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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub 06-Maio-2024

https://doi.org/10.5380/jpe.v17i0.91690 

Artigos

Estratégias metodológicas para/na elaboração de uma Proposta Curricular: a unidade na coletividade no percurso de uma política educacional

Methodological strategies for/in the elaboration of a Curriculum Proposal: unity in the collectivity in the course of an educational policy

Estrategias metodológicas para/en la elaboración de una Propuesta Curricular: unidad en la colectividad en el transcurso de una política educativa

Marcia Torres Neri Soares1 
http://orcid.org/0000-0001-5453-7872

Ana Paula de Oliveira Moraes Soto2 
http://orcid.org/0000-0001-5998-9878

Simone Dias Cerqueira de Oliveira3 
http://orcid.org/0000-0001-9758-4986

1Doutora em Educação. Professora Adjunta do Programa de Intervenção Educativa e Social (PPGIES) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Serrinha, BA. Professora da Rede Pública Municipal de Feira de Santana, BA. Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Políticas Públicas e Desenvolvimento Social (Epods-Uneb). Feira de Santana, BA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5453-7872 E-mail: profa.marciatorres@gmail.com

2Mestra em Educação. Doutoranda em Educação (Unicamp). Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Serrinha, BA. Professora da Rede Pública Municipal de Educação de Feira de Santana, BA. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE-Unicamp). Feira de Santana, BA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5998-9878 E-mail: p.anasoto3@gmail.com

3Mestra em Educação. Doutoranda em Educação (Ufba), professora da Rede Pública Municipal de Educação de Feira de Santana, BA. Membro do Grupo de Pesquisa História e Memória da Educação Brasileira (Himeb-UFRB). Feira de Santana, BA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9758-4986 E-mail: simonedias16@gmail.com


Resumo

Este texto objetiva apresentar aspectos subjacentes ao percurso metodológico de elaboração da Proposta Curricular da Rede Pública Municipal de Educação de Feira de Santana-BA, especialmente do trabalho desenvolvido por uma comissão denominada de Comissão Revisora e do seu olhar na organização do documento, durante os anos de 2015 a 2019. Na elaboração da proposta, a metodologia adotada foi a da pesquisa-ação (BARBIER, 2004) primando pela colaboratividade como princípio fundante para o desenvolvimento de suas ações. Apoiou-se teoricamente em autores como Contreras (2012), Arroyo (2011), Sacristán (2000) e Freire (1997) para inquirir sobre como manter a unidade metodológica em uma construção coletiva. Demarca o local de desenvolvimento da pesquisa, a colaboração de diferentes partícipes e os diálogos decorrentes. Indica ainda a inextricável relação entre currículo e condições de trabalho docente, bem como o desafio de fazer jus ao movimento metodológico adotado sem escamotear as características locais de sua elaboração. O estudo comprova a importância da definição metodológica em contextos de pesquisa envolvendo expressivo universo educacional, como o caso de uma rede pública municipal, bem como de sua assertividade na produção colaborativa de documentos curriculares. Além disso, considera-se tanto a ideia da criação de uma Comissão Revisora quanto de sua composição por professoras da própria rede, atrelada aos investimentos em formação stricto sensu como pontos favorecedores à eficácia requerida em trabalhos desta natureza.

Palavras-chave: Proposta Curricular; Políticas Curriculares; Metodologia

Abstract

The aim of this text is to present the aspects underlying the methodological process of preparing the Curriculum Proposal for the Municipal Public Education Network of Feira de Santana-BA, especially the work carried out by a committee called the Revising Committee and its view of the document’s organization from 2015 to 2019. In preparing the proposal, the methodology adopted was that of action research (BARBIER, 2004), with collaboration as the founding principle for the development of its actions. Theoretically, it drew on authors such as Contreras (2012); Arroyo (2011); Sacristán (2000) and Freire (1997); to investigate how to maintain methodological unity in a collective construction. It demarcates the place where the research was carried out, the collaboration of different participants and the dialogues that resulted. It also points out the inextricable relationship between the curriculum and teachers working conditions, as well as the challenge of doing justice to the methodological approach adopted without ignoring the local characteristics of its development. The study proves the importance of methodological definition in research contexts involving a significant educational universe, as in the case of a municipal public network, as well as its assertiveness in the collaborative production of curriculum documents. In addition, the idea of creating a Review Commission and having it made up of teachers from the network itself, coupled with investments in stricto sensu training, are considered to favor the effectiveness required in work of this nature.

Keywords: Curriculum Proposal; Curriculum Policies; Methodology

Resumen

El objetivo de este texto es presentar los aspectos subyacentes al proceso metodológico de elaboración de la Propuesta Curricular de la Red Municipal de Educación Pública de Feira de Santana-BA, especialmente el trabajo realizado por una comisión denominada Comisión Revisora y su enfoque para la organización del documento entre 2015 y 2019. En la elaboración de la propuesta, la metodología adoptada fue la de la investigación-acción (BARBIER, 2004), destacando la colaboración como principio fundador para el desarrollo de sus acciones. Se apoyó teóricamente en autores como Contreras (2012); Arroyo (2011); Sacristán (2000) y Freire (1997); para indagar cómo mantener la unidad metodológica en una construcción colectiva. Demarca el lugar donde se llevó a cabo la investigación, la colaboración de diferentes participantes y los diálogos resultantes. También señala la inextricable relación entre el currículo y las condiciones de trabajo de los profesores, así como el reto de hacer justicia al enfoque metodológico adoptado sin ocultar las características locales de su desarrollo. El estudio demuestra la importancia de la definición metodológica en contextos de investigación que implican un universo educativo significativo, como en el caso de una red pública municipal, así como su asertividad en la producción colaborativa de documentos curriculares. Además, se considera que la idea de crear una Comisión de Revisión y de que esté formada por profesores de la propia red, junto con las inversiones en formación stricto sensu, son puntos que favorecen la eficacia necesaria en un trabajo de esta naturaleza.

