Introdução
Este artigo é um desdobramento de pesquisa de doutorado em andamento, cujo objetivo é investigar o que apontam as teses de doutorado sobre os desafios e possibilidades da implantação do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica (EMI à EPT) nos Institutos Federais (IFs)? O objetivo do artigo é a realização de um inventário por meio do Estado da Arte, cuja característica é efetivar um mapeamento da produção acadêmica em distintos campos do conhecimento, tendo como peculiar uma perspectiva inventariante e descritiva da produção acadêmica sobre a qual se investiga. (FERREIRA, 2000). Corroborando com as ideias de Ferreira (2000), tem-se Romanowski e Ens (2006), que pontuam o seguinte sobre estado do conhecimento:
Estados da arte podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada. (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p.39)
Os Institutos Federais, a partir da lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, representam uma política pública para a classe trabalhadora, principalmente em relação à tentativa de romper a perversa dualidade histórica entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, assegurando, na referida lei, a oferta do EMI como prioritária, garantindo no mínimo de 50% de matrículas para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos como o público do EMI à EPT (BRASIL, 2008).
O EMI, enquanto uma política para classe trabalhadora, tem como objetivo uma formação que contemple todas as dimensões do ser humano, combinando currículos com as práticas sociais, suplantando a mera aquisição de habilidades instrumentais (PACHECO, 2020). Os Institutos Federais podem se constituir como uma referência para educação nacional visto as características históricas da rede com condições objetivas e subjetivas para o desenvolvimento de um projeto coletivo, característica essencial para o EMI. (RAMOS, 2021).
No decorrer do artigo, há uma seção dedicada ao estado da arte em si, deixando o mais claro possível o procedimento realizado; além de uma seção dedicada ao percurso da Análise Textual Discursiva, explicando o que é essa metodologia, e também evidenciando todo o percurso de análise, e, por fim, as considerações finais.
Estado da arte sobre as dificuldades de se efetivar o EMI à EPT
Para a realização de uma pesquisa do tipo Estado da Arte, Romanowski e Ens (2006) reforçam os procedimentos necessários, sendo um deles a “definição de descritores para direcionar as buscas a serem realizadas” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p.43), além do “estabelecimento de critérios para a seleção do material que compõe o corpus do estado da arte” (ROMANOWSKI; ENS, 2006,p. 43). Sendo assim, o descritor escolhido foi “Ensino Médio Integrado”, tendo sido realizada a consulta à base de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), por ser uma plataforma de amplo acesso dos acadêmicos em geral. Tal plataforma é alimentada pelas próprias universidades e cursos de pós-graduação do Brasil.
A consulta que culminou no quadro 1 a seguir foi realizada no dia 27 de janeiro de 2022, por volta das 17h30, horário de Brasília, tendo como filtro o período entre 2012 a 2021, isso porque os Institutos Federais têm sua data de criação em 29 de dezembro de 2008. Considerando o tempo médio de 3 anos do EMI, seria bem provável que as pesquisas relativas aos IFs surgissem após o ano de 2011, diante das primeiras experiências do EMI nessa rede.
Numeração das Teses | Ano | Título da Tese | Autor | Instituição (continua) |
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Tese 1 | 2012 | Ensino médio integrado: formação politécnica como horizonte? | Pontes, Ana Paula Furtado Soares | Universidade Federal De Pernambuco |
Tese 2 | 2014 | Compreensão de currículo na educação profissional: possibilidades e tensões do ensino médio integrado | Hannecker, Lenir Antonio | Universidade Do Vale Do Rio Dos Sinos |
Tese 3 | 2014 | Humanização, interdisciplinaridade e pesquisa: em busca de uma alternativa qualitativa para a formação do estudante do ensino médio integrado ao técnico | Roberto, Enzo Basilio | Universidade Nove De Julho, |
Tese 4 | 2014 | O ensino médio integrado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense: perspectivas contra-hegemônicas num campo em disputas' | Junior, Manoel Jose Porto | Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro |
Tese 5 | 2015 | O ensino médio integrado no IFRS enfrentando a dualidade' | Marcal, Fabio Azambuj | Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul |
Tese 6 | 2016 | Concepções e práticas integradoras dos docentes do IFMT campus Cáceres, no desenvolvimento do currículo integrado | Rodrigues, Denise Dalmas | Univ. Regional Do Noroeste Do Estado Do Rio Grande Do Sul, |
