os BIs deve ser realizada nos próprios trabalhados citados, destaca-se, aqui, que esses autores observaram no REUNI a forma de implementar a Universidade Nova.
Através dos textos, compreende-se que as políticas educacionais desenvolvidas no Brasil sofreram influências de políticas externas, o caso da Universidade Nova, por exemplo, representa uma união do modelo europeu (processo de Bolonha12) e dos norte- americanos (colleges estadunidenses13). Adaptando esses modelos à realidade brasileira, o REUNI surge objetivando “criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais” (BRASIL, 2007, Art. 1º).
REUNI: gestão e organização
A expansão que o REUNI trouxe para as IFES serviu não apenas para inserir mais docentes ou modificar as relações trabalhistas dos docentes, mas também trouxe modificações nas gestões universitárias. Em sua dissertação de mestrado, por exemplo, Silva (2015) realiza um estudo de caso do REUNI na Universidade Federal de Pernambuco, destacando a construção dos Núcleos Integrados de Atividades de Ensino (NIATEs).
A partir do orçamento do REUNI foi possível elaborar a construção desses núcleos que comportaram salas de aulas, laboratórios e auditórios destinados aos cursos de graduação. Em 2012 foram entregues os NIATEs dos centros de CFCH/CCSA; CTG/CCEN; CCS e CCB. Em outra pesquisa, como a de Abreu (2018), levantou-se, por meio de falas dos servidores da Universidade Federal de Viçosa, que existiu uma complexificação nas funções organizacionais e uma falta de diálogo por parte da chefia. Diálogo que se aproxima dos anteriores e pode ser visto nas pesquisas de Rocha (2018) e Koglin (2018) e Santos (2010).
5. Considerações finais
Os trabalhos analisados sustentam a proposição de que o REUNI ainda se constitui numa agenda acadêmica relevante no campo da Educação Superior. Outro aspecto a destacar é o desenvolvimento e alcance que o Programa alcançou nas Universidades Federais, inclusive seus desdobramentos na vida acadêmica e nos processos de expansão, interiorização e gestão, possibilitando e demandando uma análise e interpretação mais aprofundada.
As discussões a respeito do Programa nas produções de dissertações e teses desvelam algumas perspectivas, uma vez que se pôde observar a compilação de temas que ora abordam problematizações com elementos qualitativos ora quantitativos, predominantemente, no campo da Educação, embora outras áreas demonstrem interesse.
Esse mosaico de temáticas e abordagens não retira a agenda de novos pesquisadores, ao contrário, oportuniza pistas ao aprofundamento da problematização desse tema, visto que não apenas se exige um maior aprofundamento sobre as experiências do REUNI em cada instituição, como também desvela a necessidade de se compreender a natureza da atuação do Estado. Talvez, possivelmente, numa perspectiva de análise do ciclo de políticas, problematizar os elementos que levaram este Programa ao processo de desenvolvimento e extinção.