Introdução
A pesquisa que deu origem a este artigo3 teve como objeto de estudo as práticas de gestão de diretores4 de escolas públicas, que podem tanto fortalecer quanto enfraquecer a inserção política e a própria cidadania dos diferentes agentes escolares. A premissa foi a de que o diretor tem sido historicamente visto como líder institucional nato, podendo não só contribuir para diminuir, mas também para aumentar os níveis de participação da sociedade civil nas decisões escolares, além de ser um agente essencial para a ampliação de espaços que permitam o compartilhamento de poder.
Desse modo, a investigação foi desenvolvida no sentido de problematizar a seguinte questão: quais as possíveis relações entre formas de seleção de diretores e estilos de liderança escolar? Decorrente dessa indagação, o objetivo geral foi identificar formas de seleção de diretores e os estilos de liderança próprios desses profissionais no ensino fundamental. O objetivo específico foi esclarecer essas relações no que tange às práticas de gestão escolar, referenciadas em publicações digitais nacionais, baseadas em pesquisas empíricas, entre os anos de 2011 e 2021.
Segundo Mendonça (2001), Sarubi (2006) e Paro (2017), as formas como ocorrem as seleções de diretores escolares, seus estilos de liderança e as maneiras pelas quais desenvolvem seu trabalho são fatores a serem considerados nas práticas de gestão engendradas por esses profissionais, que podem oscilar entre seus papéis como representantes do Estado e como responsáveis pelo atendimento educacional aos estudantes – o que envolve as especificidades de suas famílias e comunidades -, de acordo com as normativas e com as políticas públicas vigentes. Para os autores, esses aspectos podem se constituir em fatores deletérios à participação dos agentes nos diversos segmentos ou reverterem-se em oportunidades para a democratização da gestão escolar.
Ainda que as formas de seleção de diretores escolares, isoladamente, não definam o exercício da função gestora, elas podem intervir no seu curso (DOURADO, 2008; COSTA; FIGUEIREDO; CASTANHEIRA, 2013; PARO, 2017). Nesse sentido, entre as modalidades para seleção de diretores mais comuns no Brasil, distinguem-se as indicações/nomeações, os concursos públicos e as eleições diretas, debatidas em diversos estudos sobre a gestão escolar (PARO, 2003; MENDONÇA, 2000; DOURADO, 2001; SOUZA, 2007; ARROYO, 1979; FELIX, 1984). Desse debate depreende-se que, mesmo formas consideradas mais republicanas de seleção, tais como concursos e eleições, não asseguram que, ao exercerem suas funções, os diretores consigam elevar os níveis de participação democrática em suas escolas, apesar de terem, institucionalmente, condições objetivas para fazer isso.
Assim, adotamos uma postura teórica de linha crítica, entendendo a gestão democrática como um ato político, como a “produção da convivência entre grupos e pessoas [...] que possuem vontades e interesses próprios que podem ou não coincidir com os interesses dos demais” (PARO, 2015, p. 24). Ela se afirma nos ideais de cooperação e mobilização dos trabalhadores na educação, na descentralização dos processos decisórios e nas ações compartilhadas com os diferentes agentes escolares, voltando-se para a “formação do humano histórico, em seu sentido pleno” (PARO, 2015, p. 47).
Embora Bush (2019) defina o campo da gestão e da liderança escolar como pluralista e controverso, o autor enfatiza a importância de que lideranças em exercício nas escolas tenham como foco os objetivos coletivamente planejados, assegurando, igualmente, práticas de gestão que não incorram no risco de se voltarem mais a processos administrativos do que à finalidade precípua da educação escolar – as aprendizagens dos estudantes.
