Considerações iniciais
Nas últimas décadas, o reconhecimento das crianças como atores sociais, cidadãos de direitos e produtores de cultura (FRANCISCHINI; FERNANDES, 2016) vem contribuindo para a promoção da participação das crianças em pesquisas. A mudança epistemológica do estatuto teórico e social da criança e da infância (MARCHI, 2018) tem como efeito o desenvolvimento de pesquisas com crianças, e não apenas sobre crianças. Dessa perspectiva, tem sido imprescindível o reconhecimento das competências (ALDERSON, 2007; CLARK, 2017) das crianças enquanto cidadãs, assim como a opção por abordagens investigativas participativas, nas quais as crianças possam efetivamente ser coprodutoras das pesquisas (ALDERSON, 2005). Tais pressupostos demandam a atenção do pesquisador para a complexidade dos aspectos éticos implicados em uma investigação com crianças.
Entendemos conceitualmente a ética como o “[...] sentido das ações do ponto de vista do que é humano ou desumano, bem ou mal, certo ou errado, no nível da práxis, como construção reflexiva” (SANTOS, L., 2017, p. 249). Ou seja, consideramos ser fundamental “[...] colocar em pauta a dimensão social da ação humana, seja no que se refere às demandas frente as quais o sujeito se posiciona, seja em relação às novas demandas que ele cria com as suas decisões” (PEREIRA, R. M., 2015, p. 55) no âmbito das pesquisas com crianças.
Nessa direção, nesse artigo, temos como objetivo analisar as discussões éticas presentes em pesquisas com crianças desenvolvidas na linha de pesquisa Estudos sobre Infâncias, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEdu/UFRGS). A materialidade investigativa do artigo é constituída por 6 teses e 26 dissertações defendidas no período de 2006 a 2021, totalizando 32 pesquisas sobre Educação Infantil que envolveram a participação de crianças na faixa etária dos 0 aos 5 anos e 11 meses. Metodologicamente, para o levantamento das investigações, consultamos o repositório digital da UFRGS, Lume,1 assim como as versões impressas das pesquisas que não estavam disponíveis na ocasião da consulta.
Esclarecemos que o artigo é o recorte de uma investigação mais abrangente, do tipo estado do conhecimento (MOROSINI, 2015), desenvolvida pelo grupo de pesquisa em Linguagens, Currículo e Cotidiano de bebês e crianças pequenas - CLIQUE/CNPQ/UFRGS, no qual temos analisado as discussões éticas presentes em pesquisas com crianças desenvolvidas no Brasil no âmbito de programas de pós-graduação em Educação que possuem linhas de pesquisa relativas aos Estudos da Infância. Todavia, neste artigo abordaremos especificamente as pesquisas com crianças realizadas no PPGEdu/UFRGS.
As investigações inventariadas foram analisadas por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2004). A partir do exame das pesquisas, definimos as seguintes unidades analíticas: 1) o processo de contextualização das pesquisas; 2) as discussões éticas compartilhadas pelos pesquisadores; 3) a reflexividade dos pesquisadores. Nosso enfoque prioritário de análise foi a discussão da “ética dos princípios” e da “ética das relações” (SANTOS, L., 2017) que se fazem presentes nas investigações analisadas.
O artigo está organizado em cinco seções. Após esta seção introdutória, apresentaremos, na segunda seção, algumas discussões conceituais sobre a ética na pesquisa com crianças. Na terceira seção, discorreremos sobre as composições metodológicas da investigação e, na sequência, na quarta seção, sobre as análises das discussões éticas presentes nas pesquisas mapeadas. Por fim, compartilharemos as considerações finais.
Ética na pesquisa com crianças: discussões conceituais
Não há uma ética a la carte. (FERNANDES, 2016, p. 763)
A Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC), promulgada em 1989 pela Organização das Nações Unidas (ONU), foi um marco significativo para o avanço das discussões sobre a garantia dos direitos das crianças em âmbito mundial. Dentre os 54 artigos da CDC, três abordam especialmente os direitos de participação das crianças em decisões que as afetam (ALDERSON, 2005). O artigo 12 explicita e garante às crianças “o direito de participação e de voz ativa nos assuntos que lhe dizem respeito” (MARCHI, 2018, p. 733). O artigo 13 refere-se ao direito à liberdade de expressão das crianças, e o artigo 31 relaciona-se à livre participação das crianças na vida cultural e artística (ALDERSON, 2005). Assim, considerar “o ponto de vista da criança e escutar o que ela tem a dizer” (SANTOS, N., 2012, p. 136) demanda o respeito a uma série de questões éticas que devem ser ponderadas pelos pesquisadores em suas investigações. Ora, a atenção às questões éticas nas investigações com crianças deve estar presente no planejamento, desenvolvimento e compartilhamento dos resultados da pesquisa (PEREIRA, R. M., 2015).
Cumpre lembrar que conceber as crianças como participantes requer do investigador um deslocamento da posição de autoridade para o “lugar de quem cria possibilidades de diálogo, de confronto entre dados, de análise de evidências, permitindo um espaço de negociação” (PAULA, 2012, p. 228). Em tal perspectiva, o pesquisador tem a possibilidade de assumir “o dialogismo e a alteridade como peças fundamentais no desafio de estimular e permitir que as crianças sejam atores e interlocutores” (PAULA, 2012, p. 228) da investigação.
