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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.46 no.1 Porto Alegre jan./dez 2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2023.1.44685 

Outros Temas

Psicologia escolar e educacional no Centro-Oeste brasileiro: uma análise dos trabalhos apresentados na ANPEd regional entre os anos de 2014 e 2022

School and educational psychology in central-western Brazil: an analysis of the papers presented at the regional ANPEd between the years 2014 and 2022

Psicología escolar y de la educación en el centro-oeste de Brasil: un análisis de los trabajos presentados en la ANPEd regional entre los años 2014 y 2022

Daniela Barros da Silva Freire Andrade1 

Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Université Paris 5 (França). Mestre em Psicologia pela PUC-Goiás. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/PUC-Goiás) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PSSP/PUC-Goiás). Vice-coordenadora do GT 20 – Psicologia da Educação da ANPEd Centro-Oeste. Coordenadora da graduação em Psicologia da PUC-Goiás.


http://orcid.org/0000-0002-7861-3814

Lila Spadoni2 

Psicóloga com doutorado em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora titular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá. Coordena o Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN). Membro do GT Representações Sociais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) e coordenadora do GT 20 – Psicologia da Educação da ANPEd-CO (2020-atual).


http://orcid.org/0000-0001-5840-2799

1Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

2Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).


Resumo:

Este texto apresenta reflexões sobre as narrativas científicas veiculadas nos resumos socializados no GT 20 – Psicologia da Educação das cinco últimas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd Centro-Oeste. Orienta-se pelo diálogo com a Teoria das representações sociais, destacando a relação dos processos comunicacionais e os themata de base como modos de se pensar a circulação e a produção do pensamento social. O eixo interpretativo privilegiou a antinomia individual-coletivo e seu potencial gerador de ambientes de pensamento no âmbito da psicologia escolar e educacional. A metodologia consistiu na análise de conteúdo de 75 títulos, seguido da análise lexical dos 45 resumos das comunicações orais, com apoio do software Iramuteq. As narrativas científicas difundidas ancoraram-se na perspectiva psicossocial, orientada pela oposição dialética do thema individual-coletivo. Destacaram-se os debates propostos pelas Teoria histórico-cultural, Teoria das representações sociais e Teoria crítica, em diálogo com a sociologia, a antropologia e a filosofia. Observou-se a interdependência entre diferentes instâncias da realidade, privilegiando investigações sobre cultura, ideologia e produção de subjetividades; aprendizagens e práticas pedagógicas; formação de professores, condições concretas de trabalho e adoecimento docente e processos comunicacionais e significações por diferentes atores sociais envolvidos na cena educacional. Além disso, foram identificados outros lócus de pesquisa, como a família, o hospital, a cidade e as mídias sociais.

Palavras-chave: psicologia escolar e educacional; narrativas científicas; Themata

Abstract:

This paper presents reflections on the scientific narratives conveyed in the abstracts socialized in the GT 20 – Educational Psychology of the last five meetings of ANPEd Center-West. It is oriented by a dialogue with the Social Representations Theory, highlighting the relationship between communication processes and the themata as ways of thinking about the circulation and production of social thought. The interpretative axis privileged the individual-collective antinomy and its potential to generate thought environments in the scope of school and educational psychology. The methodology consisted in the content analysis of 75 titles, followed by the lexical analysis of 45 abstracts of the oral communications, with the support of the Iramuteq software. The scientific narratives disseminated were anchored in the psychosocial perspective, oriented by the dialectical opposition of the individual-collective thema. The debates proposed by the Cultural-Historical Theory, Social Representation Theory, and Critical Theory, in dialog with sociology, anthropology, and philosophy, were highlighted. The interdependence between different instances of reality was observed, privileging studies on culture, ideology, and subjectivity production; learning and pedagogical practices; teachers training, concrete working conditions and teachers illness, and communication processes and meanings by different social actors involved in the educational scene. In addition, other research loci were identified, such as the family, the hospital, the city, and social media.

Keywords: school and educational psychology; scientific narratives; Themata

Resumen:

Este texto presenta reflexiones sobre las narrativas científicas vehiculadas en los resúmenes socializados en el GT 20 – Psicología Educacional de los últimos cinco encuentros de ANPEd Centro-Oeste. Se orienta por el diálogo con la Teoría de las Representaciones Sociales, destacando la relación de los procesos comunicacionales y los thematas de base como formas de pensar la circulación y la producción del pensamiento social. El eje interpretativo privilegió la antinomia individuo-colectivo y su potencial generador de ambientes de pensamiento en el ámbito de la psicología escolar y educacional. La metodología consistió en el análisis de contenido de 75 títulos, seguido del análisis léxico de 45 resúmenes de las comunicaciones orales, con el apoyo del software Iramuteq. Las narrativas científicas difundidas se anclaron en la perspectiva psicosocial, orientada por la oposición dialéctica del thema individúale-colectivo. Se destacaron los debates propuestos por la Teoría Histórico-Cultural, la Teoría de las Representaciones Sociales y la Teoría Crítica, en diálogo con la sociología, la antropología y la filosofía. Se observó la interdependencia entre diferentes instancias de la realidad, centrándose en investigaciones sobre cultura, ideología y producción de subjetividades; aprendizaje y prácticas pedagógicas; formación de profesores, condiciones concretas de trabajo y enfermedad de los profesores y procesos de comunicación y significados por parte de diferentes actores sociales involucrados en la escena educativa. Además, se identificaron otros loci de investigación como la familia, el hospital, la ciudad y los medios de comunicación social

Palabras clave: psicología escolar y educativa; narrativas científicas; Themata

Introdução

Este artigo apresenta uma análise sobre as narrativas científicas da psicologia escolar e educacional compartilhadas no interior do GT 20 – Psicologia da Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) nas últimas cinco edições da Reunião Regional Centro-Oeste (2014-2022).

