Introdução
Neste artigo, apresentamos os resultados parciais de pesquisa de doutorado em andamento1 e esperamos trazer subsídios para a reflexão sobre práticas de estágio que levem em conta a relação dialética entre teoria e prática para a formação de professores; promovendo a discussão entre diferentes realidades em que o licenciando se vê e em que possa teorizar a partir dela. Espera-se contribuir para a formação dos professores e para o aprimoramento dos cursos de licenciatura em Letras nos Institutos Federais (IFs), além de aportar informações para a pesquisa na área de educação. Buscou-se analisar como se configuram os ECS dos campi em que há Dupla Licenciatura em Letras e sob quais concepções de estágio se embasam, uma vez que sua configuração se dá de forma distinta de outras Instituições de Ensino Superior (IES) que, anteriormente, eram as únicas ofertantes de licenciaturas.
As peculiaridades do Curso de Licenciatura Plena em Letras no IFSP
Ao longo das últimas décadas - especialmente após 2008 -, várias políticas foram feitas para aumentar a oferta de Licenciaturas, cujo intuito era reduzir o déficit de professores no Brasil. Nesse sentido, os IFs de diferentes localidades inseriram em seus Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI) a criação e abertura de cursos de Licenciatura2 com propostas diferentes das existentes até então, haja vista a própria configuração dos IFs, nos quais os docentes atuam desde a Educação Básica até a pós-graduação (verticalização do ensino).
Consideramos relevante analisar de que maneira está se constituindo essa modalidade de ensino na rede federal de educação. Concordamos com Batista Lima e Barreyro (2018) que a instituição possui interessantes e importantes objetos de pesquisa a serem investigados, sendo um deles pesquisas para a área de Educação e a própria formação docente. Nesse sentido, corroboramos com a visão das autoras de que é necessário (re)pensar um currículo que seja coerente com o exercício da docência, o que implica mudança no paradigma tradicional das licenciaturas, a fim de superar os limites para a construção de uma Educação Básica (EB) mais democrática e de qualidade, especialmente se considerarmos o próprio objetivo da criação dos IFs: ensino profissional de qualidade e integrado para a constituição da cidadania e criticidade.
Além disso, a instituição possui um grande diferencial: abriga em um mesmo campus cursos de EB (inclusive Educação de Jovens e Adultos), técnicos (concomitantes e subsequentes), superiores tecnólogos, de licenciatura e/ou bacharelado. Devido a isso, há estudantes de diferentes faixas etárias e os docentes lecionam em todas as modalidades dependendo de sua formação acadêmica. São profissionais que, de alguma forma, vivem a EB Pública e se valem disso para levar essa realidade à sala de aula, em disciplinas teóricas ou práticas.
Especialmente nas Duplas Licenciaturas em Letras do IFSP, percebe-se que os ECS não estão atrelados obrigatoriamente a uma disciplina curricular, isto é, sua carga horária (CH) é livre em relação à matrícula e à frequência em determinado componente curricular, como de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. Em alguns casos, há recomendação de cursar as disciplinas de Prática de Ensino, mas nunca obrigatoriedade. Além disso, há a sugestão de que os professores da licenciatura aceitem ser orientadores nos ECS, o que parece ser uma grande potencialidade, especialmente no que tange o acompanhamento desse licenciando na escola concedente do estágio. A proporção professor orientador por aluno tende a ser menor em relação a outras IES. Há ainda a possibilidade de os licenciandos realizarem o estágio dentro do próprio campus onde estudam e, assim, se prepararem para uma modalidade da EB como a de ensino técnico integrado ao médio, o qual tem especificidades de integração curricular.
Dessa forma, entendemos que documentar adequadamente o ECS é oportuno, haja vista ser um momento importante na formação docente. Para fortalecer essa etapa curricular são necessárias pesquisas que visem compreender como e sob quais concepções os ECSs estão sendo conduzidos, a começar pela análise dos documentos institucionais que os regem.
Concepções de Estágio Curricular Supervisionado
Os ECS são considerados por alguns autores como campo epistemológico no qual muito se pode analisar, com os diferentes sujeitos agentes desse processo. Isso é fruto de uma corrente teórica que defende a necessidade da construção de uma identidade docente mais crítica e reflexiva na formação inicial, a qual só é possível com o rompimento da cisão entre teoria e prática, tão consolidada historicamente nos programas curriculares das licenciaturas, a qual ficou conhecida como racionalidade técnica, a partir do modelo de formação 3+1, constituída por 3 anos de conhecimentos específicos teóricos de formação e um de conhecimentos pedagógicos, necessários à atuação docente (ANDRADE, 2019).
No intuito de suplantá-lo, nas últimas duas décadas, criaram-se alguns dispositivos legais direcionados à melhoria da formação inicial de professores, na tentativa de equilibrar a CH de disciplinas teóricas e práticas desses currículos. Dentre eles, podemos destacar as resoluções: CNE/CP 2/2002 (MEC/CNE, 2002); CNE/CP 02/2015 (MEC/CNE, 2015)3. O quadro 1 apresenta, sinteticamente, a distribuição de CH curricular a partir das temáticas presentes nos documentos:
2002 | 2015 | |
---|---|---|
CH ECS | 400 h | 400 h |
Conhecimentos específicos | 1800 h | 1520 h |
Conhecimentos de formação pedagógica geral | Não se fazia distinção entre os conhecimentos específicos e de formação pedagógica geral | 5ª parte da CH geral do curso, que seria de 680 h4 |
Prática como componente curricular (PCC) | 400 h | 400 h |
Atividades acadêmico-científico-culturais (ATCC) | 200 h | 200 h |
FONTE: AUTORIA PRóPRIA.
