Introdução
A vertiginosa evolução das tecnologias digitais e o advento da web social propiciaram o surgimento de uma sociedade em rede marcada por profundas mudanças, estimulando o surgimento de novos paradigmas, modelos e cenários de aprendizagem. A escola do novo milénio não pode mais ser pensada sem o apoio de ambientes digitais de aprendizagem, que contribuem para criar sistemas dinâmicos, colaborativos e adaptados ao desenvolvimento de competências associadas, sobretudo, à criatividade e ao empreendedorismo. Nesse sentido, e como indicado pela UNESCO (2014, p. 14), “a educação e a tecnologia podem e devem evoluir lado a lado para servir de apoio uma à outra”.
Conceber a educação e o processo de ensino-aprendizagem enquanto mecanismos de crescimento conjunto e contínuo, a partir de experiências que podem ser potenciadas pelo uso do digital e de aprendizagens ativas, coletivas e em rede, exige “que a participação seja observada como modo de construir o sentido de pertença e identidade na rede de autores e mediadores das experiências, cenários e contextos de aprendizagem” (DIAS, 2012, p. 4). De facto, proporcionar abordagens que permitam aos estudantes o desenvolvimento de multiliteracias e circular através de diferentes espaços e ambientes promove o empoderamento desses mesmos estudantes, que se tornam assim capazes de analisar textos multimodais com maior profundidade e qualidade e até mesmo produzir novas abordagens textuais, não só na escola mas também fora dela (MILLS, 2010; AMASHA, 2012; MOREIRA, 2017).
No caso da utilização do audiovisual na educação, existem hoje diferentes ferramentas digitais que permitem o desenvolvimento de metodologias ativas na sala de aula que levam o estudante a interagir de forma dinâmica com as propostas fílmicas apresentadas pelos docentes, fomentando a aprendizagem pela descoberta e o desenvolvimento das referidas competências emancipadoras, consideradas hoje cada vez mais importantes para uma formação integral dos estudantes (SÁNCHEZ, 2003; CIPOLINI, 2008; DIAS-TRINDADE, 2018). Analisar um filme em contexto educativo permite, pois, conseguir afastar-se das primeiras impressões, para avaliar aquele que é um trabalho criativo, conseguindo assim focar-se nos aspetos mais importantes do conteúdo fílmico e a partir daí extrair conhecimento refletido e crítico (CLAREMBEAUX, 2010).
O estudo que aqui apresentamos assenta num modelo de aprendizagem baseado num modelo virtual, e numa estratégia de e-Atividades centradas na “desconstrução” de imagens em movimento (MOREIRA, 2017), numa lógica de trabalho que se procura articular com uma sociedade em mudança e com a necessidade de auxiliar os estudantes a desenvolverem as competências necessárias para fazer face às demandas do milénio em que nos encontramos.
Nesse sentido, entende-se que a capacidade para aprender por si mesmo é um requisito cada vez mais importante para alcançar o sucesso em meio académico. Para isso, é cada vez mais importante o desenvolvimento de competências para aprender de forma autónoma e responsável. O conceito de competência de aprendizagem relaciona-se, pois, com o saber despertar em si mesmo essas capacidades de autorresponsabilidade, autoconfiança e autossuficiência para atingir os objetivos propostos e implica, como indica Nyhan (1996), a capacidade para assumir a responsabilidade e o controlo pela aprendizagem, fazendo-o de uma forma pró-ativa. Por outro lado, o autoconceito de competência está relacionado com a percepção relativa à capacidade para lidar de forma eficaz com o meio ambiente (FARIA; RURATO; LIMA SANTOS, 2000) e em diferentes domínios como o social, o físico, o cognitivo e o emocional (FARIA; FONTAINE, 1992).
De facto, ter capacidade para autoaprender significa que se é capaz de encarar a aprendizagem como um ato normal do quotidiano, tendo por isso a capacidade de explorar atividades decorrentes do dia a dia para as rentabilizar enquanto forma de aprendizagem, tanto quanto experiências de ensino estruturadas e formais (RURATO, 2008). Afinal, “o objectivo último da auto-aprendizagem é o de substituir o educando enquanto consumidor pelo formando como actor” (RURATO, 2008, p. 56).
Em suma, o desenvolvimento de estratégias que promovem a autoaprendizagem vem ao encontro dos desígnios da educação do século 21: uma educação voltada para o estudante enquanto ator principal do seu próprio processo educativo, que pode aprender de forma ativa, autónoma e responsável, ao seu próprio ritmo e sempre em processo de construção dos seus saberes e conhecimentos, procurando de forma contínua a interação entre a educação formal e as necessidades que vão encontrando ao longo da vida (LIMA SANTOS; NEVES; RIBEIRO, 2003; RURATO, 2008).
