SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46 número1O eixo Psicologia da Educação na ANPEd Sul: entre idas e vindasO canto da sereia da inovação na universidade comunitária: do insulamento ao risco da hiperporosidade índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.46 no.1 Porto Alegre jan./dez 2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2023.1.44718 

Outros Temas

As interfaces Psicologia-Educação na Região Norte do Brasil: uma revisão sistemática nos Anais da ANPEd Norte (2016-2022)

Psychology-Education interfaces in the North of Brazil: a systematic review at ANPEd Norte Conference proceedings (2016-2022)

Interfaces Psicología-Educación en el Norte de Brasil: una revisión sistemática en actas de Congreso ANPEd Norte (2016-2022)

Rafael Fonseca de Castro1 

Doutor, mestre e especialista em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pós-doutor em Ensino de Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Pedagogo e cientista da computação pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Professor adjunto do Departamento de Ciências da Educação (DACED) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), atuando como docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar (PPGEEProf). Líder do Grupo de Pesquisa HISTCULT – Educação, Psicologia Educacional e Processos Formativos, vinculado DACED UNIR.


http://orcid.org/0000-0001-5897-851X

Marli Lúcia Tonatto Zibetti1 

Mestre e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora em Educação. Professora titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia (UFRO), integra o Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar – Mestrado e Doutorado profissionais da UNIR (PPGEProf). Pesquisadora do Grupo Amazônico de estudos e pesquisas em Psicologia e Educação (GAEPPE), da UNIR. Vice-líder do Grupo Psicologia e Escolarização: políticas públicas e atividade profissional na perspectiva histórico-crítica, da USP.


http://orcid.org/0000-0003-3939-5663

Iolete Ribeiro da Silva2 

Professora titular da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), psicóloga e doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Bolsista Produtividade CNPq. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFAM) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI/UFAM). Lidera o Grupo de Pesquisa Subjetividades, povos amazônicos e processos de desenvolvimento humano, da UFAM.


http://orcid.org/0000-0002-9416-6866

1Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO, Brasil.

2Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.


Resumo:

O presente artigo refere-se à revisão sistemática realizada nos anais da ANPEd Norte, desde a sua primeira edição, em 2016, quando foi desvinculada da ANPEd Nordeste. Por meio da revisão empreendida, foi possível sistematizar resultados relacionados à quantidade de trabalhos publicados por estados da Federação, por Instituições de Educação Superior (IES) e nos "espaços" que o Grupo de Trabalho 20 - Psicologia da Educação (GT-20) vem ocupando ao longo de quatro edições do evento. Os principais achados da pesquisa foram: o estado do Pará, por meio de três IES, representa quase metade de todos os estudos publicados nas quatro reuniões; estados que organizaram o evento aumentaram exponencialmente a quantidade de trabalhos publicados, visto as dificuldades de logística em uma região de grandes dimensões geográficas e pouco incentivo financeiro aos programas de pós-graduação; a Psicologia da Educação enfrenta uma situação que sugere um "problema de identidade", pois tem "dividido espaço" com outros GT, o que implica na dificuldade de estabelecer "território próprio" na ANPEd Norte. Sugere-se a abertura do GT-20 de forma autônoma nas próximas edições como forma de tensionar possibilidades de uma melhor "demarcação de território" da Psicologia da Educação no evento, no sentido de (re)estabelecer sua identidade entre os pesquisadores.

Palavras-chave: Psicologia da Educação; pesquisa educacional; revisão sistemática; ANPEd Norte

Abstract:

This article refers to the systematic review carried out on the ANPEd Norte's proceedings, since its first edition, in 2016, when it was disconnected from ANPEd Nordeste. Through the undertaken review, it was possible to systematize results related to the amount of works published by states, by Higher Education Institutions (HEI) and in the "spaces" that the Working Group 20 - Educational psychology (WG-20) has been occupying over the event's four editions. The main findings were: the state of Pará, through three HEI, represents almost half of all the works published in the four meetings; states that organized the event exponentially increase the number of published works, given the logistical difficulties in a region of large geographic dimensions and few financial incentive for postgraduate programs; Educational psychology faces a situation that suggests an "identity problem", as it has "shared space" with other WG, which implies the difficulty of establishing "its own territory" at ANPEd Norte. It is suggested that the WP-20 be opened autonomously in the next editions as a way of tensioning possibilities for a better Educational psychology's "territory demarcation" in the event in order to (re)establish its identity among researchers.

Keywords: Educational Psychology; educational research; systematic review; ANPEd Norte Conference

Resumen:

Este artículo hace referencia a la revisión sistemática realizada con las actas de ANPEd Norte, desde su primera edición, en 2016, cuando se desvinculó de ANPEd Nordeste. A través de la revisión realizada, fue posible sistematizar resultados relacionados con la cantidad de trabajos publicados por departamentos brasileños, por Instituciones de Educación Superior (IES) y en los "espacios" que el Grupo de Trabajo 20 - Psicología de la Educación (GT-20) ha estado ocupando más de cuatro ediciones del evento. Los principales hallazgos de la investigación fueron: el estado de Pará, a través de tres IES, representa casi la mitad de todos los trabajos publicados en los cuatro encuentros; la organización del evento incrementó exponencialmente el número de trabajos publicados por el anfitrión, dadas las dificultades logísticas en una región de grandes dimensiones geográficas y poco incentivo financiero para los programas de posgrado; La Psicología de la Educación enfrenta una situación que sugiere un "problema de identidad", ya que ha "compartido espacio" con otros GT, lo que implica la dificultad de establecer un "territorio propio" en la ANPEd Norte. Se sugiere que el GT-20 se abra de manera autónoma en las próximas ediciones como una forma de tensionar posibilidades para una mejor "delimitación del territorio" de la Psicología de la Educación en el evento para (re)establecer su identidad entre los investigadores.