Palabras Clave: Propuesta Curricular; Políticas curriculares; Metodología

Palavras introdutórias

No engendramento de uma política educacional estabelecem-se diversas relações de forças e de interesses traduzidos e defendidos por diferentes grupos sociais. Nesse sentido, na garantia do direito à educação, tal política se traveste conforme características locais e, nesse cenário mais amplo das políticas educacionais, localizam-se as políticas curriculares com objetivos próprios e percursos metodológicos distintos, principalmente em um país com características continentais, como o caso brasileiro.

Não obstante, reconhecemos as influências do ideário neoliberal nas políticas públicas brasileiras, fortalecido a partir dos anos de 1990 e a forma como assumem, em cada localidade, características e contornos próprios de acordo com concepções ideológicas, políticas, epistemológicas, econômicas, sociais, culturais, históricas, dentre outras, que estão em jogo nas disputas personificadas por diferentes sujeitos e instituições. Não podemos perder de vista, portanto, a conjuntura emblemática de localização de uma política curricular, afinal, há muito tempo se discute o quanto as reformas curriculares “[...] têm priorizado as macro propostas oficiais em detrimento das propostas curriculares que contemplem as necessidades e realidades locais” (PEREIRA, 2003, p. 18).

Sob esse prisma, o presente texto intenta apresentar aspectos subjacentes a um dos processos vinculados à elaboração da Proposta Curricular (PC) da Rede Pública Municipal de Educação de Feira de Santana-BA, delineada na perspectiva de uma pesquisa-ação (BARBIER, 2004, p. 52) com o crivo dos secretários municipais de educação dos períodos atingidos pela construção da proposta, desenvolvida entre os anos de 2010 e 2019. Abordaremos especificamente o trabalho correspondente à etapa final anterior a sua publicação, a etapa de revisão dos textos produzidos, realizada por uma comissão constituída para tal fim no período de 2015 a 2019 – a Comissão Revisora da Proposta Curricular, objetivando compartilhar os desdobramentos do ponto de vista metodológico adotado e dos contornos assumidos na tarefa de organização do documento, buscando dar unicidade a uma produção realizada coletivamente.

O documento, objeto de discussão no presente texto, refere-se à Proposta Curricular do Ensino Fundamental da Rede Pública Municipal de Educação de Feira de Santana-BA: diálogos em construção, responsável por nortear didática e metodologicamente as concepções e as práticas curriculares desenvolvidas por professoras e professores da esfera municipal, a partir de suas vozes e mãos4.

Nesse direcionamento, reforça-se a ideia da elaboração de uma PC como um desafio comum aos participantes de órgãos gestores de qualquer esfera. Soma-se a esse desafio, conforme concepções e escolhas teóricas e metodológicas, aspectos locais concernentes às condições de trabalho e às realidades política, social, cultural e econômica das escolas às quais se destinam, ratificando a compreensão defendida por Ball (1994) sobre a produção do texto de formulação de políticas públicas educacionais e o decorrente processo imbricado por elementos atinentes aos contextos escolares.

Além desses aspectos, é preciso considerar suas características e enviesamentos no contexto educacional brasileiro, haja vista que

[...] esses vínculos tão estreitos entre currículo, trabalho e condição docente têm feito do currículo um dos territórios mais disputados seja pelas políticas, diretrizes e normas, seja pelos próprios profissionais do conhecimento. (ARROYO, 2011, p. 16).

Há, portanto, uma interlocução entre o currículo prescrito e as condições estruturais do trabalho docente a serem consideradas na consecução de políticas curriculares, especialmente quando se pretendem democráticas e emancipatórias.

Destaca-se, nessa discussão, a própria conceituação de políticas públicas e a inserção daquelas direcionadas ao currículo escolar. De acordo com Azevedo (2004), o conceito de políticas públicas implica considerar as relações de poder subjacentes à sua definição e o destaque das instituições do Estado, principalmente a máquina governamental como seu principal referente. Dessa forma, envolve também a compreensão destas como fruto de um processo emblemático do qual decorrem negociações, contestações, embates e disputas por hegemonia (LOPES; MACEDO, 2011).

Como proponentes de uma política curricular municipal, o “como caminhar” sempre foi uma preocupação e requereu um olhar minucioso. Não foi uma mera escolha, mas sim uma opção ética e política em alinhamento com concepções de mundo, educação e currículo. Desse modo, ao ponderar sobre o projeto, não podemos desconsiderar aspectos no âmago de uma política educacional e de seus atravessamentos, como por exemplo as condições de trabalho docente – extensa carga horária de trabalho, questões salariais, formações inicial e continuada – entre outros.