Para garantir a participação das crianças nas pesquisas, faz-se necessária uma mudança na ênfase dos métodos e assuntos das investigações, pois “reconhecer as crianças como sujeitos em vez de objetos de pesquisa implica aceitar que elas podem ‘falar’ em seu próprio direito e relatar visões e experiências válidas” (ALDERSON, 2005, p. 423, tradução nossa). Como esclarece Alderson (2005, p. 426, tradução nossa), as crianças “estão acostumadas a questionar, investigar e aceitar resultados inesperados, mudar de ideia, e assumir que seus conhecimentos são incompletos e provisórios”, demonstrando interesse em cada etapa da pesquisa.
Entendemos que as crianças apresentam suas próprias concepções a respeito dos elementos que constituem as suas experiências, contribuindo com “dados novos e importantes para expandir a nossa compreensão acerca das instituições educativas” (CRUZ, 2019, p. 48). Dessa maneira, ouvir as crianças demanda a utilização de metodologias investigativas participativas, assim como de estratégias de geração de dados que respeitem a alteridade delas. Portanto, o pesquisador deve “ver, volver, revolver, devolver: [pois] as estratégias metodológicas das pesquisas com as crianças estão assentadas fundamentalmente sobre o ato de olhar e de escutar” (KRAMER, 2019, p. 244).
Morrow (2007) ratifica tal argumento ao afirmar que métodos participativos podem ser profícuos na pesquisa com crianças. Contudo, Clark (2017) alerta que a utilização de metodologias participativas não torna a pesquisa neutra e tampouco automaticamente ética. Como aponta a autora, uma pesquisa que se propõe a escutar as crianças denota uma visão da criança como sujeito competente e especialista de sua própria vida (CLARK, 2017). A escuta possibilita que a criança narre suas experiências e as ressignifique do seu modo (CARVALHO; MÜLLER, 2010).
Realizar uma pesquisa com crianças requer que o pesquisador esteja atento às linguagens expressas por elas, “tais como: o choro, o silêncio, o gestual, a agitação, a recusa, a transgressão, enfim, a sua diferença” (CARVALHO; MÜLLER, 2010, p. 71), bem como à informalidade verbal das crianças, “da não linearidade, da imaginação, da poética e da fantasia” (CARVALHO; MÜLLER, 2010, p. 71). Conforme Castro (2019, p. 131), “buscar formas de ouvir as crianças, explorando as suas múltiplas linguagens, tem como pressuposto a crença de que elas têm o que dizer acerca dos aspectos implicados nas suas experiências nas instituições”. Portanto, os pesquisadores precisam garantir que todas as crianças tenham oportunidades equânimes de compartilhar seus pontos de vista (CLARK, 2017).
Logo, é imprescindível que sejam consideradas, nas pesquisas, as diferentes linguagens com as quais as crianças se comunicam. Essas ponderações corroboram o artigo 12 da CDC, que posiciona as crianças como sendo capazes de elaborarem e expressarem suas próprias opiniões. Ainda, o artigo 13 da CDC destaca o direito à liberdade de expressão das crianças, detalhando a diversidade de mídias a partir das quais elas têm o direito de se informar e de se expressar, baseadas nas suas escolhas à frente dessas opções.
Contudo, “não é tarefa fácil estabelecer os limites da pesquisa como estudo que privilegia a voz das crianças” (BARBOSA, 2019, p. 188). Isso porque “o exercício da escuta [da criança] convida a cada pesquisador a agir de modo ético no campo de sua atuação, ou seja, aprendendo a acolher a sua singularidade” (CARVALHO; MÜLLER, 2010, p. 75).
É importante ressaltar que as investigações com crianças “envolvem aspectos éticos comuns às pesquisas com todas as pessoas, mas eles precisam ser tratados de forma diferenciada, como decorrência de características específicas desses sujeitos” (CRUZ, 2019, p. 47). As pesquisas com crianças representam um grande desafio aos pesquisadores, tendo em vista que apenas “recentemente [as crianças] têm sido alçadas à condição de sujeitos de direitos” (CRUZ, 2019, p. 47).
Considerando tais inquietações, Barbosa (2019, p. 201) defende que as “[...] relações que se estabelecem com as crianças no contexto da pesquisa trazem ao pesquisador a difícil tarefa de ser parceiro, confidente, sem abdicar de seu lugar de observador”. Uma pesquisa com crianças requer uma postura reflexiva, respeitosa e criativa do pesquisador, primando pelo compromisso ético de sempre considerar o ponto de vista das crianças (CARVALHO; MÜLLER, 2010).
Portanto, outra dimensão a ser considerada diz respeito à desigualdade de poder e estatuto entre adultos e crianças (MORROW, 2007; DORNELLES; FERNANDES, 2015). Conforme Alderson (2005), o pesquisador precisa manter relações respeitosas com as crianças, no intuito de diminuir os desequilíbrios de poder intergeracionais. Por sua vez, Marchi (2018, p. 738) aponta a relevância da reflexividade do pesquisador no que se refere à “relação de poder que envolve a situação de pesquisa” com crianças. A autora argumenta que o pesquisador deve esclarecer às crianças as suas intenções, partilhando informações para que elas possam orientar suas ações durante a investigação. Portanto, ratificamos a premissa de Alderson (2005) de que o consentimento dos pais ou professores não basta e que se deve reconhecer o sofisticado nível de fala e percepção das crianças.
