A desigualdade invisível de Curitiba, palco da implantação do Projeto Equidade na Educação
Curitiba, Capital do estado do Paraná, com aproximadamente 1.933.105 milhão de habitantes, é a maior capital do Sul do Brasil e a oitava do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019. Entre os anos de 1991 e 2010 Curitiba apresentou melhora no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com redução significativa da população pobre entre 1991 e 2010: de 7,94% em 1991 para 1,73% em 2010. Já o número de extremamente pobres caiu de 1,54% em 1991 para 0,48 em 2010, acompanhando o movimento que ocorreu em todo o país. (IBGE, 2010). Apesar dessa queda, o Relatório ONU-HABITAT, produzido em 2009 pelo Observatório Urbano Global coloca Curitiba entre as vinte cidades brasileiras com pior distribuição de renda do mundo, dentre as sete cidades mais desiguais do Brasil e as cinco mais desiguais da América Latina.
Cabe salientar que no Brasil e no mundo distinções de renda e classe social historicamente têm sido acompanhadas de distinções educacionais, o que implica oferta de uma educação menos inclusiva e mais precária às populações mais vulneráveis, justamente aquelas para quem a escolarização faz maior diferença (UNESCO / OREALC, 2008, p. 11). A significativa desigualdade social no município de Curitiba tem efeitos negativos sobre a oferta educacional, interessando analisar políticas públicas que tenham sido criadas para fazer frente a esse problema.
Contexto da construção do Projeto Equidade na Educação
Em 2012 foi eleita para governar o município de Curitiba a coligação Curitiba Quer Mais! (PDT - PV - PT), que colocou o conceito de equidade como desafio central para a educação no município: “Melhorar a qualidade do ensino e buscar a equidade na Rede Municipal de Ensino, independente das condições social, econômica, étnico-racial e cultural da população”. Tal coligação colocou Gustavo Fruet à frente do Executivo Municipal e as propostas apresentadas durante as eleições foram detalhadas na forma do Plano Plurianual de Curitiba (PPA) para o período de 2014-2017.
Tal PPA subdividia-se em quatro dimensões, sendo a de Desenvolvimento Social composta por sete programas, dentre os quais figurava o Curitiba Mais Educação (CURITIBA, 2013). Os autores de tal documento reconheciam que a universalização do acesso à educação impunha aos gestores da educação municipal o desafio de focar em aspectos qualitativos, com base na análise dos fatores que intervinham na permanência e no êxito dos estudantes na RME-Curitiba. Para fazer frente a tal desafio, o Programa Curitiba Mais Educação defendia ser necessário incrementar “a qualidade e a equidade da educação ofertada pelo município de Curitiba”, implantando “projeto de equidade para as escolas municipais”. (CURITIBA, 2013, p. 55 e 58).
A partir daquele momento o conceito de equidade na educação passou a figurar nos documentos que embasavam as práticas da gestão educacional municipal de Curitiba naquele governo. Isso se verificou quando, no início do ano de 2014, foi lançado o Caderno de Orientações para a Semana de Estudos Pedagógicos, no qual esse conceito apareceu arrolado dentre os cinco princípios norteadores da educação no município - democracia, respeito ao espaço público, trabalho coletivo, autonomia e equidade (CURITIBA, 2014). Naquele documento, ainda, a SME-Curitiba assumiu que uma escola cujo trabalho se pautasse nesses princípios exerceria papel relevante na diminuição da desigualdade educacional, reconheceu o papel exercido pelo Estado em sociedades marcadamente assimétricas como é a brasileira na distribuição equânime de bens culturais e materiais, acesso e fruição do direito à educação e admitiu ser função do Estado equalizar trajetórias escolares e garantir o direito à aprendizagem (CURITIBA, 2014, p. 12).
Ainda no documento citado, a SME-Curitiba demonstrava entender que equidade não é sinônimo de igualdade, dado que a distribuição igualitária do bem que é a educação apenas reproduz e reforça, no seio da escola, desigualdades sociais. As experiências e vivências decorrentes das desiguais condições socioeconômicas e culturais não colocam os indivíduos e grupos sociais em condições de partida do percurso de escolarização equivalentes, fazendo que a trajetória acadêmica deles seja marcada pelo atraso ou aquisições escolares mais precarizadas. O conceito de equidade educacional a que os autores do documento se remetem é aquele que pretende garantir a cada estudante o necessário para sua emancipação social, de maneira que as circunstâncias pessoais de gênero, raça ou origem socioeconômica familiar não se constituam em obstáculos ao direito à aprendizagem.