Palabras-clave: Psicología Educacional; investigación educativa; revisión sistemática; Congreso ANPEd Norte

Introdução

A Psicologia é um dos mais jovens campos da ciência. Ainda assim, vem produzindo dezenas de ramificações e mostra-se relativamente sintonizada com as mudanças nas estruturas sociais e nos modos como os seres humanos se relacionam entre si e em sociedade. A Psicologia da Educação é uma dessas ramificações. De acordo com Maluf (1994), as aplicações de uma ciência psicológica a processos educativos têm seu marco associado a quando E. L. Thorndike publicou o livro Educational Psychology e editou a revista Journal of Educational Psychology, ambos em 1903.

Os estudos de Cruces e Maluf (2007) indicam que, desde o final do século XIX, a Psicologia e a Educação davam indícios de articulação e que cabia à Psicologia, nessa época, aprofundar conhecimentos sobre as diferenças individuais, explicar as dificuldades de aprendizagem e buscar métodos educacionais que pudessem garantir o sucesso dos estudantes nas escolas. Desde então, porém, a Psicologia da Educação assumiu variados contornos, a ponto de se tornar difícil até mesmo a sua definição, como descreveram Glover e Ronning (1987, p. 7), ao "enfrentarem" a tarefa de sistematizá-la na década de 1980:

Retrospectivamente, parece que tínhamos feito uma leitura incorreta do campo [a psicologia da educação] quando começamos a trabalhar nesse volume. Isto é, presumíamos que a psicologia da educação era um campo muito mais coerente e que estava definido com muito maior precisão do que realmente é. Na realidade, é escasso o acordo sobre o que é psicologia da educação e quem ou o que são os psicólogos da educação.

Embora tenha havido coadunações desde então entre as quais uma das mais aceitas, a de Coll (1996), que define a Psicologia da Educação como disciplina-ponte entre Educação e Psicologia, ainda a consideramos uma disciplina com problemas de identidade no que se trata de pesquisas educacionais, principalmente, devido ao fato de possibilitar interlocuções com outras disciplinas e demais campos do conhecimento.

Mesmo com a permanência constante da disciplina Psicologia da Educação3 nas licenciaturas, em especial, nos cursos de Pedagogia, e com a consolidação do Grupo de Trabalho 20 - Psicologia da Educação (GT-20) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) GT que completa 25 anos de história, a trajetória desse GT na Região Norte do Brasil merece análise, pela forma como esse espaço tem se constituído (ou não) nessa região. O presente artigo, diante dessa problemática, apresenta resultados de uma revisão sistemática realizada nos anais das reuniões da ANPEd Norte, a mais nova das "anpedinhas", desde a sua primeira edição, em 2016, quando foi desvinculada da ANPEd Nordeste.

Por meio da revisão empreendida, foi possível sistematizar resultados por estados da Federação e por Instituições de Ensino Superior (IES) nas quatro edições do evento (2016, 2018, 2021 e 2022). Nosso olhar, contudo, esteve focalizado nos trabalhos publicados no GT-20 (que vem dividindo "espaço" com outros GT desde a primeira edição) e na problematização acerca da identidade (ou da falta dela) da Psicologia da Educação nas reuniões da ANPEd Norte.

A Psicologia da Educação: um olhar para a Região Norte

A aproximação da Psicologia com a Educação tem raízes no pensamento de filósofos gregos, portanto, é anterior ao surgimento da Psicologia como disciplina científica (Antunes, Santos & Barbosa, 2021). Logo, mesmo antes do surgimento da Psicologia científica, o conhecimento psicológico já exercia papel relevante na educação escolar. Coll et al. (2000) relatam que, até 1890, as relações entre Psicologia e Educação eram mediadas pela Filosofia. O pensamento de Johann Friedrich Herbart (1776-1841) exerceu grande influência na expectativa que se construiu ao longo do tempo sobre as possíveis contribuições da Psicologia para a Educação. Ele afirmava que à Filosofia Moral cabia a formulação dos objetivos educacionais e à Psicologia cabia proporcionar os meios necessários para concretizar esses objetivos (Coll, 1996, 1999).

Entre 1890 e 1920, a Psicologia começa a se distanciar da Filosofia e a se estabelecer como ciência. Segundo Coll et al. (2000, p. 26), foi delegada à Psicologia a tarefa de "elaborar uma teoria educativa de base científica que permita melhorar o ensino e abordar os problemas apresentados para a escolarização". Um dos acontecimentos marcantes desse período é a criação, em 1910, da primeira revista especializada, o Journal of Educational Psychology.

A tentativa de utilizar os conhecimentos psicológicos na Educação contribuiu para o surgimento de três áreas principais de pesquisa: (1) o estudo das diferenças individuais e a elaboração de testes; (2) a análise dos processos de aprendizagem; e (3) a psicologia da criança. Nesse período, a Psicologia científica produzida na Europa e nos Estados Unidos da América chega ao Brasil – que vivia um momento de muitas transformações sociais. Nessa época, era comum que os filhos da elite se deslocassem para estudar na Europa, o que gerou um ambiente favorável à disseminação dos conhecimentos psicológicos advindos de países europeus. Para Maluf (2003, p. 150), foi "no terreno da Educação que a Psicologia logrou conquistar sua autonomia como área específica de conhecimento no Brasil".

Nesse mesmo período, Manaus e Belém viviam os tempos áureos da borracha, o que criou condições para a criação da Faculdade Livre de Direito do Estado do Pará, em 1902; e da Escola Universitária Livre de Manáos em 1909, no Amazonas, considerada "a primeira universidade fundada e instalada na antiga América portuguesa" (Tuffani, 2009, p. 65). Tuffani afirma que essa instituição abriu grande espaço para as humanidades e lá foram registrados estudos com fundamentação psicológica nos cursos de ciências sociais e políticas. Perdomo (2022) aponta as estreitas relações entre Psicologia e Educação a partir dos registros de atividades da Escola Normal da Província do Amazonas (1880). A partir daí, foram criados diversos cursos superiores nos dois estados – cursos que, mais tarde, deram origem à Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e à Universidade Federal do Pará (UFPA).