Nesta direção de opção metodológica, Arroyo (1999) indica três estilos de inovações educativas e sociais presentes no final dos anos de 1990 no Brasil: 1º) os que decidem a inovação para a escola, para os professores e para a sociedade, aí são incluídas as instituições oficiais de educação nos âmbitos federal, estadual e municipal; 2º) os que pensam a escola, as práticas docentes e a sociedade, aí incluídos os especialistas e os intelectuais; 3º) os professores que inovam a escola e os conteúdos de suas práticas, aí incluídos os professores, em diferentes funções, os estudantes e os demais sujeitos que habitam diariamente as escolas. Não nos aprofundaremos nesses aspectos, mas sua alusão é importante ao considerarmos falar do lugar oficial (1º estilo) em uma linguagem de valorização e de validação do professor (3º estilo).

Diante dessa conceituação, coube a reflexão: como manter a unidade metodológica em uma pretendida construção coletiva advinda do âmbito oficial e assentada em um histórico de hierarquização dos sujeitos da escola? A linguagem de valorização docente em respeito à nossa própria condição profissional perpassou a ideia de ter na construção coletiva a imbricação de diferentes participantes.

Essa atividade, portanto, demandou estratégias próprias para a realização do intento, incluindo a criação da citada Comissão Revisora composta por três professoras efetivas da Rede em questão, também autoras de Cadernos da Coletânea, com experiências em vários âmbitos/funções na educação municipal – gestão central (secretaria), direção escolar, coordenação pedagógica, professoras da educação básica, além de formação na área – duas doutorandas e uma doutora em Educação.

O objetivo da Comissão envolvia dois eixos metodológicos convergentes para a pesquisa-ação: o primeiro era revisar os textos elaborados para garantir a unidade e a coesão; o segundo, estabelecer a espinha dorsal da escrita conforme diálogos anteriormente firmados com participantes da pesquisa tanto na esfera da Secretaria Municipal de Educação (Seduc) e dos colegas deste órgão gestor convidados publicamente a compor o Grupo de Currículo do Ensino Fundamental (Gcef) quanto na esfera da escola junto aos demais colegas da rede pública municipal de educação em questão, professores e gestores escolares também participantes ativos do processo de construção da PC.

A fim de discorrer acerca dos aspectos atinentes à metodologia adotada na elaboração da PC da educação pública municipal de Feira de Santana-BA, como apresentado anteriormente, além destas breves palavras introdutórias, o texto expõe dados relativos à Rede Municipal investigada, bem como o percurso metodológico trilhado por esta comissão na seção “A política curricular materializada a partir das condições locais: itinerários da Comissão Revisora”. Nessa seção, o percurso metodológico é descrito como itinerários percorridos desde a criação da Comissão, incluindo estratégias adotadas para a interlocução com os textos produzidos, seus autores e exigências mínimas para a escrita, até a publicação do documento. Em seguida, na seção “Aportes teóricos e entrelaçamentos metodológicos na busca da unidade” propomos a interlocução entre as ações desenvolvidas pela Comissão, sob o ponto de vista das concepções teóricas basilares para o trabalho realizado, frente ao desafio de dar unidade ao documento e, assim, apresentamos nossas Conclusões.

A política curricular materializada a partir das condições locais: itinerários da Comissão Revisora

Nesta seção, apresentamos o modo peculiar de elaboração da PC a partir das condições macro de organização da política educacional em âmbitos nacional e local, além de suas convergências e divergências para/na materialização do projeto, estas últimas representadas de modo mais significativo pelos seguintes aspectos: 1. a convergência da metodologia de pesquisa-ação capaz de contribuir para a consolidação da investigação nos moldes colaborativos em uma rede da dimensão do município de Feira de Santana; 2. a divergência personificada em aspectos intra e extra ao movimento de elaboração de uma política curricular, a saber: a) intra – pelas representações de participantes cujas instituições e/ou movimentos sociais, áreas de atuação e concepções de mundo são bem diversificadas; b) extra – na observância às determinações legais vigentes sem prescindir da autonomia local na regulamentação dessas mesmas determinações, como ilustra o reconhecimento da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) (BRASIL, 2017), mas a superação de uma mera replicação de conteúdos.

Nesse último elemento, talvez, se assente sua principal divergência, a de não haver descrito os conteúdos de cada ano, etapa e modalidade da educação básica, conforme diretrizes curriculares vigentes, antes ter se ocupado das concepções subjacentes ao trabalho com estes mesmos conteúdos. Tais aspectos nortearam a busca incessante da unidade na coletividade.

O lócus investigativo corresponde a um município com população de 616.279 habitantes e renda mensal de 1,9 salários mínimos, sendo a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total de 21.7% (IBGE, 2022) e Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) de 0,71 (IBGE, 2010). Esses dados, embora gerais, podem caracterizar as desigualdades sociais e econômicas do município, sendo a sua sede, a cidade de Feira de Santana, conhecida por ser o maior entroncamento rodoviário do norte e nordeste brasileiro, espaço de moradia para pessoas oriundas de diversas localidades e culturas, nacionais e internacionais. Por seu turno, a educação pública municipal conta com cerca de 2.985 professores atuantes em 209 escolas distribuídas entre o campo e a cidade. Com o número atual de 55.6545 estudantes da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, possui, desta forma, um universo bastante heterogêneo, se consideradas suas singularidades e características conforme inevitável diversidade humana.