Um dos avanços foi o aumento da CH destinada aos ECS, os quais passaram a contar com 400 h de efetiva prática5. Apesar disso ter sido uma melhoria para os cursos de formação docente, Montiel e Pereira (2011) ressaltam problemas para seu cumprimento, dentre eles: dificuldade para os formadores acompanharem os estagiários (por serem muitos) nas escolas; a falta de parceria institucionalizada entre a escola e a IES; a burocratização no processo de parceria entre as instituições; a falta de professor especialista nas escolas para receber os estagiários; e, por fim, a falta de uma boa relação entre os professores formadores e os professores da escola. Concluem seu trabalho (baseado na aplicação da resolução CNE/CP nº 2/2002), defendendo que essa legislação foi importante para a formação inicial dos docentes, pois impulsionou mudanças na forma como o ECS era desenvolvido, o que gerou maior preocupação dos professores formadores com os estudantes na tentativa de se estabelecer uma parceria mais efetiva entre escola e universidade e, ainda, em tomar o ECS como espaço de pesquisa em que houvesse uma maior articulação entre teoria e prática (MONTIEL; PEREIRA, 2011, p. 430).
Entendemos o estágio como um campo de conhecimento e espaço de formação, cujo eixo é a pesquisa (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 24) e que, portanto, precisa de uma visão mais ampla que só o “momento prático dentro da formação docente”.
Quando um professor diz que ele aprendeu sua profissão na prática, percebemos que houve uma falha na formação inicial. Isso porque nem a teoria conseguiu ser transposta à prática e nem essa conseguiu fazer referência a qualquer fundamentação teórica ou mesmo virar Teoria (ALMEIDA FILHO, 2016)6. Trata-se de uma situação em que se careceu de práxis7 - a qual poderia ser desenvolvida no estágio se ela fosse tomada como eixo para atitude investigativa, em que se envolve reflexão e intervenção.
Muitas vezes, os currículos de licenciaturas são o que Pimenta e Lima (2006) chamam de aglomerado de disciplinas isoladas entre si, sem qualquer explicitação de seus nexos com a realidade que as originou. Essa oposição entre teoria e prática se traduziu por muitos anos em CH desigual na estrutura curricular desses cursos de formação. Ainda que, a partir de 2002, haja ocorrido um aumento no número de horas destinadas à prática (seja de Estágio ou mesmo de ATCC ou ainda com as PCCs), esta acaba sendo conduzida sem uma articulação dialética entre a teoria e prática.
Para a articulação dialética entre teoria e prática, Pimenta e Lima (2012) destacam quatro concepções principais de ECS que são tomadas para os currículos:
- prática como imitação de modelos: trata-se de uma prática mimética de modelos pelos quais tanto docentes como discentes passaram em sua trajetória educacional;
- prática como instrumentalização técnica: entende o estágio como o momento de aplicação de técnicas e estratégias dignas da profissão8;
- estágio como práxis; e
- estágio como pesquisa.
Tanto a primeira concepção quanto a segunda são problemáticas porque não possibilitam o desenvolvimento de reflexão, criticidade e teorização da prática. Nesse sentido, as concepções de estágio como práxis e pesquisa são mais frutíferas, por entendê-lo como uma atividade teórica instrumentalizadora da fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, ou seja, do contexto de sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 45).
Por fim, conceber o estágio como pesquisa é dar a ele um espaço epistemológico, ao aceitá-lo como lócus privilegiado de problematização, resolução de problemas e mesmo explicação dos fenômenos latentes da educação brasileira. Isso só é possível se a formação do licenciando e do professor em serviço forem baseadas na constituição de si como pesquisador. Assim, tanto a concepção de pesquisa como a de práxis exigem que discente e docente formador se convertam em intelectuais crítico-reflexivos (PIMENTA; LIMA, 2012).
Metodologia e dados da pesquisa
Este trabalho insere-se no paradigma da pesquisa qualitativa9 tendo como base Paiva (2019); Bogdan e Biklen (1994), com foco na análise documental (pesquisa bibliográfica). Foram analisados os Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) e os Manuais de Estágio de três campi do IFSP que têm Dupla Licenciatura em Letras, os quais foram tratados pelas letras A, B e C.
Entendemos a pesquisa bibliográfica como, não só o levantamento de pesquisas a partir de uma mesma temática, mas também a pesquisa documental (LAKATOS, 2010, p. 157) que se faz a partir dos documentos oficiais dos campi do IFSP como corpus que norteiam a prática estabelecida nos PPCs e atuação docente dos formadores.
A análise dos dados foi realizada a partir dos pressupostos da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), a qual apresenta três etapas: Pré-análise, Exploração do material e Tratamento dos resultados (inferência e a interpretação).
Resultados e discussão
Os documentos reguladores referentes ao Estágio Curricular Supervisionado do IFSP
Documentos importantes sobre o estágio no IFSP são o Regulamento de Estágio do IFSP (aprovado por meio das portarias nº 1204/2011) e a Resolução nº 16/2019, referente às Diretrizes dos Estágios nas Licenciaturas. O primeiro documento foi elaborado em conformidade com a lei nº 11.788/200810, com a LDB de 96 e Resoluções CNE/CEB nº 1/2004 e CNE/CP nº 2/2002, para sistematizar o processo de implantação, oferta e supervisão de estágios curriculares (obrigatórios ou não) dos cursos oferecidos pelo IFSP. Define-se estágio curricular obrigatório às licenciaturas e estabelece que compete à coordenação de extensão (CEX) firmar o Termo de Convênio e estabelecer parceria com a escola/empresa conveniada. Além disso, a CEX deve responsabilizar-se pela documentação e seu arquivamento na conclusão do estágio e ainda assegurar ao estagiário seguro obrigatório. O documento ainda explicita o papel do estagiário e do professor orientador. A este cabe: a elaboração do plano de atividades junto à unidade concedente e ao estagiário; o acompanhamento da prática por meio de reuniões semanais; a avaliação do estagiário e do relatório; a participação em reuniões com a CEX e a entrega a ela de relatório das atividades desenvolvidas pelos estagiários. Algo interessante é que o docente orientador deve ser indicado pela coordenação e/ou colegiado de curso e designado pelo diretor do campus via portaria.