A SME-Curitiba assumia, naquele documento, um projeto educativo não meritocrático, competitivo ou excludente dos socialmente desfavorecidos, reprodutor e reforçador de desigualdades sociais, e tomava para si o desafio e a responsabilidade intransferível de oferecer uma boa escola, aquela que ensina bem e prioriza o direito de aprender, empenhando todos seus esforços e recursos para promover a apropriação e a universalização do saber, que remetem aos pressupostos da autonomia, do trabalho coletivo e da compreensão da natureza do espaço público e atua no sentido de efetivar o direito de todos à educação de qualidade, para isso admitindo que seria necessário se implantar, nessa rede, alguma ação ou política de educação prioritária.
Implantação da Política Pública construída a partir de dados
Logo no início da gestão, a SME solicitou estudos sobre as condições gerais das escolas da RME-Curitiba, o que confirmou pela via de dados estatísticos a já muitas vezes citada a desigualdade educacional nessa rede. Em respeito a tais achados, em 2015, a SME-Curitiba começou a formular os documentos de criação do Projeto Equidade na Educação (PEE), uma política educacional educação prioritária (discriminação positiva1) cujos objetivos expressos seriam: buscar equilíbrio entre as escolas da rede, ampliar as condições para o desenvolvimento dos estudantes, reduzir os efeitos de fatores intra e extraescolares que interferem negativamente no desempenho dos estudantes, propiciar trajetórias mais equânimes às escolas dessa rede, qualificar o atendimento, garantir a todos os estudantes seu direito à aprendizagem e oferecer educação diferenciada e singular às crianças que mais precisam, garantindo a elas acesso, permanência e qualidade de ensino. (CURITIBA, 2014, 2015a, 2015b, 2015c, 2016).
Foram 48 escolas participantes do PEE, sendo que o processo de definição delas foi realizado a partir de uma metodologia que reconheceu diferentes variáveis e utilizou dados estatísticos que permitiam classificar um conjunto de dissimilaridades e similaridades entre as variáveis utilizadas para definir as escolas. Os dados utilizados compuseram um indicador de nível socioeconômico e um indicador de nível educacional (CURITIBA, 2015b), conforme descrito no Quadro 1.
Variáveis escolhidas para compor o indicador de Nível socioeconômico | • Renda domiciliar per capita dos domicílios do entorno da escola (2010); • Taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais de idade dos domicílios do entorno da escola (2010); • Percentual de estudantes da escola beneficiários do PBF (2014); • Percentual de estudantes da escola beneficiários do PBF com baixa frequência (2014). |
Variáveis escolhidas para compor o indicador de Nível educacional | • IDEB da escola para os anos iniciais (2013); • Taxa de aprovação da escola para os anos iniciais (2013); • Proficiência da escola na Prova Brasil em Língua Portuguesa no 5.º ano (2013); • Proficiência da escola na Prova Brasil em Matemática no 5.º ano (2013). |
Partindo-se dessa análise, as escolas da RME foram agrupadas em cinco conjuntos, aos quais foram atribuídos valores de 1 a 5, ficando em 1 aquelas consideradas com a melhor situação na variável e em 5, as escolas com maior grau de vulnerabilidade. Com base nessa classificação foram escolhidas para participar do PEE as 47 escolas que obtiveram médias cluster 3, 4 e 5 (CURITIBA, 2015b, p. 23). Em 2016 foi acrescida uma escola inaugurada após o lançamento do projeto. Cabe lembrar ainda que a média cluster utilizada para compor os indicadores permitiu trabalhar com exceções, colocando entre as escolas Equidade aquelas com maiores fragilidades nas variáveis que compõem o índice, não necessariamente aquelas localizadas em regiões mais pobres da cidade.
A distribuição desigual de inclusão de escolas no PEE entre as regionais, demonstrava na ocasião de implantação do projeto as desigualdades territoriais na oferta educacional neste município. A esse respeito, cabe observar o Mapa 1, que mostra a renda domiciliar per capita por setor censitário do município e a distribuição espacial das escolas participantes do PEE.