Tese 7 | 2017 | Origem e evolução do ifsul de minas, campus inconfidentes: qual o princípio pedagógico? | Bresci, Melissa Salaro | Universidade Nove De Julho |
Tese 8 | 2017 | O ensino médio integrado no instituto federal goiano: a percepção de professores sobre os desafios e possibilidades para a consolidação da formação humana integral | Garcia, Julio Cezar | Pontifícia Universidade Católica De Goiás |
Tese 9 | 2017 | Politecnia, política pública educacional brasileira e a implantação do ensino médio integrado no CEFET-rj: avanços e contradições | Brunow, Vanessa De Oliveira | Universidade Federal Fluminense |
Tese 10 | 2018 | A educação profissional no Brasil e os limites e possibilidades da educação integral no ensino médio integrado no IFPR | Wiedemann, Samuel Carlos | Universidade Tuiuti Do Paraná |
Tese 11 | 2018 | O instituto federal de educação, ciência e tecnologia de São Paulo - campus São João da Boa Vista: a questão do ensino médio integrado' | Gianelli, Juliana Gimenes | Universidade Federal De São Carlos |
Tese 12 | 2018 | Efetividade social e pedagógica do ensino médio integrado: análise de sua implantação no instituto federal goiano | Melo, Paulo Silva. | Pontifícia Universidade Católica De Goiás |
Tese 13 | 2019 | Ensino médio integrado em minas gerais: análise da produção acadêmico-científica a partir do decreto nº 5.154/2004 e dos projetos pedagógicos dos cursos integrados de instituições federais | Werneck, Felippe Nunes | Universidade Federal De Minas Gerais |
Tese 14 | 2019 | Currículo do ensino médio integrado do IFMG: a partitura, a polifonia e os solos da educação física | Sa, Katia Regina De | Feusp |
Tese 15 | 2021 | Professores não licenciados na educação básica: sentidos de docência no ensino médio integrado do Cefet-RJ' | Ferreira, Felipe Da Silva | Universidade Federal Do Rio De Janeiro |
Tese 16 | 2021 | Ensino médio integrado no IFMT: “travessia” para a formação politécnica, omnilateral e unitária? | Silva, Rose Marcia Da | Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro |
Tese 17 | 2021 | Formação para o trabalho e os impactos no sujeito social: um estudo a partir do ensino médio integrado ao técnico do IFMS campus três lagoas | Frigo, Sofia Urt | Universidade Católica Dom Bosco |
Fonte: Elaborado pelos autores
No primeiro momento de consulta à BDTD, foram encontradas 77 teses de doutorado de instituições públicas e/ou privadas. Após esse primeiro passo, foram excluídas as teses que envolviam as redes estaduais de educação, pois o foco são os Institutos Federais; também foram excluídos textos que envolviam a Educação de Jovens e Adultos na modalidade de EMI à EPT, por considerar que esta modalidade apresenta suas especificidades; e, por fim, foram excluídas teses que focavam ações relativas ao ensino de determinadas disciplinas como Educação Física, Biologia, Língua Portuguesa, dentre outras, e as relativas às discussões sobre Juventudes e Percepções dos Estudantes em relação ao EMI.
Na etapa de análise dos resumos das teses, foram observados os temas relativos ao Currículo do EMI, a tentativas de materialização do EMI, à concepção e práticas no EMI, à formação de professores relativa ao tema I, e, por fim, à implantação de EMI em algum Instituto Federal. Depois desse filtro, chegou-se a um total de 29 teses a serem analisadas e descritas a seguir:
Uma Análise Textual Discursiva de teses de doutorado: quais os achados acerca do EMI à EPT
Para analisar as teses selecionadas no quadro 01 a partir de seus resumos, foi utilizada uma metodologia de análise de dados qualitativos, a Análise Textual Discursiva (ATD). A ATD tem como objetivo depreender informações de natureza qualitativa com o intuito de gerar novas compreensões acerca dos fenômenos e dos discursos, ajustando-se entre os extremos da análise de conteúdo e da análise do discurso, diferenciando destas em virtude da atividade interpretativa e de natureza hermenêutica. (MORAES; GALIAZZI, 2016). A ATD auxilia na compreensão da realidade da dialética.
É importante destacar que, quem se dispõe a usar ATD em suas pesquisas, deve, indubitavelmente, estar disposto a aprender. Pode parecer óbvio esse apontamento anterior, mas, essa compreensão é fundamental para adentrar à ATD. O que é o aprender? Há os que o condicionam à mera transmissão de saber, caracterizado pela repetição. Há também os que entendem o aprender como uma construção, como um processo. Aos que almejam compreender o processo da ATD, orienta-se pela segunda resposta, ou seja, “O aprender exige imitação, reprodução, invenção, reinvenção, em que se criam interpretações a partir das interações no ambiente” (GALIAZZI, 2021, p.123).