Já a Resolução nº 16/2019 trata exclusivamente do estágio das licenciaturas e pautou-se na LDB de 96; na Lei nº 11.788/2008; na Resolução CNE/CP noº 2/2015; no parecer CNE/CP nº 2/2015 e no Regulamento de Estágio do IFSP de 2011. Nesse documento, há a redução de CH de estágio para portadores de diploma de no máximo 100 h (em conformidade com a Resolução CNE/CP 2/2015, enquanto a Resolução CNE/CP nº 2/2002 autorizava 200 h de redução para os mesmos casos), desde que isso esteja discriminado no PPC de curso.
Como objetivos do estágio, o documento menciona que este é o momento de inserção do licenciando no processo de profissionalização por meio de uma formação em ambiente institucional, além de propiciar a interação com a realidade profissional, na qual ele integraria e aplicaria os conhecimentos de pesquisa, extensão e ensino, visando a ações de observação, análise e intervenção de acordo com a realidade local, regional e nacional. Elenca que também seria o momento de indissociabilidade entre teoria e prática, viabilizando a construção de conhecimentos, análise e aplicação de novas tecnologias, metodologias, sistematizações e organizações de prática docente; e que seria o local para promover e valorizar a diversidade de educação inclusiva e de integração do IFSP com a unidade concedente.
Orienta ainda que o ECS se inicie a partir da segunda metade do curso; ressalta a necessidade de se houver pré-requisito para sua realização, esse estar definido no PPC do curso, entretanto, menciona-se a sugestão do aluno estar cursando um dos componentes articuladores do ECS. Ademais, salienta que o ECS deve ser feito em escolas, preferencialmente públicas, de EB, nas diferentes etapas (Ensino Infantil, Fundamental e Médio) e modalidades (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Profissional e Técnica, Escolar Indígena, do Campo, Quilombola e a Distância) e não podendo superar 20% da CH em instituições não-escolares. Há ainda uma especificação de que as horas de orientação e escrita de relatório não devem compor a CH do ECS. O documento ainda prevê a utilização das horas em programa de Residência Pedagógica11 como forma de cumprimento do estágio curricular.
O artigo 11 apresenta que os campi deverão garantir, a todos os licenciandos, professores orientadores (do curso indicados pelo Colegiado do Curso e designados pela Direção por meio de portaria específica e que gozem de CH semanal destinada para essa finalidade). Sobre suas funções, elencam-se atuação em colaboração com os professores das disciplinas de componentes articuladores e cumprimento das diretrizes do ECS junto aos discentes. Ainda nesse artigo se ressalva que as atividades desenvolvidas pelos orientadores não devem se confundir com as dos professores dos componentes curriculares articuladores, mas trabalhar de forma integrada a fim de proporcionar ao educando uma melhor relação entre teoria-prática-reflexão.
Menciona-se que um professor orientador poderá atuar como assessor da CEX e de curso, com CH de trabalho definida para atuar na unificação de procedimentos e assessoramento de orientadores e discentes; na elaboração e divulgação de calendário de estágio; na proposição de convênios de colaboração com os sistemas de ensino ; e no auxílio da alimentação do sistema de Tecnologia da Informação do IFSP com a documentação de estágio. Entendemos que essa figura seria o que alguns campi possuem de coordenador de estágio.
O artigo 12 deixa claro que os PPCs devem prever Componentes Curriculares Articuladores ao ECS, a partir dos quais se fomentem discussões e levantamento teórico que substancie a reflexão-ação-reflexão entre estágio, orientação e o currículo do curso; além de haver a necessidade de que esses componentes tenham em seus planos de ensino correspondência das temáticas e objetivos específicos com as atividades que devem ser desenvolvidas pelos estagiários nas unidades concedentes. Salienta-se que sua realização e/ou aprovação nesses componentes articuladores não são condicionados de forma obrigatória, mas recomenda-se fortemente que se realizem simultaneamente.
Vimos, nesses documentos que embasam o ECS no IFSP, como esta etapa curricular está estruturada institucionalmente. É possível perceber que é preconizada a relação entre teoria e prática no estágio, ao propô-lo atrelado aos componentes curriculares articuladores, como também ao destacar o papel do professor orientador de estágio como mediador da relação teoria-prática-reflexão. No entanto, a não obrigatoriedade da matrícula dos licenciandos nos Componentes Curriculares Articuladores pode fazer com que haja uma deficiência de teorização durante a prática no estágio. Neste sentido, não basta haver mudanças na legislação (sejam elas advindas do MEC, quanto à CH do ECS, ou localmente, institucionais) se não ocorrerem de fato alterações estruturais quanto à forma como as licenciaturas direcionam a formação de seus alunos, especialmente no que tange a articulação entre teoria e prática.
No tópico a seguir, apresentamos a análise que realizamos dos PPCs, buscando identificar em que concepção de estágio esses documentos estão alicerçados.
O que dizem os Projetos Pedagógicos de Cursos
Os três campi analisados tiveram a aprovação de Curso no IFSP em datas bastante semelhantes e início oficial no ano de 2017. Os três PPCs foram redigidos atendendo à Resolução de 2015, com CH acima das 3.200 h - a instituição A com CH mínima de 3.666,4 h; a B, 3.817 h e a C, 3.607,9 h.
