Introdução
Com o retorno da obrigatoriedade da disciplina sociologia ao currículo escolar, Lei 11.684, de 02 de junho de 2008, e como consequência de pesquisas que realizo nos últimos anos sobre o processo de socialização e a relação entre cérebro e comportamento nos adolescentes/jovens, procurei, em primeiro lugar, conhecer a situação desse ensino no país para, em seguida, analisar o preparo dos professores licenciados em Ciências Sociais pelo programa do Ministério da Educação denominado Plataforma Freire (PARFOR)1, executado pela Universidade Federal do Piauí, especificamente na abordagem do tema socialização.
Para a biologia evolutiva, que ao se dedicar especificamente ao estudo do cérebro e do comportamento humano se transforma em neurociência cognitiva e comportamental, a socialização primária (que para a sociologia é a fase de introjeção das instituições sociais pelo indivíduo no âmbito da família) corresponde à fase de “exuberância sináptica”, na qual milhões de conexões neuronais são estimuladas pelas experiências infantis no processo de aprendizagem do mundo; por outro lado, a socialização secundária (para a sociologia as experiências sociais que preparam o mundo adulto pelo resto da existência do indivíduo) corresponde ao “fim da exuberância sináptica”, ou seja, milhões de conexões neuronais da infância são submetidas a um processo de refinamento em direção ao amadurecimento progressivo do indivíduo, devendo permanecer e melhorar as conexões satisfatórias e funcionais para uma vida saudável, enquanto as conexões abundantes e agora desnecessárias serão eliminadas.
O processo de socialização secundária do adolescente/jovem é dos mais difíceis para a vida de um humano, as radicais e velozes mudanças físicas, a brusca e aparentemente inexplicável ruptura com a infância, o mal-estar com a presença dos pais nos espaços de convivência extrafamiliar, os estímulos para aventurar-se cada vez mais distante do lar, isto requer um tipo de conhecimento que reúna a compreensão do que acontece com os corpos - sob o comando da reestruturação de um cérebro que estava adaptado para a infância e que por volta dos 9 a 11 anos começou a ser reprocessado para a vida adulta - com a descrição do ambiente das instituições sociais.
Alunos, nas salas de aula dos cursos de graduação ou pós-graduação por onde trabalhei, relatam experiências desagradáveis com aprendizado de sociologia que tiveram no Ensino Médio. É comum falarem do desinteresse dos conteúdos e da falta de relação com a vida cotidiana. Diante de tais revelações, reajo com um misto de vergonha e indignação. Vergonha porque para um profissional de ciências sociais é constrangedor ouvir alunos questionarem “para que servem sociologia e antropologia?”. Indignação por saber que essas reações contrárias às ciências sociais poderiam ser outras, reduzidas ou talvez mesmo positivas se os conteúdos fossem trabalhados como verdadeiros objetos científicos, voltados efetivamente para o que acontece com esses jovens, e não ao sabor do viés político ou engajamento partidário dos professores, ou simplesmente devido ao despreparo acadêmico.
Desenvolvimento
A história do ensino de ciências sociais, ou especificamente sociologia, no ensino médio no Brasil é caracterizada por descontinuidades, que comprometeram a consolidação de um conjunto de conhecimentos mínimos que, sustentado por consensos científicos na área, pudessem ser transmitidos para os alunos com relativa segurança, podendo servir de referência para a compreensão e continuidade de suas vidas.
Além da dificuldade determinada pela descontinuidade histórica, supõe-se que o prejuízo resultante da impossibilidade de se estabelecer consensos científicos mínimos sobre “quais” conteúdos ensinar e “como” ensiná-los, no nível médio, reflete, também, a falta de “consensos elementares” entre as várias teorias que, partindo das clássicas, multiplicaram-se pelo que hoje se chama, à Bourdieu (1983), o “campo” das ciências sociais, cuja materialização ocorre no mundo acadêmico.
A certa, e a meu ver, inescapável consequência é que tanto a descontinuidade quanto à indeterminação acarretam a perda de prestígio científico das ciências sociais (REIS, 1999; LEIS, 2000). Isto se reflete nas salas de aula do Ensino Médio, na expectativa negativa dos alunos de cursos de graduação que têm disciplinas de sociologia ou antropologia na grade curricular, no enfado, na falta de interesse e seriedade com os quais os alunos enfrentam as aulas.
A sociologia teve a sua história marcada por idas e vindas dentro do currículo das escolas secundárias. Tal fato é apontado como a causa das incertezas vivenciadas pelos professores desta disciplina no que diz respeito à ausência de referenciais curriculares, pois mesmo com as sugestões encontradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002) - PCN’s - e nas Orientações Curriculares Nacionais (2006) - OCN’s - não há uma unanimidade sobre o que deve ser ensinado, também quanto aos objetivos da disciplina no ensino médio somada a uma bibliografia ainda escassa e a falta de uma tradição pedagógica (MASCARENHAS, 2012, p. 4).
Provavelmente isso acontece devido ao afastamento entre ciências sociais e educação, pois, para Moraes (2003) a educação como campo de atuação há muito vem passando por um processo de desvalorização não só entre os cientistas sociais como também por parte de outras disciplinas que compõem o ensino básico, que engloba a educação infantil, o fundamental e o médio.
Então, não é difícil estabelecer relações entre as dificuldades em saber o que ensinar e como, que remetem a falta de articulação entre os conhecimentos específicos das ciências sociais e os conhecimentos da educação, com o papel das licenciaturas em ciências sociais e sociologia. Por isso, parece ter lógica associar a resistência dos alunos com relação à sociologia, à ausência de referenciais de conteúdos, metodologias de ensino, bibliografia adequada e à desvalorização das licenciaturas que não dão conta de articular os conhecimentos específicos e os pedagógicos necessários para uma eficaz formação docente. Formação que permita ao docente um domínio sobre os seus conhecimentos e sobre o seu trabalho (MASCARENHAS, 2012, p. 5).