Em síntese, a nossa investigação pretende perspetivar possíveis cenários e designs alternativos de aprendizagem, no domínio do Ensino Superior, estudando o efeito do modelo pedagógico desenvolvido por Moreira (2017) para o desenho de e-Atividades de aprendizagem centradas na “desconstrução” de imagens em movimento, no desenvolvimento de competências de aprendizagem dos estudantes de pós-graduação, a nível das diferentes dimensões consideradas: Aprendizagem Ativa, Iniciativa e Autonomia.
Um modelo pedagógico virtual para desenho de e-Atividades1 centradas na “desconstrução” de imagens em movimento
O modelo pedagógico virtual utilizado neste estudo, baseado em Moreira (2017), assenta numa perspetiva de aprendizagem ativa a partir de e-Atividades centradas na “desconstrução” de imagens em movimento, numa perspetiva pedagógica humanista, sócio-construtivista e colaborativa.
Estas e-Atividades de aprendizagem da Unidade Curricular decorreram numa plataforma de eLearning Moodle, na rede social Facebook e em outros ambientes e artefatos digitais da web 2.0, tais como o VideoAnt, o Videoscribe ou o Padlet.
Com as e-Atividades criadas procurou-se promover, por um lado, e como já salientado, uma aprendizagem ativa e, por outro, criar uma forte interação e comunicação entre os estudantes, o professor e os recursos.
A estratégia didática em que assentou o desenvolvimento da e-atividade, centrada na desconstrução de imagens em movimento, apontou no sentido de conseguir que o grupo se tornasse uma verdadeira comunidade virtual de aprendizagem interativa, colaborativa e investigativa. Procurou-se, pois, nas diferentes salas de aula virtuais, socializar o grupo, induzir e moderar a negociação e a partilha de ideias, facilitar o acesso à informação e ao conhecimento e auxiliar no processo de investigação e desenvolvimento do pensamento crítico.
O objetivo foi, sempre, proporcionar aos estudantes e-Atividades motivadoras, incutir-lhes um espírito de pesquisa de informação, de experiências várias, de múltiplas perspetivas, proporcionar-lhes a vivência de situações realistas e importantes e o acesso ao conhecimento do mesmo tema em diversos formatos, oral, escrito, audiovisual, multimédia, ou seja fazê-los aceder a múltiplas formas de representação. Note-se que a aprendizagem de conteúdos, embora importante, não foi um fim em si mesmo, mas o meio, também, de desenvolver competências de aprendizagem.
Este é um modelo cujas linhas de força e princípios teóricos se alicerçam numa aprendizagem:
a) assentada na ideia das comunidades de investigação (GARRISON; ANDERSON, 2005), procurando estimular a reflexão e o discurso crítico, a responsabilidade e o espírito crítico;
b) baseada na Interação, entre estudante e docente, entre os estudantes, mas também entre os estudantes e os conteúdos e as ferramentas digitais presentes na Web 2.0;
c) Flexível, adaptada aos interesses e necessidades dos estudantes, “quando eu quero, onde eu quero, como eu quero”;
d) promotora de Multiliteracias, adequando as aprendizagens ao desenvolvimento de diferentes competências de análise e de discurso, através de diferentes modelos e formatos multimodais;
e) de teor Humanista, tendo o estudante no centro do processo de aprendizagem, comprometido e empenhado na construção do seu próprio conhecimento e, ao mesmo tempo, integrado numa comunidade de aprendizagem, onde o professor se assume como moderador desse mesmo processo, encorajando, acompanhando e mediando uma interação humana positiva (SALMON, 2000).
Ao mesmo tempo, este modelo de aprendizagem baseia-se na Teoria da Flexibilidade Cognitiva (SPIRO et al., 1987), focando-se em casos analisados ou desconstruídos de acordo com perspetivas ou temas diferentes, que podem ser divididos em pequenas subunidades, como estratégia para resolver dificuldades que por vezes subsistem na transferência de conhecimentos para novas situações.
Este modelo tem a vantagem de fomentar uma aprendizagem ativa e o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva dos estudantes e ainda de procurar promover uma prática de análise e de pensamento crítico sobre o objeto da aprendizagem, analisando um caso (por exemplo, uma sequência fílmica), através de diferentes perspetivas.
Um objeto de aprendizagem estruturado de acordo com este modelo integra três componentes: o caso, as diferentes perspetivas e o processo de desconstrução.