Atualmente, todos contam com egressos e estão discutindo nova atualização curricular devido à adoção de uma matriz que será equivalente às três licenciaturas12. Vale ressaltar que, assim como ocorre nas IES, os campi possuem autonomia e, portanto, o currículo elaborado por cada uma pode ser diferente. Apesar disso, todos eles devem seguir o que se encontra na legislação federal vigente quanto ao que se espera para a formação docente. Desse modo, os três PPCs foram redigidos atendendo aos documentos que regiam a EB13 e Superior.
No que tange ao perfil do egresso, os três defendem a formação de professores proficientes em língua materna (LM) e língua estrangeira moderna (LEM), atentos às necessidades interculturais, enfatizando o respeito, a aceitação e o ensino destes para os educandos da EB. Outro ponto que aparece nos três projetos é a necessidade de construção de autonomia e reflexão dos egressos, as quais serão de grande valia para a consolidação da criticidade, primordial para a atuação docente.
Apesar da atuação principal como docente, os três PPCs ressaltam que são várias as opções profissionais do duplamente licenciado em Letras, tais como, trabalho em editoras, revisão de texto, tradução, aula em cursos livres de idiomas, aulas em cursos superiores e tecnólogos (desde que possuam pós-graduação), além de outras etapas da EB, como educação infantil, de jovens e adultos, técnica e tecnológica, etc.
Dada a exigência de 400 h de PCC, os três campi adotaram a distribuição ao longo dos 8 semestres formativos, diluindo a CH em diferentes disciplinas com o intuito de fortalecer a mediação teoria-prática. Além disso, a PCC é vista como um espaço curricular - sendo muitas vezes usada para discussão do estágio, como veremos mais adiante - em que os licenciandos se deparam com problematizações de questões próprias dos processos de ensino e aprendizagem mais amplos e de seus componentes mais específicos, ademais da reflexão sobre os espaços escolares e momento para interpretá-los para transformá-los. Dessa forma, várias atividades podem ser desenvolvidas, tais como, planos de aulas, estudo de caso, análise, elaboração e avaliação de materiais didáticos, etc. O campus A apresenta como proposta de PCC a execução de projetos integradores, com os quais envolvem os discentes e docentes a partir de um tema, em geral interdisciplinar, baseado nos temas transversais.
No que se refere ao ECS, foco deste trabalho, nos três campi, respeitando e atendendo à Resolução CNE/CP nº 2/2015, constam CH de 400 h divididas entre LM e LEM. Recomenda-se, em todos os PPCs, que seja iniciado a partir do 5º semestre do curso. Ainda, ressalta-se a importância de que essas horas sejam divididas nas diferentes etapas da EB (Ensino Fundamental II e Médio) e em seus diferentes contextos educacionais (Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, a Distância, Educação do Campo Indígena e Quilombola, Centro de Idiomas, etc.). Nos campi A e B há a sugestão de que, para iniciar o ECS, se esteja matriculado ou tenha concluído algumas disciplinas articuladoras. Essas serviriam como disciplinas basilares para que a articulação entre as atividades de estágio e reflexões teóricas acontecesse. O campus C vincula (não de forma obrigatória) a realização de estágio ao Componente Articulador Projeto Integrador, mas recomenda que o ECS seja feito após cursadas as disciplinas de Prática de Ensino I e II.
É interessante notar que o campus C não faz menção, no PPC14, da distribuição das horas de estágio em LM ou LEM, mas orienta os alunos que devem cumprir 200 h em LEM e 200 h em LM.
A seguir, apresentamos o quadro 2, no qual há a relação de cada campus com os componentes curriculares e/ou articuladores por semestre, bem como a distribuição de horas por habilitação da licenciatura.
Campus | 5º Semestre | 6º semestre | 7º semestre | 8º semestre |
---|---|---|---|---|
A | Sociologia da Educação (enfoque EF II e Gestão - 100 h de LM) | Tecnologias da Informação e Comunicação no Ensino de Línguas (Enfoque EF II, EM ou CEL - 100 h LEM) | Metodologia e Prática de Ensino de Língua Materna (enfoque EM e outros contextos previstos no PPC - 100 h de LP) | Metodologia e Prática de Ensino de Língua Estrangeira (enfoque EM, EF II, CEL ou outra instituição prevista em PPC - 100h de LEM) |
B | Didática Fundamentos da Educação Profissional e de Jovens e Adultos (ênfase em gestão dos processos educativos, LM e LEM - 100 h) |
Metodologia e Prática de Ensino de Língua Portuguesa (ênfase em LM - 100 h) |
Metodologia e Prática do Ensino de LEM (ênfase em LEM - 100 h) |
Materiais Didáticos e Avaliação de LP Materiais didáticos, Avaliação e Tecnologias no Ensino de LEM (Enfoque em LM e LEM - 100 h) |
C | Projeto Integrador I (foco em gestão escolar - 100 h) | Projeto Integrador II (foco em EM - 100 h) | Projeto Integrador III (foco em EF II - 100 h) | Projeto Integrador IV (foco em contextos diversificados - 100 h) |
Fonte: Autoria própria.
Analisamos as ementas das disciplinas articuladoras e notamos que os campi A e C apresentam explicitamente nelas essa correlação teoria-prática. Nos quadros 3 e 4, indicamos o que os PPCs - nas ementas ou em outras partes do documento - explicitam sobre o ECS nesses componentes curriculares.