Os esforços empreendidos se basearam nos pressupostos da Teoria das representações sociais, para a qual a construção social do pensamento pode ser analisada a partir do potencial gerador de significações dos themata de base, sendo possível, por meio das narrativas científicas, acessar as redes de significados que delineiam não só ambientes de pensamento como também atmosferas sociais e culturais, que forjam convenções preliminares, atuando na interpretação da realidade.

A metodologia consistiu na análise de resumos inscritos para comunicação oral e pôster, que foi realizada em duas fases: na primeira etapa, procedeu-se a análise dos títulos dos resumos, por meio da técnica de análise de conteúdo semântica (n=75, sendo 62 resumos para comunicação oral e 13 para pôster), e a segunda etapa se caracterizou pela análise lexical de 45 resumos de comunicação oral, mediante o processamento do software Iramuteq.

Os dados revelaram os grandes temas que têm mobilizado o interesse de pesquisa, suas bases epistemológicas e metodologias adotados, permitindo refletir sobre o thema individual-coletivo na construção das redes de significações compartilhadas e negociadas pelos pesquisadores atuantes na região central do Brasil.

As narrativas científicas e a construção de ambientes de pensamento sobre a psicologia escolar e educacional

A produção científica, não só pela via da racionalidade, mas também da intuição, sistematiza os modos específicos de explicar ou compreender a vida, apoiando-se em teorias e metodologias variadas. Seus resultados se inscrevem no fluxo do diálogo intergeracional, constituindo a ideia de fórum, cujo sentido está no debate como forma de gestar a legitimidade dos achados de pesquisa.

Desse modo, a produção científica é aqui tomada a partir da perspectiva psicossocial e caracterizada como uma modalidade discursiva: a narrativa. Essa modalidade é considerada infinita em sua variedade e universal à medida que contar histórias é uma necessidade e um modo elementar de comunicação humana.

Seja em um viés explicativo, seja pela perspectiva compreensiva, podemos anunciar a narrativa científica como sugere Purkhardt (2002): uma modalidade discursiva que auxilia os indivíduos a tornar o mundo um lugar estável de se viver. Esse caráter construtivo da narrativa se revela em função da busca de sentido para as experiências de vida, cuja ideia coaduna com Jovchelovitch (2002, p. 91): "Contar histórias implica estados intencionais que aliviam, ou mesmo tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal".

Narrativas envolvem memória, dimensão temporal e capacidade de compreender e explicar acontecimentos para organizá-los em uma cadeia lógica na direção da construção da vida intelectual e social. Nesse sentido, a narrativa pode ser vista como veículo e material de construção sociocognitiva da realidade e de significados, ou mesmo, uma forma de eliciar campos de experiências intersubjetivas e de promover a compreensão das formas simbólicas, tanto no sentido de perpetuação quanto de transformação da interpretação dominante sobre a vida social. Em síntese, a narrativa é um instrumento de organização da experiência social e para a transformação desta em discurso (Jovchelovitch, 2002).

Segundo a autora, o léxico de um grupo social constitui sua perspectiva de mundo, o que torna as narrativas formas discursivas que as preservam na sua autenticidade. Além disso, destaca-se que a narrativa é rica em colocações indexadas porque se refere à experiência pessoal e tende a ser detalhada com enfoque nos acontecimentos e ações, a partir de uma estrutura semelhante à de orientação para a ação. Tal estrutura pressupõe um dado contexto e uma sequência de acontecimentos, incluindo um tipo de avaliação do resultado.

Jovchelovitch (2002, p. 92) afirma: "A narração reconstrói ações e contexto de maneira mais adequada: ela mostra o lugar, o tempo, a motivação e as orientações do sistema simbólico do ator". Nesse sentido, destaca-se que toda narrativa possui uma estrutura lógica, orientada por um script, um esquema autogerador da ação de narrar, que se orienta por regras tácitas subjacentes.

Ao mesmo tempo que o ator necessita pautar-se pelo script para que sua narrativa seja compreendida, pode se sentir livre para criá-la, desde que esteja atento para: 1. a necessidade de oferecer informações detalhadas ao ouvinte e 2. os aspectos relevantes, a partir de centros temáticos, de acordo com sua visão de mundo, identificando um acontecimento central que se desenvolve em um começo, meio e fim.

Por sua vez, cientistas usam narrativas em suas interações sociais e comunicações com outros cientistas, contando histórias sobre seus interesses, suas ideias e suas pesquisas, seja dentro de programas de ensino e de pesquisa, seja em encontros informais, em leituras, em conferências e em relatório de pesquisa, seja por meio de artigos de jornais e livros.