A construção desse pensamento sobre o aprender está guiada na ideia de que a ATD demanda interação e impregnação do corpus, uma vez que “(...) é um processo de produção de novas compreensões em que a recursividade está presente o tempo todo, com movimentos em ciclos e em espirais, conduzindo entendimentos cada vez mais complexos.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 253). Por conseguinte, a ATD chama o pesquisador a aprender, a ouvir, a dialogar, a observar, a problematizar, convida, portanto, o pesquisador a envolver-se intensamente, “(... ) emergindo um investigador capaz de perceber o potencial criativo e original do escrever dentro de suas pesquisas. Do envolvimento com a ATD surge um novo pesquisador, apto a manipular com competência a vara mágica da escrita.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 204).
Em resumo, os procedimentos da ATD são os seguintes: Produção e/ou escolha do corpus, que nessa seção da tese serão os resumos das teses selecionadas no quadro 01; a unitarização do corpus; a organização das categorias iniciais, intermediárias e finais a partir da aproximação de sentido da unitarização; e, por fim, a produção dos metatextos.
Em relação ao corpus, é importante esclarecer que sua matéria-prima são as produções textuais, produzidas especialmente tanto para a pesquisa, podendo compor-se de transcrições de entrevistas, registros de observação, depoimentos construídos por escrito, anotações e diários múltiplos , quanto podem ser documentos já existentes, englobando, assim, relatórios, publicações de natureza variada como editoriais de jornais e revistas, atas de diversos tipos, legislações, dentre outros tipos de documentos. Lembremo-nos de que os textos não possuem significados a serem apenas apresentados, mas sim significantes que requerem do leitor ou pesquisador a elaboração de significados por meio de suas teorias e pontos de vista. (MORAES; GALIAZZI, 2016).
Em relação à unitarização, é válido frisar que é uma etapa de intenso contato e impregnação com o material da análise, sendo cenário para emergência de novas compreensões. Esse processo de unitarização compõe-se de um momento de desmontagem dos textos em que o pesquisador é quem decide em que medida fragmentará o corpus, resultando em unidades de maior ou menor extensão.
A categorização, por sua vez, representa não só o agrupamento dos itens da fragmentação do corpus, mas sim um processo de auto-organização, de reconstrução, de categorias integradas e inter-relacionadas. É acompanhar e saborear o que emerge do caldeirão de ideias a partir da fragmentação do corpus. (GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021). As categorias, destarte, equivalem a um processo de classificação das unidades a partir da fragmentação do corpus, podendo ser consolidadas em vários níveis: iniciais, intermediárias ou finais.
O pesquisador é quem estabelece a composição dos níveis das categorias, dependendo, logo, do fenômeno a ser compreendido, podendo o pesquisador trabalhar com categorias a priori e emergentes. As categorias a priori originam-se dos pressupostos teóricos do pesquisador, já as categorias emergentes derivam da atitude mais fenomenológica do pesquisador, estas permitem maior criatividade por parte do pesquisador, atitude mais esperada na ATD. (MORAES; GALIAZZI, 2016)
Já em relação ao Metatexto, é precípuo elucidar que é o “prazer” da própria ATD, pois é o próprio sujeito se tornando pesquisador a partir da escrita. Em síntese, é uma invenção de quem escreve. No metatexto, inserimos citações e falas dos fragmentos do corpus analisado, que seriam as “interlocuções empíricas”, uma vez que “os autores dos textos analisados deverão perceber representados no metatexto o que expressaram mesmo sabendo que há interpretação do pesquisador.” (MORAES; GALIAZZI, 20216, p. 147). A categorização e a unitarização despontam como uma macroestrutura para a realização de um metatexto, este expressando os elementos preponderantes do corpus analisado (MORAES; GALIAZZI, 2016).
Após essa breve explanação sobre a ATD, eis o quadro 02, que é um recorte de como foi realizado o processo analítico, com as categorias iniciais e finais, após a impregnação ocasionada pela leitura atenta dos resumos das teses de doutorado selecionadas no Quadro 02.
