INTRODUÇÃO
O curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), em sintonia com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Medicina, utiliza estratégias ativas de aprendizagem para construção do perfil de competência do profissional egresso. Entre as estratégias utilizadas, o Team Based Learning (TBL) ganha singular destaque no cenário pedagógico do curso. O TBL se tornou uma proposta pedagógica alternativa importante no contexto dos métodos de ensino mais frequentemente utilizados em educação médica, na medida em que reforça a aprendizagem ativa pelo aluno em detrimento da transmissão passiva e repetida de informações3.
Para Bollela et al.1, a estruturação do TBL pode ser categorizada em: (a) necessidade de leitura prévia dos temas a serem discutidos na sessão; (b) divisão dos alunos em pequenos grupos de cinco a sete integrantes; (c) aplicação de questões de múltipla escolha com resposta individual sobre o tema de estudo, com a emissão de notas individuais; (d) reaplicação das questões, agora com discussão entre os integrantes de cada grupo, com a emissão de nota para o grupo; (e) aplicação dos conceitos adquiridos, com nova discussão de caso ou tema de uso prático; (f) discussão final das dúvidas, questões e feedback do facilitador.
De forma prática, podemos segmentar três passos fundamentais para a implementação do TBL: preparação pré-classe; condução individual e em grupo do conteúdo estudado; e aplicação e consolidação de alto nível do conhecimento4.
Por se tratar de uma abordagem inovadora e desconhecida para a maioria dos estudantes, o presente trabalho se propôs avaliar a percepção dos estudantes de graduação em Medicina da USCS sobre o uso da metodologia de ensino TBL e analisar os diferentes aspectos da aplicação desse método.
MÉTODOS
Durante o mês de junho de 2017, 193 alunos do curso de graduação em Medicina (quarto e sétimo períodos) foram submetidos a várias sessões de ensino com o método TBL na USCS com os temas sepse, trauma, leucemia, câncer colorretal e câncer de pulmão. No término da sessão, os alunos respondiam a um questionário específico com oito itens (Quadro 1) que abordavam diferentes aspectos do método, avaliados por meio da escala Likert (Tabela 1).
Preferência | Eu preferi o TBL sobre esse tema à aula expositiva (conferência) tradicional |
---|---|
Esse TBL exigiu maior esforço meu do que uma aula tradicional | |
Motivação & satisfação | Esse TBL me motivou a estudar mais |
Esse TBL teve um impacto positivo no meu aprendizado | |
Aprendizado/ equipe | Esse TBL me ajudou a aprender a estudar em grupo |
As discussões das questões desse TBL em grupo me ajudaram a compreender melhor o conteúdo | |
Quanto ao TBL | Esse TBL foi bem organizado |
Eu fiquei satisfeito com o método desse TBL |
Tema/Item | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sepse (n = 45) | ||||||||
CF | 34% | 31,9% | 34% | 44,6% | 10,6% | 23,4% | 51,6% | 42,5% |
C | 49% | 57,4% | 51% | 51% | 38,3% | 65,9% | 44,6% | 44,6% |
I | 8,5% | 8,5% | 14,9% | 4,2% | 44,6% | 6,3% | 2,1% | 6,39% |
D | 8,5% | 2,1% | 0% | 0% | 6,38% | 4,25% | 2,12% | 6,38% |
DF | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% |
Leucemia (n = 44) | ||||||||
CF | 13,6% | 9,1% | 15,9% | 29,5% | 11,3% | 25% | 38,6% | 29,5% |
C | 18,2% | 27,2% | 38,6% | 47,7% | 20,4% | 38,6% | 38,6% | 22,7% |
I | 4,5% | 22,7% | 34,1% | 18,2% | 38,6% | 25% | 11,3% | 25% |
D | 40,9% | 31,8% | 35% | 0% | 27,2% | 4,5% | 6,8% | 22,7% |
DF | 22,7% | 11,3% | 0% | 0% | 9,1% | 6,8% | 4,5% | 6,8% |
Trauma (n = 40) | ||||||||
CF | 45% | 35% | 37,5% | 52,5% | 12,5% | 27,5% | 52,5% | 20% |
C | 40% | 47,5% | 42,5% | 47,5% | 45% | 57,5% | 45% | 21% |
I | 10% | 12,5% | 20% | 0% | 52,5% | 1,5% | 2,5% | 3,0% |
D | 2,5% | 5,0% | 0% | 0% | 2,5% | 0% | 2,5% | 3,0% |
DF | 2,5% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% |