Conforme Purkhardt (2002), as narrativas são importantes não somente como um método de pesquisa, mas como um aspecto significante no processo da ciência em si, sendo consideradas modelos intelectuais regidos pelos processos de integração e seleção. Portanto, considera-se que os cientistas são contadores de histórias que versam sobre suas pesquisas, ideias, métodos e modos de interpretar o mundo.

Dessa forma, pode-se pensar que o cientista ou o homem comum organizam suas impressões sobre a realidade externa, tanto quanto da sua realidade interna, por meio da mediação da narrativa. Nesse processo, revelam-se esquemas e scripts ordenados, segundo uma lógica socialmente partilhada, configurando o que Moscovici (2010) anunciou como ambiente de pensamento, cuja noção é alinhada com as reflexões de Jovchelovitch (2020, p. 4) sobre o contexto como "uma arena de encontros intergrupais e interpessoais, em que diferentes padrões e estilos de comunicação são postos em prática. Padrões e estilos de comunicação impactam sobre formas cognitivas".

O poder gerador dos themata

Uma das especificidades do poder de comunicação refere-se à adoção de significados com alto grau de integração e baixo grau de variabilidade no contexto da partilha social, especialmente do científico.

A análise sobre os processos comunicacionais e a significação, na perspectiva psicossocial das representações sociais aqui adotada, orienta-se pela noção de themata (plural) ou thema (singular). Estas podem ser descritas como antinomias reconhecidas como unidades cognoscitivas bastante resistentes e estáveis, que coordenam as linhas de argumentação de um discurso atuando na esquematização de ideias.

Assim, pode-se dizer que a narrativa possui uma estrutura constituída por themata, revelando-se em linha argumentativa de modo progressivo. Mais detalhadamente, Moscovici e Vignaux (1994) as definem como uma unidade semântica de base do senso comum, que exprime, com frequência, uma oposição, podendo ser caracterizada como "ideias-fonte" ou "conceitos-imagem" ou, ainda, como destaca Bustamante (2021), a partir da descrição de Marková (2015), par dialógico e oposição binária se constituem em interdependência e tensionamento.

Themata compreendem as primeiras concepções, ainda que intuitivas, as quais sustentam a construção do conhecimento, porque estão profundamente arraigadas em imagens arquetípicas do mundo, caracterizando-se como ideias primitivas e estratos originais da cognição que governam certo número de desenvolvimentos discursivos. Tal thema pode, por exemplo, bloquear os avanços científicos ou potencializá-los, uma vez que funciona como paradigma.

Marková (2017) afirma que os themata estão enraizados na cultura e são transmitidos pela linguagem e comunicação a partir do senso comum, de geração em geração. Já um thema, de acordo com a autora, faz parte do senso comum e de uma linguagem, que se problematiza e se tematiza em razão das circunstâncias sócio-históricas ou políticas.

Em outras palavras, themata são ideias primárias sobre as quais se ancoram os significados compartilhados, que, na dinâmica conversacional, podem ser desenvolvidas e reformuladas ou simplesmente podem desaparecer.

Segundo Mazzotti (1995), os themata, além de operar no campo da produção do saber científico, podem ser tomados como linhas de argumentação comuns ou lugares comuns e, por que não dizer, mapas coletivos presentes em todas as conversações, recebendo significados diferentes ao longo do processo representacional, segundo a metáfora utilizada no discurso.

A argumentação de Mazzotti (1995) partiu das indicações de Moscovici e de Vignaux (1994) sobre o processo de tematização como, necessariamente, uma ação de atribuir adjetivos, atributos e qualidades, com o objetivo de categorizar. Segundo o autor, os predicados ou as categorias se constituem a partir de uma aproximação do que se sabe com o que ainda não se sabe. Nesse caso, o conhecido oferece os predicados ou categorias, que podem ser assimilados ou ancorados ao desconhecido, cujo processo ocorre por meio de uma negociação interpessoal.

Nessa direção, Mazzotti (1995) introduz uma diferenciação entre tematização e thema. Enquanto a tematização refere-se à predicação, o thema está associado a um esquema geral que induz as imagens da situação ou do mundo, em termos arcaicos, as concepções primeiras profundamente enraizadas que estabelecem os predicados de algo. O thema seria a noção primitiva, um lugar comum cujo potencial delineia "linhas de argumentação coordenadas por metáforas que determinam os predicados" (Mazzotti, 1995, p. 108).

A proposição de Mazzotti (1995) aproxima-se do que Moscovici e Vignaux (1994) destacam ao afirmar que os conteúdos presentes nos themata se infiltram em uma representação por meio da ancoragem. Dessa forma, passam de conteúdo potencial para conteúdo atual de uma representação, incorporando uma referência e recebendo determinado valor semântico.

A partir da ancoragem do conteúdo potencial dos themata, pode-se identificar temas comuns, objetivações e metáforas que delineiam a formação de famílias de representações, pontos de referência ou paradigmas que operam tanto para a estabilização quanto para a desestabilização dos significados e das representações sociais.

Vala (1993) considera que os paradigmas se exprimem por meio de metáforas e que são estas as orientadoras da construção de teorias e conceitos. Isso ocorre em função da aproximação do pensamento científico ao pensamento comum, pois ambos seriam orientados por uma mesma lógica de imputação de significado ao meio e aos acontecimentos. Assim, tanto o cientista quanto o homem comum recorrem, de forma explícita ou implícita, às metáforas, que se tornam geradoras de novos conceitos e novos entendimentos sobre a realidade.