Um caso pode ser, por exemplo um filme, podendo também assumir outros formatos como texto, imagem ou sequência áudio (SPIRO; JEHNG, 1990). O caso deve estar acessível na íntegra para o estudante o conhecer antes de iniciar o processo de análise.
As perspetivas apresentam o enquadramento concetual da análise da desconstrução. É importante que o estudante conheça os referenciais que o professor tem subjacente a cada perspetiva, entendendo-se por perspetiva uma teoria, um conceito considerado pertinente para desconstruir o caso.
A desconstrução constitui a essência da aprendizagem. Através do processo de desconstrução, o caso é decomposto em unidades mais pequenas de análise, os mini-casos, e em cada mini-caso é apresentado um comentário explicativo de como essa perspetiva está presente no mini-caso. Sempre que se considere pertinente poderão fornecer-se informações complementares e referências bibliográficas que auxiliem na compreensão do mini-caso.
Tendo em consideração os pressupostos teóricos do modelo apresentado enunciam-se as principais fases de uma e-Atividade, centrada na desconstrução pedagógica de um filme.
A primeira, Preparação ou Planificação da e-Atividade, diz respeito à etapa prévia de visualização do filme, momento em que o docente deve selecionar e visualizar o filme para aferir se este é adequado ao(s) objetivo(s) que pretende alcançar. Ainda nesta primeira fase, cabe ao docente definir as e-Atividades que deverão ser realizadas a partir da visualização do filme escolhido, e preparar quer os recursos pedagógicos de apoio quer as ferramentas digitais a utilizar, e que se adequem quer às características dos seus estudantes, quer ao desenvolvimento de aprendizagens ativas e colaborativas.
A segunda etapa, Visualização, Leitura e Análise do Objeto de Aprendizagem, diz respeito à visualização do filme, que deverá ser acompanhada dos materiais de apoio definidos na primeira etapa.
A terceira etapa, Desconstrução do Objeto de Aprendizagem, Debate e Reflexão, que pode decorrer de forma presencial ou virtual, é o momento em que o docente apresenta os referenciais teóricos necessários para a desconstrução do objeto de aprendizagem. Os estudantes devem debater esses mesmos referenciais, apresentando de forma crítica os seus raciocínios a propósito do filme visualizado, sendo este o momento fundamental para a efetiva aprendizagem, resultante da construção coletiva de conhecimento a partir da análise de diferentes momentos (sequências fílmicas), numa articulação entre os seus conhecimentos prévios, as suas observações, as suas leituras e a troca de perspetivas entre estudantes e docente.
Finalmente, a quarta e última etapa, Conclusão e Verificação, diz respeito à síntese final da e-Atividade, podendo o docente, neste momento, solicitar que os estudantes realizem um trabalho que lhe permita fazer uma avaliação dos conhecimentos adquiridos.
Metodologia
A população do estudo é composta por um grupo de vinte e quatro estudantes, que se encontram a frequentar dois cursos de especialização no Ensino Superior a Distância, na áreas da Supervisão Pedagógica e da Gestão de Bibliotecas Escolares.
Tendo em conta que este estudo visa analisar problemas educativos em contextos reais de atuação pedagógica, procurando resolver problemas significativos e práticos, através de interação colaborativa entre investigadores e profissionais, que pretendem entender, documentar, interpretar e melhorar as práticas educativas, optou-se pela metodologia de Designed Based Research (WANG; HANNAFIN, 2005).
Os participantes responderam a um inquérito por questionário, sendo que instrumento que serviu de base à recolha de dados foi a Escala de Competência de Autoaprendizagem - ECAA (LIMA SANTOS; RURATO; FARIA, 2000). Os itens desta escala organizam-se em torno de três dimensões gerais:
(i) Aprendizagem Ativa ou Aceitação da Responsabilidade Pessoal pela Aprendizagem, avalia a percepção da capacidade para aprender em várias situações e com os outros e a aceitação da responsabilidade pessoal pelo processo de aprendizagem;
(ii) Iniciativa na Aprendizagem e Orientação para a Experiência, que avalia a orientação da aprendizagem para a experiência de problemas concretos, bem como a iniciativa na escolha das aprendizagens;
(iii) Autonomia na Aprendizagem, que avalia a autonomia nas aprendizagens em função das necessidades pessoais.
Para a análise dos dados recolhidos recorreu-se à análise de conteúdo (BARDIN, 1977; VALA, 1986). Numa primeira fase foi realizada uma análise vertical de cada um dos questionários e na segunda procedemos a uma análise horizontal ou comparativa com recurso ao método da “análise comparativa constante” (MILES; HUBERMAN, 1994) com o intuito de identificar aspetos comuns e distintivos das representações e perceções destes estudantes. Para o efeito apresentamos a informação proveniente das respostas, também, em esquema, com o objetivo de exemplificar a relevância de algumas das suas opiniões. De referir ainda que as unidades de registo, pelo seu carácter avaliativo, foram sinalizadas com as expressões de Tendência Positiva (+), Tendência Negativa (-) e Hesitação/Indefinição (+/-).