Codificação | Unidades de sentido | |
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Tese 1: ENSINO MÉDIO INTEGRADO: FORMAÇÃO POLITÉCNICA COMO HORIZONTE? | U01Tese1 | Aspectos institucionais, organizacionais e político-pedagógicos na materialidade do EMI; |
U02Tese1 | Grupo focal, entrevistas com professores, análise documental; | |
U03Tese1 | Os professores enfrentaram várias dificuldades no desenvolvimento da proposta de EMI, identificadas como de natureza conceitual, política, organizacional e pedagógicas; | |
U04Tese1 | Organização da matriz curricular concebida em termos estreitos de ajustes de cargas horárias e direcionamentos das disciplinas de formação geral para as necessidades da área técnica. |
Fonte: Elaborada pelos autores
Ao realizar a leitura dos resumos, foram destacados trechos que representavam sentidos pertinentes ao propósito da pesquisa, sendo compreendido pelos pesquisadores como elementos importantes. Esse momento de fragmentação é um processo que gera o caos, pois, para se atingir as novas compreensões “É preciso desestabilizar a ordem estabelecida, desorganizando o conhecimento existente.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.43).
E nesse processo de se levar o sistema semântico ao limite do caos, por meio da unitarização dos resumos das teses de doutorado, produz-se a desordem a partir de um sistema de textos organizados, a fim de organizar novas compreensões em consonância com o fenômeno investigado. Para ajudar na organização, foi criado um código, a seguir exemplificado: U01Tese1, em que “U01” representa “primeira unidade” da “Tese 01”. Em relação à criação dos códigos, Moraes e Galiazzi (2016) reiteram que a criação de um sistema de códigos permite ao pesquisador identificar os textos originais e suas unidades de sentido, assim como outros elementos que fazem parte da análise, sempre que for necessário.
Ainda no processo de unitarização, foi realizada a descrição do conjunto de unidades de sentido de cada tese de doutorado analisada. A finalidade dessa descrição é focalizar o papel central e ativo do pesquisador na unitarização, representando também um exercício fenomenológico-hermenêutico para encaminhamento para a categorização ou classificação, havendo uma relação muito próxima entre o processo de unitarização e o de categorização (MORAES; GALIAZZI, 2016). O próximo quadro possibilita um recorte dessa organização.
O segundo movimento da ATD é o da categorização, que consiste no movimento de síntese e de reconstrução da pesquisa na qual o pesquisador produz e estrutura novas formas de apreensão dos fenômenos que investiga, organizando, portanto, estruturas discursivas que se apresentam por meio da impregnação do pesquisador nos fenômenos investigados (MORAES; GALIAZZI, 2016). A seguir, no quadro 03, um recorte da construção das categorias iniciais a partir da unitarização. É importante ressaltar que “Categorizar é uma construção de quebra-cabeças, uma criação de mosaicos” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.114).
Categorias iniciais | Dificuldade do docente em entender a natureza conceitual, política, pedagógica do EMI |
Currículo criado para atender ao mercado de trabalho | |
Resistência dos professores e alunos em relação à concepção de EMI. | |
Formação continuada dos docentes em fundamentos e princípios do EMI | |
IFs como referências no Ensino Médio Brasileiro | |
As mudanças na legislação não garantem a efetivação do EMI | |
IFs como possibilidade de formação politécnica mesmo com contradições | |
O EMI enquanto possibilidade para a classe trabalhadora. | |
Necessidade de compreender o que seriam práticas hegemônicas em educação | |
Formação humana sustentável e emancipatória | |
Decisão Institucional sobre a implantação do EMI. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
O movimento de categorização é exigente, visto que exige muito esforço e envolvimento do pesquisador. É necessário um retorno sucessivo às informações, além da atenção contínua referente aos objetivos e metas da investigação. Indubitavelmente, uma das maiores dificuldades para o pesquisador que utiliza a ATD é a necessidade de convivência com a insegurança de um processo criativo, além de saber lidar com as incertezas da probabilidade da emergência de novos modos de análise da investigação.
Assim, os efeitos da auto-organização não têm tempo certo para ocorrerem, o que gera apreensão no pesquisador, tendo este que saber lidar com essa angústia. (MORAES; GALIAZZI, 2016). E nesse processo de criação e organização, segue o quadro 03 com um recorte do processo de categorização inicial a partir da unitarização.
E nesse estabelecimento de relações entre unidades de base, combinando-as e classificando-as, eis que resultaram da impregnação essas categorias iniciais, a fim de emergirem as compreensões, a partir das categoriais finais e dos metatextos, que representam um esforço de esclarecer a análise que se exibe como produto de uma articulação dos elementos constituídos a partir da unitarização e da categorização. Apresentamos o quadro 04, cujo objetivo é sintetizar o processo que culmina com as categorias finais, para comunicar, posteriormente, as compreensões nos metatextos.