Psicologia escolar e educacional a partir do themata individual-coletivo

Para analisar as narrativas científicas sobre a relação psicologia e educação compartilhadas no fórum do GT 20 da ANPEd – Centro-Oeste, é preciso identificar, nas suas linhas argumentativas, os seus enraizamentos nas categorias de pensamento constituídas ao longo da história da disciplina, observando de que modo o thema individual-coletivo ganha contornos no interior das narrativas e como mobiliza as escolhas por determinada visão de mundo, informações, adjetivações e categorizações, orientando comunicações no âmbito da ciência.

No contexto deste artigo, a opção feita se dá em torno do thema individual-coletivo, tomando-o como uma das principais antinomias cujo potencial delineia as argumentações e os modos de pensar a relação psicologia e educação.

Nesse intento, serão levados em consideração os argumentos apresentados por Barbosa e Souza (2012), que, ao realizarem um levantamento sobre a construção histórica do pensamento em psicologia escolar e educacional, evidenciaram pontos de ancoragem significativos para a compreensão dos diferentes ambientes de pensamento organizados a partir do thema individual-coletivo.

Para efeitos das análises ora empreendidas, destaca-se o interesse pela produção de saberes na interface psicologia e educação, podendo eles tanto se referirem aos fenômenos educacionais analisados, a partir das teorias psicológicas, quanto contemplar a problematização a respeito das práticas psicológicas no contexto educacional, conforme as reflexões da perspectiva crítica que têm anunciado a necessidade de superação dessa dicotomia, propondo o termo psicologia escolar e educacional.

Assim, será considerada, como critério de análise, a antinomia individual-coletivo como um thema organizador dos argumentos e tomadas de decisão no âmbito das pesquisas educacionais apresentadas no GT 20 – Psicologia da Educação da ANPEd (2014-2022). A escolha por essa antinomia se justifica por meio das análises sobre a história da psicologia escolar e educacional no contexto brasileiro, influenciada pelos debates desenvolvidos tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

Barbosa e Souza (2012) apresentaram uma análise historicamente referenciada sobre as grandes teses que orientaram a psicologia escolar e educacional no contexto brasileiro, por meio das quais é possível identificar a forte influência da psicometria, do movimento higienista, da psicanálise e do escolanovismo como elementos que delineiam a perspectiva ajustatória e o modelo clínico-médico, orientados pela ênfase no individual em detrimento da análise sobre variáveis contextuais.

Em seu oposto, apresenta-se a Teoria da carência cultural, em torno da qual foram valorizadas as variáveis sociodemográficas para justificar os problemas de aprendizagem. Por sua vez, a perspectiva crítica, pela via da análise psicossocial, defende a dialética individual-coletivo, propondo uma análise multidimensional do contexto educacional, de modo a contemplar a complexidade do fenômeno educativo.

As narrativas científicas que anunciaram a interface psicologia e educação dos anos de 1930 a 1970 podem aqui serem interpretadas como geradas por meio de um ambiente de pensamento em que o indivíduo, mais especialmente a criança, encontrava-se no centro das investigações científicas.

Sob a ênfase no pensamento biologicista e medicalizante, inspirado no movimento higienista, destaca-se o período de 1930-1940, época na qual se evidenciou a higiene escolar com a finalidade "ajustatória", bem como o movimento psicométrico oriundo da Europa em 1930.

Segundo Barbosa e Souza (2012, p. 168), o objetivo principal era o de:

diagnosticar as crianças no interior da escola quanto a sua "normalidade" ou "anormalidade" e, baseada nos experimentos e testagens, garantia-se a divisão em classes e/ou escolas especiais para atendimento de suas "necessidades especiais" se fosse o caso. Entra em cena a ideia de normatização que se acresce à de adaptação e atendimento das "anormalidades" por meio de trabalhos terapêuticos garantidos por meio da Higiene Mental Escolar.

No bojo da ideologia liberal, surge outro ponto de ancoragem significativo em torno das narrativas associadas ao mito da igualdade de oportunidades anunciado pelo movimento escolanovismo, que negou as diferenças de classe dadas pela constituição sociopolítica do capitalismo. A psicologia se inscreve, nesse contexto, por meio dos testes psicológicos e dos estudos sobre inteligência, maturidade e prontidão para aprendizagem, que, segundo as autoras, serviram de explicações para as diferenças individuais que culpabilizavam o sujeito por sua condição e ocultavam as desigualdades sociais.

Nos anos de 1940, a psicanálise contribui para a construção do pensamento social sobre a educação, dando ênfase ao estudo sobre as influências das configurações familiares no processo de aprendizagem e desenvolvimento de crianças. Barbosa e Souza (2012, p. 169) consideram que:

a influência da Psicanálise foi um exemplo da mudança de foco do pensamento biologicista e puramente clínico-médico para um olhar direcionado às configurações familiares e sua importância naquele contexto. Embora ainda se possa identificar o olhar medicalizante e de ideologia liberal e a influência do movimento de Higiene Mental, pode-se dizer que o foco deixa um pouco de lado apenas o "indivíduo" criança e passa a observar seu entorno, no caso a família.