Resultados
Assim, na primeira dimensão, Aprendizagem Ativa, referente à capacidade dos estudantes aprenderem com esta estratégia pedagógica e a sua responsabilidade no processo de construção da aprendizagem, que apresentou vinte e quatro registos, a classificação das unidades de registo foi unânime, tendo todos eles uma tendência claramente positiva. Isto sugere que os estudantes consideram que a estratégia desenvolvida, incorporada no modelo pedagógico, permitiu a aprendizagem dos conteúdos abordados e que a troca de informações em contexto de sala de aula virtual foi muito importante para a responsabilização dessa construção da aprendizagem.
ES3 | • Esta estratégia pedagógica obrigou-me a atualizar as leituras, a confrontar-me com o trabalho desenvolvido por outros colegas, que foram partilhando na aula virtual as suas experiências e a refletir sobre uma prática que eu tinha quase mecanizada, uma vez que utilizo frequentemente recursos audiovisuais. (UR3) |
ES13 | • […] Reconheci a responsabilidade que tive, inerente a este processo, pois a visualização dos audiovisuais não é, por si só, suficiente. Percebi que a sua desconstrução pedagógica de acordo com os tópicos fornecidos, foi de suma importância para a perceção de cada ideia explanada nos filmes. Para isso, não só tive de os ver atentamente como também simultânea e cuidadosamente registar as ideias centrais, […] para que os pensamentos “chave” dos autores fossem filtrados e “descodificados”[…]. (UR13) |
ES16 | • […] Através da estratégia utilizada nesta unidade curricular foi-me dada a possibilidade de (re)construir o meu conhecimento, com uma responsabilidade acrescida, uma vez que nos dada bastante liberdade (mais liberdade=mais responsabilidade). Acrescento que esta aprendizagem não foi fácil, iniciar um tema que “todos” têm acesso, emitir opiniões… foi um processo difícil, muitas vez es com pouco para poder fazer uma intervenção, quanto mais para uma pesquisa. (UR16)”[…]. |
Fonte: Elaborado pelos Autores.
Como podemos ver na primeira unidade de registo exemplificativa, o estudante ES3 refere que a estratégia pedagógica “obrigou-o” a atualizar os seus conhecimentos, dando-lhe assim oportunidade de aprender, com o apoio de tecnologias audiovisuais, e de refletir, de discutir diferentes temas com os seus colegas e de adquirir novos conhecimentos com base no “confronto” com os membros da comunidade virtual.
Por sua vez, o estudante ES13, como podemos ver na segunda unidade de registo (UR13) destaca, por um lado, que com este modelo e estratégia pedagógica se sentiu muito responsável pela aquisição de conhecimentos, porque a estratégia implicava uma visualização muito atenta do recurso audiovisual, para uma “filtragem” e “descodificação” dos principais assuntos abordados. Estes testemunhos, sobretudo o segundo registo, sugerem que a terceira etapa do modelo referente à Desconstrução do Objeto de Aprendizagem, Debate e Reflexão, que de acordo com o mesmo constitui a essência da aprendizagem, foi “bem-sucedida”. Com efeito, e na opinião da maioria dos estudantes, os objetos de aprendizagem, os recursos audiovisuais foram desconstruídos através da participação ativa de todos os membros da comunidade nas salas de aula virtuais criadas, através de debates escritos intensos e de reflexões acerca das ideias discutidas que lhes permitiu irem construindo o seu próprio conhecimento individual através de conflitos cognitivos sucessivos.
Também as opiniões dos estudantes ES4, ES12, ES13 e ES14 destacam, de formas distintas, a relevância da estratégia no “crescimento” da capacidade de aprender.