Desse modo, a investigação levantou e analisou alguns estilos de liderança que são mais comuns nas escolas públicas brasileiras, entre eles os de liderança gerencial, instrucional, transacional, transformacional e distribuída (BUSH; GLOVER, 2014; ROBBINS; JUDGE; SOBRAL, 2010). O exercício desses estilos de liderança pode tanto contribuir para o fortalecimento do gerencialismo e da burocracia na gestão escolar quanto colaborar para a ampliação da democracia nas escolas (PATEMAN, 1992). Eles se constituem em cursos de ação imbricados à gestão administrativa, financeira e pedagógica, intervenientes nas interações, na autonomia e na participação dos agentes, mormente no que se refere às tomadas de decisões e ao controle social da escola pública.
Pateman (1992), Barroso (1996) e Nogueira (2011) destacaram a relevância do conhecimento sobre os lugares atribuídos à autonomia e à participação na gestão escolar, já que elas podem ser manipuladas, a fim de se converterem em formas de controle por parte da direção. Nessa lógica, em uma gestão escolar caracteristicamente gerencial, baseada nos paradigmas da administração das empresas privadas, com foco nos resultados e na compreensão da cidadania no binômio trabalho-consumo, reduz-se a participação em instrumento para o cumprimento das políticas públicas e para o alcance de resultados de forma eficiente (NASCENTE; CONTI; LIMA, 2018), objetivando a ausência de conflitos, o fortalecimento de um ambiente amistoso e a limitação das mudanças (PATEMAN, 1992), restringindo também a autonomia social.
Uma maneira de mudar esse cenário encontra-se na construção de um ambiente eticamente orientado, no qual os diferentes agentes se sintam seguros para participar das tomadas de decisões e do próprio cotidiano escolar, cujos agentes terão a oportunidade de fortalecer suas próprias autonomias. Essa visão se coaduna com a de Nascente, Conti e Lima (2017; 2018) no que se refere à participação e à autonomia em uma gestão escolar de caráter emancipatório.
Destarte, nas práticas de gestão emancipatória, caracteristicamente democrática, as práticas de gestão resultam em construções coletivas de objetivos e planejamento compartilhado, sem manipulação da participação. As ações dos diretores garantem que todos os agentes estejam envolvidos no processo político, pedagógico, administrativo, educativo, financeiro, social e tecnológico, além de incentivar o caráter humanizante da educação, em favor da cidadania fundamentada na ética dos direitos humanos (TORO; WERNECK, 2018).
Ainda que alguns diretores se utilizem da participação e dela se beneficiem, recorremos a estudos que a estabelecem como condutora para a emancipação (NOGUEIRA, 2011) e, nessa prática, “a nova cidadania ou cidadania ampliada seria propiciadora de transformações sociais” (NASCENTE; CONTI; LIMA, 2018, p. 160), exigindo, portanto, o protagonismo de diretores mais intelectuais e menos burocratas, lideranças dispostas a legitimar a participação como um direito e como um exercício educativo perene nas escolas.
Desse modo, este artigo apresenta, além da introdução, uma seção dedicada ao contexto e aos procedimentos metodológicos, nos quais são definidas a abordagem e os métodos de levantamento e de análise de dados. Neles são sistematizados o universo, os eixos e suas respectivas grelhas de análise que contemplam as formas de seleção de diretores, os estilos de liderança e as práticas gestoras. Na terceira seção são discutidos e analisados os resultados encontrados em relação à localização geográfica dos sujeitos investigados, às práticas de gestão explicitadas por esses profissionais, bem como as relações entre formas de seleção de diretores, estilos de liderança e práticas gestoras. Finalmente, na última seção são apresentadas as considerações finais, seguidas das referências.
Contexto e Procedimentos Metodológicos
A investigação que deu origem a este estudo foi desenvolvida por meio de uma metodologia qualitativa e exploratória, tendo como principal procedimento a pesquisa bibliográfica (BOGDAN; BIKLEN, 2010; GIL, 2002; LIMA; MIOTO, 2007; BELL, 2008). A análise dos dados levantados foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo categorial das fontes textuais (BARDIN, 2011), instrumentalizada pelo software MAXQDA 22. A seleção dos textos que compuseram o corpus da pesquisa foi delimitada pela busca nos títulos das produções, por meio dos seguintes descritores: formas de seleção de diretores; estilos de liderança; práticas de gestão escolar; e gestão democrática da escola pública.