Nesse caso, o centro de interesse passou a ser a criança no contexto educacional, cuja finalidade era compreender suas características e seu processo de desenvolvimento, por meio da psicometria e dos estudos sobre as influências familiares e o contexto.

Mesmo com o olhar acenando para a importância do contexto, pode-se dizer que as análises realizadas nesse período se dirigiram à individualidade como principal causalidade dos fenômenos escolares.

Entre os anos de 1960 e 1970, as narrativas mais emblemáticas defendiam a tese da educação compensatória, inspirada no taylorismo e no modelo clínico-médico, acarretando forte interesse na "criança-problema" ou na "criança que não aprende" e nos "problemas de aprendizagem".

O foco das investigações eram os processos desviantes do desenvolvimento "normal", descritos sob as bases de uma realidade burguesa e liberal. Práticas de mensuração de aptidão com o objetivo de adequação entre aptidões, habilidades específicas, medidas de Q.I., por exemplo, serviram como critérios para a organização da vida escolar e de práticas de ensino. Para Barbosa e Souza (2012), essa é a marca mais objetiva da primeira inserção profissional da psicologia na educação, inspirada em um modelo classificatório com a finalidade de potencializar o funcionamento escolar de modo semelhante ao sugerido pelo taylorismo.

Até 1970, o interesse era pela análise da criança aprendiz em um esforço em compreender suas singularidades para otimizar seu processo educativo. Desse modo, chama a atenção a "criança que não aprende" no contexto escolar. No entanto, outra hipótese de trabalho passa a ser compartilhada, tendo, no seu cerne, a ideia da carência cultural.

Se antes as narrativas científicas orbitavam em torno de um chamado psicologismo, as autoras, baseando-se nas análises de Yazzle (1997), destacam que, com a Teoria da carência cultural, a psicologia passou a valorizar os fatores ambientais e socioeconômicos como produtores de "déficit comportamentais", secundarizando os fatores biológicos. Tal movimento foi caracterizado como determinismo sociológico.

Os trabalhos da década de 1980 trouxeram a nova abordagem para o debate sobre a antinomia individual-coletivo, inspirando as narrativas científicas na interface psicologia e educação. No Brasil, o marco histórico se deu com a tese de Maria Helena Souza Patto, intitulada Psicologia e Ideologia, reflexões sobre a Psicologia Escolar, de 1981.

A partir de suas críticas ao pensamento tradicional até então dominante no âmbito da psicologia educacional e escolar, observaram-se novos recortes temáticos, novas possibilidades de análise do contexto escolar, novos processos de aprendizagem e desenvolvimento, bem como novas finalidades e metodologias de atuação da psicologia.

Conforme Barbosa e Souza (2012, p. 170), as narrativas científicas fomentadas pela psicologia escolar crítica anunciaram "um olhar para o processo de escolarização e para o contexto sócio-político-cultural em que estão inseridos os processos educativos". Sob essa ótica, fatores individuais são analisados em uma perspectiva psicossocial para a qual o "não aprender" se relaciona com a produção do fracasso escolar motivada por uma complexa rede de fatores que extrapolam as individualidades, mas nelas se manifestam. Nesse momento, entra em cena a análise de questões associadas às políticas educacionais e à cultura organizacional, abrindo campo para debates sobre formação docente, material didático, práticas educacionais, gestão e organização escolar – só para citar alguns.

Nessa perspectiva, o centro de interesse passa a ser a melhoria das condições de ensino por meio de programas educacionais que envolvam outros atores sociais para além das crianças, estendendo-se aos professores, aos familiares e à comunidade. Ainda no âmbito da perspectiva crítica, destaca-se como desejável o diálogo com outras disciplinas, tais como filosofia, sociologia e antropologia, de modo a contemplar a complexidade do fenômeno educativo.

Apesar dos esforços empreendidos no sentido de anunciar uma narrativa científica organizada pela antinomia individual-coletivo, compreendida na sua dialeticidade, Barbosa e Souza, já em 2012, alertavam para a continuidade das narrativas científicas orientadas pela perspectiva biologicista e individualizante, conforme o modelo clínico-médico centrado no diagnóstico para explicação de fenômenos no campo educacional e consequente medicalização para supostos transtornos neurológicos.

Desse modo, as autoras, com base nas análises do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e do Grupo Interinstitucional "Queixa Escolar", alertaram: "A medicalização e patologização tem sido cada vez mais frequente no discurso educacional" (Barbosa & Souza, 2012, p. 171). Conforme argumentam Cividanes e Souza (2020), a observação do contexto escolar, nos anos de 2020, revela que a tendência ao retorno ao individualismo biologicista tem sido confirmada no bojo de uma cultura global orientada pelo liberalismo, pela meritocracia, pelo individualismo e pelo pragmatismo.

Procedimento metodológico

A metodologia consistiu na análise de títulos de resumos e de resumos inscritos para comunicação oral e pôster, sendo realizada em duas fases. Na primeira fase, procedeu-se a análise dos títulos dos resumos por meio da técnica de análise de conteúdo semântica, conforme Bardin (1977), sendo os resumos acessados para melhor caracterização do estudo a partir da técnica acordada entre juízes. Essa etapa contou com um total de 75 títulos, sendo 62 referentes à comunicação oral e 13 ao pôster.