Categorias iniciais | Categorias finais |
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Dificuldade do docente em entender a natureza conceitual, política, pedagógica do EMI | Urgência de uma política de formação continuada dos servidores, docentes e técnicos dos IFs, enquanto decisão institucional, nas bases conceituais, políticas, pedagógicas e organizacional do EMI. |
Currículo criado para atender ao mercado de trabalho | |
Resistência dos professores e alunos em relação à concepção de EMI. | |
Formação continuada dos docentes em fundamentos e princípios do EMI | |
As mudanças na legislação não garantem a efetivação do EMI | |
Necessidade de compreender o que seriam práticas hegemônicas em educação | |
IFs como possibilidade de formação politécnica mesmo com contradições | Os IFs enquanto locus privilegiado para a construção de um projeto politécnico embora todas as contradições internas existentes. |
O EMI enquanto possibilidade para a classe trabalhadora. | |
Formação humana sustentável e emancipatória no EMI | |
Decisão Institucional sobre a implantação do EMI. | |
IFs como referências no Ensino Médio Brasileiro | |
IFs como possibilidade de formação politécnica mesmo com contradições | |
O EMI enquanto possibilidade para a classe trabalhadora. | |
Formação humana sustentável e emancipatória no EMI | |
Decisão Institucional sobre a implantação do EMI. | |
IFs como referências no Ensino Médio Brasileiro |
Fonte: Elaborado pelos autores
Então, a seguir, apresentamos apenas o primeiro metatexto, diante das limitações de um artigo científico. Metatexto, é válido afirmar, não é uma simples montagem a partir das unidades de significado e categorias, mas sim o resultado de processos intuitivos e auto-organizados em que novas compreensões são comunicadas e validadas com o apoio das interlocuções teóricas: “Também é importante compreender que a construção do metatexto é um processo reiterativo de reconstrução” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.66).
Metatexto 1: Urgência de uma política de formação continuada dos servidores, docentes e técnicos dos IFs, enquanto decisão institucional, nas bases conceituais, políticas, pedagógicas e organizacional do EMI
Os Institutos Federais, nos seus 12 anos de consolidação, a partir da lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, representam uma política pública para a classe trabalhadora, principalmente em relação à tentativa de romper a perversa dualidade histórica entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Para se ter uma ideia da pujança dessa expansão e consequentemente, para compreendermos os elementos deste metatexto, citamos a pesquisa de Souza (2020) em que o pesquisador analisa a política de formação de professores da EPT do Instituto Federal do Paraná (IFRN).
Souza analisou editais de concurso para docentes daquele instituto, entre 2010 a 2016, e constatou que foram efetivados 791 docentes somente naquela instituição. É um número significativo de novos docentes, e ainda na pesquisa, Souza (2020) destaca que a grande maioria em regime de dedicação exclusiva.
O que representa uma importante ação no caminho da travessia para um EMI e politécnico. A questão que se coloca: como foi o processo de formação desses professores Institutos Federais afora? Esses professores conhecem o projeto pedagógico dos Institutos? Sabem do que se trata um ensino inspirado na politecnia? Souza (2020), somente em relação aos editais do IFPR, chama a atenção para incoerências “na chegada” desses professores:
Os editais apresentam constantes contradições: concomitantes às exigências de formação no campo do ensino e das práticas pedagógicas para as áreas que correspondam ao núcleo básico do currículo, que são aquelas que exigem a titulação de licenciatura, as exigências de formação para o domínio de conhecimentos pedagógicos para a maior parte das áreas de conhecimento em disputas nesses editais, que são específicas do núcleo técnico e tecnológico, não são exigidas. E, no entanto, disputam vagas para a docência na educação básica, técnica e tecnológica; (SOUZA, 2020, p.263)
Essa interessante pesquisa de Souza (2020) ilustra os desafios e tensionamentos postos na formação de professores para a EPT, reforçando a necessidade e urgência de uma política pública de formação de professores da EPT pautada na pedagogia históricocrítica, na formação para o trabalho associado e em um compromisso ético-político com os anseios da classe trabalhadora. (SOUZA, 2020).