Por essa via, Carvalho e Müller (2010, p. 76) afirmam que “todas as etapas da pesquisa devem ser negociadas com as crianças: entrada em campo, objetivos, modo de produção dos dados”, respeitando sempre a livre participação. Destaca-se, assim, a centralidade de se garantir o respeito à decisão da criança de participar ou não em qualquer etapa da investigação.
Marchi (2018, p. 737) defende a imprescindibilidade de o pesquisador informar às crianças sobre a pesquisa, pois, “se às crianças é facultado o direito de participação em assuntos que lhe dizem respeito ou que as envolvem, elas têm o direito de serem informadas sobre as pesquisas que as têm por tema”. Portanto, é essencial explicitarmos a relevância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), tendo em vista as orientações legais que se encontram na Resolução CNS n.º 510, de 7 de abril de 2016 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). O TCLE deve ser assinado pelos responsáveis pelas crianças, a partir do compartilhamento das informações relativas à pesquisa. Por sua vez, o TALE (para as crianças acima de 3 anos de idade) se refere à “captação do aceite da criança mediante procedimentos diferenciados, dadas as singularidades” (COUTINHO, 2019, p. 64) dos sujeitos. O assentimento é definido como a “anuência do participante da pesquisa [...] de consentir, na medida de sua compreensão e respeitada suas singularidades” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016, art. 2º), em fazer parte da investigação.
Entendemos que “o processo de pesquisa não é imposto, de fora, mas é tecido nas relações” (KRAMER; PENA, 2019, p. 74), especialmente quando essa relação envolve adultos, bebês e crianças. De fato, “consentimento e assentimento podem ser considerados processos correlacionados de compreensão, de negociação e de autorização dos sujeitos” (COUTINHO, 2019, p. 63).
Consideramos ser igualmente fundamental a devolutiva dos resultados da pesquisa, não somente para a comunidade acadêmica, mas também para as crianças e adultos envolvidos. Conforme Kramer (2019, p. 242), “devolver resultados de pesquisa configura-se em um importante momento de interação, diálogo e partilha”. O compartilhamento dos resultados da pesquisa é “foco do compromisso ético” (KRAMER, 2019, p. 243) do pesquisador.
Além disso, salientamos as escolhas metodológicas do pesquisador e as estratégias de geração dos dados da investigação. Conforme Carvalho e Müller (2010), é imprescindível escolher abordagens metodológicas plurais no desenvolvimento de pesquisas com crianças. Alderson (2005), por exemplo, defende o emprego de estratégias metodológicas que promovam a participação, a negociação e o compartilhamento de poder por meio de jogos e brincadeiras.
Enquanto pesquisadores que realizam investigações com crianças, consideramos profícua a utilização de fotoelicitação, rodas de conversa, observação participante, registros em desenho, ateliês de produção de narrativas orais e visuais, produção de desenhos, conversas informais, instalações de jogo, registros em vídeos, registros fotográficos, gravação de imagem e de som etc.
Mediante o exposto, apresentaremos a seguir as composições metodológicas da pesquisa da qual decorre o artigo.
Composições metodológicas
A pesquisa do tipo estado de conhecimento configura-se pela “[...] identificação, registro, categorização que leva à reflexão e síntese sobre a produção científica de uma determinada área” e/ou temática (MOROSINI, 2015, p. 102). Tal metodologia de pesquisa tem a potencialidade de contribuir para a ampliação dos conhecimentos acumulados sobre a área e/ou temática investigada. No caso de nosso estudo, o objetivo é mapear as discussões éticas presentes em pesquisas com crianças na Educação Infantil desenvolvidas por linhas de pesquisa em programas de pós-graduação do Brasil que tenham como foco os Estudos da Infância.
Neste artigo, abordamos pontualmente as discussões éticas presentes em pesquisas com crianças na Educação Infantil desenvolvidas na linha de pesquisa Estudos sobre Infâncias do PPGEdu/UFRGS. A partir da identificação da referida linha de pesquisa, desenvolvemos as seguintes ações: 1) levantamento do total de investigações (teses e dissertações) defendidas na linha de pesquisa no período 2006-2021 no Lume/UFRGS, assim como consulta às versões impressas das investigações que ainda não estavam disponíveis on-line; 2) leitura dos resumos de todas as pesquisas mapeadas e posterior seleção das investigações com crianças na Educação Infantil; 3) leitura integral das pesquisas, destacando as discussões éticas; 4) análise do conteúdo (BARDIN, 2004) das pesquisas; 5) discussão dos dados analisados.