ES4- [...] a utilização da informação através dos dispositivos audiovisuais facilitou a aprendizagem, uma vez que despertou mais a minha atenção e facilitou a retenção da informação na memória. Considero qualquer documento vídeo como importante veículo de conhecimento, no entanto, aprecio, particularmente, o vídeo-lição (desde que seja bem realizado), pelo seu canal comunicativo (linguagem verbal - prosódia, e não verbal - gestualidade, corpo no espaço), que se aproxima da sala de aula, no entanto num modelo mais dinâmico. Indubitavelmente, o dispositivo audiovisual é um auxiliador didático-pedagógico eficaz na transmissão das aprendizagens. (UR4)
ES8- A estratégia pedagógica de centrar no estudante a construção das suas aprendizagens implicou da minha parte uma responsabilidade acrescida na pesquisa, seleção e tratamento da informação de modo a adotar uma posição crítica sobre as várias temáticas abordadas. O recurso a dispositivos audiovisuais na abordagem dos diferentes conteúdos constituiu, claramente, uma mais-valia na aquisição dos meus saberes, facilitando o esclarecimento dos assuntos em questão. (UR8)
ES12- Esta estratégia pedagógica facilita a aprendizagem, pois a mesma leva-nos ao conhecimento pela reflexão, pois as visualizações dos recursos audiovisuais não nos deixam indiferentes perante a matéria abordada, cria no estudante a indagação, a vontade de discutir e partilhar a sua opinião em relação a matéria em abordagem. (UR12)
ES21- […] Um filme, é como um livro, deve passar por um processo de descodificação por parte de quem o vê. Esse processo deve ser apreendido tanto no que diz respeito às ações mecânicas necessárias para a sua compreensão. […] Qualquer recurso audiovisual coloca o aluno como um recetor da mensagem que o autor da obra deseja transmitir e os recursos audiovisuais devem ser usados de forma criteriosa para que sejam eficientes e úteis (UR21).
Com efeito, apesar de todos terem a opinião de que a estratégia promoveu a capacidade de cada um aprender e do aumento da sua responsabilidade no processo de aprendizagem, enquanto os estudantes ES8, ES12 e ES21 colocam a tónica na partilha, na discussão, no espírito crítico, na interação e nas diferentes perspetivas que se vão construindo através das “descodificações”, o estudante ES4 sublinha o engagement, o maior envolvimento que esta estratégia lhe proporcionou, “despertando-lhe” mais a atenção.
É interessante notar o destaque que os estudantes dão à questão das diferentes perspetivas que se foram construindo após a visualização do recurso audiovisual, porque na realidade este modelo pedagógico, e como já referimos anteriormente, baseia-se também na Teoria da Flexibilidade Cognitiva, desenvolvida por Rand Spiro e colaboradores (SPIRO et al., 1987), que se centra em casos que são analisados ou desconstruídos segundo múltiplas perspetivas ou temas e que considera dois processos de aprendizagem: o processo de desconstrução e o processo de travessias temáticas.
Nesta situação o caso é percebido como o recurso audiovisual que passa por dois processos de aprendizagem: a) o processo de desconstrução, quando se inicia a discussão e emergem as perspetivas; e b) o processo de travessias temáticas, quando a(s) perspetiva(s) fornecidas pelos professores permitem aos estudantes ter acesso a novos referenciais que lhes permitem ir alinhando os diferentes pontos de vista e aceder a novas perspetivas acerca da realidade.
Destaque ainda para o terceiro registo exemplificativo do estudante ES16 que sublinha a possibilidade que este modelo lhe proporcionou de (re)construir o seu conhecimento e de poder assumir maior responsabilidade nesse processo de (re)construção, apesar de não ter sido fácil, porque na realidade, e como este sublinha, uma maior liberdade implica mais responsabilidade.
Relativamente às representações relativas à segunda dimensão - Iniciativa na Aprendizagem - com vinte e quatro registos, os participantes, na sua maioria, referem que o ambiente potenciou a iniciativa individual, a participação dos membros da comunidade, nomeadamente no que diz respeito à aprendizagem e à resolução de problemas.
ES17 | • A iniciativa que senti nesta UC foi decisiva para um desempenho positivo, pois permitiu que de forma criativa procurasse apresentar e sustentar uma abordagem que retratasse os meus sentimentos em relação ao tema, recorrendo para isso aos recursos disponibilizados e outras pesquisas, permitindo desta forma um maior envolvimento pessoal pela defesa da abordagem. (UR41) |
ES20 | • Penso que contribui de forma construtiva em todos os momentos dos fóruns de discussão e a partilha de opiniões com os colegas foi profícua, pois levou-me a fazer exames de autocrítica sistemática e a melhorar ou a clarificar questões no decurso da minha prática letiva. Tentei conciliar as aprendizagens realizadas através das leituras e observação de documentários com as minhas próprias opiniões e perspetiva crítica acerca dos temas em apreço e em diversos momentos lancei reptos para debate e reflexão conjunta com os colegas de curso. (UR44) |
ES06 | • […] O facto de se ter de comentar no fórum cada um dos temas não sei se terá sido a melhor estratégia. Eu li todos os textos e visionei todos os filmes com atenção, mas quando ia responder no fórum era sempre no final do tempo e demorava ainda mais, porque ia ler os comentários todos dos colegas. Por isso acho que não colocava questões nem aconselhava, por exemplo, outros filmes. (UR30) |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Como podemos ver na primeira unidade de registo exemplificativa o estudante, ES17 destaca que o modelo de atuação pedagógica permitiu-lhe ter iniciativa e proporcionou-lhe a oportunidade de, criativamente, apresentar e sustentar as suas ideias e sentimentos relativamente aos temas abordados.