Nesse cenário, a iniciativa em elaborar a PC atende ao compromisso ético e político em observância às leis em vigor, mais especificamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), bem como uma correspondência à BNCC (BRASIL, 2017). A conformidade com as políticas curriculares vigentes, contudo, não destitui a responsabilidade pelo respeito às condições materiais concretas para a implementação das políticas locais, assim como a atenção às concepções norteadoras do trabalho desenvolvido. Desse modo, persegue-nos uma visão alargada acerca destas políticas, pois:

As políticas curriculares não se resumem apenas aos documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por múltiplos sujeitos no corpo social da educação. São produções para além das instâncias governamentais. Isso não significa, contudo, desconsiderar o poder privilegiado que a esfera de governo possui na produção de sentidos nas políticas, mas considerar que as práticas e propostas desenvolvidas nas escolas também são produtoras de sentidos para as políticas curriculares. (LOPES, 2004, p. 111).

Com efeito, o esforço em corresponder às práticas e às propostas desenvolvidas nas escolas fez parte do percurso de nove anos, desde a criação do Gcef em outubro de 2010, até a materialização da PC em maio de 2019, por meio de alguns caminhos percorridos, entre os quais podemos citar as Escutas Formativas, ou o modo peculiar de dar audiência às vozes dos sujeitos, professores, funcionários, estudantes, familiares e movimentos sociais envolvidos com a discussão curricular em suas diferentes nuances. As Escutas Formativas foram momentos planejados, conforme coordenação por área de conhecimento, temas transversais e/ou modalidades de ensino, com o objetivo de ouvir/falar com os partícipes sobre suas concepções centrais ao desenvolvimento da Proposta, a exemplo de currículo, de planejamento, de avaliação, dentre outros (OLIVEIRA; MAIA, 2012).

A exemplo das Escutas Formativas, a Formação Continuada em Currículo Escolar (FormaCE), realizada entre os anos de 2014 e 2015, tinha por finalidade a discussão sobre o currículo escolar e, nesse sentido, os seus partícipes foram os primeiros da Rede a conhecer, a ler criticamente e a contribuir diretamente no conteúdo das versões preliminares de cada Caderno. Nesse percurso, ousamos corresponder ao viés metodológico, pois “[...] o traço principal da pesquisa-ação – o feedback – impõe a comunicação dos resultados da investigação aos membros nela envolvidos, objetivando a análise de suas reações” (BARBIER, 2004, p. 55). Ao lerem os textos em suas versões preliminares, os participantes chamaram atenção sobre as lacunas e/ou os pontos de enriquecimento. Suas contribuições foram registradas sob a denominação de Leitores Críticos, conforme atesta o teor dos cadernos publicados (FEIRA DE SANTANA, 2019).

Nas diferentes formas de análise e acompanhamento de implementação de propostas curriculares, consideramos nossa participação na produção do currículo sob o âmbito político administrativo, o primeiro estilo aludido por Arroyo (1999), sem perder de vista a articulação entre as demais esferas:

Além das diferentes maneiras de entender o projeto curricular e da complexidade que isso implica, o currículo é planejado em diferentes níveis ou âmbitos, que requerem elaboração e decisões específicas. No âmbito político-administrativo, são tomadas decisões sobre aspectos gerais que afetam o sistema educacional, como a seleção cultural para cada uma das suas etapas. No âmbito do centro como marco geral da vida escolar, são decididas questões que afetam diferentes séries e matérias de maneira global. No âmbito da aula como espaço de interação educacional, reflete-se sobre determinados alunos, sobre experiências particulares, são programadas unidades didáticas, etc. (LINEUSA, 2013, p. 227).

Desse modo, o entrelaçamento entre os âmbitos político-administrativo da vida escolar e da sala de aula permeia nossa ideia de referenciar as opções metodológicas desenvolvidas no trabalho desempenhado pela Comissão Revisora. Nesse sentido, apresentar publicamente o projeto de elaboração da PC e submeter seu desenvolvimento ao coletivo de partícipes referendou a forma de aproximação e de validação do percurso metodológico.

Paulatinamente, com base nos dados levantados por meio de instrumentos, como questionários, entrevistas, encontros de formação continuada, visitas e acompanhamentos às escolas, reuniões com grupos de pesquisa de universidades baianas, entre outros, consideramos sua disponibilização à

[...] coletividade a fim de conhecer sua percepção da realidade e de orientá-la de modo a permitir uma avaliação mais apropriada dos problemas detectados. Os exames dos dados visam redefinir o problema e encontrar soluções. (BARBIER, 2004, p. 55).

A socialização do percurso metodológico e dos principais dados levantados, entre os quais nos chama atenção as vozes de estudantes da Rede Pública Municipal e suas provocações à prática docente, bem como de seus professores frente às suas condições de trabalho, serviu de moldura para os diálogos estabelecidos nos encontros presenciais e na escrita dos textos. Isso também explica a aderência da expressão Diálogos em Construção ao título do documento, diálogos inacabados e em constante intersecção com as práticas já desenvolvidas e a desenvolver nas escolas da Rede.