Ao explicar o problema, a autora apontou que a formação adequada para a docência parece ser fundamental para o exercício da prática docente - o que em si é óbvio - mas, no caso particular da sociologia, talvez a conscientização a esse respeito ajudasse como reforço para a aceitação e compreensão da disciplina nos currículos escolares, pois muitas vezes os próprios professores não sabem de fato justificar as contribuições dessa ciência para o ensino de nível médio. Comentando pesquisa por ela realizada junto a “comunidades de professores de sociologia do ensino médio” nas redes sociais, afirmou:
Percebe-se que ao defender o ensino de sociologia jargões são repetidos, discursos são reproduzidos sem a problematização necessária. Encontrei depoimentos de membros nas comunidades de professores nos quais li afirmações de que “brasileiro detesta estudar”, de que é difícil “ensinar em um país que não gosta de ler”, sem contextualizar tal afirmação. Depoimentos os quais atribuíam à sociologia a função de “desenvolver a opinião crítica”, “criar nos jovens um espírito crítico” e assim por diante.
Nos textos dos professores nota-se uma grande preocupação com o que e como ensinar. No entanto, esta preocupação não parece ser associada pelos professores a questões que envolvam a formação. Poucas vezes percebi, através dos textos das comunidades, a relação entre os problemas vivenciados por eles e as carências na formação. Encontrei sim, um posicionamento que valorizava os conhecimentos específicos e, junto a isso, a profissão de sociólogo. Admito ter ficado surpresa ao ler o depoimento […] no qual a discussão inicial girava em torno das dificuldades em lecionar a disciplina devido à falta de interesse dos alunos. Nesse fórum, um professor ao responder as críticas refere-se a ele e aos colegas como “cientistas sociais” e não professores […] (MASCARENHAS, 2012, p. 6-7).
Segundo a autora - aprofundando a explicação inicial para a desconexão entre ensino de sociologia no Ensino Médio e carência de formação pedagógica na licenciatura - parece que alguns membros das “comunidades virtuais” de professores de sociologia, analisadas por ela, antes de serem professores se entendem como sociólogos, embora o trabalho na sala de aula não tenha necessariamente relação com o exercício dessa profissão e sim com a docência. Então ela questiona: “O que faz com que isso aconteça?”; “Por que sociólogo e não professor?”
As respostas de Mascarenhas às suas inquietações trilharam o caminho teórico de Bourdieu (2004), sobre as relações de força no “campo” das ciências sociais entre bacharelado e licenciatura:
Para tentar responder a estas perguntas […] passo a abordar a questão da relação entre poder e saber entre campos, para entender a relação existente dentro da academia, materializada através da valorização dos cursos de bacharelado frente às licenciaturas, buscando assim, relacionar com a trajetória da sociologia no nível médio e aos problemas enfrentados pela disciplina que surgem por entre as falas de alunos e professores (MASCARENHAS, 2012, p. 8).
De acordo com Bourdieu (2004), cada campo possui propriedades e interesses específicos que o caracterizam e são percebidos e reconhecidos por quem dele faz parte. Para que um determinado campo funcione é necessário que os indivíduos se identifiquem com seus interesses, sendo que estes fazem parte do seu habitus, isto é, tendências construídas socialmente, que constituem e estruturam o “ser social” enquanto componente de um grupo.
Sobre a pesquisa que realizou nas redes sociais com “comunidades de professores de sociologia do ensino médio”, Mascarenhas observou que as dificuldades na formação docente podem resultar, portanto, em aulas confusas, sem objetivos, não permitindo que os alunos possam realizar conexões entre conteúdos, conceitos e teorias, fazendo com que eles questionem as razões para estudar sociologia.
A autora mencionou, ainda, o sociólogo norte-americano Charles Wright-Mills (2009), para destacar outra possível explicação - além da carência na formação docente dos professores - para o desestímulo dos alunos de sociologia no médio: a dificuldade de entender os conteúdos por conta do vocabulário ou “linguagem peculiar” que esta ciência faz uso e que muitas vezes o professor, oriundo de uma licenciatura que está à sombra do bacharelado, leva para a sala de aula. A atualidade da advertência de Mills, feita em 1959, para jovens alunos de ciências sociais, é surpreendente:
Sei que você concordará que deveria apresentar seu trabalho numa linguagem tão simples e clara quanto seu assunto e seu pensamento sobre ele o permitam. Mas como talvez tenha notado, uma prosa empolada e polissilábica parece prevalecer nas ciências sociais. Suponho que os que a usam acreditam que estão imitando a “ciência física” e não percebem que grande parte dessa prosa não é totalmente necessária. De fato, foi dito, e com razão que há uma “grave crise na capacidade de ler e escrever” - uma crise com que os cientistas sociais estão muito envolvidos (MILLS, 2009, p. 48).
Mascarenhas finalizou o artigo sugerindo que a licenciatura em ciências sociais precisa desenvolver no currículo os conhecimentos específicos das ciências sociais, bem como os conhecimentos específicos da área de educação, de modo que a formação para a docência em ciências sociais possa proporcionar meios de integrar conhecimentos sociológicos com conhecimentos pedagógicos, permitindo o diálogo entre as áreas. Para ela:
Talvez, somente assim a dicotomia entre bacharelado e licenciatura seja superada. E mais que isso, que se supere essa “formação” que não forma nem para uma coisa, nem para outra, que fica à margem. Nem se forma um professor para ser sociólogo, pois não é esse o objetivo e também não se forma o professor para “SER” professor (MASCARENHAS, 2012, p. 13).