CA colorretal (n = 47) | ||||||||
CF | 5,8% | 23,5% | 17,6% | 29,4% | 29,5% | 11,7% | 41,7% | 29,4% |
C | 41,1% | 41,1% | 47,0% | 70,6% | 29,4% | 47,0% | 52,9% | 52,9% |
I | 17,6% | 5,8% | 35,3% | 0% | 29,4% | 11,7% | 0% | 11,7% |
D | 23,5% | 29,4% | 0% | 0% | 17,6% | 23,5% | 0% | 5,8% |
DF | 11,7% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% |
CA de pulmão (n = 17) | ||||||||
CF | 52,9% | 35,3% | 41,1% | 71% | 11,7% | 11,7% | 76,4% | 58,8% |
C | 29,4% | 41,7% | 47,0% | 25,5% | 23,5% | 29,4% | 23,5% | 23,5% |
I | 5,8% | 11,7% | 11,7% | 5,8% | 35,3% | 35,3% | 0% | 11,7% |
D | 11,7% | 11,7% | 0% | 0% | 17,6% | 17,6% | 0% | 5,8% |
DF | 0% | 0% | 0% | 0% | 11,7% | 5,8% | 0% | 0% |
Legenda: DF – discordo firmemente; D – discordo; I – indiferente; C – concordo; CF – concordo firmemente.
Foi realizado cálculo do tamanho da amostra5 para uma precisão relativa de 10% com nível de significância de 5% de acordo com a hipótese de 70% das respostas positivas (concordo e concordo firmemente) para a afirmação: “Esse TBL teve um impacto positivo no meu aprendizado”. A análise estatística foi realizada com cálculo de estatística descritiva e das frequências relativas e absolutas de respostas com intervalo de confiança de 95% para cada ponto estimado. A escala Likert foi dicotomizada em respostas positivas (concordo e concordo firmemente) ou negativas (discordo firmemente, discordo, indiferente) para uma análise do risco relativo. A apresentação dos dados foi realizada por meio de quadros e gráficos.
RESULTADOS
O presente estudo foi realizado com 193 indivíduos, sendo 94 estudantes da quarta etapa e 99 estudantes da sétima etapa. As idades estavam compreendidas entre 21 e 23 anos, sendo 62,5% deles do sexo feminino e 32,5% do sexo masculino. Na sétima etapa, foram aplicados TBLs sobre os temas: sepse (45 participantes), trauma (40 participantes) e câncer de pulmão (17 participantes), enquanto na quarta etapa foram aplicados TBLs sobre: leucemia (44 participantes) e câncer colorretal (47 participantes). A Tabela 1 mostra a frequência de respostas para os oito itens avaliados.
Quanto à preferência, a maioria dos alunos preferiu o TBL (66%, IC 95% 58,77% a 73,03%) e sentiu maior esforço com este método (70%, IC 95% 62,50% a 76,36%). Também houve diferença significativa a favor do TBL nos dois itens relacionados à motivação, com 75% favoráveis ao TBL (IC 95% 68,19% a 81,26%) e 91% relatando impacto positivo em seus estudos (IC 95% 85,53% a 94,54%). Em 72% dos casos (IC 95% 65,02% a 78,55%), foi relatada melhora da compreensão sobre o tema estudado por meio do TBL. Ao avaliarem o método em si, 90% dos alunos consideraram a atividade bem organizada (IC 95% 84,83% a 94,07%) e 78% ficaram satisfeitos com a experiência (IC 95% 71,41% a 83,94%). Todos os itens avaliados foram significativos a favor do TBL, com exceção do aspecto relativo à ajuda do método para aprender a estudar em grupo (Gráfico 1).
DISCUSSÃO
Chhabra et al.6 observaram que o TBL tem se mostrado uma técnica efetiva para o desenvolvimento profissional e do pensamento crítico. Uma das principais vantagens do uso da metodologia TBL seria garantir a cada aluno a oportunidade de desenvolver habilidades em raciocínio clínico. Ao se prepararem previamente para as sessões de TBL, os alunos devem ir além da leitura ou releitura simples de textos com a finalidade de memorização. O ideal é que formulem questões e demonstrem seu entendimento ao sintetizarem as informações. O envolvimento de cada um é fundamental para a participação como um membro ativo no grupo, pois essa interação oferece ao aluno uma segunda oportunidade de se envolver ativamente com o material ou objeto de estudo. O término do processo de maneira bem-sucedida proporciona ao acadêmico proficiência no conteúdo e em sua aplicação prática2.