Disciplina | Relação com estágio |
---|---|
Sociologia da Educação | Reflete acerca da relação entre o ambiente social e econômico no qual o discente está situado e sua trajetória educacional, contemplando estudos de caso de trajetórias educacionais diversas (PCC), tendo em conta o início de realização do estágio por parte dos discentes. * PCC: desenvolver debates, orientações e reflexões sobre questões relevantes no contexto escolar a partir de estudos de casos e da observação do contexto escolar de realização do estágio. * Estudos de caso de trajetórias escolares a partir da observação na primeira etapa do estágio. |
Tecnologias da informação e comunicação no ensino de Línguas |
* Explorar várias possibilidades de aplicação das novas tecnologias na educação básica a partir da observação dos contextos escolares na segunda etapa do ECS. * Elaborar atividades práticas de preparação de material pedagógico com utilização das TICs, dentro das ações de PCC e que possam ser aplicadas na Educação Básica em possíveis momentos de regência (modalidade do ECS). |
Metodologia e prática de ensino em Língua Materna | O componente curricular oferece orientações e reflexão sobre diferentes metodologias e técnicas pedagógicas adequadas ao EF e EM; bem como subsídios para planejar, aplicar e replanejar as aulas de Língua Portuguesa e Literatura, articulando a teoria com a realização do ECS de LM. * Capacitar o aluno ao planejamento de aulas de LM e literatura e elaboração de propostas e estratégias para a implantação de projetos pedagógicos nas escolas, em particular, nas que os discentes estejam realizando a terceira etapa do ECS. |
Metodologia e prática de ensino de Língua Estrangeira |
* Desenvolver atividades individuais e em grupo relacionadas à prática do ECS e à análise de material pedagógico em língua espanhola específicos para brasileiros. * Analisar e discutir o processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira moderna, em específico do espanhol a partir da observação da realidade escolar na realização da quarta etapa do ECS. * A PCC objetiva capacitar o aluno a planejar aulas de língua estrangeira e literatura, articulando a teoria com a realização do ECS. |
Fonte: Autoria própria.
Destacamos que é muito relevante a explicitação do estágio nas disciplinas articuladoras, porque isso direciona o docente que ministrará a disciplina a trazer o ECS para a sala de aula (a exemplo da disciplina de Sociologia, cuja PPC é debates, reflexões das vivências na escola, bem como o estudo de casos propostos a partir da realidade do ECS). Assim, além de estabelecer pontos de contato teóricos, por meio das discussões, também se correlaciona a prática, seja para realizar o planejamento de atividades pontuais do ECS em LM e LEM.
Entendemos que, por meio dessa inclusão nas ementas, o ECS volta-se a uma dimensão de prática reflexiva, de constituição de uma práxis, a partir do desenvolvimento de um intelectual crítico, reflexivo (PIMENTA; LIMA, 2012).
Vejamos como isso se dá no PPC do campus C:
Prática de ensino I e II | Além de discussão e reflexão sobre metodologias de ensino, papel do professor de línguas, ensino de gramática e literatura, essas disciplinas buscam desenvolver técnicas de preparação de aulas, elaboração de planos de ensino e de aulas, elaboração de instrumentos de avaliação, sempre de forma crítica e estabelecendo conexões com os componentes desenvolvidos ao longo do curso. Ademais, as disciplinas de Prática de Ensino são os espaços para compartilhar e discutir suas percepções, vivências, desafios e sucessos no Estágio Curricular Supervisionado. É o momento de troca de experiências, reflexão coletiva e enriquecimento mútuo da experiência docente, envolvendo os estudantes entre si e os estudantes com o professor. |
Projeto Integrador I, II, III e IV | As atividades elaboradas nos projetos integradores têm como finalidade promover a articulação dos diferentes conteúdos das disciplinas do currículo do curso de Letras com as experiências vivenciadas no estágio supervisionado, numa perspectiva interdisciplinar, de modo amplo e contínuo. O tema a ser escolhido para o desenvolvimento do projeto, bem como seu planejamento, dever ser definido pelos professores das disciplinas do semestre, que participarão do projeto, e pelos alunos. Ao trabalhar com os projetos integradores, os discentes também terão oportunidade de se aperfeiçoar como profissionais reflexivos e críticos e como pesquisadores, promovendo uma educação crítica, comprometida com ideais éticos e políticos que contribuam para o processo de humanização da sociedade. |
Fonte: Autoria própria.
À diferença do PPC do campus A, o do campus C não explicita nas ementas das disciplinas de Prática de Ensino I e II como o ECS seria resgatado na sala de aula e porque elas deveriam ser vistas antes do início dele. Entretanto, em um item à parte, antes do ementário, no ponto 6.6.2, sobre as disciplinas de práticas, apresenta o que está exposto no quadro. Oportuniza-se um momento de reflexão coletiva sobre a realidade, o que nos parece indicar a concepção do estágio como práxis e pesquisa. Não obstante, o silenciamento dessas informações nas ementas dessas disciplinas curriculares poderá deixar a cargo do docente responsável pela disciplina articuladora realizar a leitura do PPC, podendo não se atentar em trazer o ECS para a aula.
O mesmo acontece com as ementas das disciplinas de Projeto Integrador I, II, III e IV. Primeiramente chama a atenção o fato de suas ementas, bem como os objetivos e conteúdo programático serem idênticos, ao passo que o item 6.6.3 do PPC delimita de forma mais assertiva como os projetos deveriam ser levados a cabo. Há a explicitação da pesquisa a partir do ECS, com a qual se desenvolve a competência do professor pesquisador, conforme apresentamos no quadro. Analogamente ao que expusemos sobre as disciplinas de prática de ensino I e II, caberá ao docente que ministrará a disciplina voltar ao PPC e aplicar os objetivos esperados para os projetos integradores. Isso seria resolvido se as informações estivessem explícitas e claras nos conteúdos programáticos e/ou objetivos do componente curricular, em conformidade com a Resolução do IFSP nº 16/2019.