As preocupações de Mascarenhas são absolutamente válidas, de fato há falta de consensos mínimos sobre quais conteúdos ministrar para os alunos do ensino médio e como transmiti-los, causando indefinições e relativizações que criam dificuldades para o trabalho docente, muitas vezes resolvida pela adoção de um programa de disciplina “temático”. Também é verdade que a desconexão entre os conhecimentos específicos do bacharelado com a formação pedagógica da licenciatura termina por formar um profissional docente com graves deficiências, cujos efeitos serão sentidos na sala de aula. Por fim, concordo ainda que a luta por prestigio no “campo” das ciências sociais, com desfecho favorável ao “campo” acadêmico, em detrimento do escolar, impacta nos problemas enfrentados pela sociologia no médio, ao tornar irrelevantes discussões sobre o ensino de sociologia neste nível de ensino. Porém, não compartilho a mesma esperança de Mascarenhas de que o incremento da formação pedagógica dos licenciados em ciências sociais integrado aos conhecimentos específicos da área seja suficiente para superar a dicotomia entre bacharelado e licenciatura.
Para mim, o problema mais grave se encontra na enorme dificuldade que as ciências sociais encontram para estabelecer “consensos mínimos” em relação a algum tema, justificando-se tal indeterminação pelas diversas possibilidades interpretativas dos fatos. Consensos “estabelecidos” seriam o resultado de correlações de forças intelectuais com ramificações na economia e na política que, provisoriamente, criariam “regimes de verdade” em determinados contextos socioculturais. Como consequência, não existiria a possibilidade de se alcançar “verdades” estruturais ou permanentes e, portanto, tudo se tornaria passível de “relativizações” culturais e históricas ad infinitum.
Bourdieu (2004) tem razão, assim, em identificar relações de força energizando os diversos “campos” que permeiam uma sociedade, como o político, o econômico, o artístico, o acadêmico, etc. No entanto, quanto a este último, as “forças” que agem nele se tornam problemáticas se o resultado de sua ação implicar no sacrifício dos objetivos científicos que ele deve objetivamente perseguir.
O diagnóstico que Ileize Silva (2007) fez sobre os problemas enfrentados pelas licenciaturas de ciências sociais antecipou o quadro traçado por Mascarenhas em 2012, quatro anos após a promulgação da Lei, em 2008 e, de acordo com o disposto desta, tempo superior ao previsto para a implantação do ensino de sociologia em todas as séries do médio:
Embora este artigo não trate especificamente de formação de professores, gostaria de lembrar que um dos problemas do ensino de sociologia nas escolas é o não compromisso dos cursos de Ciências Sociais com a formação de professores para o ensino médio. Não é novidade que a licenciatura é negligenciada nos cursos, desvalorizada e deixada de lado.
Existem outros posicionamentos, mas destaco esses para ilustrar que não será fácil definir orientações para a formação de professores de sociologia diante de tantas formas de conceber a relação das ciências sociais com a educação básica. Há uma clara tentação de, para preservar o campo das ciências sociais, nos distanciarmos dessa tarefa dupla: intervir na elaboração das políticas educacionais, pensar a sociologia como disciplina escolar e na formação dos professores para o ensino médio (SILVA, 2007, p. 421-422).
Para a autora, pensar o ensino de sociologia no ensino médio passa pela compreensão do tipo de educação que se deseja, e isso não é fácil de ser definido porque depende do embate, do conflito entre inúmeros projetos de sociedade em disputa entre os cientistas sociais, entre os grupos que têm acesso aos aparatos do estado, que definem as políticas, entre os professores das redes pública e privada.
Assim, o papel da sociologia na formação dos adolescentes e dos jovens dependerá do tipo de escola, de ensino médio e de currículo que iremos definir ao longo da história.
Entretanto, alguns critérios podem ser acordados em termos de pressupostos e metodologias de ensino que orientem a seleção de conteúdos e dos recursos e técnicas a serem desenvolvidos nas escolas: por exemplo, o acúmulo de conhecimento das ciências sociais sobre a juventude, a escola, o trabalho, entre outros, tanto servem para definir conteúdos como para orientar as didáticas de ensino. O quê e como ensinar os jovens e adolescentes, é a pergunta central (SILVA, 2007, p. 422).
Com efeito, o diagnóstico e as conclusões as quais Silva chegou reforçam a suposição de que o mais grave problema enfrentado pelo ensino de sociologia no médio encontra-se na dificuldade de se obter “consensos mínimos” entre as teorias da área em torno de temas fundamentais, desafio que se manifesta primeiramente no espaço no qual se processa a “contextualização” dos conhecimentos produzidos pelas ciências sociais - sociologia, antropologia e ciência política -, isto é, nas universidades, centros universitários ou faculdades.
Da mesma maneira, Mascarenhas apontou a luta no “campo” das ciências sociais como a origem da desconexão entre bacharelado e licenciatura. Acontece que esse descompasso já é uma resultante dos desentendimentos prévios em torno da definição do “quê” e do “como” ensinar nos currículos das graduações e pós-graduações - descompasso que acaba por afetar as salas de aula do médio com a indeterminação de conteúdos -, cujos desdobramentos decisórios terminam por reproduzir correlação de forças corporativas internas ou político-ideológicas dos profissionais que compõem o “campo” das ciências sociais, que se materializa em cada departamento ou coordenação de curso. O referencial teórico de Pierre Bourdieu, utilizado pelas autoras citadas, descreve as tensões inerentes aos espaços sociais (“campos”) onde convivem interesses humanos distintos, no caso o campo acadêmico. Porém, pergunto: a que custo?
É surpreendente como cientistas sociais acreditam e professam - aparentemente sem maiores preocupações ou reflexões cuidadosas - que a definição do ensino de sociologia no médio e de resto a definição da educação em geral “depende do embate, do conflito entre inúmeros projetos de sociedade em disputa entre os cientistas sociais”. É desconcertante a facilidade com a qual esgrimem esta certeza:
A sociologia do currículo, especialmente nas obras de Apple (1982) e Bernstein (1996), demonstra que os currículos são resultados de lutas entre as classes sociais, entre as visões de mundo, os valores sociais e as concepções de conhecimento e de educação. Bernstein realizou estudos a partir da educação inglesa e verificou que os currículos reproduziam códigos e habitus definidos em contextos de dominação da produção do conhecimento, como centros de pesquisa e universidades, normalmente recontextualizados nas burocracias da educação, nos aparatos do estado e, mais uma vez, recontextualizados nas escolas. Na verdade, esse autor demonstra que a elaboração de currículos é um processo extremamente complexo, que envolve várias camadas sociais, várias instâncias de poder político e científico. Quando penso em currículo, estou pensando nesses termos, ou seja, como um discurso pedagógico produzido e reproduzido na sociedade de classes sociais (SILVA, 2007, p. 408-409).
