INTRODUÇÃO
A comunicação é muito mais que uma simples troca de palavras, é um processo dinâmico e aberto1. É considerada uma ferramenta essencial do plano terapêutico, pois garante a autonomia do paciente, bem como uma relação de confiança entre o paciente, sua família e o profissional de saúde2.
As habilidades comunicativas em profissionais de saúde permitem desencadear relações interpessoais de qualidade. Essas estão presentes em todas as atividades cotidianas desses profissionais, desde a entrevista e o exame físico, ao planejamento da assistência efetuada, incluindo.o dacomunicação de más notícias em saúde3.
As funções da comunicação em saúde englobam transmitir mensagens, obter informações, deduzir novas conclusões, reconstruir o passado, antecipar fatos, iniciar e modificar processos fisiológicos dentro do corpo, e influenciar pessoas e acontecimentos externos4. “Má notícia” significa “toda a informação que envolva uma mudança drástica e negativa na vida da pessoa e na perspectiva do futuro”5.
Ademais, a promoção da relação entre médico e paciente contribui para um acréscimo na qualidade dos cuidados em saúde. As habilidades comunicativas facilitam compreensão e memorização de recomendações médicas, o que facilita adesão, redução de sintomas físicos, com incremento na satisfação do doente, além de prevenir erros de diagnóstico. A eficácia da comunicação constitui um grande determinante de precisão e extensão da informação recolhida pelo profissional de saúde.6
Sob essa ótica, conceder más notícias ao paciente inclui desde um diagnóstico de uma doença terminal, até doenças que interfiram em sua qualidade de vida7. No ponto de vista de doenças terminais, a forma como o diagnóstico é comunicado pode impactar tanto as percepções do doente sobre o seu quadro clínico, como na relação com seu médico em longo prazo8. Assim, interações em que há a discussão de más notícias podem ser reconhecidas como angustiantes para todos os envolvidos8
Sabe-se que a maneira como a informação é dada ao paciente e seus familiares tem mais relevância do que o conteúdo em si. O modo e a qualidade da notícia pronunciada impactam diretamente no que esses indivíduos se lembrarão para o resto de suas vidas9.
As falhas no fornecimento da informação impedem compreensão adequada e induzem a inúmeros problemas de adesão, o qual é um elemento crucial para a segurança e a qualidade do tratamento do paciente6. Além disso, a maneira correta de noticiar reduz as incertezas do enfermo e contribui para a aceitação da doença. Logo, há princípios que devem ser levados em conta na preparação da comunicação5.
Nas escolas médicas brasileiras, há incentivo da inclusão de treinamento em comunicação na grade curricular10. Mas, ao longo da formação profissional, raramente é criada a oportunidade de se refletir sobre a perda dos pacientes, e sobre o impacto desse fato no processo de formação e na vida dos alunos11.
Nessa perspectiva, este artigo descreve a compreensão dos acadêmicos e dos residentes de medicina ao lidar com a comunicação de más notícias e o impacto dessas notícias em suas vidas profissionais e pessoais.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo transversal descritivo, desenvolvido na Universidade da Região de Joinville (Univille), no Hospital Municipal São José (Joinville/SC), no Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria (Joinville/SC), no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt (Joinville/SC), no Hospital e Maternidade Jaraguá (Jaraguá do Sul/SC) e na Secretaria Municipal de Saúde de Joinville.
Foram incluídos alunos do sexto ano do curso de Medicina da Univille e os médicos do primeiro ano de residência das seguintes especialidades: anestesiologia, clínica médica, cirurgia geral, pediatria, ginecologia e obstetrícia, e medicina da família e comunidade, dos locais mencionados acima, no ano de 2018 e que aceitaram participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os alunos que não estivessem na sexta série do curso de medicina, os residentes que não estivessem nos setores de inclusão e aqueles que não aceitaram participar da pesquisa.