Na esteira do que concluiu Souza (2020), tem-se a pesquisa de Oliveira e Guimarães (2021) sobre a formação de professores da EPT, que pondera que devemos lutar para uma formação na contramão do que preceitua a contrarreforma do EM. As autoras expressam preocupação com a nova resolução do CNE, a de número 01/21 (BRASIL, 2021) que aposta nos danosos “notório saber” e na fragilização da formação desse docente. Sobre esses danos, as autoras argumentam:
O definido pelos dispositivos legais é tão menos desejado quanto mais existem sérias dificuldades das instituições formadoras quanto à oferta da Formação de Professores para a Educação Profissional (Forprofe). Neste caso, até pela falta de demanda, ao lado da própria cultura dos sujeitos institucionais que não valorizam a licenciatura para a docência na EP. Há, ainda, a carência de estudos sobre a epistemologia do trabalho com as áreas técnicas, de forma a orientar o seu processo de ensino e aprendizagem. Todas essas condições são fatores que contribuem para a extensão da dualidade educacional, presente no nível médio de ensino, para o nível superior de formação docente. Por ela, discriminam-se os professores das áreas técnicas, o que termina por reforçar, nesse quadro, a não solidariedade entre os que trabalham com as disciplinas técnicas e os que trabalham no campo das acadêmicas, correspondentes à formação geral no ensino médio. Obviamente, isso dificulta a integração curricular e vai de encontro ao ensino integrado, em que os professores da EP são chamados a atuar. (OLIVEIRA; GUIMARÃES, 2021, p.1502)
A propósito do tema, vale retomar Machado (2021), que defende a pedagogia do trabalho como fundamento da formação de professores da EPT. A autora ressalta que esta formação deve incluir os conhecimentos sobre e para o mundo do trabalho, além de conhecimentos científicos, culturais, técnicos e tecnológicos, enfim, Machado assevera que os docentes precisam aprender a trabalhar pedagogicamente, buscando uma visão integrada da ciência, da cultura, da tecnologia e do trabalho no caminho da emancipação humana. (MACHADO, 2021).
No processo de unitarização e categorização, essa urgência por uma formação de professores da EPT institucionalizada fica evidenciada em vários fragmentos das teses em análise. Chamo a atenção para a tese 12 (MELO, 2018) em que realiza uma análise da implantação do EMI no Instituto Federal Goiano, demonstrando as contradições e desafios dessa ação, utilizando como metodologia o materialismo histórico-dialético, a pesquisa documental a partir de projetos pedagógicos de cursos e pesquisa de Campo. Isso fica bem exposto nas unidades registradas nesta pesquisa: U01Tese12: “Efetividade social do EMI está sendo fortemente interpelada pela contradição existente entre finalidades educativas previstas na legislação e uma operacionalização baseada no currículo instrumental e utilitarista;” e na U02Tese12: “Problemas na formação pedagógica dos professores, nas condições reais de promoção da integração curricular, na rigidez epistemológica de boa parte dos professores em favor do currículo disciplinar.”
Essas unidades evidenciam que há uma distância entre o que está prescrito na lei e o que é executado no “chão da escola”, isso por conta de muitos professores serem rígidos em relação a um currículo disciplinar, instrumental e utilitarista, sem qualquer possibilidade de integração.
E essa descrição culmina na categoria inicial “Formação continuada dos docentes em fundamentos do EMI”. Em relação a essa urgência, Machado (2021) pondera sobre uma formação dos professores da EPT voltada para a pedagogia do trabalho:
A pedagogia do trabalho demanda os saberes docentes que ousem a favor da liberdade do pensamento frente às algemas de uma ordem social preestabelecida, rígida e injusta. Isso pressupõe a não aceitação de uma divisão artificial das disciplinas do currículo em duas categorias distintas, uma compreendendo estudos qualificados como humanidades e as demais chamadas técnicas ou científicas, que sugere que essas não seriam humanas. Não há mais lugar para trancar os conteúdos curriculares em torres de marfim, distantes das lutas e do sofrimento das pessoas comuns, desinteressados em saber o que as informações, conhecimentos e tecnologias podem significar para a vida humana. (MACHADO, 2021, p.102).
E nesse intenso envolvimento possibilitado pela ATD, “num esforço para expressar instituições e entendimentos atingidos a partir da impregnação intensa como corpus da análise” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.59), questionamo-nos ao ler Machado (2021): Estariam os professores e os técnicos dos Institutos Federais preparados para a pedagogia do trabalho?
E também incluímos os gestores nessa pergunta. Estariam os gestores prontos e dispostos a promover a travessia em busca de um ensino inspirado na politecnia? Nessa minha inquietação, ganha voz o que nos aponta Ramos (2021) em relação a uma educação que se diz politécnica: “O importante é que o trabalho pedagógico se organize de maneira a interrelacionar os conteúdos das diversas disciplinas ou componentes curriculares sob uma lógica histórica e dialética, em coerência com o conceito de educação politécnica.” (RAMOS, 2021, p.70-71).