Na Escola Universitária Livre de Manáos, o conhecimento psicológico era abordado nas teses defendidas nos cursos de ciências sociais e políticas que se desenvolveram na referida universidade e nas disciplinas da Escola Normal. A Faculdade de Filosofia criada pelo Governo do Estado do Amazonas, que ministrava cursos de Filosofia, Matemática, Ciências Sociais, Letras, Pedagogia e Jornalismo, proporcionou a ampliação dos estudos da Psicologia, por meio das disciplinas curriculares desenvolvidas pelos cursos de graduação (Silva, 2017).

Dessa forma, começa o ensino formal de Psicologia nos cursos superiores. E, em 1940, inicia-se, em São Paulo, a elaboração de um projeto de formação de psicólogos que levaria ao estabelecimento de cursos regulares com essa finalidade e à regulamentação da profissão, em 1962. Nesse percurso, a Psicologia mantém sua proximidade com a Educação e cresce a editoração de livros e periódicos que publicavam artigos na área de Psicologia da Educação. As Escolas Normais continuaram como importantes fontes de ensino da Psicologia nessa época; e os cursos de Pedagogia davam sustentação à criação dos cursos de Psicologia. Nesse intercurso, a Psicologia tornou-se constitutiva do pensamento educacional brasileiro e da prática pedagógica, oferecendo suporte a sua profissionalização tanto que os primeiros psicólogos brasileiros eram pedagogos (Antunes, 2003).

Na primeira metade do século XX, a psicologia educacional se estabelece como disciplina nuclear da teoria educativa. Inicialmente, as mudanças mais marcantes desse período diziam respeito à ampliação das temáticas abordadas nas três principais áreas de pesquisa que surgiram no período anterior (Coll, 1999): (1) o conceito de medida vai sendo substituído pelo de avaliação do desempenho escolar e os testes voltam-se também para a esfera da personalidade; (2) os estudos sobre aprendizagem passam a ser realizados também em situações reais de sala de aula; e (3) emergem importantes contribuições para os estudos acerca do desenvolvimento infantil.

No Amazonas, em 1943, ocorre a criação do Instituto Montessoriano Álvaro Maia e do Laboratório de Psicopedagogia da Conduta Infantil Araújo Filho. Outro marco importante foi, como já citamos, a criação da Faculdade de Filosofia do Amazonas, em 1959. Mais tarde, essa faculdade passou a integrar a Universidade do Amazonas, mantida pelo Governo Federal. Nessa época, os estudos da Psicologia foram ampliados por meio das disciplinas curriculares dos cursos de licenciatura daquela universidade.

A partir de meados do século XX, ocorre ainda uma aproximação da psicologia educacional com a psicologia social e uma expansão das escolas psicológicas do Behaviorismo, da Gestalt e da Psicanálise (Coll et al., 2000). Todos esses acontecimentos resultam na ampliação dos conteúdos e dos temas de interesse da psicologia educacional e em uma descaracterização da especificidade dessa disciplina – todos os temas e problemas relacionados à Educação são incluídos no campo de estudo da psicologia educacional, o que coloca em xeque a aplicabilidade desses conhecimentos. Até essa época, o conhecimento produzido pela Psicologia da Educação não conseguia atender às enormes expectativas de solução dos problemas educativos (Maluf, 1994).

Coll et al. (2000) apontam que, a partir dos anos 1950, surgem questionamentos a respeito da dificuldade de integrar os resultados de estudos sobre temas diversos, e que o aparecimento de diferentes disciplinas cuja proposta era estudar os fenômenos educativos enfatizou as limitações da psicologia educacional. Além disso, em diferentes países, ocorreram a ampliação do tempo de escolarização obrigatória e as reformas educativas; e, com a prosperidade econômica pós-guerra, a Educação passava a ser vista pela sociedade como um importante instrumento de progresso social. Esse contexto implicou no aumento de investimentos em pesquisas educacionais – o que permitiu o surgimento de associações profissionais, centros de pesquisa e departamentos de Psicologia da Educação nas universidades, além de um franco avanço da psicologia cognitiva.

Contudo, vários conflitos marcaram a articulação entre a Psicologia e a Educação a partir desse momento. Antunes, Santos e Barbosa (2021) comentam que as críticas aos resultados fragmentados, às dificuldades de utilização do conhecimento psicológico em situações educacionais reais, ao influxo unidirecional da relação da Psicologia com a Educação, à realização de intervenções centradas na queixa escolar e às interpretações reducionistas perduravam, em diferentes gradações, até os anos 1990. Nesse período, observa-se a emergência da Psicopedagogia Clínica, que, segundo Antunes (2003, p. 166), veio a ocupar

[…] o lugar deixado pela psicologia escolar na escola, quando esta passou a negar a atuação do psicólogo desvinculado das condições intraescolares, quando passou a criticar a psicologia clínica na escola. Poucas mudanças ocorreram na escola desde então, de forma que esta continua produzindo o fracasso escolar, atribuindo-o às "crianças com problemas de aprendizagem"; assim sendo, é desejável a existência de um locus para onde o problema possa ser "retirado" e "resolvido", sem que seus determinantes sejam questionados.

Para Pandolfi (1999), frente a esses problemas, abriu-se um período de reflexão sobre os fundamentos da psicologia educacional, bem como sobre novas exigências para que a Psicologia pudesse contribuir efetivamente com a Educação, principalmente a partir da necessidade de redefinição dos objetos de estudo da Psicologia da Educação: os processos de aprendizagem dos conteúdos escolares e os fatores que intervêm nesses processos (Coll, 1999).

Essa delimitação considera que os fenômenos educativos são complexos e exigem uma perspectiva interdisciplinar pela qual diferentes proposições se articulem. E a compreensão desses fenômenos, justamente, requer a contribuição de outras áreas do conhecimento. Portanto, como uma das áreas que contribuem para a Educação, a Psicologia não pode ter a pretensão de ser a mais importante, mas deve colaborar para a promoção de uma Educação cada vez de melhor qualidade – em um país marcado por desigualdades desde o seu descobrimento até o presente.