O mapa mostra que, embora Curitiba se inclua entre os municípios da Região Sul que estão na faixa de baixa vulnerabilidade social (BRASIL, 2015), a riqueza e a oferta educacional de qualidade no município se distribui de forma desigual: regionais e bairros mais ricos, habitados por populações socialmente mais protegidas, com acesso a trabalho, renda, equipamentos culturais e de saúde, em geral oferecem uma educação de melhor qualidade, com os estudantes obtendo melhores resultados em avaliações externas, por exemplo. Regionais ou bairros mais pobres, com baixo acesso a equipamentos públicos, que atendem crianças moradoras de áreas conflagradas pela violência oferecem uma educação que em geral traz piores resultados nas avaliações externas. O mapa ainda deixa evidente a assimetria e a desigualdade pela concentração de escolas em situação de vulnerabilidade em determinadas regiões da cidade.
A seguir, no intuito apenas de demonstrar que a desigualdade ainda pode estar presente tanto entre as escolas de toda a RME-Curitiba como entre as unidades de uma mesma regional, e no sentido de comprovar a relevância de se estudar a desigualdade nessa rede, apresentamos os dados de uma das regionais (escolhida aleatoriamente) em comparação com os da RME-Curitiba para proficiências de Matemática e Língua Portuguesa na Prova Brasil de 2013.
A regional em questão, em se tratando de proficiências em Língua Portuguesa e Matemática na Prova Brasil de 2013, a partir dos dados da RME-Curitiba, figurava entre aquelas com maior número de escolas atendidas pelo PEE, apresentando níveis mais baixos que a média da RME, em alguns aspectos a diferença aproximava-se de 50%. Essa discrepância é mais relevante em se tratando de Matemática. Assim, verifica-se que em relação à totalidade das escolas da RME-Curitiba, essa regional apresentava desvantagem, com um menor número de escolas conseguindo atingir os níveis de proficiência2 definidos pelo MEC como adequados à etapa, permitindo dizer que o princípio de igualdade de conhecimentos adquiridos não estava sendo respeitado nessa rede. A Tabela 1 apresenta média, mediana e desvio padrão3 para as proficiências em Matemática e Língua Portuguesa dessa regional e de toda a RME-Curitiba na Prova Brasil 2013.
MATEMÁTICA | LÍNGUA PORTUGUESA | |||
---|---|---|---|---|
Regional | RME | Regional | RME | |
Média | 221,90 | 228,52 | 202,11 | 208,38 |
Mediana | 221,09 | 228,99 | 204,12 | 209,51 |
Desvio Padrão | 13,33 | 23,92 | 13,03 | 22,05 |
FONTE: Banco de dados Prova Brasil, 2013
Conforme é possível observar nos dados da Tabela 1, a regional que serve de exemplo apresentava médias e medianas menores que as da RME-Curitiba em ambas as proficiências. No entanto, o desvio padrão na RME é bem maior que o da regional, revelando que a desigualdade na RME é ainda maior que a desigualdade entre as escolas dessa regional. Tamanha desigualdade e injustiça, em parte, originam-se na elaboração inadequada de políticas e num planejamento frágil, tanto das autoridades locais quanto dos governos centrais. Assim, para dirimir os males advindos das situações de pobreza e injustiça social, é preciso abolir as barreiras interpostas aos pobres no que tange à posse da terra, moradia, infraestrutura e serviços básicos, mas também e, principalmente, facilitar ao invés de inibir a participação e a cidadania (ONU-HABITAT, 2011).
Para isso, compete ao poder público estabelecer políticas específicas para melhorar as condições de oferta escolar para crianças pobres, fazendo frente à desigualdade e à segregação educacionais, oferecendo educação de qualidade a todos, inclusive e principalmente às populações historicamente alijadas desse direito, no sentido de, também por meio da melhora da educação pública, produzir justiça corretiva4, para se evitar a repetição do ciclo de que alguém pobre em renda se torne ou permaneça também pobre cultural e educacionalmente (ONU-HABITAT, 2011).
Tais afirmações são corroboradas com os resultados obtidos por Érnica et al. (2011) sobre educação em territórios de alta vulnerabilidade, onde as escolas em geral “são o principal equipamento público de referência e tendem, por isso, a ser tomadas por seus problemas sociais”. Para os autores, esses territórios apresentam algumas características que acabam por ter impacto ou efeito negativo sobre as oportunidades educacionais oferecidas aos estudantes: “Quanto maiores os níveis de vulnerabilidade social da vizinhança, mais limitada tende a ser a qualidade das oportunidades educacionais oferecidas” (ÉRNICA et al., 2011, p. 6).