Optamos por levantar o corpus da pesquisa nas seguintes bases de dados em Língua Portuguesa: Scientific Electronic Library Online – SciELO; Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, pois são consideradas bases de dados confiáveis e de referência que abrigam teses, dissertações e periódicos com livre acesso em formato eletrônico. Além disso, tanto na SciELO quanto no Portal de Periódicos da CAPES, os artigos passam por revisão cega por pares. Completamos o levantamento utilizando o buscador Google Acadêmico, que, pela sua abrangência, nos ajudou a sistematizar o material auferido nas outras bases.
Inicialmente, o recorte temporal definido era de cinco anos – 2018-2022. Dada a escassez de produções nacionais que relacionavam formas de seleção de diretores e liderança nas práticas de gestão escolar nesse período, o recorte foi ampliado para o período de janeiro de 2011 a julho de 2021. Mesmo assim foram verificadas lacunas de produção nesse período, nos anos de 2011, 2013, 2014, 2015, 2018, 2019 e 2021, que podem ser indicativas da pouca atenção dada às temáticas das formas de seleção de diretores e das lideranças escolares por pesquisadores brasileiros.
Seguindo os polos cronológicos pertinentes à análise de conteúdo, no primeiro deles – a pré-análise (Bardin, 2011) – organizamos e sistematizamos o material a ser investigado a partir dos critérios de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência dos textos derivados de investigações empíricas, focalizando excertos resultantes de transcrições diretas das falas dos sujeitos nelas investigados, apresentados no quadro 01.
Nº | Material | Ano | Título | Autor (continua) |
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01 | Artigo | 2020 | Formas de provimento do cargo de diretor escolar: um estudo de caso em Pereiras-SP | MARANGONI, Ricardo Alexandre; CABRAL, Ana Elisa Ramos. |
02 | Dissertação | 2016 | Funções e formas de provimento dos diretores das redes estaduais paulista e paranaense; 2016 | SILVA, Nathália Delgado Bueno da. |
03 | Dissertação | 2016 | Possíveis relações entre formas de provimento do cargo e percepções de diretores escolares sobre o exercício de suas funções | SILVEIRA, Caroline Rodrigues. |
04 | Dissertação | 2017 | Gestão e liderança pedagógica - O diretor escolar do Centro de Educação Integral Padre Francisco Meszner Curitiba-Brasil | GIACOMIN, Débora Elen Wosniak et al. |
05 | Dissertação | 2012 | Diretor de Escola: novos desafios, novas funções. | RIBEIRO, Helena Cardoso. |
06 | Dissertação | 2017 | Trajetória de vida e práticas de gestão escolar | SANTOS, Bianca Bezerra dos. |
07 | Dissertação | 2020 | Práticas de gestão escolar: mapeamento das práticas de gestão escolar de uma escola municipal na cidade de Palmas -TO | SOUSA, Valderice Costa de. |
08 | Dissertação | 2017 | Concepção e práticas de gestão escolar democrática da Escola Padre Antonio Barbosa- Lajedo/PE-Brasil | ALMEIDA, Walkiria De Fatima Tavares de. |
09 | Artigo | 2020 | A gestão escolar e suas interfaces em Maceió/AL: o olhar de atores escolares | SILVA, Givanildo da; SILVA, Alex Vieira da; SILVA GOMES, Eva Pauliana da. |
Fonte: Elaboração própria.