A Comissão Revisora incumbiu-se de respeitar a autoria de seus pares, mas sem perder de vista as condições concretas de trabalho dos seus sujeitos. Sem tentativas de escamotear a realidade, o movimento de apreciação dos textos buscou identificar características da Rede Municipal.

Deveras, ao organizar a proposta curricular em formato de Cadernos específicos, a Comissão buscou manter a unidade dos textos provenientes de diferentes modalidades, áreas de conhecimento e temáticas transversais instituídas como currículo mínimo hoje no Brasil. Os conteúdos dos Cadernos precisavam convergir, em diálogo constante, direto e indireto, com os professores, para o conhecimento da realidade concreta do funcionamento pedagógico das escolas.

Para tanto, alguns critérios foram estabelecidos, a saber: a) uso do termo estudante; b) respeito às questões de gênero, referindo-se sempre em primeiro lugar ao feminino – universo mais representativo da Rede e, consequentemente, dos colaboradores da pesquisa; c) destaques dos conceitos principais sob forma de hipertextos; d) síntese da história das disciplinas escolares, das modalidades e da temática em forma de capítulo; e) utilização de dados da própria Rede, obtidos por meio da pesquisa de campo; f) presença de leitores críticos – professores da Rede dedicados à apreciação do documento preliminar; g) definição explicitamente assumida e apresentada sobre a concepção de ensino defendida coletivamente para/na implementação da orientação curricular; h) recomendação de, no mínimo, três pareceristas: um dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, um dos Anos finais, e um de Instituição de Ensino Superior.

Assim, desde aspectos considerados mais rudimentares, como a opção terminológica por estudantes em lugar de alunos, até a observância de pareceristas na apreciação de cada texto, a Comissão desenvolveu um cronograma de reuniões e instrumentos a fim de possibilitar a construção de diálogos com seus autores de forma mais transparente e ética.

Numa tal dimensão, deve-se considerar os conflitos enfrentados no percurso, afinal não há vida ou existência humana “[... ] sem briga e sem conflito. O conflito parteja a nossa consciência. Negá-la é desconhecer os mais mínimos pormenores da experiência vital e social. Fugir a ele é ajudar a preservação do status quo” (FREIRE, 1997, p. 42). O trabalho desenvolvido, isto é, a discussão curricular em diferentes frentes e a decisão de elaborar o currículo prescrito coletivamente, construiu-se por enfrentamentos, tensões, discussões acirradas e diferentes olhares sobre os mesmos objetos. Assim, alcançou centralidade no percurso metodológico acreditar nos professores como co-partícipes da construção curricular, aspiração cara ao documento nos moldes pretendidos.

A necessidade primeira de um trabalho coletivo cooperou para a perspectiva metodológica adotada, pela crença na descentralização como modo de compartilhamento tanto de convicções quanto de inseguranças, uma vez que “[...] reconhecê-las, entendê-las e entender a nós mesmos entre elas não é possível sem outras perspectivas, sem outros colegas, sem outras pessoas” (CONTRERAS, 2012, p. 231).

O alcance de contribuições e de validação dos textos, de professores com lotações e atuações em diferentes escolas da Rede Pública Municipal, também foi deveras desafiador, se consideradas suas desconfianças – não sem fundamentos construídos e sustentados historicamente! – a propostas provenientes do órgão gestor, a Seduc, assim como o descrédito provocado pelo insucesso dos grupos anteriores ao Gcef. Além disso, outros aspectos concernentes às condições de trabalho e de formação inicial e continuada trazidas por esses sujeitos ao debate reafirmaram a participação docente como primordial ao percurso metodológico, afinal:

[...] como o professor é o decisivo e imediato mediador das aprendizagens dos alunos, e posto que a atitude que ele mantenha frente ao conhecimento condiciona enormemente a qualidade da aprendizagem e a atitude básica do aluno frente ao saber e à cultura, é importante a potencial responsabilidade que a formação do professorado tem neste sentido. (SACRISTÁN, 2000, p. 186).

Mais uma vez, tomando por base a importância desta formação docente, corroborou ao trabalho desenvolvido o entendimento acerca da (re)significação do currículo e de práticas curriculares inovadoras substancialmente concretizadas não apenas no “[...] processo de escuta de uma maioria dirigida por minoria de ‘iluminados’. Mas se concretizam na participação de todos(as) os(as) responsáveis pela construção do conhecimento nos espaços cotidianos da escola” (PEREIRA, 2006, p. 21-22).

Essas práticas curriculares inovadoras já se desenvolvem no interior das salas de aula. A tarefa de apreciação dos Cadernos perpassou, portanto, o temor de resultar em um documento obsoleto ou de presunção autossuficiente. Em esforço coletivo, a Comissão Revisora buscou depreender, em cada texto, o nível de participação de colaboradores, especialmente das aproximações e distanciamentos aos dados construídos durante sua elaboração.

Notadamente, as vozes dos participantes indicavam a necessidade de olhar para a escola com atenção sobre como as discussões curriculares ecoavam frente às concepções acerca do acesso de estudantes aos recursos culturais e intelectuais (CONTRERAS, 2012).