Inicialmente, realizamos uma busca no Repositório Digital de Teses e Dissertações da UFRGS - Lume, para o levantamento do total de investigações defendidas no período de 2006 a 2021. O levantamento resultou em 21 teses de doutorado e 58 dissertações de mestrado em Educação. A busca no Repositório Digital Lume ocorreu a partir da indicação no sistema dos nomes dos orientadores que integram (e integraram) a linha de pesquisa, assim como do uso do descritor “pesquisa com crianças”. Contudo, a totalidade de investigações mapeadas não se caracterizou por serem pesquisas com crianças no contexto da Educação Infantil. Isso porque, tematicamente, as pesquisas da linha dos Estudos sobre Infâncias também focalizam discussões sobre outros assuntos de interesse da área. Desse modo, do total de 79 pesquisas, identificamos 6 teses de doutorado e 26 dissertações de mestrado que se caracterizavam como pesquisas com crianças em instituições de Educação Infantil, conforme apresentamos no Gráfico 1.
Reiteramos que, nesta pesquisa, empregamos a análise de conteúdo de Bardin (2004), utilizando, assim, as três etapas indicadas pela autora em nossas análises: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Compartilharemos a seguir as análises realizadas das pautas éticas presentes nas pesquisas inventariadas.
Análise das discussões éticas presentes nas pesquisas mapeadas
Na presente seção, apresentaremos as pesquisas mapeadas, destacando os investimentos dos pesquisadores na contextualização de suas investigações.
Contextualização das pesquisas
Destacamos que as 32 investigações analisadas abordaram os contextos nos quais foram desenvolvidos os trabalhos de campo, bem como a faixa etária das crianças. Ademais, os pesquisadores compartilharam aspectos sociais, culturais e econômicos relativos ao campo de pesquisa. No Gráfico 2, a seguir, apresentaremos os dados sobre a caracterização do campo de pesquisa privilegiado pelos pesquisadores.
Horn (2008), Bombassaro (2010), Gobbato (2011), Correa (2013), Kremer (2019), Spat (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) compartilharam as rotinas das crianças na Educação Infantil. Por sua vez, Trois (2012) e R. F. Pereira (2015) apresentaram dados sobre a proposta curricular das instituições. A caracterização do contexto das instituições nas quais foram desenvolvidas as pesquisas foi realizada por Zortéa (2007), Isaia (2007), Horn (2008), Trois (2012), Vargas (2014), Kremer (2019) e Spat (2019). Nas pesquisas de Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021), a caracterização do campo e das crianças foi detalhada.
Ressaltamos que Camera (2006), Isaia (2007), Horn (2008), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011), Vasconcelos (2015), Correa (2013), Beber (2014) e R. F. Pereira (2015) compartilharam dados referentes aos profissionais - docentes, auxiliares, equipe gestora - que atuavam em seus campos de pesquisa. De modo geral, foi possível perceber que os investigadores se preocuparam em apresentar as crianças, preservando sua identidade. O conjunto de pesquisas também contemplou reflexões éticas sobre escuta, participação e alteridade das crianças. Percebemos a preocupação dos pesquisadores em relação à discussão sobre o processo de concordância das instituições, consentimento dos responsáveis pelas crianças, bem como a negociação contínua do assentimento dos participantes da pesquisa. Destacaremos a seguir os aspectos éticos relativos à discussão sobre os modos de participação das crianças e sobre o consentimento e assentimento dos participantes.
Reflexões éticas nas pesquisas mapeadas
Conforme Dornelles e Fernandes (2015, p. 71), “compreender a ética na pesquisa com crianças implica considerar determinadas imagens de crianças e infâncias”. Nesse contexto, a análise das 32 pesquisas possibilitou-nos observar dois modos específicos de compartilhamento das discussões éticas nos textos, os quais denominamos abordagem explícita e abordagem implícita. Classificamos como abordagem explícita quando o pesquisador faz uma discussão detalhada do processo vivenciado em campo, explicita a sua compreensão sobre ética e compartilha reflexões sobre a sua pauta ética. Por outro lado, consideramos ser uma abordagem implícita das discussões sobre ética quando o pesquisador, embora atenda as questões legais, não apresenta uma descrição de suas concepções, escolhas e ações desenvolvidas na pesquisa. O Gráfico 3, a seguir, traz o levantamento do tipo de abordagem de discussão ética presente nas pesquisas analisadas.
Como é possível observar no gráfico, a maior parte das pesquisas aborda explicitamente as discussões éticas. Camera (2006), Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Petry (2009), Gobbato (2011), R. F. Pereira (2011, 2015), Trois (2012), Dornelles (2013), Fochi (2013), Beber (2014), Vargas (2014), Simões (2015) e Vasconcelos (2015) compartilham de modo ostensivo suas preocupações éticas. Além de discutir as questões éticas implicadas em suas pesquisas, Bertasi (2019), Machado (2019), Kremer, (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) dedicam seções específicas de suas dissertações para narrar como procuraram salvaguardar os direitos das crianças.
A título de exemplo, Simões (2015) destaca a contínua relação de respeito que manteve com as crianças durante a sua pesquisa. R. F. Pereira (2011, 2015) afirma que o investigador deve agir de forma respeitosa com as crianças, exercitando continuamente a alteridade em cada encontro. Do mesmo modo, Isaia (2007, p. 171) relata que realizou, “durante o processo [de pesquisa], reflexões e alterações para que, de fato, as crianças participassem dessa caminhada de forma ativa”.
