“Ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção”.
Paulo Freire
Introdução
Ao longo do tempo, a tecnologia foi sendo integrada ao cotidiano da humanidade, tornando-se elemento determinante na execução das mais diferentes atividades, além de ampliar a interação entre indivíduos e grupos. Mais recentemente, com o surgimento de dispositivos móveis com alta capacidade de processamento e armazenamento de informações, e a consolidação de diferentes redes de comunicação, novas e múltiplas formas de interação têm se estabelecido e sido usadas para fins pessoais, acadêmicos e profissionais em todas as áreas do conhecimento humano (MAIA, 2021). Do ponto de vista educacional, a educação não pode mais ser baseada apenas na instrução fornecida pelo professor ao aluno, mas na construção do conhecimento pelo próprio aluno e no desenvolvimento de competências, como aprender a buscar a informação dentro e fora da escola, compreendê-la e saber utilizá-la na resolução de problemas (VALENTE, 2014), e as possibilidades de se realizar atividades complementares às realizadas em sala de aula utilizando tecnologia são infinitas.
O ambiente da escola é um lugar propício para essa apropriação tecnológica, porém para que as tecnologias emergentes efetivamente façam parte do ambiente escolar, os meios de uso da tecnologia devem ser concebidos, desenvolvidos e utilizados segundo elementos fundamentais como os objetivos educacionais, as áreas ou domínios de conhecimento explorados, os procedimentos e estratégias adotados, dentre outros (MAIA, 2021). Uma das alternativas para auxiliar no processo de aprendizagem seria o uso de ferramentas computacionais pois, de acordo com as Diretrizes para as Políticas de Aprendizagem Móvel, a facilidade de acesso aos dispositivos e a crescente disseminação da utilização na sociedade faz com que, cada vez mais pessoas tenham, pelo menos, um dispositivo ao seu dispor e saibam como utilizá-lo (UNESCO, 2014). Por isso, (MELO E CARVALHO 2014; GASPAR; OLIVEIRA; e OLIVEIRA, 2015) (NASCIMENTO e FILHO 2016) destacaram as possibilidades e benefícios na utilização das tecnologias móveis (smartphones, celulares, tablets) para acesso aos conteúdos educacionais em qualquer lugar e horário como forma de aprendizado e entretenimento.
Nesse contexto, as tecnologias emergentes, disponíveis dentro e fora da escola, representam em si uma rica visão do fenômeno, do objeto de estudo e do conceito a ser abordado (DE MELO, 2017). Quanto à ciência, ela está em constante mudança a partir do uso apropriado das tecnologias inseridas em metodologias próprias e da criação dessas novas tecnologias. Utilizando essas perspectivas metodológicas com tecnologia, novas possibilidades de conhecimento são construídas, por exemplo, unindo o aprendizado das ciências naturais a essas abordagens metodológicas. Com uma abordagem dessa natureza, os alunos podem se envolver mais com suas comunidades, examinando as questões socioeconômicas de seu entorno enquanto aprendem conteúdos escolares, mas totalmente contextualizados com sua realidade. A tecnologia, neste caso, ainda contribui com recursos que buscam favorecer não apenas a autoria individual, mas a interação e colaboração entre diferentes atores para construções coletivas em temas relevantes como as questões ambientais, bem como a organização e continuidade das explorações (ROCHA, 2019).
Apoiar a construção do conhecimento pelo aluno (sujeito da aprendizagem) é o propósito central do uso de artefatos tecnológicos em contexto educacional, mas também busca-se tornar as práticas mais prazerosas, melhorar a eficiência no que se refere ao esforço dispendido, além de explorar novas possibilidades de interação entre os atores envolvidos (alunos, professores, gestores e demais membros da comunidade escolar, bem como os grupos sociais no entorno da escola). Busca-se enfim, estender as formas de ensinar e aprender para além do quadro branco e os pincéis (tecnologias analógicas) e permitindo explorar ambientes fora da sala de aula com as novas tecnologias digitais (SANTOS; BORBA; DE FÁTIMA RESZKA, 2021) (ARAGON; ZORZI; TURCHIELO, 2020).