Nesse sentido, coube também à Comissão Revisora inquirir sobre o modo de cada autor apresentar estes dados em forma de texto. Como analisar falas particulares de docentes, à luz das concepções curriculares, sem responsabilizá-los pelas desigualdades sociais e/ou pelas condições concretas de trabalho? A leitura, portanto, foi permeada pelas concepções de respeito ao professor e do entendimento de sua relativa autonomia como parte importante no cerne das políticas públicas.

Como forma de sistematização dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão foi estabelecida uma rotina organizada por meio: a) da demarcação de prazos para o recebimento dos textos b) da leitura pelas integrantes e formulação de parecer, além de comentários editados nos próprios arquivos; c) do agendamento de reuniões para entrega do parecer da Comissão; d) do acordo sobre a data para entrega da versão final do texto; e) dos encaminhamentos finais para a obtenção do International Standard Book Number (ISBN) e publicação. A essa ideia mais ampliada e detalhada do trabalho, acompanha-nos, afinal, o intuito de manter a unidade metodológica do documento em meio ao movimento plural e coletivo de sua construção. Outrossim, a escrita da próxima seção é um convite ao conhecimento dessa incessante busca da unidade sob contribuições tanto de seus principais interlocutores quanto dos referenciais teóricos centrais ao compartilhamento da pesquisa realizada.

Aportes teóricos e entrelaçamentos metodológicos na busca da unidade

Nesta seção apresentamos alguns dos principais aportes teóricos para o desenvolvimento metodológico das ações empreendidas pela Comissão Revisora da PC, mais especificamente sobre a expectativa de trazer unidade ao documento, sem desconsiderar a diversidade de autoria, de trajetórias profissionais, de temas, de abordagens teóricas e de posicionamentos, aspectos característicos da política curricular em desenvolvimento.

Coadunamos com Lopes e Macedo (2011) ao afirmarem sobre uma supremacia, tanto no Brasil quanto no exterior, de trabalhos mais voltados para a crítica aos projetos em curso. Em contrapartida, há uma ênfase menor nas investigações teóricas acerca de Políticas Curriculares. Esse último aspecto ilumina nosso interesse em refletir sobre estratégias metodológicas internas de uma esfera pública na consecução de uma política curricular. É possível depreender diferentes estratégias cunhadas como possibilidades de estabelecer diálogos sobre políticas curriculares, da formulação a sua implementação.

Norteou a escrita do documento, portanto, uma concepção de currículo pautada no reconhecimento da escola como espaço de lutas, de construção de conhecimentos e da subjetividade implícita aos processos de organização curricular, não circunscrita à seleção de conteúdos, antes atenta também aos fatores culturais e impregnados nas dinâmicas, nas rotinas e nas práticas desenvolvidas nestas instituições (LOPES; MACEDO, 2011).

Desse modo, a PC enveredou-se pela compreensão sobre a superação de listagens de conteúdos, estes posteriormente acrescidos no âmbito da política curricular, em forma de Cadernos de Objetivos de Aprendizagem (COA), uma estratégia local para uma releitura da BNCC, transversalizada pela crença na preponderância das concepções assumidas em cada diálogo singularizado nos Cadernos da PC. A adoção das concepções é um dos princípios para garantir a unidade do texto tomando por base a própria compreensão curricular, “(...) por isso propomos outra forma de pensar o currículo, não mais como seleção de conteúdos ou mesmo como seleção de cultura, mas como uma produção cultural” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 93).

Como produção cultural, o currículo escolar possui grande abrangência entre diferentes atores sociais. Para além de uma visão ensimesmada e/ou empobrecida do currículo, consideramos o risco do documento haver negligenciado discussões importantes em sua feitura e de ter silenciado tantas outras, todavia reconhecemos os limites da função revisora do texto, bem como das subsequentes (re)significações da PC em diferentes escolas, pois é preciso fazer viva a luta pela atribuição de significados por aqueles em suas salas de aula a subverterem as regulamentações para um fazer diário do remodelamento curricular (SACRISTÁN, 2000).

Ainda nesta perspectiva de análise sobre o alcance do currículo prescrito dentro de uma política educacional, mesmo desenvolvida, sob nosso entendimento, da forma mais democrática possível, destacamos a PC aqui tratada como o primeiro documento oficial da Rede dessa ordem a chegar aos professores. Com essa afirmação, não negamos a existência e o desenvolvimento de seus próprios currículos pelas escolas, como antes evidenciado. Reiteradamente, a existência de uma prescrição oficial não é imprescindível à dinâmica das escolas, tampouco à tão almejada qualidade da educação, contudo este instrumento se constitui parte importante, haja vista que

Essa política que prescreve certos mínimos e orientações curriculares tem uma importância decisiva, não para compreender o estabelecimento de formas de exercer a hegemonia cultural de um Estado organizado política e administrativamente num momento determinado, mas sim como meio de conhecer, desde uma perspectiva pedagógica, o que ocorre na realidade escolar, à medida que, neste nível de determinações, se tomam e se operam mecanismos que têm consequências em outros níveis de desenvolvimento do currículo. (SACRISTÁN, 2000, p. 107-108).