Por sua vez, as pesquisas de Bombassaro (2010), Guimarães (2011), Correa (2013), Mallmann (2015), Lino (2008), Comerlato (2013), Souza (2009), Bischoff (2013), Engelman (2015) e Spat (2019) apresentam implicitamente as discussões éticas. Entretanto, defendemos a imprescindibilidade de que as discussões éticas das pesquisas sejam abordadas de modo explícito nas teses e dissertações, tendo em vista a salvaguarda dos direitos das crianças.
Mediante a análise das pesquisas, observamos também a preocupação dos pesquisadores quanto ao cumprimento das demandas da Resolução CNS n.º 510/2016 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016) no que diz respeito à concordância das instituições, ao consentimento por parte dos responsáveis pelas crianças e ao assentimento das crianças a partir dos 3 anos de idade. No Gráfico 4, a seguir, apresentamos um levantamento da presença do TCLE nas pesquisas.
Conforme observado, 30 investigações compartilharam o TCLE. Tal documento, além de ser uma demanda legal, assim como o Termo de Concordância da Instituição, é fundamental para a apresentação da pesquisa aos responsáveis pelas crianças. No TCLE, deve ser esclarecida a natureza da pesquisa, quais são os participantes, as demandas de envolvimento dos participantes, a metodologia de investigação, os possíveis riscos e desconfortos, a confidencialidade dos dados, os benefícios da pesquisa, o tempo de guarda das informações, o pagamento (no caso, esclarecendo que não haverá nenhum tipo de remuneração), bem como deve haver o espaço destinado para a assinatura do pesquisador e do responsável pela criança autorizando a sua participação. Além disso, no TCLE, é compartilhado o contato do pesquisador e do Comitê de Ética em Pesquisa que aprovou a investigação. Todavia, a assinatura do TCLE de modo algum salvaguarda a ética na pesquisa.
Os pesquisadores Camera (2006), Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Lino (2008), Petry (2009), Souza (2009), Bombassaro (2010), Gobbato (2011), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011, 2015), Trois (2012), Bischoff (2013), Comerlato (2013), Correa (2013), Dornelles (2013), Fochi (2013), Beber (2014), Vargas (2014), Mallmann (2015), Vasconcelos (2015), Kremer (2019), Spat (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) apresentam considerações relacionadas ao TCLE, bem como o referido termo. Por outro lado, Engelman (2015) refere-se apenas ao Termo de Concordância da Instituição para o desenvolvimento da pesquisa e não apresenta o TCLE.
Outro aspecto que procuramos observar foi a presença do TALE. A seguir, no Gráfico 5, evidenciamos sua presença ou ausência nas pesquisas. Salientamos que, do conjunto de 32 pesquisas, 17 delas foram realizadas com bebês e crianças bem pequenas. No caso dessas pesquisas, pelo fato de terem sido desenvolvidas com crianças menores de 3 anos de idade, não é necessária a apresentação do TALE. Por outro lado, é imprescindível haver uma discussão ética sobre o processo de assentimento dos participantes. Por outro lado, 15 pesquisas foram realizadas com crianças de 4 a 6 anos, fato que demandaria a utilização do TALE enquanto documento de assentimento. Desse modo, o Gráfico 5 ilustra os dados referentes ao conjunto das 15 pesquisas que demandavam a apresentação do TALE.
No âmbito das 15 pesquisas inventariadas, apenas cinco apresentaram o TALE. Esclarecemos que a ausência do TALE nas demais 10 investigações não significa que os pesquisadores não se preocuparam com o assentimento das crianças em suas investigações. Por outro lado, enquanto pesquisadores, defendemos que o TALE seja incluído no projeto de pesquisa, assim como na tese ou dissertação. Além da apresentação do documento, é crucial que haja uma discussão densa sobre os processos de negociação do aceite das crianças no trabalho de campo, explicitando a salvaguarda ética do pesquisador.
Por exemplo, Camera (2006), Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Lino (2008), Gobbato (2011), Vasconcelos (2015), Piva (2019) e Kelleter (2020) apresentaram produtivas discussões sobre o assentimento dos bebês em suas investigações. Horn (2008, p. 55) compartilhou, em seu texto, que percebeu que as permissões para estar em campo com as crianças “foram sendo concedidas, através de confidências e declarações” delas. Em perspectiva semelhante, Camera (2006) argumentou sobre a importância de sua interação com os bebês, a qual possibilitou se sentir aceita. Essa posição de respeito é ratificada por Piva (2019), ao dedicar uma extensa discussão sobre a sua entrada, negociação e permanência no campo de pesquisa com os bebês.
As teses e dissertações mapeadas evidenciam os modos pelos quais os bebês e crianças dão a conhecer ao pesquisador o desejo de participação, seja por meio do olhar e da acolhida (CAMERA, 2006), pela permissão afetiva (LINO, 2008), pela negociação cotidiana (ENGELMAN, 2015), pelas expressões, posturas, gestos e linguagens das crianças (PEREIRA, R. F., 2011) ou pelo interesse e aproximação (GOBBATO, 2011) dos bebês e crianças em relação aos pesquisadores.