Dentre tais características, situamos as seguintes: baixa oferta de matrícula na educação infantil e menor cobertura de creches e pré-escolas, reduzindo as possibilidades de sucesso escolar das crianças; concentração de famílias com menos recursos culturais, as quais vivem mais distantes da cultura letrada tão valorizada pela escola; homogeneização dos estudantes no tocante aos baixos recursos culturais. Essa escola acaba por reproduzir, em seu interior, a segregação sociocultural e territorial da população que atendem, bem como os problemas decorrentes dessa segregação. (ÉRNICA et al., 2011)
Principais objetivos e metodologia do Equidade na Educação
De acordo com os documentos PEE (2015) e Equidade na Educação - Avaliação (2016), a política em questão tinha por objetivos proporcionar às escolas da RME-Curitiba trajetórias mais equânimes, criando estratégias diferenciadas para cada uma das escolas participantes do projeto, com a finalidade de reduzir fatores que dificultavam a trajetória escolar, reduzir as desigualdades entre as unidades da RME-Curitiba, garantir direito à aprendizagem, bem como acesso, permanência e qualidade de ensino, priorizando os que mais precisam. Os documentos analisados trazem ainda o reconhecimento da necessidade de se oferecer mais aos estudantes que têm menos, na forma de passeios/atividades culturais e mais recursos didáticos, por exemplo, bem como o reconhecimento da necessária participação democrática das instâncias escolares na tomada de decisão acerca dos rumos da própria política, num claro movimento de valorização de uma gestão participativa e democrática.
Essa série de objetivos encontra eco nas discussões sobre justiça corretiva no âmbito educacional, preconizando atendimento diferenciado, atenção à individualidade e necessidades específicas de cada criança, sempre reforçando o desejo dos elaboradores da política de alcançar o ideal da boa escola e proporcionar trajetórias mais equânimes, tanto às unidades escolares quanto aos estudantes da rede.
Destarte, para a consecução dos objetivos do PEE, a metodologia de trabalho proposta pela SME elencou uma série de ações a serem implementadas no ano de 2015, dentre as quais destacavam-se: formação de professores de referência; realização da SEP na escola; sábados letivos com a participação das famílias; definição de metas e ações; reunião do Conselho de Escola; desenvolvimento das ações nas escolas e avaliação (SME-CURITIBA, 2015b, p. 19).
Na primeira fase de implantação do projeto, foi previsto realizar, de forma concomitante: Diagnóstico (análise da realidade) das escolas, partindo das variáveis citadas anteriormente (socioeconômicas e educacionais); Mobilização conceitual da comunidade escolar sobre os fundamentos da equidade, para isso promovendo estudos junto ao grupo de formadores e em cada unidade escolar de modo articulado nas diversas instâncias da SME; Formação pedagógica para o professor formador de referência para cada uma das 48 escolas com grupos de trabalhos presenciais e a distância (CURITIBA, 2015b, p. 16 e 17).
Na segunda fase, iniciada em maio de 2015, os diferentes segmentos da comunidade escolar (Estudantes, Pais, Funcionários, Professores, Pedagogos e Gestores) foram convidados a participar da Semana de Estudos Pedagógicos (SEP) nas unidades escolares e, nessa reunião, definir metas para seu grupo a curto, médio e longo prazo (as quais mais tarde seriam validadas pelo Conselho Escolar), prevendo ações a serem realizadas a fim de cumprir tais objetivos, tanto pela comunidade escolar, como pela SME-Curitiba em parceria com outras secretarias e instituições (CURITIBA, 2015b, p. 18).
O Quadro 2 exemplifica as atividades previstas por segmento em um Plano de Metas de uma das escolas participantes do PEE em 2015, o qual foi construído pelos segmentos e validado pelo Conselho de Escola.