Utilizando a tecnologia em atividades de experimentação prática, os alunos podem se tornar conhecedores e autores de elaborações relacionadas à ciência prática. Ao incorporar elementos da realidade do aluno, a experimentação torna-se mais próxima, real e quase tangível, com espaço tanto para a observação de situações de ocorrência natural quanto para a exploração de conjecturas e refutações relacionadas a teorias específicas. Consequentemente, a experimentação pode ser vista como uma forma de ensino que torna o aluno capaz de construir seus próprios métodos de aprendizagem e, se houver motivação, a aprendizagem se torna cada vez mais interessante e significativa (BORGES e GOI, 2021) (KRAUZE e SANTOS, 2022). A experimentação também é um dos pilares do método científico, pois há a necessidade de entender os processos naturais que ocorrem nas comunidades, em suas cidades, estados, em seus países e no mundo onde os alunos estão inseridos. Os métodos, estratégias e procedimentos próprios à pesquisa científica têm sido usados como elementos basilares em diferentes abordagens para ensino e aprendizagem. A inserção desses elementos no ambiente escolar, como defendido por Fialho (2013), já é reconhecida como importante recurso para instrumentalizar o aluno para o entendimento de um mundo cada vez mais complexo. Em ação complementar, trabalhos como os de Brossard e Lewenstein (2010), Irwin (2014) e Stilgoe, Lock e Wildson (2014) relatam o esforço da comunidade científica em tornar o conhecimento científico mais próximo das escolas (e respectivas comunidades escolares) e seu entorno (grupos sociais), potencializando um maior engajamento desses atores com questões políticas, sociais e econômicas relacionadas à ciência.
Nesse contexto, a comunicação científica educativa apropria-se dos recursos tecnológicos e busca popularizar o conhecimento sobre o processo científico e sua lógica por meio da Pesquisa e Inovação Responsável, do inglês Responsible Research for Inovation (RRI). A Pesquisa e Inovação Responsáveis fornecem seis componentes para promover a ciência com e para a sociedade, como acesso aberto, engajamento público, igualdade de gênero, ética, governança e educação científica. Desta forma, os alunos e toda a comunidade escolar devem ter acesso, discutir e reaproveitar os resultados obtidos nos estudos desenvolvidos na escola. Outras metodologias, seguem esta abordagem científica para trazer métodos científicos de pensamento para envolver as comunidades escolares. Neste trabalho, utilizamos a abordagem de Ciência Cidadã (VOHLAND; LAND-ZANDSTRA; CECCARONI et al, 2021), que foi proposta para envolver comunidades de práticas em questões comunitárias comuns, utilizando um método científico simplificado, como recurso metodológico.
Dentre as abordagens alinhadas ao desenvolvimento do pensamento científico, uma que funciona perfeitamente sintonizada com a Ciência Cidadã é o “Open Schooling” (EC, 2018), uma abordagem participativa e democrática que visa engajar os alunos a realizar, como Ciência Cidadã, projetos relacionados a problemas reais de suas comunidades, mas envolvendo mais atores. Além de professores e funcionários da escola, a educação aberta também envolve cientistas-pesquisadores, famílias, profissionais da comunidade e formuladores de políticas (OKADA; SHERBORNE, 2018). No que diz respeito à educação, a Ciência Cidadã no contexto da escolarização aberta pode potencializar o aprendizado porque torna o aluno autossuficiente na construção de pesquisas científicas baseadas em disciplinas científicas, mas como um agente ativo em sua comunidade.
Nesta pesquisa, a Ciência Cidadã é, portanto, uma abordagem metodológica da escolarização aberta. Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é discutir a integração de uma nova metodologia pedagógica baseada na Ciência Cidadã ao uso de um recurso tecnológico digital, produzindo e disseminando conhecimento científico e, ao mesmo tempo, prospectando sobre a continuidade de uso dessa metodologia para o Ensino Médio. Para se atingir esse objetivo geral, são estabelecidos os seguintes objetivos específicos:
Intervir na metodologia de aulas de ciências com estudantes do 2º ciclo do Ensino Fundamental utilizando ciência cidadã;
Avaliar a aplicabilidade da abordagem metodológica de escolarização aberta com Ciência Cidadã com o envolvimento dos estudantes em sua comunidade;
Prospectar a continuidade das perspectivas de cidadania advindas de práticas da escolarização aberta do Ensino Fundamental, através de reflexões de estudantes do Ensino Médio.
Visando a construção desse percurso de reflexão sobre a metodologia, ela é colocada em prática com um grupo de alunos do Ensino Fundamental (7º ano) e, posteriormente, foi confirmada e alargada através dos resultados de um questionário aplicado a alunos de outra escola pública, de Ensino Médio da mesma região da cidade. Dessa forma, a contribuição dessa pesquisa é a reflexão sobre práticas emancipatórias de escolarização aberta em projetos pedagógicos isolados, sem uma sistematização no plano político pedagógico da escola.