Por isso a interrogação acima: a que custo essa correlação de forças corporativas ou político-ideológicas pode definir o modelo educacional de uma sociedade que se estrutura em um currículo, segundo a interpretação de Bourdieu e de Bernstein? A meu ver, ao custo da ciência! Ao custo do sacrifício de uma das regras fundamentais do método científico que - consciente dos problemas relativos à pesquisa, principalmente nas ciências sociais, devido à interferência da subjetividade - Émile Durkheim colocou no centro da atividade sociológica: a objetividade.
Parece que há pouca ou nenhuma preocupação quanto a isso, que a objetividade possa ser parâmetro válido na tentativa de estabelecer “consensos mínimos” entre as teorias, pois essa pretensão rapidamente é considerada ingênua e, suprema das acusações, tachada de “positivista”! No entanto, a questão permanece: é possível subordinar o exercício da ciência ao resultado de conflitos entre concepções de sociedade sem eliminá-la na essência, ou seja, a pesquisa permanente por “verdades”, mesmo que submetidas às verificações constantes? Existe uma ciência socialista, social-democrata, liberal capitalista, capitalista de estado (China) ou teocrática republicana (Irã)?
No caso particular do Brasil: a sucessão de currículos - ao se adotar a perspectiva dos autores mencionados - que reproduziram as concepções de sociedade e lutas políticas em contextos históricos diferentes, refletindo no campo acadêmico e escolar, obteve como consequências o quê? A resposta é peremptória: a continuidade do atraso econômico2, social, político e científico - com raros e curtos momentos de melhoria. Atrasos todos vinculados, mais ou menos diretamente, aos pífios progressos educacionais da população. Seria o caso de concluir - segundo o ponto de vista desses autores - que os “vencedores” dos tais embates, entre teorias de sociedade, sempre foram os de pior concepção para todos os brasileiros - inclusive para eles próprios, o que é contraditório e autodestrutivo -, identificados com os interesses mais retrógrados e anticientíficos. E talvez um dia, no qual o lado “certo” vença a disputa - provavelmente o lado dos autores! -, tudo entre nos eixos e o país deslanche!
Parece que Silva percebeu o mar de indeterminação e relativismo a que esse tipo de referencial teórico conduz e de maneira lúcida afirmou, mesmo que brevemente e sem dar muito destaque no seu artigo, que “alguns critérios podem ser acordados em termos de pressupostos e metodologias de ensino que orientem a seleção de conteúdos e dos recursos e técnicas a serem desenvolvidos nas escolas: por exemplo, o acúmulo de conhecimento das ciências sociais sobre a juventude.” Ou seja, ainda que timidamente, a autora demonstrou ter atentado para a necessidade de “acordos”, portanto, “consensos”, em torno de alguma coisa para que se possa exercer as ciências sociais como ciência e, assim, proceder ao seu ensino.
Todavia, um autor, que não foi citado nos artigos de Ileize (2007) e Mascarenhas (2012), havia se preocupado com o problema da cientificidade e objetividade, ainda quando nos primeiros passos da sociologia acadêmica no país: Donald Pierson.
De acordo com Maio e Lopes (2015), dentre os sociólogos estrangeiros que participaram do processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil, nas décadas de 30 e 40, do século XX, destacou-se o norte-americano Donald Pierson, cuja ação foi fundamental para a construção do espaço acadêmico e da identidade profissional para os cientistas sociais no país, atuando como professor da Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo:
Formado na tradição de pesquisas que emergiu na Universidade de Chicago nos anos 1920 e 1930 em torno de Robert Park e Ernest Burguess, Pierson buscava distinguir a sociologia de outros saberes e práticas relativas à vida social, enfatizando o status científico da disciplina e seu parentesco com as ciências naturais. “For the establishment of the social disciplines as sciences” [“Para a consolidação das ciências sociais como ciência”] foi o lema utilizado pelo sociólogo na tentativa de atribuir um sentido ao conjunto de suas atividades no Brasil, conferindo-lhes ares de missão (MAIO; LOPES, 2015, p. 343).
Maio e Lopes partiram da hipótese de que as ideias de Donald Pierson fundamentaram projetos distintos de constituição do campo científico da sociologia no país. A caracterização da atividade do sociólogo profissional e das normas que deveriam pautar sua conduta foi tema constante na sua obra nos anos 40:
Ele insiste em distinguir a sociologia de outras formas de análise e de outras práticas dedicadas à vida social, como o pensamento social, a filosofia social, a ética e o serviço social. À diferença destas áreas de conhecimento, a sociologia se empenhava na sujeição sistemática de hipóteses e teorias às descobertas decorrentes da pesquisa, à luz das quais aquelas seriam mantidas, modificadas ou refutadas. Ao por o sociólogo em contato com coisas, para além do debate de ideias, a pesquisa conduzia ao progressivo refinamento da teoria, ao acúmulo de proposições universalmente válidas, sendo capaz de superar velhas controvérsias filosóficas entre escolas e tradições nacionais e produzir consenso científico (MAIO; LOPES, 2015, p. 346).
Claramente, Pierson indicava que o contato com a realidade empírica, feita pela descrição dos fatos ou a coleta de dados, deveria ser o balizador das discussões teóricas, devendo-se perseguir com isso os “consensos científicos”.
De acordo com os autores, na perspectiva de Pierson o sociólogo deveria estar comprometido, sobretudo, com o avanço do conhecimento científico. A subordinação da pesquisa básica a interesses extra científicos imediatos poderia, ademais, comprometer-lhe a objetividade. Era preciso controlar os vieses da pesquisa, decorrentes de sua participação em determinada cultura, sociedade, época, classe e círculo de pessoas.