Famílias - Acompanhar as tarefas de casa, estipular horários para realização das tarefas de casa; Valorizar os trabalhos realizados pelo filho; Conversar sobre as atividades realizadas na escola, demonstrando interesse pelo desenvolvimento do filho; Olhar a agenda escolar diariamente, agendar/marcar, sempre que possível, um horário para conversar com a professora/pedagogos; |
Estudantes - Ter atitude de amizade com os colegas; Manter os espaços limpos, zelando pela organização da escola; No recreio evitar brincadeiras maldosas e violentas; Cuidar dos materiais; Ser assíduo; Realizar as atividades propostas pelos professores; Colaborar para que sejam cumpridas as regras da sala de aula; Realizar as tarefas de casa, Trazer somente os materiais solicitados pelos professores; Chegar no horário todos os dias; Receber bem os colegas sem fazer bullying; Cuidar da higiene corporal. |
Docentes - Analisar os dados, resultados e descritores das avaliações, propondo intervenções pedagógicas com o intuito de atender às necessidades dos estudantes; Participar de cursos, palestras, debates, reuniões, entre outros, com vistas ao aprimoramento da prática pedagógica; Fazer da permanência5 um espaço de planejamento, Planejamento de conteúdo, tendo em vista a elaboração de planos de aula específicos, que contemplem as necessidades pedagógicas identificadas; Parceria constante com a SME-Curitiba; Reuniões de integração enfatizando o trabalho pedagógico para o progresso da aprendizagem; Acompanhar e monitorar as aprendizagens de todos os estudantes; Promover momentos específicos, mensalmente, com os diversos segmentos para alinhavar o trabalho. |
Fonte: CURITIBA, 2015.
Para se definirem tais metas, durante a reunião com a comunidade escolar, cada grupo - família, estudantes e docentes - deveria registrar problemas relacionados ao seu trabalho que estariam dificultando a melhora no desempenho dos estudantes, bem como descrever estratégias para solucionar esses problemas ao longo do ano na forma de metas. Tais reuniões podiam acontecer durante a Semana de Estudos Pedagógicos (SEP) da unidade ou em sábados letivos, e sempre envolveram representantes de todos os segmentos da comunidade escolar: estudantes, pais, funcionários, professores e gestores do programa. (CURITIBA, 2016, p. 7).
Na terceira fase do PEE, promoveram-se ações de controle da implantação do projeto, buscando-se “efetivar o plano de metas definido em cada escola, sempre sob o assessoramento e o monitoramento das equipes formadoras e articuladoras dos NREs e da SME”. Com isso, intentou-se “garantir as condições necessárias para o bom andamento do projeto” (CURITIBA, 2016, p. 7).
Ações desenvolvidas nas escolas do Projeto Equidade na Educação
Em 2015, as ações consideradas pela SME foram consolidadas nas escolas incluídas no PEE, como: Apoio pedagógico, Assessoramentos e ações compartilhadas entre escolas e equipes dos NREs e da SME, Atendimento a jovens, adultos (as) e idosos (as), Práticas de leitura e utilização das bibliotecas escolares e Parcerias institucionais.
Cada uma das 48 escolas participantes do PEE recebeu um professor a mais por turno em seus quadros, o qual foi encarregado de realizar o Apoio Pedagógico em contraturno. Esses professores receberam 80 horas de formação continuada ao longo do ano de 2015, cujo objetivo foi especificamente prepará-los para atuar junto às crianças com defasagens na aprendizagem, em especial nos conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática. Ao longo daquele ano foram atendidos 5.129 estudantes, dos quais 904 foram desligados ao longo do ano por apresentarem avanços, e 3.060 foram aprovados ao final do ano letivo (CURITIBA, 2016, p. 11).
No tocante às ações de assessoramento, o foco foi intensificar a presença da equipe dos núcleos regionais6 (pedagogos e alfabetizadores) no dia a dia da escola, além de promover trocas de experiências entre diferentes escolas, no sentido de socializar experiências e divulgar boas práticas. O desafio dos envolvidos foi estimular a diversificação da metodologia e convencer os profissionais a modificar algumas práticas que, embora consolidadas, precisavam ser revistas para que surtissem o efeito desejado em termos de aprendizagem. (CURITIBA, 2016, p. 12 e 18).
O documento Projeto Equidade na Educação - Avaliação (2016) explicita que as visitas dos gestores, bem como das equipes dos NREs intensificaram-se durante a vigência do PEE. A quantidade grande de visitas às escolas mostra o nível de ingerência da equipe gestora da política pública nas escolas, demonstrando que algumas escolas precisaram de um número maior de atendimentos ou assessoramentos para que a política fosse devidamente implantada. (CURITIBA, 2016, p. 17-8). Considerando que são 200 dias letivos anuais, chama atenção o fato de algumas das escolas receberem mais de 50 assessoramentos num ano.