Tendo em vista as particularidades da análise qualitativa que “pode funcionar sobre corpus reduzidos e estabelecer categorias mais descriminantes” (BARDIN, 2011, p. 116), avançamos na exploração do material e, com base na literatura sobre formas de seleção de diretores, estilos de liderança e práticas de gestão escolar, foram definidos a priori, os eixos e as categorias de análise (BARDIN, 2011), como exposto no quadro 02:
Eixo | Categorias | Características (continua) | |
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Formas de Seleção de Diretores | Nomeação/indicação | Relações patrimonialistas; clientelismo; autoritarismo; subjetividade; descompromisso com a comunidade; apadrinhamento político ou técnico; outros. | |
Concurso | Moralidade pública do processo; critérios técnicos; arbitrariedade; estabilidade/carreira; relações formais, centralidade decisória; transparência no ingresso; compromisso com resoluções e avaliações externas; outros. | ||
Eleição | Escolha coletiva; caráter político do candidato; prática participativa; democracia; caráter político do candidato; proximidade do contexto escolar; cidadania; participação social; outros. | ||
Formas Mistas | Seleção e eleição | Conhecimento técnico e político do requerente; avaliação do mandato; objetivos comuns; compromisso com a comunidade; prática participativa; outros | |
Seleção e indicação | Remodela formas de indicação; respaldo técnico e outras influências; conveniência política, participação desconsiderada; outros. | ||
Estilos de liderança | Liderança Gerencial/Gerencialismo | Centralidade do líder; decisões direcionadas; hierarquia; influência escolar; submissão às ordens superiores; formalidade; racionalidade; outros. | |
Liderança Instrucional | Centrada no ensino e na aprendizagem; limitação da influência gestora; desempenho docente e supervisão para resultados; desconsidera outras influências; nem sempre o gestor detém conhecimento pedagógico; outros. | ||
Liderança Transacional | Omissão de conflitos, micropolíticas, negociação, trocas e recompensas; manipulação; interesses divergentes ou auto interesse; sem compromisso social; outros. | ||
Liderança Transformacional | Seguidor voluntário; influência para um propósito; motivação (práticas induzidas); proatividade; máximo resultado, mínimo recurso; outros. | ||
Liderança Distribuída | Fortalecimento dos espaços coletivos; decisões partilhadas; garantia da autonomia; resolução por consenso; liderança encorajadora; relação horizontalizada; outros. | ||
Práticas de Gestão | Práticas Burocráticas | Hierarquia subjetiva; objetivos subjetivos; segregação; controle administrativo, profissional, pedagógico e institucional via autorregulação pelos profissionais (conteúdo e currículo); ausência participativa ou pseudoparticipação; ausência dos direitos sociais; outros. | |
Práticas Gerenciais | Hierarquia normativa; participação limitada; comunidade cooperativa; comunicação para validação; controle e execução de tarefas para resultados e metas educacionais; direitos sociais reduzidos; politização manipulada; objetivos estratégicos; adoção de modelos privatistas, mercadológicos; tecnicismo. | ||
Práticas Emancipatórias | Poder horizontalizado; mediação; comunidade guardiã; deliberação/representação como prática educativa; participação plena; ampliação dos direitos sociais; consciência e decisão política; segurança participativa; dependência e interdependência mediante a interação; objetivos coletivos/comuns; equilíbrio de forças (internas e externas). |
Fonte: Elaboração própria.
Após a constituição do corpus documental (BARDIN, 2011), o conjunto dos textos – os artigos e as dissertações a serem analisados – foi importado para o software MAXQDA, empregado no tratamento de dados de análise de conteúdos qualitativos, constituindo-se no segundo polo cronológico da análise de conteúdo. Sucintamente, apresentamos suas quatro interfaces, das quais a primeira (lado esquerdo superior da figura 01) abrigou os textos importados para o banco de dados. Na segunda interface (lado esquerdo inferior da figura 01) situaram-se os códigos de classificação abrigados pelo eixo da análise categorial, programados com colorações específicas para auxiliar o processo de análise de conteúdo de excertos de falas dos diretores. Já no centro reside o documento a ser analisado e, por último (lado direito inferior da figura 01), apresenta-se a interface dos conjuntos, com a projeção dos códigos ativados e a exposição prévia dos resultados obtidos.