Entretanto, a saudável orientação de Pierson quanto ao distanciamento relativo da esfera política partidária, como um dos antídotos contra a perda da objetividade e da cientificidade nas ciências sociais, começou a ser questionada por um de seus discípulos, Luís da Costa Pinto, a partir de 1946. E este autor, apesar de pouco citado quando comparado com Florestan Fernandes - outro que como aluno recebeu a influência de Pierson e depois a relativizou - ajudou a encaminhar os destinos de boa parte da sociologia no Brasil, cujos vestígios se percebem nos artigos de Silva e Mascarenhas:
Mobilizando autores que pensaram as relações entre conhecimento e estrutura social, como Marx e Mannhein, além de conhecidos críticos da sociologia norte-americana, como Wright-Mills e Robert Lynd, Costa Pinto põe em xeque a cientificidade do que denomina sociologia acadêmica. Seus adeptos, ao apostarem numa ciência axiologicamente neutra, acabavam abraçando, voluntária ou involuntariamente, uma ideologia ligada à justificação da ordem social dominante.
Realizando um “acerto de contas” com o ethos científico propugnado por Pierson, Costa Pinto afirma que, em vez de ser o produto de esforços voluntários de controle do viés do cientista ou de uma posição equidistante em relação aos valores, a objetividade em ciências sociais seria conquistada mediante a alteração das circunstâncias sociais que distorciam ideologicamente a pesquisa. Costa Pinto discorda da crença de Pierson em um crescente consenso cognitivo entre os sociólogos. Ele aponta para a persistência de impasses e divergências entre posições metodológicas no interior da disciplina que, por refletirem contradições e antagonismos presentes na própria sociedade, só podiam ser superados mediante a transformação desta (MAIO; LOPES, 2015, p. 354).
A degradação do princípio da objetividade perpetrada por Costa Pinto, ao subordiná-lo à superação das circunstâncias sociais que encobriam ideologicamente a estrutura de classe da sociedade, distorcendo a pesquisa, representa uma postura nitidamente político-ideológica, marcadamente anticientífica. Para Costa Pinto, ciência “verdadeira” acontece somente com a transformação da sociedade capitalista. Porém, tal “postura” manifesta-se vividamente na tradição teórica de Bourdieu, Apple, Bernstein, Silva e Mascarenhas.
Segundo Maio e Lopes a guinada marxista de Costa Pinto, passando a fazer militância política e não mais sociologia, suscitou reações de outros ex-alunos de Pierson, como Florestan Fernandes e Emílio Willems:
Buscando salvaguardar o status científico das ciências sociais, Emilio Willems e Florestan Fernandes recusam a identificação, sugerida por Costa Pinto, entre sociologia e socialismo marxista, ainda que Fernandes estivesse mais disposto do que Willems a reconhecer a contribuição de Marx para o desenvolvimento da disciplina. Na medida em que sustentam a demarcação de fronteiras entre ciência e política, as críticas de Willems e Florestan convergem com a visão de Pierson sobre o fazer sociológico (MAIO; LOPES, 2015, p. 355).
O fato de Costa Pinto enfatizar, contra Pierson, a descrença na possibilidade de “consensos cognitivos” entre sociólogos é sintoma de que tal posição não resultou do desenvolvimento da ciência em si, do aperfeiçoamento dos seus pressupostos ou métodos; mas dependeu sim de sua adesão a uma concepção política de sociedade, que tradicionalmente procura se legitimar como científica, utilizando de juízos de valor e argumentos morais para criticar a sociedade industrial capitalista.
Com efeito, sabe-se das dificuldades enfrentadas quando se aborda a necessidade da objetividade nas ciências e, em particular, nas ciências sociais. Também se sabe que a busca por “consensos cognitivos mínimos” é difícil na área devido à complexidade do fenômeno humano. Porém, isto não significa que se deve abdicar de almejá-los, principalmente se os motivos para desistir forem dados por mudanças de concepção teórica do tipo como a promovida por Costa Pinto.
Para mim, é perfeitamente factível, por exemplo, de acordo com o objetivo desse artigo, que os processos de socialização, tanto na fase primária como na secundária - de acordo com a classificação de Berger e Luckmann (1983) -, correspondam respectivamente a processos cerebrais que determinam a infância e a adolescência/juventude na espécie sapiens, condicionados pela relação entre quantidade/qualidade das interações neuro-sinápticas do cérebro humano (Infância: exuberância sináptica = baixa qualidade das conexões neuronais = socialização primária/ Adolescência: perda da exuberância sináptica = aumento da qualidade das conexões sinápticas = socialização secundária3). Não há como ter “interpretações” distintas para processos biológicos que constituem a ontogênese da espécie humana.
Com a mente aberta e a objetividade aguçada se perceberá que as diversas manifestações culturais da infância e da adolescência/juventude pelas sociedades obedecem aos imperativos desses processos cerebrais, elas são universais, porque fazem parte de um fenômeno universal maior que as que contém chamado de socialização.
O que pode acontecer é a antecipação ou o adiamento de processos de seleção cultural adaptativa próprios de cada sociedade - que de resto é o que define a socialização, que realiza seu objetivo por meio das instituições sociais - e, muitas vezes, cobram um preço alto para o relativo equilíbrio psicossocial do indivíduo quando ele os enfrenta sem possuir um cérebro amadurecido no tempo correto, por exemplo: o trabalho infantil, que cedo estiola o corpo e rouba tempo para experiências prazerosas típicas dessa fase, fundamentais para a existência humana, como o cultivo da afetividade e do carinho; ou a repressão sexual de adolescentes/jovens por motivos religiosos, que contamina a expressão do desejo e do erotismo, à flor da pele nos humanos, gerando sociedades e indivíduos violentos que matam e torturam para saciar sentimentos recalcados.