O currículo tem, pois, implicações evidentes na ordenação de todo o sistema educacional, e a política curricular cria e movimenta ações as quais, de uma forma ou de outra, adentram nas escolas e atingem os professores, os estudantes e suas construções produzidas nos processos pedagógicos, mas não os imobiliza, nem sequer anula seus potenciais crítico e criativo. “Essa política que prescreve certos mínimos”, orientações e propostas curriculares trata de ordenar a seleção e a distribuição do conhecimento e influi, direta e indiretamente, na organização da cultura, da sociedade e da economia (SACRISTÁN, 2000, p. 107). Seu alcance, no entanto, não garante a comunicação intencional entre teoria e prática na configuração curricular nas escolas. Esta comunicação se dá, em lugar de ser resultado da prescrição unilateral de quaisquer documentos, muito mais pela compreensão e/ou pela leitura de mundo de seus protagonistas.

Isso significa reconhecer os limites de uma proposta curricular, suas intencionalidades e também suas forças ético-política, intelectual-pedagógica e sociocultural necessárias à sua concretização e consequente implementação. Corrobora à sua materialização a consciência acerca de nossa responsabilidade em relação à urgência de políticas e à imposição de suas agendas, à (re)criação de formas de enfrentamento e de composição de novos diálogos. Com Santomé (2011, p. 58) perseguimos a ideia de os sistemas educacionais, bem como quem neles trabalha, precisarem “[...] repensar com seriedade sua responsabilidade política e, portanto, sua possibilidade de somar-se às lutas sociais que numerosos coletivos sociais vêm levando para tratar de construir outro mundo mais justo e solidário”.

O autor nos convida a superar a mera constatação sobre inegáveis influências do ideário neoliberal nas políticas curriculares governamentais para a assunção de um compromisso ético, social e coletivo no enfrentamento de suas prescrições. Não há um status salvacionista de seu projeto, antes suas limitações e lacunas são admitidas, inquiridas, assumidas, contrapostas, enfrentadas. A leitura da PC facultou o entendimento da construção do documento não haver superado, por exemplo, as mazelas no campo da formação docente realçadas pelos partícipes. O texto também aludiu às necessidades formativas e à decorrente imprescindibilidade de garantir uma política de formação docente na Rede Municipal. Também foram oportunas as discussões sobre as fragilidades das condições de trabalho docente e a importância em promover ações voltadas ao resgate de sua autonomia, de sua valorização salarial, entre outros aspectos.

A defesa da inovação de políticas de currículos dispostas a enfrentar o desafio histórico de construir com as bases docentes os currículos prescritos, os quais eles mesmos terão a incumbência de modelar, criar e recriar em suas escolas e salas de aula, fortalece a busca pela unidade na coletividade, pois não destitui as vozes divergentes, mas apresentam-nas como ponto de partida para o consensual entendimento sobre a diversidade de opiniões e ideias, além de ser uma decisão ousada em defesa de uma perspectiva teórica a alicerçar suas principais apostas (KRAMER, 1997).

À Comissão coube, em um campo espinhoso, adentrar na escrita do outro, algo que é sempre melindroso, e persistir na consideração acerca da imprescindibilidade da demarcação política em defesa de uma concepção sobre o ensino de cada área de conhecimento, modalidades e temática, explicitamente apresentadas nos conteúdos de cada Caderno.

Foi possível conhecer, portanto, diferentes estilos e tempos de escrita. Nesse sentido, algumas coordenações não concluíram os textos, também não conseguiram cumprir as exigências acordadas pelo próprio Gcef. Estas exigências descritas sob a forma de critérios, como apresentado na primeira seção deste artigo, foram o mote da escrita de cada Caderno. A Comissão, partindo da dinâmica de reuniões semanais, organizou um barema próprio para a sinalização dos itens contemplados ou não, em cada texto, os quais consubstanciados em forma de pareceres eram lidos e discutidos conjuntamente para/na uniformidade pretendida ao documento.

Com as devidas proporções e diferentes motivos, nem todos deram continuidade ao projeto de coordenação e escrita da PC. Outrossim, mesmo entre as propostas publicadas, foram diferentes seus movimentos internos, como por exemplo o número de coordenadores, bem como foi diversificado o esforço da Comissão para a garantia de entrega de suas versões finais.

Ademais, a criação de instrumentos, tanto os termos de responsabilidade quanto a confiabilidade dos dados e a inexistência de plágios, revestiu o rigor metodológico indispensável à publicização dos textos, bem como isentou a Comissão e Pareceristas da fidedignidade dos dados compartilhados, haja vista ter explicitado, durante o processo de escrita e de reuniões realizadas, a necessária legitimidade das produções, a fim de serem condizentes com os diálogos estabelecidos com a Rede e suas vozes.

Por fim, não menos importante, a experiência metodológica assumida foi um mecanismo de controle para consumação da PC. Além de todos os procedimentos adotados, alguns brevemente citados neste texto, a Comissão representou a delimitação de prazos e exigências mínimas na produção e na publicação do documento.