Desse modo, conforme sugere Bardin (2011), neste polo cronológico da análise de conteúdo foi possível produzir os resultados de maneira confiável, sem dispersão e em concordância quanto ao refinamento do processo, à auditoria dos dados e à padronização das categorias analisadas com resultados de um instrumento metodológico consistente. Isso foi possível porque o MAXQDA permite desenvolver a chamada “metodologia de análise mista”, na qual a organização, o desenvolvimento e os resultados de métodos e dados qualitativos podem ser expostos em parâmetros quantitativos, como o percentual de incidências das classificações em gráficos ou tabelas, a disposição em “nuvem de palavras”, matrizes interativas de segmentos, análise de similaridade ou outras formas de exposição necessárias ao interesse do pesquisador5.
Discussão dos resultados
Ao seguir o terceiro polo cronológico da análise de conteúdo (BARDIN, 2011) – a interpretação dos dados, identificamos que no corpus analisado 13 dos(as) cargos/funções estudados foram selecionados por eleição direta pelas comunidades escolares, seguidos de seis profissionais nomeados por técnicos ou prefeitos e quatro que foram selecionados via concurso público (figura 02).
Entre as 22 escolas participantes dos estudos que compuseram a investigação, 8 são estaduais, 14 são municipais e apenas a região centro-oeste não está representada nesta pesquisa, pois as bases nacionais consultadas não exibiram produções teóricas pertinentes à nossa questão de pesquisa.
A análise desses dados indica que, apesar da preponderância das eleições para diretores nos documentos analisados, persistem formas patrimonialistas e clientelistas de seleção de diretores por meio de nomeações, além de formas meritocráticas, como o concurso público, que costuma “impingir aos trabalhadores e usuários da escola uma figura estranha a sua unidade escolar e a seus interesses mais legítimos” (PARO, 2015, p. 88).
Os dados levantados indicaram que as práticas assumidas pelos diretores analisados mostraram-se majoritariamente gerenciais (12 diretores), seguidas das burocráticas (11 diretores), como demonstra a figura 03:
Esses resultados corroboram as conclusões de Nascente, Conti e Lima (2018) que, ao estudarem as relações entre escolas e comunidades escolares, encontraram evidências de que o modelo burocrático-gerencialista continua vigoroso na gestão de escolas públicas de educação básica.
Esse modelo burocrático-gerencialista é deletério à autonomia dos agentes escolares e da escola em si, o que fragiliza as escolas no que se refere às microrregulações – ações empreendidas pelas equipes escolares no sentido de adequar normativas e políticas públicas de acordo com os contextos locais (BARROSO, 2005). Além disso, o estilo de liderança gerencialista propicia processos de ensino-aprendizagem que servem à formação humana na perspectiva do cidadão trabalhador-consumidor (NASCENTE; CONTI; LIMA, 2018).
Dessa forma, verificou-se que as práticas gestoras reveladas pelos sujeitos das pesquisas que compuseram o corpus desta investigação demonstraram pouco compromisso com uma educação escolar humanizadora, o que se adequa a um modelo educacional público predominantemente dominado por uma lógica empresarial, nos moldes da iniciativa privada, distanciando-se da busca por uma cidadania plena (PATEMAN, 1992) e de práticas comprometidas com a democratização escolar (TORO; WERNECK, 2018).
Nesse sentido, ao invés de ampliarem os esforços rumo à gestão democrática, esses diretores parecem persistir no exercício de padrões de administração escolar tradicionais e empresariais. A título de exemplo, algumas dessas falas estão representadas no Quadro 03:
Formas de seleção de diretores | Documento (textos numerados conforme disposição crescente no quadro 01) | Transcrição das falas dos diretores, mediante características alusivas às categorias de análise (quadro 02) |
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Eleição | Texto 2 - Bueno da Silva, Nathália D. | “A gente vai além, na gestão. E tudo isso em busca de eficiência que eu acho que a gente quer né....De resultados mesmo, melhores né” (G2. p. 104). |
Indicação | Texto 3 - Silveira, Caroline R. | “Eu quero uma escola onde meus alunos saibam ler e escrever fluentemente, onde eles sejam capazes de enfrentar o mercado de trabalho e prestar um vestibular” (G3.1, p. 37). |
Eleição | Texto 4 - Giacomin, Débora E. W. (anexos) | “Existe uma pressão muito grande para que a escola não reprove nenhum aluno, pois a reprovação diminui o índice do IDEB da escola e, consequentemente, do município” (G4.1, p. 6). |
Fonte: Elaboração própria, com dados importados do MAXQDA.