A escola médica não deve apenas disseminar a informação, mas também ensinar aos estudantes como usá-la frente a novas situações e problemas a serem solucionados. Isto é possível por meio da promoção da aprendizagem ativa e experiências práticas3. O papel do facilitador no TBL consiste em desenvolver problemas relevantes que estimulem a interpretação de dados científicos e clínicos com a finalidade de diagnosticar e tratar estados patológicos4.
A avaliação feita pelo presente estudo evidenciou ótimos percentuais em relação à percepção dos estudantes sobre o método TBL e no que tange à compreensão do conteúdo abordado nas sessões. Os resultados demonstraram que o método é superior no incentivo ao desenvolvimento de habilidades em resolução de problemas, raciocínio clínico e trabalho em equipe quando comparado à avaliação centrada apenas em resoluções individuais3. O aspecto favorável ao método ativo TBL, presente em sete das oito perguntas, mostra um impacto positivo na preferência, motivação e satisfação na aprendizagem em equipe, e levanta a importância de repensar os métodos e mecanismos de estudos aplicados por instituições de ensino médico4.
A melhor compreensão sobre o tema estudado, quando comparada à do estudo tradicional, pode ter vindo da preparação da atividade individual pré-classe. Esta se caracteriza por ser a primeira etapa crítica para que os alunos entendam melhor o conteúdo discutido e para que possam contribuir no desempenho em equipe no segundo passo1.
O resultado encontrado para o aprendizado em grupo mostrou-se em desfavor do método TBL em relação a outros métodos e pode ter várias justificativas. Reimschisel et al.8 apontam que muitas dimensões do TBL ainda não foram bem estudadas, como variedade dos fatores processuais, participação definida do facilitador e padrão de engajamento dos diversos grupos. Para Bollela et al.1, a maioria dos problemas relatados com grupos de aprendizagem (participantes disfuncionais, conflitos entre membros, etc.) é resultado direto de um desenvolvimento inapropriado da própria equipe. Essa etapa, no entanto, é essencial para estimular a discussão em grupo e o ensino-aprendizagem entre os integrantes enquanto esses estabelecem um consenso de resposta e favorece, principalmente, aqueles que estavam de início mais despreparados no começo do TBL4.
O trabalho em equipe propicia motivação e impacto positivo na aprendizagem e é um bom método para simular atividades que requeiram trabalho em grupo1,12. Para esse impacto realmente ter efeito, o grupo deve seguir algumas etapas básicas do aprendizado em equipe, como a formação do grupo, processo de garantia de prontidão, feedback imediato, sequenciamento em sala de aula, resolução de problemas, estrutura motivacional e exercícios de aplicação da equipe3. Uma metanálise realizada por Chen et al.10 incluiu 1.545 participantes e analisou a efetividade do TBL em comparação ao ensino tradicional, apontando que o TBL possui maior eficácia no processo ensino-aprendizagem, assim como em habilidades e atitudes interpessoais.
Burgess et al.9,11 analisaram a preferência de estudantes do primeiro ano entre o TBL e o PBL, sendo que o primeiro foi preferido por ser uma estratégia otimizada de ensino, com um formato mais atrativo para aprender, maior engajamento e participação do que o PBL. O impacto positivo no aprendizado, associado à satisfação dos participantes com a sessão, mostra uma correlação com a consolidação do conteúdo e percepção do aprendizado. Faezi et al.7 evidenciaram maior engajamento e satisfação na aprendizagem a longo prazo por meio do TBL.
O TBL se destaca como um método pedagógico excelente para implementar estratégias de pensamento crítico. O foco da metodologia é centrado no aluno, e a interação em grupo gera uma oportunidade para uma prática direcionada à resolução de problemas. Dessa forma, os currículos médicos devem, idealmente, deixar de se centrar em conteúdos para proporcionar o estímulo de processos de pensamentos. O foco deve mudar do ensinar de maneira tradicional para o aprender2.
CONCLUSÃO
O trabalho permitiu conhecer melhor o método TBL e estimar seu possível impacto na aprendizagem dos alunos. A utilização desse método foi percebida como favorável em termos de preferência em relação a aula expositiva tradicional, motivação, satisfação e aprendizado. Não foi percebido nenhum tipo de risco ou desconforto ocasionado pelos questionários.