Metodologia
A metodologia abordada nesta pesquisa divide-se em duas fases: na primeira, denominada “Ciência Cidadã na prática”, baseou-se nos objetivos de caráter exploratório e explicativo, com a aplicação de um projeto de Ciência Cidadã com alunos do 7º ano da escola confessional Colégio Dom Bosco - Leste; na segunda fase, denominada “conhecimento para a cidadania”, visando uma noção mais sólida de cidadania por meio da ciência, foi aplicado um questionário previamente validado a alunos da escola de Ensino Médio técnico Instituto Federal do Amazonas - Zona Leste, para onde muitos alunos da primeira escola vão cursar o Ensino Médio, localizada na mesma região.
Fase 1 - Ciência Cidadã na Prática
Os instrumentos utilizados nesta parte da pesquisa para obter as percepções dos envolvidos foram: entrevistas semiestruturadas, questionário, diário de campo, observação participante e suporte tecnológico para coleta de dados no projeto de intervenção. Como foram utilizados questionários com questões abertas como instrumentos de pesquisa, optou-se por uma técnica de análise de conteúdo de Bardin (1994) como metodologia para o tratamento dos dados, pois apresenta uma abordagem qualitativa ao tratar das percepções dos alunos que participaram da pesquisa sobre uma abordagem quantitativa quando expressamos em gráficos as porcentagens nas respostas obtidas.
O estudo de caso foi realizado com uma amostra caracterizada por alunos do Ensino Fundamental, com idades entre 12 e 14 anos, da escola confessional Colégio Dom Bosco Leste, localizada em Manaus, em área de risco social. Esta escola possui uma grande área verde ao seu redor, proporcionando as atividades de exploração que foram importantes para o desenvolvimento desta pesquisa. Vale ressaltar também que a escola providenciou encontros com os pais para explicar a pesquisa e tanto os adolescentes quanto seus responsáveis assinaram o termo de consentimento. Após a fase de coleta do termo, dos 35 alunos convidados a participar da pesquisa, 32 entregaram o termo de aceite assinado. Os submetidos ao estudo foram alunos da turma do 7.º ano. As ações deste projeto foram realizadas durante o horário das aulas de Ciências em 11 encontros de 1 hora, totalizando 11 horas.
O artefato tecnológico utilizado para o projeto foi a plataforma - aplicação para smartphones - denominada iNaturalist, utilizada por cidadãos e cientistas para monitorizar a presença e distribuição das espécies. Plataforma esta que propicia a escolarização aberta, pois realiza estudos a partir do trabalho colaborativo de cidadãos e cientistas em todo o mundo, motivo da escolha do aplicativo. Após o cadastro do professor pesquisador na plataforma, foi criado o projeto (Figura 1) para contemplar os alunos escolhidos para a pesquisa.
O projeto de intervenção no iNaturalist foi criado sob o título “Registro da fauna e flora de uma escola da zona urbana de Manaus - AM”. Ao nível do currículo escolar da área de Ciências, a unidade didática envolveu as áreas de Ecologia, Entomologia, Botânica e Educação Ambiental.
As 11 aulas são em quatro estágios, conforme ilustrado na Figura 2.
Fase 1 - Resultados e Discussão
As excursões aconteceram durante quatro aulas e os alunos tiveram liberdade para explorar e tirar quantas fotos quisessem em duplas, individualmente ou em pequenos grupos. A Figura 3 ilustra um momento da coleta de dados.
Durante as excursões, os alunos discutiram o uso de artefatos tecnológicos para auxiliar no processo de aprendizagem. Segundo Sancho e Hernández (2006), não se pode ignorar a importância de uma educação comprometida com o processo de aprendizagem do indivíduo, de saber se posicionar, encontrar e resolver problemas, comunicar-se com eficiência, respeitar o próximo e colaborar e usar a tecnologia de forma consciente. Os alunos tiraram 580 fotos, das quais 280 foram carregadas no iNaturalist, 187 das quais pertencem a fotos de plantas e 93 fotos de animais. Após a fase de incorporação, obtivemos as fotos e tabulamos as espécies encontradas.