Reconhecida a taxa de analfabetismo no entorno das escolas do PEE como uma fragilidade, a Coordenadoria de Políticas Educacionais para Jovens e Adultos programou ações para mitigar esse problema, com diferentes objetivos. Nas 26 escolas que apresentam turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), foram realizados levantamento e divulgação de vagas ociosas, bem como potencializadas as ações pedagógicas para as turmas de EJA. Em algumas escolas, ainda, foi estabelecido o Projeto CEREJA7, e em escolas sem oferta de EJA, realizou-se levantamento da demanda e foram abertas turmas. (CURITIBA, 2016, p. 15).
As demais ações para atender a EJA tiveram por objetivo motivar a comunidade do entorno das escolas a dar continuidade à escolarização, reduzir a desigualdade de gênero, tornar conhecidas dessa população informações essenciais sobre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), atender ao Projovem Urbano na área de qualificação profissional. Para atingir tais objetivos, foram estabelecidas parcerias com Fundação de Ação Social (FAS), Secretaria Extraordinária da Mulher, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Governo Federal e Instituto Federal do Paraná (IFPR). Tais parcerias resultaram em ações de mobilização do público-alvo em reuniões para tratar da importância da educação para a sociedade, promover campanhas de prevenção à violência, com ações formativas, palestras e distribuição de materiais sobre gênero, etnia, orientação sexual e direitos humanos. (CURITIBA, 2016, p. 15).
Nos documentos analisados, figura ainda entre as ações consolidadas pelo PEE o trabalho com o livro e a biblioteca escolar. Esta ação, diferentemente das demais, ficou sob a responsabilidade da SME, que garantiu formação continuada e ampliação de acervo. As escolas relatam a criação de novos espaços e momentos de leitura, com compartilhamento de livros, jornais e revistas do acervo da escola com as famílias das crianças e aumento do número de empréstimos de livros nas bibliotecas, bem como a intensificação das práticas leitoras nos planos de ensino e a definição da leitura como atividade permanente, de regularidade diária. (CURITIBA, 2016).
Na síntese das metas do PEE definidas pelas unidades escolares e documentadas pela SME, figura o estabelecimento de “parcerias com departamentos da Secretaria Municipal da Educação, outras secretarias e empresas privadas”. (CURITIBA, 2016, p. 9). Por admitir uma limitação das possibilidades de intervenção a curto prazo nos aspectos socioeconômicos e culturais das comunidades onde se insere, a SME-Curitiba reconheceu o papel das parcerias, que permitiam um compartilhamento de diferentes responsabilidades em relação à comunidade escolar, diante da complexidade da problemática que cerca a escola, para potencializar o cumprimento das metas definidas pelas unidades escolares e pela própria Secretaria. No grupo de instituições parceiras da SME no PEE figuram empresas do Primeiro setor (órgãos públicos), tais como Caixa Cultural, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Centro Vida, Centrais de Abastecimento do Paraná (Ceasa), Conselho Tutelar; do Segundo setor (empresas privadas), e do Terceiro setor (organizações não governamentais), como a Comunidade Terapêutica Educacional Renascer (CTER) e algumas fundações.
Segundo consta nos documentos produzidos pela SME (Curitiba, 2015; 2016), tais parcerias não se estabeleciam da mesma forma entre todas as unidades escolares. A título de exemplificação, o Consulado da Finlândia atuava apenas junto a uma das 48 escolas. A forma como se dava essa parceria, que tipo de auxílio as escolas recebiam também não ficava esclarecida nos documentos.
Os resultados da política pública pela análise de indicadores educacionais
Desde 2005, as escolas que participaram do Projeto Equidade apresentavam percentual de crescimento nas proficiências em geral menor que o das escolas que não faziam parte do projeto. Essa situação se inverteu entre 2013 e 2015, quando as escolas participantes do projeto mostraram crescimento expressivamente maior que as escolas não participantes para as proficiências de Língua Portuguesa e Matemática.