Não foi possível acessar digitalmente os resumos de 2016 via anais, uma vez que o link deles não se encontrava mais ativo. Em busca do material, foi identificada a lista de títulos no interior do Relatório Final do XIII Encontro de Pesquisa em Educação e Reunião da ANPEd Nacional na Região Centro-Oeste, elaborado pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Nos registros encontrados, não há referências aos resumos de pôster, apenas de comunicação oral.

A segunda fase caracterizou-se pela análise lexical, por meio do processamento do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq), a partir de um corpus organizado por 45 resumos de comunicação oral correspondentes às edições de 2014, 2018, 2020 e 2022. Os dados textuais foram processados segundo o método de Classificação Hierárquica Descendente (CHD), desenvolvido por Reinert (1990, citado por Camargo & Justo, 2013), procedimento que possibilita analisar lugares sociocognitivos nos quais a enunciação ocorre (Souza, 2020).

Apresentação e discussão de dados

Análise dos títulos dos resumos

O levantamento dos dados permitiu acessar um total de 75 títulos de resumos, sendo 13 títulos de resumos para pôster e 62 para comunicação oral.

Dos dados disponibilizados, nota-se que as edições de 2014 (n=18) e de 2020 (n=18) se destacaram como sendo as que receberam maior número de trabalhos aprovados, seguida da edição de 2016 (n=17). Por sua vez, a edição de 2022, a primeira edição pós-período de isolamento social, foi a que acolheu menor número de trabalhos aprovados (n=8), mesmo sendo realizada de modo híbrido.

Os títulos apresentados foram analisados a partir de sete categorias, assim nomeadas: 1. Subjetividade e formação de professores (n=17); 2. Práticas e vivências escolares e no ensino superior (n=17); 3. Pesquisa com crianças e adolescentes (n=15); 4. Queixa escolar, fracasso escolar, transtorno e problema de aprendizagem (n=12); 5. Cultura, subjetividade e formação humana (n=8); 6. Psicologia do desenvolvimento e processos educativos (n=5) e 7. Pesquisas com psicólogos (escolar e educacional) (n=2).

Os dados revelaram esforços na análise sobre subjetividade docente e a formação de professores. De 17 trabalhos, sete trataram sobre o mal-estar e o adoecimento docente antes e durante o período da Pandemia de covid-19. Os demais discutem noções como autoconceito, singularidades subjetivas, relação do professor com o mundo digital, formação continuada e novas narrativas científicas e pseudocientíficas que influenciam a formação docente – neurociência e coaching –, bem como aquelas organizadas a partir de documentos técnicos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesses três casos, observam-se trabalhos alertando para o fortalecimento de narrativas, no âmbito da formação de professores, associadas à lógica neoliberal e mercadológica, ao individualismo e à meritocracia.

Os estudos constantes na categoria Práticas e vivências escolares e no ensino superior (n=15) lançam um olhar para as intencionalidades formativas presentes nos fazeres docentes em diferentes modalidades de ensino. Quatro trabalhos analisam a relação entre arte e educação (música e literatura) como eixo organizador de práticas educacionais, três debatem sobre a relação professor-aluno no ensino fundamental e superior, dois problematizam a avaliação na relação entre afeto, aprendizagem e queixa escolar, dois priorizam a análise dos programas de ações afirmativas e um debate sobre a educação integral, além de trabalhos relacionados a processos narrativos e jogos no diálogo com crianças. Ainda se observa um trabalho sobre as práticas educativas no ensino fundamental no contexto da pandemia e outro que analisa a relação entre a pedagogia prescritiva e a pedagogia em participação.

Tais práticas evidenciam uma preocupação com a produção da subjetividade compreendida a partir da unidade pessoa-meio, das singularidades e das coletividades, sendo a cultura tomada como entorno pensante no qual se dá a constituição dos modos de ser e estar no mundo. Nesse particular, problematiza-se a alteridade na relação professor-aluno, na crítica à cultura do adultocentrismo e no tensionamento entre a pedagogia prescritiva e a de participação, para propor um repensar do estatuto social das crianças na cena educacional e escolar.

Nessa direção, observa-se que, além dos processos subjetivos dos docentes, destaca-se o interesse em anunciar crianças e adolescentes como sujeitos de pesquisa na sua relação com a cultura e em diferentes contextos educacionais. A maioria desses estudos se orienta pelos debates em representações sociais em diálogo com a Teoria histórico-cultural. Sobre esse aspecto, sublinha-se que, de 15 trabalhos, 13 deles se dedicaram ao debate sobre pesquisa com crianças no contexto da família, da escola, da cidade e do hospital.

Nesses estudos, são analisadas as significações das crianças sobre diferentes objetos sociais, tais como hospital, cidade, participação de crianças nos processos decisórios da família e da escola, profissionais de saúde, além da noção de competência. A escuta de diferentes atores, em especial as crianças, sobre a realidade educacional revela a compreensão acerca da relevância das diferentes focalizações da realidade, anunciando a ideia de fórum e suas múltiplas vozes, em oposição à cultura adultocêntrica, que favorecia a escuta dos profissionais como fonte de informação privilegiada.