Vale ressaltar que o uso de smartphones para passeios foi uma concessão da escola, sendo necessário ter condições mínimas para sua implantação, como rede elétrica de boa qualidade, cobertura de acesso à internet e facilidade de acesso. Dessa forma, poderíamos usar com sucesso o artefato e aprender. Kenski (2003) afirma que toda aprendizagem, em todos os momentos, é mediada pelas tecnologias disponíveis.
Em relação à área onde os alunos coletaram dados (Figura 4), trata-se da área verde que circunda os telhados vermelhos dos prédios da escola. O lado direito é o bairro, composto por pequenas casas simples, e algumas casas do lado esquerdo da escola é um novo assentamento ilegal na área escolar. É importante contextualizar o local porque a escola não é pública, e sim em uma área menos privilegiada, tendo problemas semelhantes às favelas.
Os resultados indicaram que os alunos gostaram da abordagem ("Gostei muito de aprender com diversão." aluno 1) e além de aprenderem sobre as plantas, criticaram políticas que causaram problemas em suas comunidades durante a atividade de mapeamento da área. Conforme anotação da professora em seu diário de campo, “Os alunos identificaram problemas ambientais causados pela comunidade do entorno da escola. Eles discutiram a necessidade de mais políticas públicas para promover uma participação mais ativa da comunidade na solução dos problemas” (MAIA, 2021).
Os resultados dos alunos, apoiados pela nova abordagem pedagógica dos professores - Ciência Cidadã -, foram premiados pelo projeto Europeu-Brasil (CONNECT, 2023), educação aberta inclusiva com ciência voltada para o futuro. Essa prática descreveu três componentes usando o modelo pedagógico CARE-KNOW-DO de CONNECT (OKADA; SHERBORNE, 2018, OKADA; GRAY, 2023). Primeiro, o problema real com o qual os alunos se preocupam era proteger a biodiversidade de uma parte da floresta nativa da escola. Em segundo lugar, sua motivação os ajudou a CONHECER sobre biodiversidade, identificação de plantas e recomendações para proteção ambiental. Em terceiro lugar, a plataforma/app de Ciência Cidadã os ajudou a FAZER ações científicas, por exemplo, compartilhar fotos (gerar dados), discutir questões (analisar dados) e obter feedback (interpretar dados com biólogos). A identificação desses três componentes foi útil para descrever e planejar novas práticas de educação aberta apoiadas no modelo CARE-KNOW-DO.
No Brasil, a educação escolar é gratuita e obrigatória para os alunos dos níveis primário (de 7 a 14 anos) e secundário (de 15 a 17 anos). No entanto, cerca de três quintos dos brasileiros têm apenas quatro anos de escolaridade ou menos (IBGE, 2018). Portanto, abordagens significativas para que os alunos desenvolvam habilidades digitais e científicas de forma divertida e eficaz são muito importantes para reduzir a evasão escolar.
Ação 2 - Conhecimento para Cidadania
O instrumento utilizado nesta parte da pesquisa para obter as percepções sobre ciência, cidadania e engajamento dos alunos com suas comunidades foi um questionário, aplicado após uma aula de Ciências sobre ciências ambientais para alunos do primeiro e terceiro ano do Ensino Médio.
É comum a aplicação de projetos com algum grau de conscientização sobre impactos ambientais em aulas de Ciências no 2.º Ciclo do Ensino Fundamental. Consequentemente, é de se esperar que ao chegarem no Ensino Médio, onde os alunos estão com sua capacidade crítica mais desenvolvida, eles sejam mais profundamente engajados em práticas de escolarização aberta. Com o intuito de realizar um diagnóstico sobre o entendimento de ciências e cidadania consolidado nos alunos do Ensino Médio, foi proposto o questionário já validado em outras ações do projeto CONNECT (OKADA; SHERBORNE, 2018) para aferir esse conhecimento e propor uma nova abordagem para continuidade de projetos de Ciência Cidadã no contexto da escolarização aberta para o Ensino Médio.
Todos os alunos do Ensino Médio que responderam ao questionário fizeram parte de algum projeto de ciências durante o Ensino Fundamental, estudaram sobre a importância do meio ambiente e estudam em uma escola que fica localizada em uma zona rural. Diversas ações são realizadas no entorno da escola, como a oficina acerca das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) em conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) são iniciativas comuns aos alunos do Ensino Médio do Instituto Federal do Amazonas - Zona Leste (IFAM-ZL). Vale ressaltar que, assim como na escola em que foi aplicado o projeto de Ciência Cidadã, no campus do IFAM-ZL há ocupação irregular em seu entorno.