Cabe aos sociólogos, descrever e explicar essas exteriorizações da natureza (possibilitada pelos processos cerebrais construídos pela filogênese da espécie), mediante às expressões culturais (socialização) feitas por cada sociedade. Aqui, sem dúvida, aparecem divergências de interpretação teórica ou metodológica, porém estas ocorrem sobre um substrato biológico sólido e único, portanto “consensual”, que faz convergir à seleção cultural adaptativa - e lhe confere todo sentido - para a reprodução (sobrevivência) da espécie: o desenvolvimento do cérebro humano.
No cotidiano das salas de aula, na universidade ou no médio, os professores de ciências sociais, com ênfase na antropologia, na sociologia ou na ciência política - para mim isto é indiferente - têm de considerar o que acontece com o cérebro dos alunos e com os próprios. Tal consciência esclarece experiências, às vezes obscuras, de suas vidas e ajuda, acredito, no trabalho com os conteúdos a ser ministrados4.
Metodologia
Após as observações de Silva e Mascarenhas sobre as deficiências da licenciatura com o ensino de sociologia e também com as de Camacho (2015), sobre o mesmo problema vivido pela matemática, examinarei a seguir como os professores do Programa Plataforma Freire, do Curso de Ciências Sociais (2ª Licenciatura), executado pela Universidade Federal do Piauí, Campus de Parnaíba, no litoral piauiense, trabalham com o conceito de socialização.
Duas turmas de Ciências Sociais ingressaram pelo PARFOR na Universidade Federal do Piauí, em Parnaíba, respectivamente em 2012-2 e 2013-2. Na 1ª ministrei Teoria Sociológica 1 e na 2ª Fundamentos Sociofilosóficos da Educação. Como as aulas do PARFOR concentram-se durante as férias escolares da rede pública municipal e estadual, as disciplinas ocorreram em janeiro/fevereiro de 2013 e janeiro/fevereiro de 2014.
No último dia de aula das disciplinas citadas, ao se aproximar o fim do horário, sem nenhum aviso anterior - e evidentemente esclarecendo que se tratava de uma atividade voluntária, portanto sem valor como avaliação, e que poderia ou não ser devolvida, não devendo ser identificada - concedi 30 minutos aos alunos para que respondessem questões sobre tempo de serviço no magistério; curso de graduação de origem; e, o mais importante, que recorrendo aos recursos disponíveis no momento (notebooks, livros, revistas ou apostilas) discorressem brevemente sobre como, numa aula no ensino médio, abordariam o tema socialização, enfatizando a explicação para socialização secundária.
Após estas orientações, saía da sala, mas deixava um envelope grande sobre a mesa para que os voluntários devolvessem a atividade. Decorridos os 30 minutos, uma auxiliar de pesquisa, aluna5 de graduação do curso regular de Pedagogia da UFPI, em Parnaíba, apanhava o envelope.
Dos 22 alunos matriculados na 1ª turma, 21 concluíram6 a disciplina e 5 devolveram a atividade proposta, no dia da sua aplicação 3 alunos faltaram à aula. Dos 43 alunos matriculados na 2ª turma, 27 concluíram a disciplina e 11 devolveram a atividade proposta, no dia da sua aplicação 4 alunos faltaram à aula. Assim, a atividade proposta foi respondida por 16 alunos do universo de 48 do 1º semestre do PARFOR de Ciências Sociais, somando-se os de 2012-2 com os de 2013-2, o que perfaz uma amostra de 33,3%.
Refleti bastante antes de optar por este caminho para colher informações, se não deveria ter deixado os alunos levarem a atividade para casa, marcando uma data para entrega posterior. Mas, assim, imaginei, correria o risco de perder a impessoalidade do anonimato (pois teria de marcar uma data e local para entrega); de estimular a dispersão (uma vez que a atividade não era obrigatória); ou de ser vítima do “artificialismo”, pois poderiam preparar a resposta contando com tempo e lançando mão da disponibilidade de recursos à disposição em muito maior quantidade para quem já é professor, como livros ou a internet, sem necessariamente “dominarem” o conteúdo. As três razões anteriores juntas descartaram também a possibilidade de enviar e receber a atividade por meio eletrônico.
Com efeito, decidi pela aplicação presencial, mas criando as condições para que os alunos se sentissem à vontade para participar ou não, o que lhes era explicado com toda clareza, afinal o tempo era de apenas 30 minutos. Sempre lembrando o sigilo da não identificação com nome ou matrícula. Tudo isto, acredito, justificava a atitude de me ausentar da sala, para que a atividade pudesse transcorrer num clima que lhes permitisse qualquer decisão, principalmente entregar a atividade em branco e ir embora.
Na verdade, penso que o profissional que domina conteúdos de sua arte é capaz de responder sobre eles quando a situação exige: ativa sua memória, atualiza os mapas cerebrais correspondentes ao que se pede e produz a ação requerida. Pode ser uma forma quase brutal de extrair conhecimentos, mas é uma possibilidade. Aceitei o perigo de não receber nada de volta, sem dúvida! Mas o convívio com os alunos criou a expectativa de que teria resultados. Portanto, agradeço aos 16 que anonimamente colaboraram!
Denominei a atividade de Breve Questionário sobre Socialização (BQS), sendo composto de 4 questões. A questão 1 perguntava pela primeira formação em nível superior, se licenciatura ou bacharelado. Aqui cometi um erro, pois deveria ter acrescentado em qual curso. Isto acarretou a perda de 4 respostas, que foram dadas laconicamente como “licenciatura”, sem especificar o curso.
Os 12 que responderam indicando o curso de origem todos são “licenciados”, distribuídos em 7 (Pedagogia); 2 (Normal Superior); 1 (Letras-Inglês); 1 (Pedagogia e História); 1 (em História).
A questão 2 aferia o tempo de trabalho no magistério. A experiência ministrando aulas acrescentada ao treinamento dos anos de formação na licenciatura deveria capacitar esses alunos para montar a explanação de um tema de improviso, pelo menos ter noção formal de como fazer, sem maiores recursos à mão.