Nessa perspectiva, entendemos que a Psicologia da Educação é parte das Ciências da Educação e estuda os processos educativos com uma tríplice finalidade (Coll, 1999): (1) contribuir para a elaboração de teorias que permitam compreender e explicar esses processos; (2) ajudar na elaboração de procedimentos, estratégias e modelos de planejamento e intervenção que permitam orientar processos educativos em determinada direção; e (3) colaborar para o estabelecimento de práticas educativas mais eficazes.

Na concepção de Coll (1996), a psicologia educacional também deve produzir conhecimento específico sobre os processos educativos e utilizar como instrumentos os princípios e as explicações da Psicologia. Essa concepção implica no estabelecimento de relações recíprocas entre Psicologia e Educação, pois tanto a Psicologia pode ajudar a compreender os fenômenos educativos quanto o estudo desses fenômenos pode ajudar a ampliar o conhecimento psicológico (Coll et al., 2000).

Nessa linha de atuação, a psicologia educacional volta sua atenção às características próprias das situações educacionais para poder gerar novos conhecimentos. Pode-se, então, classificar em dois grupos os conteúdos pelos quais a Psicologia da Educação se responsabiliza. Segundo Coll (1999), de um lado, está o estudo das mudanças de comportamento e dos processos psicológicos que as pessoas experimentam participando de atividades educativas; de outro, o estudo da natureza e das características da Educação que se relacionam às mudanças de comportamento e suas consequências para o desenvolvimento e a socialização das pessoas.

Mediante esses desafios, em 1961, são criados no Amazonas o curso de Pedagogia e outras licenciaturas. No ano seguinte, a partir da junção das faculdades federais, foi criada a Fundação Universidade do Amazonas, que passou a se chamar UFAM em 2002. No Pará, ocorreram movimentos semelhantes e o Ensino Superior foi marcado pela criação de faculdades e escolas isoladas até 1957, quando foi criada a Universidade do Pará, cujo nome foi mudado para Universidade Federal do Pará em 1968.

Nos demais estados da Região Norte do Brasil, é bem mais recente a implantação das universidades federais e dos cursos de Pedagogia e Psicologia – o que ocorreu apenas a partir de 1974, com a criação da Universidade Federal do Acre (UFAC). Na década de 1970, a UFPA implantou núcleos no Amapá e em Rondônia, o que colaborou para a criação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), em 1982, e da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), em 1990. Já em 1985, é criada a Universidade Federal de Roraima (UFRR) e, por último, a Universidade Federal do Tocantins (UFT), em 2000.

A Região Norte, quando da escrita deste artigo, ofertava 720 cursos de licenciatura, dos 6.018 cursos presenciais existentes no país, de acordo com os dados do Censo do Ensino Superior de 2021 (Brasil, 2022). E é evidente que tanto a criação das universidades quanto a implantação dos cursos de Pedagogia e de outras licenciaturas possibilitaram ampliar a formação científica em relação à produção de conhecimento nessa região do Brasil.

A pesquisa em Psicologia da Educação ganhou reforço com a criação dos programas de pós-graduação (PPG) em Educação na UFAM, em 1986, e na UFPA, em 1993. Atualmente, todos os estados da Região Norte possuem programas de pós-graduação em Educação – mesmo que ainda existam acentuadas distorções em comparação com outras regiões do país. No início de 2023, havia 16 programas de pós-graduação em Educação, com 15 mestrados e cinco doutorados – entre os quais um Doutorado em Rede, o Educanorte. Apenas quatro programas de pós-graduação possuem mestrado e doutorado: os programas acadêmicos PPGE da UFAM, PPGEd da UFPA e PPGEd da UEPA; e o programa profissional PPGEEProf da UNIR. O Pará possui cinco programas, dois com doutorado e a UFPA é a IES-sede do Educanorte. Amazonas, Rondônia e Tocantins possuem dois programas cada; e os demais estados, somente um.4

Em um cenário de investigação contemporâneo, Barbosa e Souza (2012) discutem conceituações e terminologias utilizadas pela psicologia educacional e escolar ao longo do tempo e como essas mudanças nas nomenclaturas da área refletem questões epistemológicas, ideológicas e políticas. A partir da pesquisa que realizaram, essas autoras sugerem que ao invés de procurar uma definição, nomeação ou denominação definitiva devemos estar abertos às possibilidades que ainda não construímos.

A construção de uma psicologia escolar e educacional comprometida com uma educação democrática é o compromisso que define e determina as perspectivas que estão postas para essa área de conhecimento. Na mesma linha de pensamento, Silva et al. (2019) compreendem que a Psicologia como uma ciência produtora de conhecimento e categoria profissional se encontra em um momento ímpar para repensar sua prática em uma sociedade desigual e excludente. Contudo, complementam, estamos longe de ter resolvido as tensões, na prática cotidiana da pesquisa e da formação do pesquisador, posto que são variados os modelos de interpretação das relações de dominação e conflituosos os componentes da agenda política. Daí a insistência em políticas de reconhecimento pela psicologia educacional dos diversos segmentos sociais em suas especificidades: mulheres, negras(os), indígenas, idosos(as), imigrantes, crianças etc.

As estreitas relações entre Psicologia e Educação estabelecem o desenvolvimento da Psicologia marcado pelas contradições dos processos de escolarização (Santos et al., 2022). Como prática social, a Educação não é neutra. Portanto, as demandas apresentadas por esta à Psicologia vêm permeadas por conteúdos ideológicos que influenciam a construção da Psicologia na Educação e da Psicologia da Educação. Contudo, nesse resgate da história de constituição dos conhecimentos da Psicologia da Educação, ainda não encontramos as culturas dos povos amazônicos e dos povos indígenas, que, segundo Antunes, Santos e Barbosa (2021, p. 22),

[…] são fecundas em elaborações sobre o que se pode considerar como psiquismo, não apenas nas relações interpessoais, como nas narrativas míticas, em especial, nos mitos sobre a criação do mundo, da natureza em geral e do ser humano.