Conforme referimos anteriormente, o TALE é uma demanda legal. Trata-se de uma forma de comunicação da pesquisa às crianças acima dos 3 anos de idade, a qual deve respeitar suas especificidades, como não estarem ainda alfabetizadas. Santos (2021), por exemplo, elaborou para as crianças um TALE em formato de livro ilustrado. Além de incorporar o TALE no capítulo metodológico de sua pesquisa, a pesquisadora desenvolveu uma discussão reflexiva sobre a apresentação da pesquisa às crianças e a recepção delas em relação ao documento. Consideramos essencial usar imagens para o compartilhamento do TALE com as crianças. O assentimento das crianças também pode ocorrer por meio de desenho para aqueles que ainda não escrevem o seu próprio nome. Por outro lado, a confirmação de aceite das crianças através do TALE não exime o pesquisador de manter o contínuo processo de negociação com elas durante o trabalho de campo.
Advogamos favoravelmente pelo assentimento dos bebês e crianças nas pesquisas para que eles também possam expressar o desejo de participar ou não do estudo a qualquer momento. Um exemplo da negociação sistemática do assentimento das crianças encontra-se na dissertação de Tebaldi (2020). A pesquisadora, além de apresentar uma descrição sobre todo o processo de pesquisa com as crianças, compartilha com o leitor um mapeamento da adesão ou não das crianças às propostas desenvolvidas.
Prosseguindo a análise, compartilhamos a seguir o Gráfico 6, no qual é possível visualizar as estratégias de geração de dados que se fizeram presentes nas pesquisas.
Conforme se nota, os pesquisadores utilizam observação participante, registro fotográfico, conversas com as crianças, registro fílmico, escrita em diário de campo, propostas lúdicas e de desenho etc. A observação participante foi uma estratégia metodológica recorrentemente empregada. Camera (2006), Horn (2008), Lino (2008), Petry (2009), Souza (2009), Bombassaro (2010), Gobbato (2011), R. F. Pereira (2011, 2015), Guimarães (2011), Trois (2012), Dornelles (2013), Fochi (2013), Vargas (2014), Mallmann (2015), Simões (2015), Vasconcelos (2015), Kremer (2019), Spat (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) empregaram a observação como modo de se aproximar das crianças.
Nas discussões sobre a observação, Trois (2012, p. 22) argumenta que “a observação foi o centro da atitude investigativa”. Também convém lembrar das pesquisas de Piva (2019) e Kelleter (2020), que tiveram como foco investigativo os bebês e as crianças bem pequenas. Tais pesquisadores, além de apresentarem uma discussão sobre a relevância da observação, compartilharam com os leitores as suas pautas de observação. Realizando uma pesquisa etnográfica sobre culturas infantis na pré-escola, Machado (2019) contribui igualmente para a discussão sobre a observação a partir da produção de narrativas sobre as experiências vivenciadas em campo com as crianças. A observação tem destaque ainda na pesquisa etnográfica de Kremer (2019) sobre as versões das crianças a respeito da aprendizagem na pré-escola.
Os registros fotográficos também estiveram presentes nas pesquisas. Um conjunto de 23 pesquisadores trabalhou com a produção de imagens sobre o cotidiano institucional vivenciado pelas crianças. Isaia (2007), Horn (2008), Petry (2009), Gobbato (2011), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011, 2015), Trois (2012), Comerlato (2013), Correa (2013), Dornelles (2013), Fochi (2013), Beber (2014), Vargas (2014), Engelman (2015), Malmann (2015), Simões (2015), Vasconcelos (2015), Spat (2019), Bertasi (2019), Piva (2019), Kelleter (2020) e Santos (2021) utilizaram a produção de imagens.
Nas pesquisas de Petry (2009), Fochi (2013), Piva (2019), Kelleter (2020) e Santos (2021), as imagens tiveram centralidade no compartilhamento dos dados. Em sua pesquisa, Petry (2019) adotou a fotoetnografia como metodologia. Por sua vez, Fochi (2013) compartilhou com o leitor mini-histórias sobre o cotidiano dos bebês. Já Kelleter (2020) narrou, através de imagens, as posições de transição dos bebês (do decúbito ventral à posição em pé), além de brindar os leitores com imagens sobre processos de interação dos bebês com seus pares. Em direção semelhante, Piva (2019) apresentou montagens de fotos que narram as transições vivenciadas pelos bebês. Por fim, Santos (2021) utilizou um conjunto de fotoensaios para narrar as performances das crianças durante as suas interações em instalações de jogo.
Outra estratégia empregada pelos pesquisadores foi o registro fílmico. Horn (2008), Gobbato (2011), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011, 2015), Correa (2013), Dornelles (2013), Beber (2014), Vargas (2014), Mallmann (2015) e Tebaldi (2020) realizaram registros fílmicos. A título de exemplo, Tebaldi (2020) fez uso do registro fílmico para captar a miríade de modos de expressão das crianças em suas performances narrativas.
A indicação do diário de campo como forma de registro está presente nas pesquisas de Zortéa (2007), Lino (2008), Horn (2008), Petry (2009), Souza (2009), Bombassaro (2010), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011), Comerlato (2013), Fochi (2013), Dornelles (2013), Correa (2013), Vargas (2013), Engelman (2015), Malmann (2015), Vasconcelos (2015), Simões (2015), Kremer (2019), Spat (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021). Nesse contexto, ressaltamos as pesquisas de Kremer (2019) e Machado (2019), os quais, no âmbito de suas dissertações, evidenciaram sensibilidade no modo como transformaram suas notas de campo em episódios para narrar o cotidiano das crianças.