Como possíveis respostas às inquietações, podemos citar as unidades de sentido da Tese 2 (HANNECKE, 2014), em que fica revelado que há o reconhecimento pela comunidade escolar, em especial, os docentes, dos raros momentos de formação continuada e da urgência de um grande investimento institucional nesse tema: U02Tese2: “Raros momentos de discussão e planejamento na elaboração e implementação do currículo integrado, pois não nasceu da vontade da comunidade; e na U03Tese2: “Entretanto reconhecem que há dificuldades epistemológicas e estruturais para sua efetivação e seria necessário um investimento institucional de fôlego para sua implementação”. Essas unidades estabelecem eco à categoria inicial “Formação Continuada dos docentes em fundamentos do EMI”.
Pacheco (2020) alerta sobre a necessidade de formação dos servidores, docentes e técnicos, para a consolidação de uma nova cultura institucional que se diferencie da universidade. O autor argumenta que é fundamental, nos Institutos Federais, pelo seu ineditismo, arraigar a compreensão do significado de educação integral, EMI, formação humana integral e politécnica.
E em consonância com essa tese de Pacheco, podemos citar duas unidades de sentido oriundas da Tese 6 (RODRIGUES, 2016), em que a autora investiga a concepção dos docentes das práticas integradas no desenvolvimento do currículo integrado no Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Ceres.
Em resumo, os resultados apontam que os docentes não possuem experiência em ações integradas e tentam, de forma isolada, promover algo relacional. A U04Tese6 destaca essa problemática: “Professores devem estar qualificados para enfrentar as transversalidades.”
E nesse movimento construtivo no intuito de o metatexto ampliar a compreensão do fenômeno investigado, movimento inacabado, sempre à procura de mais sentidos (MORAES; GALIAZZI, 2016), destacamos os resultados de uma pesquisa apresentada na ANPED Nacional em 2017, em São Luís, do Maranhão, em que Drago (2017) apresenta uma análise das discussões sobre formação humana no EMI, constante em artigos, dissertações e teses, no período de 2000 a 2015. E essa investigação constatou o seguinte:
As pesquisas abordam as percepções e práticas dos docentes sobre a concepção de politecnia, bem como dos currículos e políticas de gestão das instituições, demonstram que a materialização de uma formação integral, que tenha como fundamento o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, é algo possível, porém ainda distante da realidade do sistema educação brasileiro. O investimento na formação continuada dos docentes é, assim, proposto como um caminho para a superação destas limitações. (DRAGO, 2017, p.12)
E nesse processo de recursividade, presente em toda a análise da ATD, com ciclos hermenêuticos em cadeia, ressaltamos a categoria inicial “Necessidade de compreender o que seriam práticas hegemônicas em educação”, cuja relação é clara com o argumentado por Drago (2017), visto que o EMI é contra-hegemônico, pois enquanto uma perspectiva socialista, o EMI deve estimular que os estudantes tenham situações de participação política, experimentação democrática, podendo tomar decisões coletivas, aprendendo, assim, a comandar, obedecer, a pensar e a executar, superando, dessa forma, a dimensão classista alienante do trabalho capitalista vigente. (PISTRAK, 2018).
Ao encontro dessa tese anterior, têm-se as seguintes unidades de sentido que ilustram a urgência da formação continuada dos professores da EPT: U02Tese15: “A formação específica para a docência, seja como percurso inicial e/ou de forma continuada, sendo estabelecida de forma sistematizada e institucional” e U03Tese15: “Pesquisa narrativa em que os professores demonstram preocupação com o conhecimento do conteúdo a ser ensinado e com a formação para a cidadania.”
Por mais que o pesquisador potencialize seu metatexto, sabemos dos limites deste processo. Este metatexto procura estimular um debate acerca de uma urgente formação continuada de professores e técnicos administrativos dos Institutos Federais no tema do EMI à EPT. Em virtude de todas as adversidades provocadas pelo capitalismo avassalador, temos o EMI enquanto um patrimônio da classe trabalhadora, que, por meio da síntese entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia, sustenta a possibilidade de uma formação humana e emancipatória, em tempos de acirramento do neoliberalismo, do ultraconservadorismo e negacionismo científico, além das contrarreformas, como a do Ensino Médio, a da Previdência e Trabalhista, que reduzem a classe trabalhadora a uma simples força de trabalho precário, instantânea (RAMOS, 2021).