Essa é uma tarefa pendente: intensificar, no âmbito da Psicologia da Educação, o diálogo intercultural com indígenas, povos e comunidades tradicionais.

A revisão sistemática empreendida

A investigação que levamos a cabo, de abordagem qualitativa, está no campo das revisões sistemáticas, as quais, de acordo com Morandi e Camargo (2015), são um tipo de pesquisa crucial para obter informações desejadas em um volume de resultados publicados, algumas vezes, similares; outras, contraditórios. A revisão sistemática, por seguir um método, um planejamento, responsável e justificável, é de extrema relevância para a obtenção de resultados sobre uma determinada temática, haja vista que serve para

[…] mapear, encontrar, avaliar criticamente, consolidar e agregar os resultados de estudos primários relevantes sobre uma questão ou tópico específico, bem como identificar lacunas a serem preenchidas, resultando em um relatório coerente ou em uma síntese (Morandi & Camargo, 2015, p. 142).

A ideia de pesquisar os anais das quatro edições da ANPEd Norte parte justamente da prerrogativa de poder estabelecer um panorama fidedigno das publicações desse evento desde a sua primeira edição, em 2016, até a mais recente, em 2022. Para tal, entre os meses de dezembro de 2022 e fevereiro de 2023, sistematizamos, em uma planilha do software Microsoft Excel©, as seguintes informações de cada um dos trabalhos publicados: ano, título, GT, temáticas centrais, IES e estado da Federação. Nas quatro edições analisadas da ANPEd Norte, os estudos para o GT-20 foram submetidos em conjunto com outros GT: na edição de 2016, dividiu espaço com o GT-02, o 14 e o 17: História da Educação, Filosofia da Educação e Sociologia da Educação, respectivamente. Nas demais edições, passou a dividir espaço com o GT-15 – Educação Especial.

Buscando identificar quais trabalhos seriam específicos do GT-20, procedemos à leitura dos títulos e dos resumos de todos aqueles publicados nos grupos de trabalho em que o GT-20 foi alocado e definimos como critério de inclusão os que indicassem recorrer à Psicologia para investigar as temáticas educacionais. Todos os dados foram sistematizados em planilhas individuais e divididos por edição do evento, no sentido de conseguirmos estabelecer panoramas específicos de cada reunião, a fim de possibilitar a comparação entre as reuniões. Posteriormente, os dados dos quatro eventos foram reunidos para a obtenção do panorama geral das quatro edições da ANPEd Norte: 2016, 2018, 2021 e 2022. A seguir, passamos aos resultados e às discussões mais pertinentes.

A Psicologia da Educação nos anais da ANPEd Norte (2016-2022)

Nos anais das quatro edições da ANPEd Norte, foram publicados 761 trabalhos: 209 na reunião de 2016; 164 na de 2018; 161 em 2021, reunião realizada no formato remoto em decorrência da Pandemia de COVID-19; e 227 na reunião de 2022. Inicialmente, expomos os resultados gerais, das quatro edições, por estados e por IES; depois, focalizamos as discussões relacionadas ao GT-20 – Psicologia da Educação.

Na ANPEd Norte de 2016, houve expressiva quantidade de trabalhos oriundos do estado do Pará: 142, o que representa quase 68% do total. Para termos ideia da diferença para os outros estados da região, o segundo estado com maior número de estudos publicados nessa reunião foi o Tocantins, com 21. Na sequência, Rondônia, com oito; Roraima, com seis; e o Amazonas, o Amapá e o Acre, com três pesquisas cada. Destacamos, nesse ano, o Maranhão, com 14 trabalhos – acreditamos que seja em função da proximidade geográfica com o Pará, que sediou o evento na cidade de Belém. Somam-se, ainda, dez trabalhos de outros estados da Federação.

Em 2018, na II ANPEd Norte, realizada na UFAC, em Rio Branco, foram 168 trabalhos. A dificuldade com locomoção, consequência da falta de recursos dos PPG da região e agravada pelos altos valores das passagens aéreas em uma região de grandes dimensões territoriais, contribui para que os estados-sede submetam e apresentem mais pesquisas nas edições que sediam e organizam. O Acre, que havia publicado apenas três trabalhos na reunião anterior, publicou 43 nessa edição mais de ¼ do total do evento. Todavia, mesmo não sendo o estado-sede dessa edição, o Pará participou com a publicação de 68 estudos, o que representa quase 42% do total. O Amazonas aumentou para sete o número de pesquisas publicadas; o Amapá publicou apenas um trabalho nessa edição; Rondônia aumentou seu número para 18; Roraima diminuiu um, totalizando cinco; e Tocantins caiu para nove, provavelmente pelo fato de ficar mais distante geograficamente de Rio Branco do que de Belém, sede da reunião anterior. Ainda há registros de trabalhos apresentados por pesquisadores de outros estados nessa edição, totalizando 16 – dos quais, nenhum do Maranhão, o que corrobora nossa hipótese sobre a relevância da proximidade geográfica.

Na III ANPEd sediada remotamente pela UFT, em função da Pandemia de COVID-19 foram publicados 161 trabalhos. Mais uma vez, o Pará liderou em quantidade, com 59, quase 37% do total. Tocantins, mesmo sediando remotamente o evento, teve a maior quantidade de pesquisas entre as quatro edições: 48, quase ⅓ do total. O Acre e o Amapá, desta vez, apresentaram apenas três trabalhos; o Amazonas, seguindo uma tendência de aumento, apresentou 22; Rondônia, nove; e Roraima um.