Calculando-se o tempo médio de serviço dos 16 que responderam, chegou-se a um valor de 9,4 anos de serviço; somando-se com o tempo médio de uma licenciatura, por volta de 4 anos, concluí que todos os alunos têm em média 13,4 anos de experiência com técnicas didáticas.
Antes de prosseguir, comentarei a relação entre a questão 1 e 2. Como os 16 alunos eram licenciados, mesmo que em distintos cursos das Ciências Humanas, categoricamente se pode afirmar que experiência no treinamento didático todos possuíam, o que, em tese, pode garantir a qualidade técnica do ensino que eles exercem. Além disso, 9,4 anos de serviço como média de exercício do magistério para todos é tempo mais do que suficiente para aperfeiçoar técnicas e corrigir falhas. Portanto, poderia partir para verificar o domínio do conteúdo que desejava conhecer: socialização.
A questão 3 perguntava se caso o aluno não estivesse ministrando aulas, por quanto tempo ele esteve em efetivo exercício do magistério. A questão se justificava porque o aluno poderia estar exercendo cargo de direção ou supervisão, por exemplo. Como visto, todos estavam em pleno exercício.
Finalmente, a questão 4 propunha que o aluno discorresse sobre o tema socialização, como reproduzo literalmente abaixo:
4. Sabendo que o conceito de socialização se divide em dois, socialização primária (que se desenvolve no âmbito da família no decorrer da infância) e socialização secundária (que começa na adolescência e continua pela vida adulta), como você explicaria em aula, para seus alunos, o conceito de socialização secundária? Por favor, responda com o máximo de detalhes possíveis!
Para tratar objetivamente de uma resposta subjetiva, apesar de direcionada por um tema, desenvolvi um quadro de avaliação, dividido em cinco categorias, atribuindo-se para cada uma o valor de 2,0 pontos, que somados atingiriam o valor 10,0. Assim, com uma escala de 0,0 a 10,0, estipulando-se 7,0, como pontuação ideal minimamente satisfatória, ao final teríamos dados que ajudariam na análise.
A primeira categoria referia-se à Definição e classificação, isto é, verificava-se se o aluno buscou uma definição geral de socialização para, em seguida, classificar em primária e secundária. Discriminei 1,0 para a definição geral e 0,5 para cada classificação.
A segunda, Caracterização, exigia exemplos para cada classificação, com 0,5 para um exemplo.
A terceira, Individualização, procurava detectar se houve preocupação em apontar as tensões da socialização secundária indicando manifestações de individualidade, que poderiam ser exemplificadas como problemas de socialização ou conflitos entre indivíduo e sociedade, por exemplo. Devido sua maior complexidade, arbitrei 1,0 para cada exemplo.
A quarta, Evolução e biologia, buscava identificar algum conhecimento sobre a relação entre socialização e biologia evolutiva. Aqui, qualquer menção sobre herança genética afetando comportamento ou sobre teoria da evolução pontuaria com 2,0.
A quinta, Recursos didáticos, aferia a utilização de técnicas didáticas para a explanação do tema. Qualquer técnica marcaria 1,0.
Aluno | Definição e classif. | Caracterização | Individualização | Evolução e Biol. | Recursos did. | Valor |
---|---|---|---|---|---|---|
01 | 2,0 | 2,0 | 0,5 | 0,0 | 2,0 | 6,5 |
02 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 0,0 | 2,0 | 7,0 |
03 | 1,0 | 1,5 | 1,0 | 2,0 | 2,0 | 7,5 |
04 | 1,0 | 0,5 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 2,0 |
05 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 2,0 | 6,0 |
06 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 4,0 |
07 | 1,0 | 1,0 | 0,0 | 0,0 | 2,0 | 4,0 |
08 | 2,0 | 1,0 | 0,0 | 2,0 | 2,0 | 7,0 |
09 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 2,0 | 6,0 |
10 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 0,0 | 2,0 | 7,0 |
11 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 0,0 | 2,0 | 7,0 |
12 | 2,0 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 6,0 |
13 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 4,0 |
14 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 0,0 | 1,0 | 6,0 |
15 | 2,0 | 2,0 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 8,0 |
16 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 4,0 |
Calculando-se a média de desempenho dos 16 alunos que participaram da atividade proposta, chegou-se ao valor de 5,75. Portanto 1,25 pontos abaixo do valor mínimo satisfatório considerado como ideal. Somente 6 alunos conseguiram valor igual ou superior a este valor (7,0).
Analisando cada categoria isoladamente para a amostra como um todo e sabendo-se que a cada uma foi atribuída a pontuação máxima de 2,0 pontos, calculamos que no agregado por categoria o valor máximo possível seria 32 pontos. Ou, numa base decimal, teríamos que 32 é igual a 10,0 ou 100%.
Assim, tem-se que para Definição e classificação, de 32 pontos máximos possíveis a amostra chegou a 29 pontos. Isto é, 9,1 (90,6%). Portanto, compreensão de socialização e de sua classificação como primária e secundária, principalmente secundária - como foi direcionada à questão 4 - os alunos revelaram possuir.
Quanto a Caracterização, utilizando os mesmos procedimentos do parágrafo anterior, a amostra chegou a 28 pontos. Ou seja, 8,7 (87,5%). A diferença de 0,4 (3,1%) para a categoria Definição e classificação é muito reduzida para que seja considerada discrepância significativa, isto é, souberam definir e classificar, mas poderiam ter exemplificado mais precisamente.
Já quanto a Individualização a amostra chegou a 9,5 pontos para um total de 32. Ou 2,9 (29,6%), sinalizando que os alunos não estão conseguindo compreender que é no processo de socialização que se manifestam as características individuais. É na relação tensa entre o “aprendizado” das instituições sociais e a expressão das tendências naturais do indivíduo por meio da cultura que o seu mundo e o da sociedade como um todo vai sendo construído.