Ação 2 - Resultados e Discussão
Alunos de duas turmas do Ensino Médio do IFAM-ZL foram convidados a responder ao questionário sobre conhecimento científico. As turmas da 1.ª e 3.ª série foram escolhidas, pois elas tinham finalizado projetos curriculares de Ciências naquela semana. As questões do questionário foram apresentadas em seis facetas. Cada uma dessas facetas possui seis itens (questões), seguindo a escala Likert de 5 itens, indo de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”, de “muito pouco confiante” a “muito confiante”, ou ainda de “nunca” a “muito frequentemente” dependendo da questão. Os professores responsáveis em cada turma foram conduzindo os alunos a marcarem as respostas para cada faceta, traduzindo e explicando cada uma. As facetas são: (1) Com que frequência você faz estas atividades fora da escola?; (2) Qual a sua opinião sobre Ciências em sua vida?; (3) Qual a sua opinião sobre Ciências na sua futura carreira?; (4) O quanto você se sente confiante com essas atividades de Ciências?; (5) Como você aprende Ciências?; e (6) Como você se sente sobre Ciências? Houve 25 respondentes ao questionário, sendo 16 da 3ª série do Ensino Médio e 9 da 1ª série do Ensino Médio, dentre os quais 22 responderam a uma ou mais das facetas apresentadas.
A Figura 7 apresenta os resultados das facetas 1 (quadro à esquerda) e 2 (quadro à direita). Os resultados da faceta 1 mostram que atividades científicas ainda são restritas ao ambiente da escola - 64% dos respondentes informaram que ‘nunca’ ou ‘raramente’ desenvolvem tais atividades em outro ambiente. Por outro lado, “buscar informações relacionadas às Ciências (animais, saúde, meio ambiente)” é atividade realizada ‘frequentemente’ ou ‘muito frequentemente’ por 68% dos respondentes. Ainda sobre a faceta 1, é interessante destacar que em média, 41% dos respondentes declararam que falar, perguntar e ler sobre Ciências são atividades realizadas ‘frequentemente’ ou ‘muito frequentemente’ por eles. A faceta 2 refere-se à avaliação de quão importante a ciência seria para o indivíduo e os resultados mostram que, de modo geral, os respondentes avaliam a ciência e sua aprendizagem como muito importante, informando por exemplo que a ciência seria “útil na minha vida” e importante para “uma vida agradável e saudável”, itens com 95% de respostas ‘concordo’ ou ‘concordo totalmente’. Essas também foram as respostas da maioria sobre a importância da ciência para resolver problemas (91%) e para a tomada de decisões (82%). Por fim, confirmou-se que os estudantes têm corretas percepção sobre os cientistas no que se refere ao trabalho em equipe e necessidade de usar a imaginação na resolução de problemas.
A Figura 8 apresenta os resultados das facetas 3 (quadro à esquerda) e 4 (quadro à direita). A faceta 3 que trata da visão de Ciência no futuro, especialmente no que se refere à carreira. Essa foi a única faceta onde nem todos, dentre os 22 respondentes, responderam a todos os itens, havendo um mínimo de 15 e um máximo de 22 respostas aos itens da faceta. Dois itens referiam-se explicitamente ao papel do professor - se eles ‘explicaram a importância da Ciência’ e ‘incentivam a continuar aprendendo as Ciências’, respectivamente com 15 e 16 respostas. O item com maior quantidade de respostas nessa faceta (21 no total) foi “conheço profissionais para falar sobre como são os empregos que usam Ciências” parece estar alinhado a certa insegurança quanto a planos futuros de carreira/profissão, natural em estudantes nessa etapa de sua educação. Os demais itens referem-se à opinião da família sobre Ciência e sobre a percepção do estudante sobre conhecimento e habilidades científicas serem importantes para conseguir emprego. De modo geral, a percepção dos estudantes é positiva, com média de 63% das respostas a todos os itens (intervalo de 57% a 73%) para ‘concordo’ ou ‘concordo totalmente’.
Os resultados da faceta 4 (quadro à direita na Figura 8) mostram segura prevalência de aspectos expressando confiança em atividades de Ciência, embora em alguns itens, como no caso de ‘sei como justificar minhas opiniões usando argumentos e evidências (fatos ou dados)’, onde 41% dos respondentes optaram pela posição central da escala (‘às vezes confiante’), está claro que tal segurança não é contínua. Por outro lado, 63% das respostas ao item referente a trabalho em grupo (‘fazer projetos de ciências com outras pessoas’) foram ‘confiante’ ou ‘muito confiante’, sugerindo que o trabalho em grupo é bem aceito pelos estudantes.