O campus B, em contrapartida, é o único que não apresenta nenhum detalhamento do que se espera de articulação das disciplinas articuladoras. Esse silenciamento nos leva a interpretar que o estágio, nesta instituição, ainda não é entendido como pesquisa ou práxis, sendo apenas um momento de prática obrigatória que o licenciando deve realizar, aproximando-se da concepção de estágio como instrumentalização técnica.
No que tange às atividades do ECS, consta nos três PPCs: observação, participação/intervenção e regência. O único campus que indica CH destinada a cada uma dessas etapas é o A (sendo a observação e participação com carga mínima de 60 h a 90 h máxima, tanto em LM como em LEM; e regência de 20 h a 50 h). O campus B, exceto no 5º período que orienta os alunos a realizarem apenas observação e participação, deixa que os alunos equalizem as outras modalidades em todos os semestres. Já o C, segue o mesmo modelo do B, indicando que no primeiro estágio seja realizada apenas observação e direcionando para as demais etapas do ECS a observação, participação e regência.
Parece-nos pertinente determinar pelo menos um mínimo de horas para cada uma dessas atividades (especialmente quanto à regência), pois isso pode ser um fator para que, efetivamente, o aluno esteja no papel de professor, a partir do qual poderá valer-se da experiência para teorizá-lo.
Ademais, essas atividades são acompanhadas por atores que não são comuns a outras IES no decurso do ECS: professor orientador e o coordenador de estágio. Ressaltamos que o ECS, no IFSP, está vinculado à Extensão, então em cada campus o coordenador de estágio se subordina àquela no que se refere às decisões institucionais e documentais, atendendo à prerrogativa do Regulamento de Estágio e da Resolução nº 16/2019 do IFSP. Em termos de fluxograma, a hierarquia do estágio é assim distribuída:
Ressaltamos que um docente do IFSP pode desempenhar diferentes papéis, podendo ser, no estágio, desde supervisor da unidade concedente (no caso dos licenciandos realizarem estágio no próprio campus do IFSP), a orientador e/ou coordenador de estágio, bem como coordenador de extensão que cuida de questões burocráticas junto ao órgão superior, a Pró-reitoria de Extensão. Isso, possivelmente, impacta a qualidade enquanto orientador. Se, por um lado, ao ser supervisor, o docente do IFSP pode tentar atuar de forma a orientar teórica, metodológica e pedagogicamente o licenciando, os cargos de coordenação de estágio e extensão podem fazer com que seu papel (devido à CH excessiva para as funções administrativas) fique muito menos voltado a essa orientação.
Pudemos perceber que os PPCs dos campi analisados apresentam organização de funcionamento dos ECS bastante estruturada, mencionam objetivos para o estágio dentro da concepção de estágio enquanto pesquisa e práxis (PIMENTA; LIMA, 2012), mas não deixam claras quais atividades deverão ser realizadas e como essas serão desenvolvidas pelos docentes, quando analisamos as ementas das disciplinas articuladoras dessa etapa - à exceção do campus A que elenca ora objetivos, ora conteúdos programáticos e mesmo no texto de suas ementas menciona o ECS. Apesar disso, ainda é forte o construto e concepção de estágio como uma função administrativa que deve ser cumprida pelo licenciado, exatamente devido ao silenciamento de como deveria ser trabalhado nessas disciplinas. Veremos a seguir se os manuais de estágio esclarecem para uma condução de uma prática de ECS mais reflexiva e crítica dos estudantes.
O que dizem os manuais de estágio das instituições estudadas
Os manuais de estágio são documentos desenvolvidos institucionalmente para consulta e que normatizam a atividade curricular do ECS no campus. É feito pelo Núcleo Docente Estruturante, referendado no Colegiado de Curso e no Conselho de Campus. É um documento complementar ao PPC do curso e que estabelece as diretrizes para sua realização, além de indicar os atores do seu decurso.
Discutiremos alguns pontos nessa subseção, dentre os quais: a) definição e concepção de estágio presente no documento; b) papel do professor orientador e do coordenador de estágio; c) especificidades na organização do estágio no campus. Passemos a eles.
Definição e concepção de estágio
Apresentamos, no Referencial Teórico, as diferentes concepções de estágio de acordo com Pimenta e Lima (2012) e entendemos que ela pode ser inferida a partir da forma como a instituição define sua prática. Dessa forma, observou-se nos manuais de estágio as seguintes definições:
- Campus A: Descreve-o como prática do magistério e etapa obrigatória no processo formativo da licenciatura, que possibilita a compreensão das teorias estudadas em sala de aula assim como uma reflexão sobre sua aplicabilidade no ambiente escolar. Explicita-se a relação entre teoria e prática como essencial para a formação, elencando-a como uma forma mais eficaz de assimilação dos conteúdos teóricos e como uma complementação do aprendizado, a qual oportuniza conhecimento mais profundo da profissão permitindo que, ao concluir o curso, o licenciando esteja preparado para a realidade da sala de aula, com uma noção do que poderá vir a enfrentar em uma sala de aula e no seu cotidiano profissional.
- Campus B: Descreve-o, igualmente ao A, como uma prática obrigatória cujas atividades têm o objetivo de que a presença participativa no ambiente escolar e educacional propicie o desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências profissionais voltadas à mobilização de saberes, atitudes e valores indispensáveis ao bom desempenho do(a) docente, tais como: a compreensão da inserção da escola na realidade social e cultural contemporânea e das práticas de gestão do processo educativo voltadas à formação e à consolidação da cidadania; o domínio de conteúdos disciplinares específicos, da sua articulação interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar; a condução da atividade docente a partir do domínio de conteúdos pedagógicos aplicados às áreas e disciplinas específicas a serem ensinadas, da sua articulação com temáticas afins e do monitoramento e avaliação do processo de ensino e aprendizagem; a capacidade de reflexão sobre a própria prática, objetivando o aprimoramento profissional e o domínio dos processos de investigação necessários ao aperfeiçoamento da prática pedagógica; a realização de diagnósticos para embasar planejamentos de projetos pedagógicos que possibilitem aprendizagens eficientes.