Essas posturas dos diretores podem ser vistas como legitimadoras de uma educação a serviço do mercado, que se reproduz na e pela escola, voltada ao cumprimento de metas externamente delimitadas pelas avaliações externas, distantes das especificidades de cada contexto escolar.
Outro aspecto a ser abordado nesta seção refere-se ao fato de que não foram apresentados elementos suficientes que pudessem indicar práticas emancipatórias por parte dos diretores envolvidos nas pesquisas analisadas. Sobre isso, Drabach (2018) explica que tanto os sistemas quanto os diretores utilizam o contexto participativo e a descentralização como ferramentas gerenciais para alcançar objetivos e metas externamente determinados, que, com frequência, afastam as escolas da construção de relações mais equânimes e igualitárias, o que contribui para a desvalorização de um dos instrumentos centrais da gestão democrática – as eleições (LIMA, 2014), uma vez que em muitos municípios brasileiros as eleições para diretores não são conhecidas pelos agentes escolares e pelas comunidades atendidas.
Em seguida, são apresentadas as principais relações encontradas nas categorias analisadas. Em linhas gerais, apesar das diferentes abordagens teóricas em relação à liderança e à gestão escolar, elas parecem caminhar juntas, sendo as formas de seleção de diretores um dos seus aspectos, mas não o único, nem mesmo o central (figura 04) para democratizar a participação dos diferentes agentes nas ações escolares e torná-la uma prática educativa.
A constatação de que a forma de seleção de diretores relaciona-se ao estilo de liderança gestora gerencial e às práticas burocráticas corrobora a advertência de Paro (2017, p. 27), de que “as consequências da mera nomeação política, dificulta até mesmo as pessoas críticas e bem-intencionadas a percepção do tipo e da forma de exercer o poder [...]”, já que sua influência também está cercada de subjetividade ao mediar as relações com os seus liderados. Esse posicionamento subjetivista em relação aos gestores indicados é evidenciado pelo excerto a seguir:
Para se tornar gestor a pessoa tem que ter em mente que quem deve estar no topo da pirâmide [...] a pessoa deve ter perfil de liderança, sem liderança é impossível ser gestor. Gerir uma escola é ter capacidade de gerir o financeiro, o pessoal, o burocrático, o estrutural. Sou considerada uma pessoa dura, no bom sentido, de tentar fazer com que você cumpra com seu papel de cidadão. Você não escolheu ser professor? Ninguém lhe coagiu a isso! (SANTOS, 2017, p. 119).
Por sua vez, a seleção por concurso liga-se ao estilo de liderança instrucional e gerencial dos diretores escolares e a práticas burocráticas e gerenciais. Inspiradas pelas políticas neoliberais, as atividades gestoras orientam suas ações com ênfase no fazer escolar, em vista disso, as escolas assemelham-se a unidades executoras (DRABACH, 2018), distanciando-se da prática pela participação plena, como declara um dos diretores concursados:
APM, o conselho de escola, o conselho de classe e série para os pais participarem é uma luta grande. Eles são laçados para participarem, só que aí vem aquele não compromisso né, porque, a gente até deseja, mas a gente tem aqueles receios de críticas, de situações que o pai venha e imponha, ou queira algo mais (SILVA, 2016, p. 106).
Por fim, a seleção de diretores por eleição direta, neste estudo, distanciou-se de formas mais democráticas e descentralizadas ao vincular-se ao estilo de liderança gerencial e, por conseguinte, a práticas gerencialistas, como apresentado no excerto a seguir:
[...] o aluno também recebe incentivo por parte da gestão como: brindes e prêmios, ele é reconhecido por seu esforço; premiamos também o aluno destaque, o aluno revelação e o aluno que tirou a melhor nota no simulado. São práticas que têm favorecido muito os bons índices no ranking do IDEB (SILVA, 2016, p. 76).