Por sua vez, e alinhando no mesmo sentido de discurso, o estudante ES20 destaca a possibilidade que este ambiente lhe proporcionou de realizar exames de autocrítica sistemática e de lançar reptos para debate, colocando questões e refletindo conjuntamente com a comunidade virtual de aprendizagem. Estes são testemunhos interessantes que confirmam uma das linhas de força do modelo: a Experiência Educacional de Cariz Humanista, onde os estudantes se assumem como indivíduos ativos, construtores do seu conhecimento, empenhando-se e comprometendo-se com o seu processo de aprendizagem e integrados numa comunidade, e os professores se assumem como moderadores que orientam a experiência educacional e que fomentam uma interação humana positiva. Esta questão remete-nos para um dos elementos mais importantes neste modelo relacionado com os comportamentos de proximidade (ROURKE et al., 2001). Tanto os “arquitetos” pedagógicos como os estudantes, envolvidos nestas discussões assíncronas nas salas de aula virtuais, acabaram por desenvolver esses comportamentos de proximidade que se revelaram muito importantes, sobretudo, porque estes comportamentos foram geradores de uma atitude positiva por parte dos estudantes em relação à sua aprendizagem e também à satisfação com a disciplina.
Este mesmo espírito de iniciativa, construído, também, com base neste elemento de proximidade, é bem visível na opinião expressa pelos estudantes ES8 e ES23 quando referem que:
ES8- […] Os desafios lançados pelo professor incentivaram-me, não raras vezes, a procurar informação adicional sobre novos recursos e suportes tendo em vista a criação de ambientes pedagógicos mais enriquecidos. (UR32)
ES23- Acredito que o facto de centrar a escolha dos conteúdos no aluno, neste caso em mim próprio, alavancou novas motivações (UR47).
No entanto, e tal como na dimensão anterior analisada, e como podemos ver na terceira unidade de registo exemplificativa, nem todos os estudantes demonstraram possuir este espírito de iniciativa, e por diferentes razões. No caso deste estudante, e de acordo com as suas palavras, esta falta de iniciativa parece prender-se pela “entrada” tardia nas discussões que de certa forma o foi inibindo de ter iniciativa.
Por sua vez o estudante ES5 aponta outro fator completamente distinto e relacionado com a extensão de algumas intervenções demasiado longas e com um tamanho de fonte muito pequena que tornou, na sua opinião, o debate bastante desmotivante:
ES5 - […] No entanto, a nível de debate nos fóruns, deparei-me com uma grande dificuldade: a existência de comentários extremamente longos, escritos com uma fonte pequena, tornava penosa a sua leitura e qualquer debate muito desmotivante (UR29).
Refira-se a este respeito que, apesar de os estudantes terem sido informados acerca da forma como deviam realizar as suas intervenções, alguns, como é percetível, acabaram por não cumprir o solicitado. Num desses avisos, acerca das intervenções nas salas de aula virtuais, alertava-se, por exemplo, para a necessidade de:
Realizar intervenções curtas com um tipo e tamanho de fonte visível.
Contribuir com regularidade, não se limitando a intervenções localizadas num espaço temporal muito curto.
Ter em conta as participações dos colegas, comentando, inquirindo, contrapondo, desenvolvendo.
Não repetir intervenções já colocadas, tendo-as em conta ou não as ignorando.
Finalmente, e no que diz respeito à terceira categoria, Autonomia na Aprendizagem, também com vinte e quatro registos, a classificação das unidades de registo mostra uma concordância quase plena de opiniões o que indicia, claramente, que os estudantes, consideram que o ambiente, a metodologia e a ação dos professores, lhes proporcionou autonomia no que diz respeito à gestão das participações e à partilha de ideias e opiniões. Alguns destacam esse papel determinante dos professores, sobretudo na forma como foram direcionando as discussões ou incentivando as participações, promovendo desta forma um ambiente e um espaço verdadeiramente colaborativo com o apoio dos recursos audiovisuais explorados.