Conforme acreditamos, baseados nos dados analisados, a Comissão Revisora desempenhou papel indispensável para a concretização da PC, e atribuímos boa parte de eficácia ao fato de suas integrantes serem professoras da Rede Pública Municipal de Educação, oriundas do Gcef e ainda articularem o lastro da/na educação básica às suas formações em nível stricto sensu. Dessa importante experiência, acreditamos advirem pesquisas sobre lacunas e contribuições do documento e quiçá inspirar outras Redes nas composições de suas políticas e práticas curriculares.

Conclusões

Garantir a unidade na coletividade, dentro de um projeto de elaboração de uma proposta curricular, trouxe a perspectiva de entender diferentes intencionalidades e forças na confluência – consonância e dissonância – de vozes de seus partícipes. O trabalho hercúleo apreendeu diferentes sentidos e, por isso, precisou garantir representações dos dois níveis de ensino brasileiros em seus variados movimentos, desde as contribuições de movimentos sociais e de estudantes da rede municipal até os grupos de pesquisa de instituições superiores baianas e a imersão na metodologia da pesquisa-ação, aspecto a, em algum nível direta ou indiretamente, corroborar com a inserção de representantes do Gcef em programas stricto sensu.

Reconhecer as especificidades locais da Rede Municipal de Feira de Santana, aliado ao percurso metodológico instituído, trouxe ao centro do debate os vínculos estreitos entre currículo, trabalho e condição docente (ARROYO, 2011). Também reconhecemos a prevalência dos diálogos em construção, pois o documento não se encerra com sua publicação. Lida, rejeitada, criticada, recriada, silenciada, vivida, a PC chega aos professores em 2019 e, em 2022, alcança, por meio de um ato normativo, sua visibilidade junto ao Ministério de Educação, conforme informações do Observatório – Movimento pela Base6, ao publicizar a Resolução do Conselho Municipal de Educação nº 16, de 12 de julho de 2022 acerca da implantação do Referencial Curricular Municipal de Feira de Santana (FEIRA DE SANTANA, 2022).

Manter a unidade metodológica na coletividade trouxe-nos o constante desafio de rompimento com a hierarquização, principalmente de superação da ideia já cristalizada sobre a supremacia do órgão gestor e de suas regulamentações extra-escola e de desvalorização às práticas instituídas e instituintes em diferentes espaços escolares.

Os enviesamentos na composição de um grupo heterogêneo como o Gcef, formado por professores com diferentes áreas de atuação e formações, tempos de experiência profissional, vivências e expectativas para/com a gestão pública municipal, além de sua simbiose com a coordenação de uma escrita, processo árduo de produção de um texto calcado em concepções teóricas articuladas às concepções apresentadas e defendidas por seus maiores interlocutores, reafirmam a importância da definição de uma Comissão Revisora decorrente do próprio grupo, porque inconteste conhecedora dos princípios defendidos desde a gênese do desenvolvimento do projeto de pesquisa.

Após mais de vinte anos das publicações de Freire (1985) e Arroyo (1999), entre outros, a maior inovação educativa no Brasil, no caso da pesquisa relatada, inovação curricular, permanece a participação ativa e a valorização das contribuições dos professores advindas das experiências trazidas/feitas em suas práticas diárias, assim como de estudantes e da comunidade para/na elaboração de currículos oficiais. Estes, os currículos elaborados coletivamente, têm mais probabilidade de serem instrumentos de mediação à construção do currículo vivido nas escolas, mas certamente são sempre os sujeitos da ação pedagógico-curricular das salas de aula, indubitavelmente, os sujeitos da inovação.

Como apresentado, o trabalho desenvolvido pela Comissão de Revisão fortaleceu não apenas o olhar para o texto e para a importante perseguição à unidade dos princípios aludidos, mas também, acertadamente, à opção metodológica adotada, se considerada a colaboração requerida durante a leitura de cada Caderno.

Não podemos deixar de mencionar o campo das desigualdades na produção curricular, afinal “[...] a superação de práticas curriculares excludentes é centralmente condicionada por políticas educacionais mais amplas.” (LOPES, 2010, p. 75). As proposições advindas deste texto localizam-se no cerne do debate sobre as políticas educacionais e sobre a reconhecida indissociabilidade às condições de trabalho e às políticas de formação docentes, de melhorias salariais, de investimento em instalações e materiais pedagógicos das escolas, assim como de projetos de qualidade de vida em geral (LOPES, 2010).

Tendo em vista os dados apresentados, urge reiterar a relevância de desenvolver projetos fulcralmente alicerçados no sentido colaborativo. Torna-se cada vez mais importante a formação político-pedagógica das pessoas/professores/estudantes/comunidade, e a construção coletiva do currículo escolar é um caminho possível e de amadurecimento do lugar social ocupado em uma sociedade a aspirar um certo grau de democracia.

4Organizada em forma de Coletânea e distribuída sob Cadernos: Introdutório, Arte, Ciências, Educação Especial, Educação do Campo, Educação para as Relações Etnicorraciais, História, Língua Portuguesa, e Questões Pedagógicas, foi publicada em 2019 (FEIRA DE SANTANA, 2019) e encontra-se em fase de desenvolvimento e acompanhamento junto às escolas públicas municipais, bem como da elaboração/finalização dos demais Cadernos.

5Dados: https://www.gov.br › inep › pt-br. Acesso em: 02 jul. 2023.

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Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2023

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