Com base nesses elementos, nesta investigação, identificamos similaridades entre o poder formal e hierárquico dos diretores pesquisados e sua influência como liderança escolar nas práticas gestoras, provenientes de modelos técnicos e racionais voltados, em sua maioria, à eficiência e à eficácia, guiados por determinações exógenas, quadro também reconhecido na pesquisa de Bush e Glover (2014). Essas características podem estar ligadas ao próprio movimento de descentralização da administração escolar dos sistemas para as escolas, que tem se concretizado em muitas regiões do Brasil.
Na verdade, disfarçada de iniciativa voltada à democratização, a descentralização se constitui um processo de desconcentração, que está a serviço da redução das obrigações governamentais em relação à educação, aumentando as atribuições das escolas (LIMA, 2014), e, consequentemente, impondo aos seus diretores características quase heroicas de lideranças negociadoras, evidenciadas nesta pesquisa, ligadas às formas de seleção e aos estilos de liderança propensos à redução participativa, à limitação das decisões coletivas e centrados na liderança unipessoal e hierárquica.
Evidentemente, essas reflexões não encerram toda a complexidade que envolve a penetração e a preponderância do gerencialismo na gestão escolar, mas apresentam-se como parâmetro nas relações empiricamente evidenciadas que associam formas de seleção, estilos de liderança e práticas gestoras. Além do mais, nesse contexto, o gerencialismo pode assemelhar-se e, segundo Bush e Glover (2014), legitimar-se nos modelos internacionais vigentes de administração educacional.
Considerações Finais
A investigação que deu origem a este artigo baseou-se na seguinte questão: quais as possíveis relações entre formas de seleção de diretores e estilos de liderança escolar? Decorrente dessa indagação, o objetivo geral foi identificar as formas de seleção de diretores e os estilos de liderança próprios desses profissionais no ensino fundamental. O objetivo específico foi esclarecer essas relações no que diz respeito às práticas de gestão escolar, referenciadas em publicações digitais nacionais, baseadas em pesquisas empíricas entre os anos de 2011 e 2021.
Os resultados da pesquisa realizada levam a afirmar que as práticas de gestão escolar que se destacaram são espelhos das construções paradigmáticas e das proposições assumidas pelo neoliberalismo e por suas políticas públicas, com base na desconcentração das responsabilidades do Estado em relação às escolas e responsabilização quase total dos gestores pelos resultados da educação básica. Nesse sentido, os gestores exercem uma gerência burocraticamente regulada, objetivando a eficiência, a eficácia e a competitividade das escolas em função das demandas do mercado de trabalho, com a redução da ação cidadã ao clientelismo e ao consumo dos serviços públicos.
Também ficou evidenciado que, apesar da eleição direta de gestores escolares ser um avanço rumo à participação social, essa forma de seleção não consegue, por si só, garantir o avanço da democracia nas escolas. Pelo contrário, diretores eleitos não demonstraram exercer estilos de liderança consideravelmente diversos aos dos seus pares nomeados e/ou aprovados em concursos públicos.
Ademais, a investigação realizada indicou que as múltiplas formas de gestão escolar têm se submetido a interesses divergentes, comprovando a relevância da maneira como se distribuem poder e autoridade internamente nas escolas. Essa distribuição, por sua vez, se relaciona às ações do diretor como liderança institucional em um cenário em que modelos de gestão capitalistas e gerenciais constituem-se como entraves para o avanço da gestão escolar em direção à emancipação social.
Desse modo, conclui-se que as formas de seleção de diretores, a valorização e o incentivo a lideranças distribuídas nas escolas e as práticas de gestão participativas, embora não sejam suficientes para garantir a democracia nas escolas, são imprescindíveis para que ela aconteça.