As propostas envolvendo a produção de desenhos estiveram presentes em seis pesquisas. Isaia (2007), Zortéa (2007), Comerlato (2013), Bischoff (2013), Engelman (2015) e Bertasi (2019) utilizaram a produção de desenhos pelas crianças como estratégia metodológica. Ao investigar a produção de narrativas de crianças da pré-escola, durante a realização de desenhos, Bertasi (2019) demonstrou a potência das reflexões individuais e coletivas das crianças sobre seus processos de criação. No que se refere à gravação em áudio, Bertasi (2019), Isaia (2007), Lino (2008), Horn (2008), Petry (2009) e Bischoff (2013) fizeram uso dessa estratégia.
Além das estratégias metodológicas mencionadas, destacamos a utilização sistemática de conversas com as crianças, por meio de rodas, assembleias ou ainda encontros informais para o diálogo por Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Lino (2008), Souza (2009), Bombassaro (2010), Dornelles (2013), Simões (2015), Kremer (2019), Bertasi (2019), Tebaldi (2020) e Santos (2021). A oferta de propostas lúdicas também foi utilizada por Isaia (2007), Souza (2009), Comerlato (2013), Bischoff (2013), Engelman (2015), Malmann (2015), Bertasi (2019), Tebaldi (2020) e Santos (2021). No âmbito das propostas desenvolvidas, observamos jogos, instalações de jogo, brincadeiras, atividades envolvendo bonecos, situações matemáticas, vivências com arte, assim como a exploração de adereços diversificados pelas crianças. Santos (2021), por exemplo, propôs instalações de jogo para a produção de performances pelas crianças. Já Tebaldi (2020) desenvolveu ateliês de produção de narrativas com as crianças, empregando fantoches, dedoches, pedras ilustradas, personagens literários etc.
Na continuidade do artigo, abordaremos aspectos referentes à reflexividade do pesquisador.
Reflexividade do pesquisador: ambientações, campo e devolutiva da pesquisa
Realizar pesquisa com crianças requer do pesquisador permanente reflexividade. Conforme Minayo e Guerriero (2014, p. 1107), existe “[...] a necessidade de o pesquisador observar-se a si mesmo e a seu comportamento no campo, visando uma postura de respeito para com seus interlocutores”.
Como se vê, o pesquisador precisa contemplar, em seu relatório de investigação, “[...] além das descobertas sobre o outro ou o fenômeno que pesquisa, uma discussão sobre sua situação na interação” (MINAYO; GUERRIERO, 2014, p. 1107) com os interlocutores de sua pesquisa. No Gráfico 7, a seguir, compartilhamos aspectos relacionados à ambientação do pesquisador ao contexto de pesquisa e crianças participantes, bem como a presença da reflexividade do pesquisador.
É possível perceber no gráfico que um número significativo de pesquisadores - Camera (2006), Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Lino (2008), Petry (2009), Gobbato (2011), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011, 2015), Trois (2012), Comerlato (2013), Correa (2013), Dornelles (2013), Fochi (2013), Beber (2014), Vargas (2014), Mallmann (2015), Vasconcelos (2015), Kremer (2019), Spat (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) - aborda o processo de ambientação no contexto do estudo, ou seja, os modos como os pesquisadores foram sendo aceitos no campo de pesquisa. Apenas Souza (2019), Bombassaro (2010), Bischoff (2013), Engelman (2015) e Simões (2015) não apresentam reflexões sobre suas ambientações no campo de pesquisa.
Outro aspecto observado refere-se à presença da reflexividade do pesquisador sobre sua entrada em campo. Conforme Marchi (2018, p. 739), é imprescindível haver “[...] um registro cuidadoso do processo de entrada no terreno”. Desse ponto de vista, identificamos que 29 pesquisas trataram do tema. Apenas as pesquisas de Souza (2009), Trois (2012) e Bischof (2013) não compartilharam informações sobre a entrada no campo de pesquisa.
Piva (2019) e Kelleter (2020), por exemplo, fizeram reflexões sobre o processo de negociação durante a entrada em campo e aceite dos bebês. Camera (2006), Gobbato (2011), Trois (2012), Dornelles (2013) e Beber (2014) descreveram a gradativa entrada em campo nas suas pesquisas. Petry (2009), Comerlato (2013), Mallmann (2015), Vasconcelos (2015), Kremer (2019), Machado (2019), Tebaldi (2020) e Santos (2021) ilustraram a acolhida das crianças. Além disso, o processo de construção de vínculos de confiança com as crianças foi destaque nas discussões de Horn (2008), Lino (2008), Machado (2019), Tebaldi (2020) e Santos (2021).