- Campus C: Indica-o como preparação para o trabalho produtivo, auxiliando o licenciando a desenvolver atividades e materiais relativos ao ensino das disciplinas em foco e a entrar em contato com contextos reais de ensino, para colocar em prática os conceitos estudados no curso de forma reflexiva.
Percebe-se que a concepção de estágio que está bastante evidente é de prática, como uma instrumentalização do licenciando para a profissão que desempenhará. Ainda que também se notem indícios de entendimento do ECS como práxis, ao relacionar teoria e prática, fica mais evidente a ideia de transposição da teoria à prática do que a teorização dessa, muito embora se mencione a reflexão como elemento desejável da prática. Entretanto, essa reflexão parece estar mais atrelada a uma necessidade imediata e não como elemento para que se conceba o estágio como um lugar de construção de conhecimento. Isso também é corroborado a partir da análise que fizemos dos PPCs, nos quais não se encontram a explicitação do estágio em todas as ementas das disciplinas articuladoras do ECS de forma contundente. Defendemos que seria o momento oportuno para que a formação do professor começasse a desabrochá-lo como intelectual em processo e que se tomasse a educação como processo dialético (via dupla da teoria e prática).
Assim, o que Pimenta e Lima (2012) salientam do ECS ser um momento de atividade teórica de conhecimento, diálogo e intervenção na realidade e espaço de investigação das práticas pedagógicas que estão presentes nas instituições de ensino, não se materializa com afinco nos manuais nem nos PPCs, muito embora a escola seja vista como um lugar de trabalho produtivo, de aplicação de conhecimentos teóricos, de reflexão e de noção da realidade, mas não como um espaço de construção de pesquisadores e teorias. Ademais, algo que chama a atenção nesses manuais é que, atribui-se aos orientadores a responsabilidade de promover momentos de discussão e reflexão fundamentada teoricamente com os discentes em ocasiões de orientação de estágio, mas não há espaços institucionais indicados no documento (sejam nas disciplinas teóricas e práticas, afora em alguns PCCs) para que isso ocorra. Isso poderia ser resolvido com a inclusão de seminários, eventos e rodas de conversa institucionais em que os licenciandos, orientadores e supervisores trocassem experiências e pudessem teorizar a partir delas a fim de desenvolver o que Pimenta e Lima (2012) defendem: conhecimento buscado como algo novo, a partir da relação entre explicações existentes e não como verdade capaz de explicar toda e qualquer situação (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 46).
A seguir apresentaremos o que os manuais elucidam como papéis dos orientadores e coordenadores de estágio.
Papel do orientador de estágio
Para os três campi, entende-se como professor orientador o docente do curso de Licenciatura em Letras que deve acompanhar as atividades desenvolvidas pelo discente nessa etapa formativa. No campus A, o aluno deve convidar o professor orientador, o qual deve ministrar aulas no curso; no campus B, não se menciona como se constituem docentes orientadores, apenas que devem ser docentes do curso; e, no campus C, os orientadores são nomeados por meio de portaria com o intuito de orientar os alunos durante a realização do estágio.
O campus B não apresenta uma sessão com as atribuições dessa função, apenas elenca no fluxograma do discente que cabe ao orientador auxiliar na elaboração da carta de apresentação; do termo de compromisso de estágio; do plano de atividades; e, também, cabe a ele fiscalizar a ficha de registro de estágio e receber e avaliar os relatórios semestral e final de estágio.
Na análise das atribuições dos orientadores dos campi A e C, além das atividades puramente pedagógicas e metodológicas, chama a atenção a burocracia15 que estes devem desenvolver: auxiliar o preenchimento dos documentos que o licenciando deve apresentar; assinar e entregar a documentação aos superiores imediatos necessários; receber e vistoriar os formulários de registro de atividades de estágio; auxiliar na escrita dos relatórios, bem como recebê-los e avaliá-los e entregá-los aos coordenadores de estágio quando houver e/ou alimentar o sistema acadêmico quando lhes couber. Esse item é bastante polêmico, pois, ainda que se esteja em uma instituição de Ensino Superior, a responsabilidade de envio da documentação discente para realização do estágio (exceto a pessoal que, em alguns casos, deve entregar à instituição, quando sua realização se der no IFSP) é do orientador, porque os alunos não conseguem realizar o carregamento virtual de documentos no servidor SUAP16 usado pelo IFSP. Isso certamente impacta a qualidade da orientação de ECS que oferecem a seus orientandos, uma vez que parte da CH que o docente pode apresentar como plano individual de trabalho (PIT) fica na composição, assessoramento e arquivamento de documentos.
Os campi A e C mencionam a orientação de forma explícita por meio de reuniões para ajuda, planejamento de atividades e solução de dúvidas. O campus C ainda é mais explícito sobre o planejamento ser realizado junto ao supervisor e sobre acompanhar e avaliar o desempenho dos alunos. Isso é algo bastante vantajoso para os discentes que podem ter uma assessoria mais individualizada nessa etapa formativa. Entretanto, ainda que esteja evidenciada verbalmente nos manuais, é necessário ver em que medida isso de fato se concretiza, o que só seria possível com outro tipo de coleta e análise de dados.
Percebe-se também que o orientador é uma ponte entre os discentes e coordenador de estágio e/ou de extensão, responsável pelo recebimento, abertura de processo de estágio e arquivamento dele. Já mencionamos que o papel burocrático do orientador é alto e isso não é característico apenas do professor orientador, mas da própria atribuição do docente no IFSP.