Por ser uma edição em formato remoto, cabe destacar a diversidade de outros estados no evento, justamente pela flexibilidade de poder participar on-line. Além dos sete estados que compõem a Região Norte, pesquisadores de outros onze estados participaram da III ANPEd Norte, com apresentação e publicação de 23 trabalhos. Entre esses estados, o Maranhão, uma vez mais, merece destaque, com oito publicações. Desta vez, no entanto, o fato nada tem a ver com proximidade geográfica, mas, provavelmente, deve-se às parcerias com IES da Região Norte, incluindo o próprio Tocantins, com o qual faz fronteira e apresenta regionalidades e culturalidades próximas.

Em 2022, a ANPEd Norte voltou a ser integralmente presencial. O evento foi sediado pela UNIFAP, em Macapá, capital do Amapá. Não era esperado um número tão expressivo de trabalhos para essa edição, ainda considerando contextos recentes de pós-pandemia. No entanto, foram publicados 227 textos no evento. O estado-sede, mais uma vez, teve sua mais expressiva participação na edição que organizou: 32 estudos – quatro vezes mais do que havia apresentado nas três edições anteriores somadas. O Pará, vizinho geográfico e com 15 pesquisas publicadas em parcerias institucionais, totalizou 104 nessa edição, perto da metade do total do evento. O Amazonas manteve o crescimento: 48 trabalhos publicados nessa edição. O Acre publicou apenas seis; Rondônia, onze; Roraima, seis; e o Tocantins manteve expressiva quantidade de estudos, com 36 publicados nos anais da ANPEd Norte de Macapá. Outros estados, juntos, publicaram o total de seis trabalhos nessa edição – a menor participação.

A Figura 1 traz um gráfico que contempla a publicação total de trabalhos nas quatro primeiras edições da ANPEd Norte entre os sete estados da Região Norte do Brasil:

Figura 1 Publicação total de trabalhos nas quatro primeiras edições da ANPEd Norte por estados 

Cabe salientar que Amazonas, Rondônia e Roraima ainda não haviam sediado o evento até a realização deste estudo. Esse fator, como é possível perceber, influencia sobremaneira a quantidade de trabalhos do anfitrião. Ao mesmo tempo, há que se ressaltar a quantidade de IES com PPG e grupos de pesquisa consolidados por estado. No caso do Pará, o número dessas instituições e, consequentemente, o maior número de PPG e de grupos de pesquisa, contribuem para uma produção científica que se sobressai quantitativamente em relação a todos os outros estados da Região Norte do Brasil.

A presença das IES nas reuniões da ANPEd Norte é o nosso próximo ponto de análise. Algumas dessas IES são mais jovens e outras, mais tradicionais e com mais PPG em Educação e/ou em áreas afins com interlocução na ANPEd – como já informamos anteriormente. A distribuição de recursos também é fator preponderante para a maior participação nas reuniões, visto as dificuldades já mencionadas de logística e de altos valores das passagens aéreas.

A Figura 2 mostra a produção entre as principais IES da Região Norte no evento:

Figura 2 Publicação total de trabalhos nas quatro primeiras edições da ANPEd Norte por IES 

As universidades do Pará lideram a publicação de trabalhos nas reuniões da ANPEd Norte. Somadas, Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) totalizam 483 publicações, o que representa quase a metade do total (48,44%) de todas as quatro edições.

Adentrando nossa discussão central, a respeito da Psicologia da Educação na ANPEd Norte, cabe destacar que, na primeira edição em que o GT-20 dividiu espaço com Sociologia da Educação (GT-14), História da Educação (GT-02) e Filosofia da Educação (GT-17) foram publicados 46 trabalhos, o que representa 22% do total do evento. Nos três eventos seguintes, junto com o GT-15, foram onze pesquisas em 2018 (6,70%), nove em 2021 (5,59%) e 14 em 2022 (6,16%).

Entretanto, esses números não representam efetivamente a presença do GT-20 nas reuniões da ANPEd Norte, uma vez que essa área sempre esteve dividindo "espaço" com outros GT. Por isso, foi necessária a análise de quais textos, em cada edição, trataram efetivamente de discussões sobre Psicologia da Educação – o que nos levou à constatação de que há uma baixíssima participação da área nas distintas reuniões.

Dos 46 trabalhos apresentados em 2016, reunidos entre os grupos de trabalho 02, 14, 17 e 20, apenas cinco podem ser classificados como relacionados à área de Psicologia da Educação, pois recorrem a teorias ou autores do campo da Psicologia para sustentar as pesquisas apresentadas. Entre as temáticas abordadas, estão: representações sociais, com três estudos (Duarte, Rodrigues & Carneiro, 2016; Rodrigues, 2016; Sousa, 2016); afeto, cognição e aprendizagem, com uma pesquisa (Martins, 2016); e problemas de comportamento e habilidades sociais, também com um trabalho (Maldonado & Santos, 2016).

Em 2018, dos onze trabalhos reunidos nos GT-15 e 20 Educação Especial e Psicologia da Educação, respectivamente, apenas um foi identificado como pertencente ao GT-20: o trabalho de Gonçalves e Conceição (2018), que cita os estudos de Piaget e Vigotski, mas analisa as representações sociais de usuários das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), utilizando as contribuições de Moscovici.

Na ANPEd Norte de 2021, a situação se repete: dos nove trabalhos publicados nos anais dos GT-15 e 20, apenas dois fazem referência à Psicologia da Educação – mesmo assim, em interface com a Educação Especial. O primeiro deles, ao abordar as contribuições da defectologia para a Educação Especial (Teixeira & Castro, 2021); e o segundo, os sentidos e significados das aulas de matemática com Pessoas com Necessidades Especiais (Lima & Rolim, 2021). Ambos recorrem às contribuições da Psicologia Histórico-Cultural como fundamentação teórica de análise.

Do total de 14 textos aprovados nos GT-15 e 20, em 2022, apenas um, o de Silveira e Lobato (2022), pode ser classificado como vinculado ao GT-20. E, mesmo assim, também em interface com a Educação Especial, uma vez que trata das representações sociais acerca da disciplina de Libras no curso de Pedagogia. De acordo com Gomes e Pereira (2022, p. 9):

[r]esultante do encontro de duas grandes áreas do conhecimento, a saber, a Educação e a Pedagogia, que visam [a] pensar continuamente a formação das pessoas e suas constituições subjetivas, a Psicologia Educacional tornou-se um campo específico de práticas, saberes e teorizações acerca do que se passa na ordem educativa.