A Figura 9 apresenta os resultados das facetas 5 (quadro à esquerda) e 6 (quadro à direita). Os resultados da faceta 5 mostram que o item ‘os alunos devem ter oportunidades de aprender com os outros (cientistas, famílias...)’ foi o de maior incidência das opções ‘concordo’ ou ‘concordo totalmente’, com 95% das respostas. O próximo item com maior incidência das opções “positivas” foi ‘as discussões com meu professor e colegas me ajudam a entender as ciências’, com 82% das respostas. Esses resultados evidenciam a percepção pelos estudantes de que o debate de ideias é elemento essencial para a Ciência. Também é importante notar que prevaleceu nos resultados, a negação das afirmações ‘obter a resposta correta é mais importante do que saber como você a obteve’ e ‘aprender Ciências consiste em memorizar termos e equações’, respectivamente com 68% e 50% de respostas ‘discordo’ ou ‘discordo totalmente’.
Os resultados da faceta 6 (quadro à direita na Figura 9) evidenciam que atividades científicas são percebidas como “divertidas” (86% de respostas ‘concordo’ ou ‘concordo totalmente’) e “agradáveis” (82% das mesmas respostas). Outro item com respostas similarmente positivas refere-se à Ciência como instrumento para um “mundo melhor” (86% dessas respostas). Cabe ainda mencionar o equilíbrio entre respostas “positivas” e “negativas” para o item ‘aprender ciências é fácil’ (41% e 36% respectivamente).
Vale a pena apresentar alguns pontos específicos em relação aos contextos de escolas em Manaus, comparativamente a essa escola. Quanto à frequência em que os alunos realizam atividades de Ciências fora da sala de aula, realmente é bem mais frequente que em muitas escolas e, nela, muitas vezes, tratam sobre assunto da vida cotidiana e fazem experimentos científicos. No caso da escolarização aberta por meio da Ciência Cidadã, os alunos precisam sair do espaço escolar, interagir e aprender com outros sujeitos mediados por tecnologias, como no caso do iNaturalist.
Considerações finais
Este trabalho teve um duplo objetivo: relatar a prática de escolarização aberta, através da Ciência Cidadã, para alunos do Ensino Fundamental, utilizando recursos tecnológicos presentes em seu cotidiano; e realizar um estudo diagnóstico com alunos do Ensino Médio da mesma região da cidade para analisar o quanto incorporaram essas práticas ao conhecimento científico produzido. A partir da plataforma iNaturalist foi criada uma comunidade de prática de Ciência Cidadã para apoiar a condução de um projeto com alunos do 7º ano do Ensino Fundamental da escola católica Colégio Dom Bosco - Leste. A organização do projeto se deu por práticas de escolarização aberta, envolvendo a comunidade de fora da escola com o protagonismo dos alunos-cientistas.
Os resultados foram positivos e mostraram que os alunos estão receptivos para despertar seu pensamento crítico e aprender temas de Ciências utilizando a escolarização aberta. A pesquisa inicial foi ampliada também com um estudo exploratório a fim de verificar como alunos do Ensino Médio de uma escola na mesma região, de uma escola conhecida por realizar atividades de Ciências fora da sala de aula, se compreendiam no mundo como cientistas-cidadãos na construção de seus conhecimentos científicos nas aulas.
Com base nos resultados obtidos, podemos concluir que se houver uma continuidade na construção do pensamento científico desde o Ensino Fundamental, até o Ensino Médio, os alunos irão gradativamente desenvolvendo sua autonomia e serão mais assertivos nas aulas de Ciências com práticas de escolarização aberta. O estudo diagnóstico no IFAM-ZL mostrou que, apesar da oferta de aulas práticas de Ciências, estas não colocam o aluno como protagonista, impossibilitando que ele, naquele espaço, construa suas soluções científicas para os problemas de sua própria comunidade, vendo a Ciência como algo distante.
Tais resultados indicam que a Ciência Cidadã, contextualizada com a escolarização aberta, precisa ser uma prática metodológica na escola para, assim, ser ampliada às outras disciplinas e ser realmente efetiva na formação do aluno para a cidadania. Na escola onde foi realizado o estudo diagnóstico, os resultados da aplicação do questionário indicam que as práticas de escolarização aberta com a Ciência Cidadã certamente beneficiarão os alunos dessa escola.