O docente orientador poderá também acumular função de coordenador de estágio. Sua figura está presente nos manuais dos campi A e C. A esse respeito, são docentes do curso que são designados por portarias e cujas atribuições são assim descritas:
instruir os Professores Orientadores com relação às normas do ECS;
acompanhar a escolha das instituições de ensino ou entidades que ofereçam oportunidades e campos de estágio, cadastrando os locais disponíveis para a realização do ECS;
orientar os alunos e escolas sobre o conteúdo do termo de compromisso e normas legais do ECS, ressaltando a importância da realização do mesmo na formação e enriquecimento profissional do aluno;
providenciar as documentações necessárias (cartas, ofícios, termos de compromissos, projetos e relatórios) para encaminhamento aos interessados e envolvidos no processo do Estágio Supervisionado;
supervisionar e avaliar o ECS nos termos da lei e da prática do mesmo, a partir dos mecanismos de monitoramento e avaliação disponíveis, e mantendo registros atualizados sobre a realização dos mesmos;
promover encontros e reuniões com os Professores Orientadores para o compartilhamento de experiências, troca de ideias e propostas de sugestões.
O campus A ainda estabelece mais uma atribuição: manter as relações com os ambientes de ECS e com os Professores Orientadores, favorecendo a integração entre a Instituição e os ambientes de estágio; enquanto o campus C complementa com mais duas: estabelecer e divulgar, no início de cada semestre letivo, o calendário de acompanhamento de estágio; organizar e arquivar a documentação relativa ao estágio, fornecida pelos orientadores, assim como alimentar o sistema acadêmico da Instituição.
Percebe-se que os coordenadores de estágio possuem, assim como os orientadores, funções administrativas e pedagógicas, pois, deveriam promover momentos de capacitação continuada aos orientadores por meio de troca de experiências, além de fazer a mediação junto às escolas concedentes e às redes de educação nas quais os estagiários atuam. Um aspecto que chama a atenção é a inexistência desse cargo no campus B, o que sugere uma configuração diferente dos trâmites burocráticos.
Ressaltamos que mesmo com a presença de um coordenador que orquestra, inicia e controla a entrega de documentação, essa responsabilidade deve ser destinada ao coordenador de extensão da unidade. Vemos que, em alguns casos, um mesmo professor é orientador, coordenador de estágio e coordenador de extensão, o que certamente impactará a qualidade de seu trabalho. Isso só poderia ser comprovado com dados extraídos de outra natureza, tais como entrevistas com agentes nessa função.
Deste modo, por meio do estudo dos PPCs e manuais, podemos chegar a algumas conclusões sobre o ECS nos cursos de Licenciatura em Letras do IFSP, as quais destacamos a seguir.
Considerações finais
Reiteramos a importância que os ECS têm na formação inicial docente e corroboramos com Pimenta e Lima (2012) que estes deveriam ser concebidos como práxis e pesquisa, a fim de munir os licenciandos de uma formação intelectual reflexiva e crítica, a qual certamente fará diferença em sua atuação docente. Para que isso germine e dada a atuação dos IFs na formação de docentes, consideramos pertinente o estudo documental aqui apresentado sobre a configuração e concepção de estágio identificadas nos Projetos Pedagógicos de Curso e nos Manuais de Estágio dos campi do IFSP que possuem Dupla Licenciatura em Letras.
Pudemos comprovar que estruturalmente os ECS configuram-se, em alguns aspectos, de forma semelhante às universidades, tais como o início de sua realização - a partir da segunda metade do curso - e a CH total destinada a tal atividade. Entretanto, há no IFSP a articulação da prática do ECS não com componentes curriculares específicos, mas com disciplinas entendidas como articuladoras não obrigatórias. Isso rompe com a obrigatoriedade de matrícula em disciplinas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, frequente em outras IES e possui, a nosso ver, vantagens e desafios. As primeiras são os alunos poderem decidir o melhor momento para iniciar o ECS e tentar articular a ele diferentes saberes e conhecimentos oriundos do currículo. Por outro lado, isso deve estar bem explicitado aos discentes e docentes que ministram essas disciplinas articuladoras, a fim de que não fiquem esquecidos no dia a dia de sala de aula. Outro desafio é a não obrigatoriedade da matrícula do licenciando nas disciplinas articuladoras concomitante a execução do ECS, o que pode comprometer o processo de teorização da prática.
Não há um único docente que deva acompanhar os estagiários nas unidades concedentes, já que qualquer professor (designado por meio de portaria ou não) da licenciatura do IFSP pode ser orientador de ECS. Com isso, facilitam-se o acompanhamento e a avaliação do estudante in loco, se assim o desejar, e individualiza a realização do ECS. Isso porque reduz a relação discente/docente durante o seu desenvolvimento. Ademais, isso contribui para uma articulação mais estreita e enriquecedora entre unidade concedente e instituição formadora (IFSP) desde que de fato isso se efetive.
Pudemos constatar que, quanto à concepção de estágio inferida no corpus analisado, há indícios de que são concebidos como práxis e pesquisa, ainda que nos pareça ser forte a aplicação do estágio como parte prática obrigatória para conclusão de curso, devido a algumas lacunas a serem preenchidas neles, tais como explicitar nas disciplinas articuladoras a correlação do estágio nos diferentes conteúdos programáticos das ementas e nos manuais, por exemplo. Além disso, faz-se necessário que haja momentos de trocas institucionais entre os agentes envolvidos no ECS (supervisores, estagiários, orientadores, coordenadores de estágio e extensão) para que possam pensar em teorias e pesquisas que venham a ser desenvolvidas de fato.
Esperamos que esse trabalho traga subsídios para as futuras atualizações e reformulações desses documentos, de forma que seus elaboradores levem em consideração as observações aqui presentes para um melhor tratamento discursivo e na prática do ECS.