Destarte, apresentamos a seguir dados de proficiência em Matemática e Língua Portuguesa, IDEB e taxas de aprovação para o município de Curitiba entre os anos de 2005 a 2017, no intuito de comparar os resultados de escolas participantes e não participantes do PEE, relativo aos 5º anos do Ensino Fundamental. Os percentuais de crescimento dessas proficiências na Rede Municipal de Ensino de Curitiba nesse período confirmam que em geral já vinhamcrescendo paulatinamente em todas as escolas do município, desde 2005, como é possível verificar nos Gráficos 1 e 2:
Novamente se confirma o já observado em termos de proficiências; desde 2005, todas as escolas de Curitiba apresentaram crescimento gradual no índice, com exceção do período 2011-2013, quando as escolas hoje incluídas no PEE tiveram queda de 2,34% no índice. Importante destacar que em 2015, as escolas participantes do PEE tiveram menor proficiência em Língua Portuguesa do que as escolas não participantes, porém as escolas do projeto tiveram maior crescimento entre 2013 e 2015 (8% contra 4,5% das escolas sem projeto). Na proficiência em Matemática, as escolas incluídas no Projeto Equidade tiveram menor proficiência do que as escolas sem projeto, porém as escolas com o projeto tiveram maior crescimento entre 2013 e 2015 (4,2% contra 1,4% das escolas sem projeto), como é possível ver nos gráficos 3 e 4.
Com relação ao IDEB, em 2013 a Rede Municipal obteve 5,9, índice que superou a meta de 5,7 projetada pelo MEC. Já em 2016, período de desenvolvimento do PEE, o IDEB subiu para 6,3, superando inclusive a média dos países que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é 6,0, como é possível observar no Gráfico 5.
Esse aumento do IDEB em 2015 reflete o percentual de crescimento das escolas do PEE, pois estas apresentaram mais que o dobro que as escolas não participantes do programa. Embora uma gama de fatores possa ter afetado esse resultado, é preciso considerar a interveniência do PEE sobre tais resultados. No Gráfico 6 é possível observar o crescimento especificamente das escolas do PEE.
Com relação às taxas de aprovação, entre 2013 a 2015, verifica-se que as escolas participantes do PEE conseguiram inverter a condição em que historicamente se encontravam, apresentando significativa melhora tanto em relação a elas mesmas, como se comparadas às escolas que não participavam do programa, como é possível observar no Gráfico 7.
Assim, observamos que os percentuais de crescimento em proficiências, IDEB e taxas de aprovação entre os anos de 2013 e 2015 relacionam-se a múltiplos fatores. Parte desse crescimento pode estar associado de fato às ações implementadas pela via do Projeto Equidade na Educação.
Considerações finais
Neste artigo intentamos, com base nos documentos e literatura, produzir uma breve contextualização histórica do PEE como política de educação prioritária implantada pela RME-Curitiba no período de 2015-2016, verificando se tal política contribuiu com a redução da desigualdade educacional nessa rede naquele período. Ao debatermos essa política, a questão primordial que se coloca é se ela teria, em associação com outras políticas, melhorado as condições de acesso, permanência e os resultados das crianças mais pobres estudantes dessa rede no período em que foi efetivada.
Tanto as análises dos documentos produzidos pela SME-Curitiba como os dados do MEC acerca da proficiência em Língua Portuguesa e Matemática, Taxas de aprovação e Ideb, quando comparadas escolas não participantes e participantes do Projeto Equidade na Educação, mostram que nestas últimas houve crescimento significativo nesses indicadores no período de implantação da política.
Verifica-se nesta breve análise aqui proposta algumas vantagens advindas do PEE, tais como incremento de recursos à unidade escolar e ampliação da jornada ou de tempo de trabalho com estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem. Além disso, é preciso apointar que o estilo de construção e de implantação da política, mais democrático e participativo, favoreceu o clima escolar e deu visibilidade ao princípio da equidade.
Os dados numéricos mostrando relevante crescimento nas Taxas de aprovação, IDEB e proficiências em Língua Portuguesa e Matemática também revelaram significativa melhora após a implantação do Projeto, ainda mais nas escolas Equidade em comparação às escolas não participantes.
Dada a multicausalidade do problema da desigualdade educacional, o sucesso ou não dessa política e a possibilidade do sucesso dessa política ter sido resultado de muitas outras ações e variáveis não analisadas neste artigo, não se podem desconsiderar as diversas positividades apontadas aqui na melhoria dos indicadores educacionais da RME-Curitiba relacionadas ao Projeto Equidade na Educação.