Nas análises, também identificamos reflexões dos pesquisadores sobre como foram sendo desenvolvidas as suas pesquisas. Constatamos que Camera (2006), Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Lino (2008), Petry (2009), Gobbato (2011), Trois (2012), Correa (2013), Fochi (2013), Beber (2014), Vargas (2014), Engelman (2015), R. F. Pereira (2015), Kremer (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) compartilharam reflexões sobre o desenvolvimento de suas investigações. Por outro lado, em 11 investigações analisadas - Souza (2009), Bombassaro (2010), Guimarães (2011), R. F. Pereira (2011), Bischoff (2013), Comerlato (2013), Dornelles (2013), Mallmann (2015), Simões (2015), Vasconcelos (2015) e Spat (2019) -, tal dimensão não foi mencionada.
Nas análises a respeito da reflexividade do pesquisador, entendemos que a devolutiva da pesquisa é um aspecto fundamental. A devolutiva denota uma postura ética e respeitosa do pesquisador, já que se trata de uma forma de “manter a coerência numa práxis que se diz estruturada COM, do início ao fim... ou seria do início ao reinício?!...” (MACEDO; FLORES, 2012, p. 256).
Sobre esse elemento, identificamos que os pesquisadores Isaia (2007), Zortéa (2007), Horn (2008), Lino (2008), Petry (2009), Bombassaro (2010), Gobbato (2011), Comerlato (2013), Correa (2013), Beber (2014), R. F. Pereira (2015), Simões (2015), Vasconcelos (2015), Kremer (2019), Spat (2019), Bertasi (2019), Machado (2019), Piva (2019), Kelleter (2020), Tebaldi (2020) e Santos (2021) realizaram a devolutiva de suas pesquisas. Todavia, Camera (2006), Souza (2009), Guimarães (2011), Trois (2012), Bischoff (2013), Dornelles (2013), Fochi (2013) e Engelman (2015) não mencionaram a devolutiva da pesquisa em seus relatórios. Ademais, Vargas (2014), R. F. Pereira (2011) e Mallmann (2015), embora tenham mencionado a possibilidade de devolutiva de suas pesquisas, não esclareceram se esse processo foi efetivado.
Consideramos ser indispensável realizar a devolutiva das pesquisas às crianças e aos demais envolvidos. Assim, destacamos as contribuições das pesquisas de Bertasi (2019), Tebaldi (2020) e Santos (2021), pelo fato de terem produzido materiais e encontros específicos para dar retorno às crianças e suas famílias.
Considerações finais
No artigo, analisamos os aspectos éticos presentes nas pesquisas com crianças (de 0 a 5 anos e 11 meses) realizadas em instituições de Educação Infantil, no contexto da linha de pesquisa Estudos sobre Infâncias do PPGEdu/UFRGS. A partir da análise do conteúdo de 32 investigações, compartilhamos as contribuições das investigações.
Evidenciamos, no artigo, os esforços dos pesquisadores para visibilizar os modos como as crianças entendem o mundo. Em tal direção, defendemos o reconhecimento das vozes das crianças (CARVALHO; MÜLLER, 2010), de maneira a efetivar seus direitos de participação e reconhecimento em pesquisas na Educação Infantil. Considerando que nenhuma pesquisa é intrinsecamente ética (CLARK, 2017), entendemos ser imprescindível que o pesquisador promova espaços de participação para que as crianças possam expressar seus pontos de vista (SALGADO; MÜLLER, 2015).
Ratificando o que identificamos no levantamento das estratégias de geração dos dados das pesquisas, concordamos com Carvalho e Müller (2010, p. 73) quando interpelam os pesquisadores a realizar uma combinação de “estratégias de geração de dados” para que, observando as singularidades das crianças, possam promover oportunidades de fala e escuta. Outro aspecto analítico que destacamos é a importância da escuta (CRUZ, 2019; KRAMER, 2019) das crianças como uma ação permanente no processo de investigação (SALGADO; MÜLLER, 2015). Todavia, entendemos que a escuta depende do desenho metodológico e de um denso investimento teórico e epistemológico, constituídos anteriormente à pesquisa. De fato, consideramos a escuta um processo ativo que envolve ouvir, interpretar e construir significados (CLARK, 2017).
Também reiteramos a relevância da concordância da instituição, do consentimento dos responsáveis pelas crianças e do assentimento contínuo (ALDERSON, 2005) dos participantes. Em relação ao assentimento das crianças, advogamos que deve ser negociado do início até o final da pesquisa, assim como realizado nas pesquisas de Bertasi (2019), Machado (2019), Tebaldi (2020) e Santos (2021). Isso porque, devido à assimetria de poder entre crianças e adultos, as crianças podem ter receio de expressar sua vontade de não participação no estudo (ALDERSON, 2005; MORROW, 2007). É fundamental haver a reflexividade do pesquisador em campo e também na escrita dos relatórios de pesquisa.
Nessa direção, entendemos a devolutiva da pesquisa igualmente como um direito das crianças. Ela, além de uma etapa que constitui a investigação, é um princípio ético (ALDERSON; MORROW, 2011).
Por fim, esperamos que as discussões compartilhadas possibilitem a construção de novas e sempre renovadas discussões éticas no desenvolvimento de pesquisas com crianças. Para tanto, defendemos a construção de pautas éticas e metodológicas que sejam decorrentes de investimentos teóricos, de reflexões emergentes do campo de pesquisa e dos desafios que são enfrentados pelos pesquisadores na defesa da alteridade, da participação e do reconhecimento das crianças enquanto cidadãs no tempo presente.