ES4 | • […] O facto de ter tido oportunidade de pesquisar outros recursos, que não fossem exclusivamente aqueles que foram disponibilizados pelo professor, contribuiu para uma abordagem em rede flexível e propiciadora de desafios em relação à partilha de experiências e de saberes entre os membros da comunidade da aprendizagem. Além disso, a investigação de conceitos, de estudos sobre temas inovadores que não conhecia […] fomentou a minha autoaprendizagem e motivação, uma vez que os conceitos que ainda eram “opacos” para mim, gradualmente, se transformaram em aprendizagens elucidativas com sentido pedagógico. (UR52) |
ES17 | • Houve ganhos com autonomia na escolha das temáticas, pois favoreceu a iniciativa de cada mestrando, dentro do contexto, apresentar uma abordagem que ia de encontro à sua visão, permitindo diferentes leituras ou linhas de discussão no debate. Por outro lado, essa autonomia na apresentação de diversas linhas de discussão, possibilitou aos mestrandos confrontarem-se com outras formas de abordagem ao tema e reflexões consequentes, com ganhos para a comunidade educativa. (UR65) |
ES6 (-) | • Não me lembro de ter selecionado outras fontes durante o decorrer da unidade. Tenho muito pouco tempo livre e foquei-me no que era mesmo obrigatório. […] (UR54) |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Como podemos ver nas duas primeiras unidades de registo exemplificativas, os estudantes ES4 e ES17 referem que o professor fomentou a autoaprendizagem, a motivação e, sobretudo, a autonomia de cada mestrando, apresentando diferentes leituras e linhas de discussão, permitindo assim que houvesse o confronto entre distintas abordagens e opiniões.
Note-se que houve uma intenção clara de desenvolver esta última competência de aprendizagem - iniciativa - e para isso procurámos proporcionar um aumento da ligação entre os estudantes:
ES18- Considero esta abordagem de “proximidade” bem-vinda, pois ajudou-me, associada às orientações do professor, a ser mais autónomo. Na visualização de cada vídeo, anotei aquilo que para mim foi relevante, independentemente da opinião do professor. Também podia recorrer a outras fontes com ou sem indicação do professor. […] Em relação à participação, essa não era obrigatória, mas necessária porque participando, o estudante mostra o seu interesse/motivação no que está fazendo, ajuda o professor e os colegas a conhecê-lo […] (UR66).
E, diga-se a este respeito, que existem algumas práticas que podem propiciar o aumento da ligação entre estudantes. Rourke e Anderson (2002) propõem uma taxonomia de expressões sociais que procurámos seguir e que se apresentam no quadro seguinte:
De interação | De reforço | De afetividade | |
Definição | • Expressões que traduzem atenção e consciência mútua | • Expressões que traduzem um reforço social | • Expressões que traduzem emoção e sentimentos |
Função Social | • Construção e manutenção de relações de proximidade • Dar importância às mensagens dos outros |
• Encorajamento da participação • Promoção do envio de mensagens • Atenuar a apreensão da avaliação |
• Apresentação dos elementos do grupo • Desenvolvimento da confiança e redução da inibição |
Expressões elementares |
• Responder às mensagens dos outros elementos • Referir-se ao conteúdo das mensagens dos outros elementos • Questionar os pares |
• Elogio • Expressão de consideração |
• Expressão de emoções • Mostrar-se sem inibições • Utilização do humor • Uso de um estilo informal |
Fonte: Elaborado a partir de ROURKE; ANDERSON, 2002.
E, considerando o testemunho do estudante ES12, que destaca o aumento da sua autonomia durante a Unidade Curricular, parece-nos que a estratégia surtiu efeito, porque como refere:
ES12- Devido à especificidade da matéria e pelo facto de ser uma nova estratégia na qual participo, senti-me de certo modo limitado para procurar fontes alternativas “audiovisuais”, devido ao desconhecimento e certa limitação em pesquisar conteúdos educativos no formato audiovisual. Mas com o evoluir da unidade curricular fui me ambientando e atualmente sou capaz de ser mais autónomo que no princípio da unidade curricular (UR60).
A opinião dos estudantes ES18 e ES20 são no mesmo sentido, sobretudo no que diz respeito ao incentivo ao trabalho de pesquisa e de investigação:
ES18- Considero a abordagem bem-vinda, pois ajudou-me, associada às orientações do professor, a ser mais autónomo. Na visualização de cada vídeo, anotei aquilo que para mim foi relevante, independentemente da opinião do professor. Também podia recorrer a outras fontes com ou sem indicação do professor. […] Em relação à participação, essa não era obrigatória, mas necessária porque participando, o estudante mostra o seu interesse/motivação no que está fazendo, ajuda o professor e os colegas a conhecê-lo […]. (UR66)
ES20- O incentivo ao trabalho de investigação foi sempre notório em todos os momentos de aprendizagem, um aspeto que é gratificante e fez com que as minhas aprendizagens se tornassem, de facto, pessoalmente significativas. Os temas ou os conteúdos desenvolvidos na unidade curricular foram igualmente importantes para procurar outras fontes de informação e conteúdos que me permitiram, paulatinamente, enriquecer o meu blogue e fundamentar de maneira mais consistente, as minhas intervenções (UR68).