Em adição, considera-se a predominância de um recorte psicossocial, uma vez que as constituições subjetivas são analisadas em sua relação com as condições concretas de vida e com os conhecimentos, valores e práticas historicamente constituídos e socialmente compartilhados.

As tendências observadas nas categorias anteriormente descritas também se manifestam na categoria Queixa escolar, fracasso escolar, transtorno e problema de aprendizagem (n=12). Nesta, destacam-se sete trabalhos, que assumem, em seu título, a terminologia proposta pela perspectiva crítica sobre a produção do fracasso escolar e o debate a respeito da medicalização nas escolas. Os trabalhos sobre sala de apoio, inclusão escolar, significação de professores sobre transtorno de aprendizagem e relação subjetividade, linguagem e dificuldade de aprendizagem remetem a um recorte psicossocial que confere importância às questões contextuais para a análise dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento das crianças.

Apenas um trabalho apresentou em seu título o termo "dislexia" e foi apresentado na modalidade pôster. Em consulta ao resumo, observou-se que as autoras partem da descrição de dislexia constante no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), assumem o termo transtorno de aprendizagem e dificuldade de aprendizagem indistintamente, defendem o diagnóstico precoce, além de se dedicarem à análise das contribuições de Vigotski com relação à inclusão social no contexto educacional, baseando-se na tese da plasticidade neuronal e no potencial da mediação social.

Na categoria Cultura, subjetividade e formação humana, destacam-se temas como: arte, literatura e educação; trabalho infantil e mundo digital; internet e subjetividade e redes sociais, socialização e adoecimento. Especificamente na edição de 2022, ano da eleição presidencial, marcada pela polarização política, pelas fake news e pelo fortalecimento das narrativas da extrema direita, observa-se a temática que trata das tendências autoritárias no Brasil, sendo a maioria dos estudos fundamentada na Teoria crítica.

A categoria Psicologia do desenvolvimento e processos educativos (n=5) apresenta trabalhos que debatem sobre a aquisição da língua escrita, o pensamento matemático, a criatividade, a organização do tempo escolar e a atividade humana. Em sua maioria, fundamentam-se na Teoria histórico-cultural e na Teoria walloniana.

Já a categoria com menor número de trabalho diz respeito às pesquisas cujo participante é o(a) próprio(a) psicólogo(a) escolar e educacional (n=2), revelando certo silenciamento do debate sobre a identidade dos profissionais da psicologia que transitam na interface com a educação.

De modo geral, ao tomar os referenciais teóricos-metodológicos adotados, os atores sociais participantes dos estudos e os interesses de pesquisa, identifica-se a predominância de uma epistemologia orientada pela perspectiva dialética do thema individual-coletivo para a qual os processos de aprendizagem e desenvolvimento não se dão divorciados dos debates sobre a produção social da realidade.

Análise lexical dos resumos relativos à comunicação oral

Considerando o processamento do Iramuteq (76,54% de aproveitamento), é possível identificar oito classes discursivas organizadas em cinco partições das quais decorrem os seguintes arranjos: a primeira partição gerou a classe 8 (10,7%), a segunda partição constituiu a classe 1 (14,8%); a terceira partição permitiu a organização de dois blocos discursivos compostos das classes 6 (16,1%) e 7 (16,8%), tencionando com um bloco maior composto das classes 2 (11,6%), 5 (8,7%), 3 (10%) e 4 (11,3%).

A classe 8, denominada Contextos de inscrição das pesquisas, anuncia que os estudos analisados, geralmente recortes de teses e dissertações, são resultantes de pesquisas realizadas em programas de pós-graduação – mestrado e doutorado – inseridos em universidades públicas do Centro-Oeste.

A classe 1, Cultura e sociedade, a partir da Teoria Crítica, apresenta léxicos associados aos estudos que tomam como elementos de análise a relação cultura, sociedade e subjetividades, colocando em relevo atributos como: ideologia, autoritarismo, violência, capitalismo, conhecimento, emancipação, arte e resistência. Nesse sentido, a classe 1 mantém relação com todas as demais na medida em que destaca as lógicas que orientam as relações nas diferentes instâncias da realidade: transubjetiva, intersubjetiva e subjetiva.

A classe 6, Saúde e adoecimento docente, antes e ao longo da pandemia, apresenta os léxicos associados aos estudos dedicados à análise da condição subjetiva de professores. Atributos como falta, empatia, ruptura, crise, afastamento, laboral, imprevisibilidade e digital revelam que os debates sobre o tema buscam analisar as condições ideológicas, materiais e relacionais no contexto do trabalho docente como forma de compreender o mal-estar dos professores.

Por sua vez, a classe 7, Ambiente virtual e as mediações familiares: reflexos na condição subjetiva dos(as) aluno(as), caracteriza-se pelo debate sobre a dinâmica das aulas em ambiente remoto, aspecto que remete à análise sobre os processos comunicacionais mediados pela tecnologia, via aplicativo WhatsApp, a relação com pais e responsáveis e a condição subjetiva da criança, tomando o debate sobre a pedagogia e os níveis de participação infantil. As classes 6 e 7 apresentam grande aproximação, pois ambas permitem analisar a díade professor-aluno nas reflexões sobre o processo de sujeição ao qual ambos estão expostos.