Entretanto, o que vimos nos anais das reuniões analisadas é um apagamento da área, inicialmente, pela sua aglutinação com outros GT e, posteriormente, pela exiguidade de pesquisas voltadas às temáticas específicas da Psicologia da Educação, talvez, inclusive, em decorrência dessa junção. Todavia, segundo Gomes e Pereira (2022, p. 9-10),

[…] [a] relação entre processos de ensino, desenvolvimento, aprendizagem; formação moral, social, política e intelectual; bem como a constituição psíquica, linguística, socioafetiva das pessoas são objetos de estudo fundamentais da Psicologia Educacional.

Se considerarmos que as reuniões regionais da ANPEd se constituem como espaços de discussão qualificada das produções pós-graduadas concluídas ou em andamento nas distintas instituições da região, a ausência de um espaço específico para trocas entre os pesquisadores da Psicologia da Educação traz prejuízos à constituição da identidade da área. Nesse sentido, é fundamental refletir sobre as razões pelas quais a Psicologia da Educação comparece de forma tão tímida em um evento tão importante quanto as reuniões regionais da ANPEd.

Conforme destacamos na introdução deste texto, a definição do campo de atuação da Psicologia da Educação tem sido considerada pelos autores da área como uma dificuldade histórica. Entretanto, consideramos que o fato de o GT não possuir um espaço próprio nas reuniões regionais pode ter contribuído para a invisibilidade da Psicologia da Educação nesses eventos. Os dados de nosso levantamento também constatam, conforme apontado por Antunes, Santos e Barbosa (2021), a ausência das culturas dos povos amazônicos e dos povos indígenas nos estudos apresentados no GT-20, o que é extremamente significativo quando nos reportamos à Região Norte, contexto em que vive quase 40% da população indígena do país.

Considerações

O objetivo deste artigo foi comunicar e problematizar os resultados de uma revisão sistemática das produções publicadas nos anais das reuniões regionais da ANPEd Norte, em suas quatro edições, e procurar identificar o número de trabalhos publicados por estado, por IES, por GT e a presença da Psicologia da Educação nos referidos eventos.

O levantamento nos levou à construção de um banco de dados referente a todos os estudos publicados nas reuniões regionais, cuja análise permitiu algumas conclusões importantes. A primeira delas é a existência de expressivas disparidades regionais entre as produções acadêmicas de diferentes estados e suas instituições ao longo das edições do evento. O Pará apresenta uma clara hegemonia nas produções publicadas nos anais, o que pode ser explicado tanto pela consolidação histórica de suas instituições quanto pelo número de IES, PPG e grupos de pesquisa existentes naquele estado. Nesse caso, a UFPA se destaca como a IES com o maior número de trabalhos entre todas da Região Norte.

Os estados que sediam o evento aumentam expressivamente o número de pesquisas publicadas a cada edição. E, nesse particular, ganham destaque Pará, Acre, Tocantins e Amapá – que já sediaram as reuniões. O fato de não precisar se deslocar é um diferencial significativo, uma vez que, na Região Norte, há dificuldades de locomoção em função das longas distâncias, que dificultam e oneram o transporte. Essa também é uma das razões para um baixo número de trabalhos de outras regiões do Brasil no evento.

Quanto à presença da Psicologia da Educação na ANPEd Norte, a análise evidenciou que, em nenhuma das reuniões regionais, o GT-20 teve protagonismo. Além de compartilhar espaço com outros GT, um número reduzido de estudos se sustenta nos referenciais da área para contribuir com o campo educacional. Também podemos destacar a recorrência de trabalhos sobre representações sociais (possivelmente, em razão do protagonismo de algum grupo de pesquisa dedicado à temática) e a ausência de temas relevantes assumidos pela Psicologia da Educação em sua história recente, tais como aprendizagem; desenvolvimento humano em articulação com os processos formativos; funcionamento das instituições escolares onde ocorrem esses processos; dispositivos, métodos e estratégias educativas; e dificuldades oriundas do encontro de diferentes grupos e culturas nos espaços escolares.

A partir da análise empreendida, e de nossa inserção nesses eventos, levantamos a hipótese de que a Psicologia da Educação esteja presente em trabalhos publicados em outros GT e remonte à sua característica particular de interlocução com outras áreas do conhecimento (Coll, 1996, 1999; Coll et al., 2000). Este foi um dos limites deste trabalho e é um desafio para investigações futuras: analisar a interface da Psicologia da Educação com as pesquisas publicadas em outros GT da ANPEd Norte.

Concluímos pela necessidade urgente de o GT-20 apresentar-se individualmente nas próximas reuniões regionais, além de ser promovida maior articulação entre os profissionais que atuam no campo da Psicologia da Educação, nas diferentes instituições da região, de forma a constituir uma rede de pesquisadores e contribuir para o avanço nas produções e a consolidação da área na Região Norte.

3Outras nomenclaturas são adotadas, como Psicologia da Aprendizagem, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologias da Educação 1 e 2 etc.

4Dados extraídos da Plataforma Sucupira ao final de 2022 e compartilhados pela Coordenação do Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educação da Região Norte (FORPRED Norte) para a presente pesquisa.

Os textos deste artigo foram revisados pela Texto Certo e submetidos para validação das autoras antes da publicação.