No entanto, e como podemos ler na terceira unidade de registo exemplificativa, o estudante ES6 não respondeu a este desafio de pesquisar diferentes recursos e fontes de conhecimento, não por querer contrariar as indicações, mas, como refere, por falta de tempo focando-se, pois, no essencial e “obrigatório”.
Conclusões
As relações humanas, sociais e pedagógicas contemporâneas têm sofrido grandes transformações impulsionadas pela apropriação das tecnologias, que assumem um papel crucial na mudança de hábitos e comportamentos. Devido à penetrabilidade em diferentes áreas na esfera educativa, a (r)evolução tecnológica assume um papel não negligenciável na complexidade dos ambientes de aprendizagem atuais e futuros. Ignorá-la será descurar o seu potencial de transformação e de modernização.
As visões populares das tecnologias digitais tendem a exagerar tanto na promessa como no risco. Os computadores e a Internet não são remédios instantâneos para currículos mais ou menos obsoletos nem tampouco camuflagens para as tradicionais instruções didáticas. Nem a educação online vai substituir os professores, nem a internet vai influenciar negativamente os estudantes. A ênfase não deve recair na tecnologia, mas na relação dinâmica que se deve estabelecer entre a tecnologia, a pedagogia, o conteúdo e as competências que se querem desenvolver nos cidadãos do século 21.
Foi este exercício que analisamos nesta pesquisa, procurando compreender como é que o cenário de aprendizagem virtual desenhado e enriquecido por tecnologias audiovisuais pode ter efeitos muito positivos na autoaprendizagem dos estudantes de pós-graduação, a nível das diferentes dimensões consideradas: Aprendizagem Ativa, Iniciativa e Autonomia.
Os principais resultados do estudo permitem-nos concluir que este ambiente virtual assente numa abordagem centrada nos princípios do modelo pedagógico desenvolvido por Moreira (2017) para o desenho de e-Atividades de aprendizagem centradas na “desconstrução” de imagens em movimento tiveram efeitos muito positivos na perceção das competências de aprendizagem da maioria dos estudantes.
Pudemos concluir, através da análise dos resultados, que os estudantes consideraram o espaço pedagógico criado como muito dinâmico e interativo, promovendo a participação e a aquisição das competências de aprendizagem analisadas: aprendizagem ativa, iniciativa e autonomia na aprendizagem.
Neste sentido, estudos recentes também apontam para o potencial educativo da linguagem audiovisual e fílmica, quer na aquisição de conhecimentos científicos, quer no desenvolvimento de construtos psicológicos, como o autoconceito académico, com reflexos nas capacidades cognitivas e sociais (MOREIRA, 2017; ALMEIDA, 2017).
Terminamos referindo que os recursos audiovisuais permitem equacionar o processo pedagógico de forma diferente, sobretudo em espaços virtuais de aprendizagem.
No entanto, a mudança não deve ser vista só do ponto de vista tecnológico, mas também em termos pedagógicos e culturais. Não basta apenas carregar no play e ver as imagens a movimentar-se, é necessário enquadrar estes recursos audiovisuais numa abordagem e num modelo que defenda uma visão de aprendizagem assente não apenas na aquisição de conteúdos e conhecimentos, mas também no desenvolvimento de competências de aprendizagem. Vários estudos internacionais, como o Partnerships for the 21st Century Skills (P21) (BATELLE FOR KIDS, 2015), apontam para domínios comuns, como as Competências Comunicacionais, referentes à capacidade de comunicação oral e escrita, de literacia para as tecnologias e para os média; as Competências de Raciocínio e Resolução de Problemas e as Competências Interpessoais e de Autodirecionamento, referentes à colaboração e trabalho em equipa, à sensibilidade e responsabilidade social, à adaptação e flexibilidade, à curiosidade e criatividade e à autonomia e iniciativa, competências estas analisadas neste texto com maior destaque.
Na realidade, sendo a perceção das competências um indicador de eficácia, o que valida, em certa medida, abordagens e modelos centrados no desenvolvimento de competências, verificamos que, na sua maioria, estes estudantes apresentaram uma perceção favorável na capacidade para aprenderem de forma autónoma e ativa.