O EMI é o “inédito viável”, no melhor estilo freiriano, é o “horizonte que o campo popular e democrático deve ensejar seus embates” (GRABOWSKI; KUENZER, 2021, p.185) e, por isso, faz-se necessária uma luta coletiva em torno de uma formação de professores em EPT com excelência, que tenha como objetivo a formação crítica dos trabalhadores em educação, evidenciando que, em alguma medida, o professor deve ser um ativista social que compreenda que o papel da escola não é reproduzir a irracionalidade do Capitalismo avassalador. (OLIVEIRA; GUIMARÃES, 2021; PISTRAK, 2018).
Considerações finais
Este artigo teve como objetivo investigar o que revelam as teses de doutorado sobre os desafios e possibilidades da implantação do EMI à EPT nos IFs. Para isso, foi realizado um estado da arte em que, a partir dos descritores escolhidos, chegou-se a um total de 19 teses. Para análise dos resumos de cada tese, foi empregada a ATD, cuja intenção é a compreensão e a reconstrução de conhecimentos existentes sobre os temas investigados.
Os IFs foram instituídos pela lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, tendo como característica a verticalização pedagógica, por meio da oferta de variadas modalidades, desde o curso técnico integrado ao ensino médio, até a graduação, todas elas no mesmo espaço físico e territorial. Esse percurso formativo da educação básica até a superior, inclusive contando com cursos de pós-graduação, faz dessas instituições um modelo único no Brasil, em que seus professores e técnicos administrativos possam atuar e compartilhar os diversos espaços e modalidades de ensino-aprendizagem. São muitos os desafios para os IFs oriundos desse ineditismo na estrutura educacional brasileira, o que requer novas e permanentes pesquisas sobre essas instituições.
O estado da arte e da ATD possibilita observar o quão necessário é a consolidação de pesquisas sobre o EMI. Uma das questões levantadas no estado da arte e na ATD é a necessidade de uma oferta institucionalizada de uma formação continuada em serviço nos IFs para a consolidação do EMI à EPT. É importante salientar que a rede de IFs tem um mestrado profissional em rede, o Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica, o PROFEPT, que, desde 2017, tem se tornado um ambiente de pesquisa muito propositivo a partir de pesquisas dos próprios servidores. Esse mestrado em rede é um campinho para a consolidação de uma formação continuada em serviço, precisando, portanto, de futuras pesquisas sobre o andamento deste programa de pós-graduação em rede. (CRUZ SOBRINHO, 2021)
Em relação aos tensionamentos, fica evidenciado no estado da arte e na ATD, que, diante dos ingressos de muitos professores e técnicos administrativos na consolidação dos IFs, muitos desses servidores não têm uma formação inicial sólida nesse campo pedagógico, muito menos, nos ambientes de trabalho nos IFs, ficando, essa formação, muito do desejo individual do servidor. O que gera muitos tensionamentos entre currículo e prática, em que os estudantes do EMI são submetidos a cargas horárias extensas e a um número de disciplinas desproporcionais para jovens entre 14 e 17 anos de idade.
O inventário realizado a partir das teses de doutorado e a ATD oportunizaram provocações que podem ser objeto de futuras pesquisas, quais sejam: O professor, o gestor e o técnico dos Institutos Federais estão cientes de toda essa problemática, de todo esse planejamento neoliberal em torno do Ensino Médio, e não tão distante do EMI à EPT? Compreendem a sociedade de classes? Entendem que nossos jovens do Ensino Médio estão condenados a se tornarem “operários-avulso” (SEMERARO, 2021,p.180), com a disseminação de um empreendedorismo que regula a vida do indivíduo, que aprofunda a alienação, intensifica o trabalho e oculta os instrumentos de exploração e desigualdade? (OLIVEIRA, 2023).
Por isso, é urgente uma formação continuada em serviço, com profundidade para professores, técnicos e gestores dos Institutos Federais para compreenderem a real finalidade desse patrimônio da classe trabalhadora. Além do que, essa compreensão de todo o processo histórico do Ensino Médio brasileiro, é fundamental para evitar devaneios e contradições dentro do Instituto Federal. Não podemos nos esquecer de que está em curso uma contrarreforma do EM que prejudica, demasiadamente, a juventude da classe trabalhadora. E o EMI dos IFs é uma resposta a esse devaneio que é a contrarreforma. São necessárias, portanto, novas pesquisas que apontem a base conceitual de uma formação sobre EMI à EPT, colaborando com a emancipação da classe trabalhadora e a permanência do EMI nos IFs.