Referências

Antunes, M. A. M. (2003). Psicologia e Educação no Brasil: um olhar histórico-crítico. In M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.), Psicologia Escolar: Teorias Críticas (pp. 139-168). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]

Antunes, M. A. M., Santos, R. C., & Barbosa, D. R. (2021). Psicologia e educação: sobre as raízes da Lei n° 13.935/2019 e os desafios da psicologia escolar. In M. G. A. Facci, A. A. Anache, & R. F. L. Caldas, Por que a psicologia na educação? Em defesa da emancipação humana no processo de escolarização (pp. 17-32). Curitiba: CRV. [ Links ]

Barbosa, R. D., & Souza, M. P. R. (2012). Psicologia Educacional ou Escolar? Eis a questão. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 163-173. [ Links ]

Brasil. (2022). Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Diretoria de Estatísticas Educacionais. Microdados do Censo da Educação Superior 2021. https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-superior-graduacaoLinks ]

Coll, C. (1996). Concepções e tendências atuais em psicologia da Educação. In C. Coll, A. Marquesi, & J. Palacios (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia da educação (Vol. II, pp. 19-42). Artes Médicas. [ Links ]

Coll, C. (Org.). (1999). Psicologia da Educação. Artes Médicas. [ Links ]

Coll, C., Alemany, I. G., Martí, E., Majós, T. M., Mestres, M. M., Goñi, J. O., Gallart, I. S., & Giménez, E. V. (2000). Psicologia do Ensino. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]

Cruces, A. V. V., & Maluf, M. R. (2007). Psicólogos recém-formados: oportunidades de trabalho e atuação na área educacional. In H. R. Campos (Org.), Formação em Psicologia Escolar: realidades e perspectivas (pp. 143-186). Campinas: Alínea. [ Links ]

Duarte, F. E. B., Rodrigues, S. E. C., & Carneiro, M. S. (2016). Motivação para a permanência na docência: representações sociais de professores do ensino fundamental. In ANPEd Norte, Pará. [ Links ]

Glover, J. A., & Ronning, R. R. (1987). Historical foundations of educational psychology. Belo Horizonte: Plenum Press. [ Links ]

Gomes, M. de F., & Pereira, M. R. (2022). Psicologia Educacional: sujeitos contemporâneos. São Paulo: Contexto. [ Links ]

Gonçalves, M. S. P., & Conceição, V. A. S. (2018). Tecnologias digitais da informação e comunicação: um estudo sobre o processo de construção das representações sociais em rede digital. In ANPEd Norte, Acre. [ Links ]

Lima, S. M. A. N., & Rolim, C. L. A. (2021). Sentidos e significados: uma investigação com docentes de Matemática na sala de aula de ensino regular no contexto das Necessidades educacionais especiais. In ANPEd Norte, Tocantins. [ Links ]

Maldonado, D. P. A., & Santos, J. S. (2016). Construindo uma educação positiva na pré-escola: programa de intervenção com professoras para prevenção de problemas de comportamento. In ANPEd Norte, Pará. [ Links ]

Maluf, M. R. (1994). Formação e atuação do psicólogo na educação: dinâmica da transformação. In R. Achar (Org.), Psicólogo Brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação (pp. 157-200). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]

Maluf, M. R. (2003). Psicologia Escolar: reafirmando uma nova formação e atuação profissional. In O. H. Yamamoto & V. V. Gouveia (Orgs.), Construindo a psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica (pp. 121-138). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]

Martins, E. S. (2016). Afeto e cognição: as tessituras da inter-relação potencializadas em situações de aprendizagens no campo educacional. In ANPEd Norte, Pará. [ Links ]

Morandi, M. I. W. M., & Camargo, L. F. R. (2015). Revisão sistemática da literatura. In A. Dresch, D. P. Lacerda, & J. A. V. Antunes, Jr., Design sciencie research: método e pesquisa para avanço da ciência e da tecnologia (pp. 141-172). Porto Alegre: Bookman. [ Links ]

Pandolfi, C. C. (Org). (1999). A inserção do psicólogo escolar na rede municipal de ensino de Londrina-PR. Psicologia, ciência e profissão, 19(2), 30-41. [ Links ]

Perdomo, S. B. (2022). Pelas memórias de um pioneiro: a trajetória de Waldir dos Santos Costa na história da Psicologia no Amazonas [Tese de Doutorado em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. [ Links ]

Rodrigues, S. E. C. (2016). Representações sociais de professores sobre a permanência na docência. In ANPEd Norte, Pará. [ Links ]

Santos, S. D. M. dos, Lima, A. I. S., Cavalcanti, L. M. T., Kunzler, A. P., & Paranahyba, J. C. B. (2022). As (im)possibilidades de diferentes metodologias no Ensino Remoto Emergencial. Da Investigação às Práticas, 12(1), 230-252. [ Links ]

Silva, I. R. (2017). Psicologia Escolar: possibilidades de atuação profissional. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas. [ Links ]

Silva, M. A. B., Acevedo, C., Picanço, A. C., & Salgado, V. L. (2019). Pesquisas contemporâneas em Psicologia Educacional. Ciências Psicológicas, 13(1), 82-94. [ Links ]

Silveira, A. P., & Lobato, H. K. G. (2022). As representações sociais acerca da disciplina libras: o contexto dos discentes do curso de Pedagogia. In ANPEd Norte, Amapá. [ Links ]

Sousa, N. M. F. R. de. (2016). Representações sociais sobre influência na escolha profissional docente. In ANPEd Norte, Pará. [ Links ]

Teixeira, K. B. S., & Castro, R. F. de. (2021). Contribuições da defectologia de L. S. Vygotsky para a educação especial. In ANPEd Norte, Tocantins. [ Links ]

Tuffani, E. (2009). Centenário da universidade brasileira: para a história da universidade de Manaus (1909/1910-1926). Soletras, 9(17), 64-80. [ Links ]

Recebido: 23 de Maio de 2023; Aceito: 15 de Agosto de 2023; Publicado: 24 de Novembro de 2023

Endereço para correspondência: RAFAEL FONSECA CASTRO/MARLI LÚCIA TONATTO ZIBETTI Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Av. Presidente Dutra, 2965 Centro, 76801-059 Porto Velho, RO, Brasil castro@unir.br

marlizibetti@unir.br

ioleteribeiro@ufam.edu.br

Creative Commons License This is an article published in open access under a Creative Commons license