Os dados foram coletados por meio de questionário, que englobou o nível de formação do entrevistado, as habilidades adquiridas ao longo da formação sobre como comunicar más notícias, a abordagem do conhecimento ou não de métodos para desenvolver capacidades de comunicação e como o participante sente-se ao comunicar tal categoria de informações.
Foi realizada uma análise estatística descritiva da frequência de cada resposta, fornecida por cada participante, às perguntas do questionário. Os resultados foram compilados e apresentados na forma de gráficos que ilustram a distribuição das respostas dos sujeitos da pesquisa.
O estudo foi submetido à apreciação ética conforme as normas brasileiras e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIVILLE sob CAAE: 71476117.5.0000.5366. Além disso, os autores declaram não possuir conflito de interesses.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A amostra constituiu-se de 63 participantes, com dados coletados entre abril e setembro de 2018. O sexo masculino representou 59% (n=37) da amostra. A faixa etária mais prevalente foi a de 26 a 30 anos (50%), seguida por 20 a 25 anos (40%). Dos participantes, 59% eram médicos residentes (n=37) e 41% estudantes (n=26)
A maioria dos particpantes (85%) já havia comunicado más notícias, sendo que 25% comunicavam frequentemente, 35% esporadicamente e 40% raramente.
O preparo de médicos e da equipe de saúde é voltado à manutenção da vida e à vitória sobre a doença. No entanto, a presença da doença leva o profissional a entendê-la como um insucesso de suas responsabilidades12. De fato, 47% dos integrantes da pesquisa consideraram o fato de conversar sobre o fim de tentativa de tratamento curativo a tarefa mais difícil da comunicação com pacientes e familiares, conforme mostrado no Gráfico 1.
Para estabelecer uma relação bem sucedida entre o indivíduo cuidado e o cuidador, é essencial a adequação em transmitir mensagens verbais e não verbais, sendo que essas últimas, muitas vezes, recebem pouca atenção dos profissionais1. Na dimensão verbal, a interação tende a ser positiva se as mensagens são enviadas fundamentalmente de três maneiras. A primeira, inclui a nitidez, ou seja, com códigos que o outro também entenda, com a adequação do uso de termos e palavras à realidade e contexto social do indivíduo e sua família. Já a segunda, trata-se da especificidade, contendo detalhes suficientes para que o receptor compreenda o que está sendo falado. E, por fim, deve-se evitar o caráter punitivo, abstendo-se de repreensões excessivas, censuras, raiva ou sarcasmo. Na dimensão não verbal, é indispensável que o profissional esteja atento aos fatores ambientais, à cinésica, que engloba as expressões faciais, à postura e, também, à linguagem corporal manifestada pelos ouvintes da notícia. Além dessas, citam-se a proxêmica, com o uso adequado do espaço interpessoal, a tacêsica, contendo as diversas interpretações do toque, e a paralinguagem, visto que a variação dos sons interfere na qualidade da compreensão subjetiva do que é informado13.
Nesse contexto, a esfera de comunicar uma má notícia é a mais difícil11, pois, há de se considerar que os fundamentos da relação médico-paciente-família são os aspectos subjetivos, distanciando-se do concreto e do imparcial. Um diálogo adequado só será obtido se for precedido de uma interação aprazível entre os indivíduos, já que a transmissão da informação é um compartilhamento de ambas as partes, envolvendo a transferência contínua de informação de uma pessoa para a outra, e então compartilhada por ambas. Assim, a compreensão da notícia pelo destinatário reflete a qualidade do modo de como se foi noticiado14.
Na pesquisa, 16% dos participantes têm um autojulgamento de que suas habilidades comunicacionais são ruins ou muito ruins. A maioria (61%) as consideram razoáveis, como demonstrado no gráfico 2, dado relevante frente à importante tarefa de noticiar. Um estudo realizado com 18 pacientes na faixa etária de 12 a 18 anos, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, demonstrou que a qualidade da comunicação determina a qualidade da adesão ao tratamento de adolescentes doentes crônicos. Além disso, o estudo apontou que o médico que não explicava o que estava acontecendo em relação à doença crônica, era classificado pelos pacientes como incompetente e desinteressado pelo quadro clínico. Assim, com uma comunicação deficiente, a relação médico-paciente era desconstruída4.