A classe 2, Representações sociais e crianças como produtoras de sentido sobre a realidade educacional, compõe o último bloco discursivo, congregando as classes 5, 3 e 4, possivelmente porque tais classes apresentam afinidades teóricas com a Teoria histórico-cultural e compartilham seus conceitos principais como sentido, significação, linguagem, cultural e histórico.

Especificamente na classe 2, concentram-se os léxicos relacionados ao debate sobre pesquisa com crianças em diferentes contextos. Termos como "criança", "apoio", "sala", "infantil", "significação", "representações sociais", "escola", "participação" e "cidade" são destacados, revelando o interesse pelas autorias infantis na perspectiva da Teoria das representações sociais. Essa classe, embora estabeleça relação com a classe 7, diferencia-se pela perspectiva da potência da criança, fato que permite analisá-la para além da sua condição de assujeitamento.

A classe 5, Aprendizagens e seus desafios, congrega léxicos que remetem, por um lado, aos estudos sobre escolarização, domínio da escrita, linguagem e comportamento e, por outro, aos debates sobre avaliação, dificuldade e queixa escolar. Nesse sentido, pode-se pensar no tensionamento existente nos recortes de pesquisa, que ora se dedicam ao estudo dos processos de aprendizagem com destaque à linguagem e escrita, ora analisam o não aprender e a complexidade desse fenômeno, problematizando os termos "dificuldade" e "queixa escolar".

A classe 3, Práticas culturais e aprendizagens, organiza-se em torno de atributos como festival, canção, matemática, linguagem, arte e experiência, estabelecendo um diálogo com a classe 5 à medida que analisa os processos de aprendizagem, com destaque para as linguagens e o diálogo com a cultura.

Já a classe 4, intitulada A teoria histórico-cultural na interface com a formação docente, apresenta as narrativas que influenciam o contexto de formação docente e as práticas educacionais. Nessa classe, as dimensões histórica e cultural ganham destaque assim como os termos "materialismo" e "dialética". Chama a atenção a presença dos termos "coaching" e "neuropsicológico", tomados como contraponto do debate ancorado na perspectiva psicossocial.

Considerações finais

Os resultados permitem indicar que as narrativas científicas difundidas se ancoram na perspectiva psicossocial, com destaque para os debates propostos pelas Teoria histórico-cultural, Teoria das representações sociais e Teoria crítica em um ambiente de pensamento caracterizado pelo diálogo com a sociologia, a antropologia e a filosofia.

Os estudos revelam as análises dedicadas à crítica da cultura, problematizando tendências à mercantilização da educação orientada pelo ideal neoliberalista com grande impacto nas políticas educacionais e na formação de professores. Tais análises favorecem as investigações sobre processos formativos e educacionais em diferentes contextos, tais como: família, escola, hospital, cidade e mídias sociais, assim como as práticas educacionais inspiradas na relação com as artes anunciadas como forma de promoção da reflexividade.

Por sua vez, as abordagens com relação aos processos de aprendizagens são, em sua maioria, orientadas pelas análises de diferentes instâncias da realidade, levando-se em consideração categorias como cultura, condições concretas de trabalho, processos comunicacionais, subjetividade e produção de sentidos pelos diferentes atores sociais envolvidos na cena educacional.

Chama a atenção o silenciamento de pesquisas cujos temas buscam problematizar a educação de jovens e adultos, o ensino médio e o ensino superior, notadamente a condição subjetiva de adolescentes e jovens nesses contextos. Ainda se destacam poucos estudos dedicados à análise das questões conceituais, históricas e profissionais que envolvem a própria identidade da psicologia escolar e educacional. Em especial, identifica-se a saliência dos estudos interessados em analisar a condição subjetiva de professores e crianças.

Ainda assim, destaca-se que os estudos revelam a preocupação com a escuta de diferentes atores da cena educacional, em especial professores e crianças. A análise das variadas focalizações sobre a realidade traduz a ideia de fórum e de suas múltiplas vozes, em oposição à cultura escolar prescritiva, que privilegia a escuta da autoridade docente como fonte única de informação. Essa tendência merece ser explorada no exercício de escuta de adolescentes, jovens e adultos inseridos em contextos educacionais formais e não formais.

Em geral, os estudos aqui analisados podem ser anunciados como alinhados à perspectiva psicossocial, sustentados pela oposição dialética individual-coletivo, uma vez que as constituições subjetivas dos atores sociais são consideradas, em sua relação com as condições concretas de vida e com os conhecimentos, valores e práticas historicamente constituídos e socialmente compartilhados. Tais constatações revelam um ambiente de pensamento orientado pela perspectiva dialética do thema individual-coletivo.

Os textos deste artigo foram revisados pela Texto Certo Assessoria Linguística e submetidos para validação dos autores antes da publicação.

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Recebido: 09 de Maio de 2023; Aceito: 10 de Agosto de 2023; Publicado: 27 de Novembro de 2023

Endereço para correspondência: DANIELA BARROS DA SILVA FREIRE ANDRADE Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Av. Fernando Corrêa da Costa, n. 2367 Boa Esperança, 78060-900 Cuiabá, MT, Brasil freire.d02@gmail.com

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