Não posso negar que minha expectativa era grande em relação à categoria Evolução e biologia. Ela buscava avaliar o conhecimento dos alunos sobre a influência da teoria da evolução no comportamento do indivíduo ou, mesmo sem referência a ela, sobre a interveniência de fatores genéticos na vida social. O resultado não pode ser considerado decepcionante, ele só reflete a separação entre ciências sociais e biologia evolutiva, cuja superação, se é difícil e vagarosa no mundo acadêmico, ainda demorará muito a chegar no ensino médio. Assim, a amostra atingiu 6,0 pontos de 32 como teto máximo. Ou 1,8 (18,7%), o que confirma que os alunos do PARFOR de Ciências Sociais, da UFPI, quando retornam para suas atividades profissionais, repetem o Modelo Padrão das Ciências Sociais7 de distinção epistemológica entre natureza e cultura.
Quanto a Recursos didáticos, a amostra teve performance de 19,0 pontos. Ou seja, 5,9% (59,3%). O que razoavelmente demonstra que a maioria reagiu lembrando da importância da utilização dos recursos didáticos para o processo de ensino e aprendizagem.
Como montei um quadro de avaliação para a atividade Breve Questionário sobre Socialização incluindo a categoria Evolução e biologia, que se vincula a temas que dificilmente são tratados com profundidade nem nos bacharelados e tampouco nas licenciaturas de Ciências Sociais, construí novo quadro excluindo esta categoria, para observar como se comportaria o desempenho dos alunos.
Nesse caso, a soma das categorias que permaneceram compondo o quadro de avaliação de desempenho para cada aluno atingiria o valor de 8,0 pontos. Porém, para facilitar a comparação com a Tabela 2 transformei os resultados utilizando para isso a base 10.
Aluno | Definição e classif. | Caracterização | Individualização | Recursos did. | Valor | Valor (Base 10) |
---|---|---|---|---|---|---|
01 | 2,0 | 2,0 | 0,5 | 2,0 | 6,5 | 8,1 |
02 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 2,0 | 7,0 | 8,7 |
03 | 1,0 | 1,5 | 1,0 | 2,0 | 5,5 | 6,8 |
04 | 1,0 | 0,5 | 0,0 | 0,0 | 1,5 | 1,8 |
05 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 2,0 | 6,0 | 7,5 |
06 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 4,0 | 5,0 |
07 | 1,0 | 1,0 | 0,0 | 2,0 | 4,0 | 5,0 |
08 | 2,0 | 1,0 | 0,0 | 2,0 | 5,0 | 6,2 |
09 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 2,0 | 6,0 | 7,5 |
10 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 2,0 | 7,0 | 8,7 |
11 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 2,0 | 7,0 | 8,7 |
12 | 2,0 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 6,0 | 7,5 |
13 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 4,0 | 5,0 |
14 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 1,0 | 6,0 | 7,5 |
15 | 2,0 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 6,0 | 7,5 |
16 | 2,0 | 2,0 | 0,0 | 0,0 | 4,0 | 5,0 |
Diante dessa nova configuração de resultados observa-se sensível melhora no aproveitamento dos alunos, que de apenas 6 que haviam conseguido valor mínimo satisfatório no quadro com a categoria Evolução e biologia, como mostrado na Tabela 2, agora, sem essa categoria, chegou-se a 9 alunos, portanto mais da metade (56,2%) da amostra de 16.
No entanto, a média dos resultados da amostra para essa configuração, apesar de ter melhorado (6,65) em relação à anterior (5,75), ainda não atingiu o valor mínimo satisfatório de 7,0 pontos. Deve-se considerar que esses alunos foram avaliados no 1º semestre do curso de Ciências Sociais, imagino que ao longo das disciplinas os conteúdos básicos possam ter sido consolidados, o que deverá aperfeiçoar o desempenho de acordo com esse padrão tradicional de ciência estabelecido, sem interface com a biologia evolutiva ou ciências relativas, como a psicologia evolutiva ou a neurociência.
Considerações finais
No contexto da implantação da BNCC (Base Nacional Curricular Comum), que ora o país vive, na qual o ensino de sociologia encontra-se contemplado, é necessário revisitar permanentemente o debate suscitado por Silva (2007) e Mascarenhas (2012) sobre a integração entre o ensino de licenciatura e bacharelado no âmbito das universidades. As dificuldades apontadas pelas autoras ainda são absolutamente verdadeiras.
As propostas de conteúdos de sociologia e antropologia da BNCC, constituem um programa de Introdução à Sociologia ou Antropologia de disciplinas universitárias, sinalizando que há forte dubiedade sobre o que ensinar para alunos adolescentes/jovens no ensino médio face à complexidade temática dos temas inerentes as ciências sociais. Diante da insegurança, os conteúdos do bacharelado sobredeterminam os da licenciatura.
Isto não é comum à sociologia. Camacho (2015) identificou as dificuldades com a licenciatura de matemática. A experiência como professor dos cursos de biologia e matemática na UFPI me faz concordar com o autor: os alunos de licenciatura, a exceção dos alunos de Pedagogia, não estão sendo preparados corretamente nem para o ensino no fundamental e nem no médio. A ironia é que tais dificuldades provavelmente não decorram da falta de preparo dos professores universitários, talvez seja até o contrário, sua alta qualificação, que os direcionam para a produção acadêmica de ponta fazendo com que, por vezes, esqueçam de refletir sobre o ensino de base.
Quanto ao conceito de socialização no Ensino Médio, acredito que poderia ensejar um bom exemplo de ação interdisciplinar, às vezes muito propagada, mas, na prática, pouco perseguida e executada. Os resultados obtidos na pesquisa com os alunos de ciências sociais do PARFOR demonstram que, no caso do conceito de socialização, faltam referências aos processos biológicos do cérebro para que o conceito tenha uma capacidade heurística maior e mais profunda no campo das ciências sociais. Acredito que a sociologia e a antropologia enriqueceriam suas explicações com a contribuição das pesquisas da neurociência comportamental e cognitiva.