O fator considerado como o mais difícil no momento de discutir a notificação de uma notícia, por 36% dos participantes, foi lidar com as emoções do paciente. Em segundo lugar, envolver o familiar ou o paciente na tomada de decisão (20%), seguido de ser honesto sem tirar a esperança (18%), como elucidado no gráfico 3. Somando-se a isso, 43% relataram ter aprendido a lidar com as emoções dos pacientes por meio da observação de outros profissionais e apenas 29% receberam ensino formal sobre o tema durante a graduação médica. A Organização Mundial da Saúde, na década de 90, incentivou pesquisadores a revisarem a literatura vigente sobre o tema “comunicação de más notícias”, cuja preocupação está em informar ou não o paciente e o quanto o mesmo deve saber. Os pesquisadores constataram que há pouca capacitação do médico para enfrentar essas situações15.
Na literatura vigente, esse momento de comunicação é tido como perturbador, quer para a pessoa que recebe, quer para a pessoa que transmite, gerando muitas vezes sentimentos de dor, ansiedades, medos, angústias, sentimentos de inutilidade e desconforto. Sabe-se que na área da saúde, anunciar um diagnóstico ou prognóstico de enfermidade representa uma grande dificuldade por parte dos profissionais2. Dos integrantes da pesquisa, 51% sentem-se afetados pelo ato de comunicar uma má notícia, dos quais 26% têm dificuldade em lidar com os próprios sentimentos, 17% têm a autoestima diminuída em relação ao profissionalismo e 8% não conseguem diferenciar seus sentimentos daqueles de pacientes e familiares. Em contrapartida, 49% julgam-se como “não afetados”. Borges, Freitas e Gurgel mostram que os comunicadores evitam reações aversivas dos pacientes ou dos acompanhantes, para não enfrentarem suas próprias emoções. Desse modo, sonegam informações, transferem responsabilidades para colegas ou informam o paciente de forma negligenciada11. Esses profissionais sofrem não só no aspecto psicológico, mas tambémsentem efeitos fisiológicos. Estudos demonstram que ao informar uma má notícia , os médicos podem sofrer um aumento na frequência cardíaca, na pressão arterial e no débito cardíaco de forma tão expressiva, que pode desencadear hipertensão arterial sistêmica. Os níveis de cortisol são alterados, bem como o sistema imune. Os médicos sentem que há um alto risco de perderem o controle das emoções e do profissionalismo e a autoconfiança16. Quintana afirma que o médico pode falar racionalmente da morte, mas, ao mesmo tempo, não pode senti-la e permitir que toque seus sentimentos. Isso reflete o despreparo dos profissionais da saúde em lidar com tais situações. Um adequado preparo teórico e emocional proporcionaria tanto uma melhor comunicação com os pacientes, como uma diminuição do grau de ansiedade do profissional14.
Como demonstrado no gráfico 4, ao questionar se durante a graduação médica receberam algum tipo de treinamento sobre como informar más notícias, 21% dos partipantes relataram que não tiveram nenhuma capacitação específica. Ainda mais, dos métodos sugeridos no questionário para desenvolver habilidades de comunicação, o preferido foi o de aulas práticas com pacientes reais, acompanhado do preceptor (44%), seguido de aulas práticas com encenação (32%), como visto no gráfico 5. Uma pesquisa realizada na Universidade Estadual de Londrina, que objetivou entender o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes do sexto ano de Medicina, deixa explícito que os acadêmicos apontaram o docente como modelo de conhecimento. Entre as mais variadas formas de aprendizado, a observação dos preceptores foi a que ganhou destaque para ser seguida como modelo. Com isso, vê-se que a eficácia do professor é fundamental ao ensino acadêmico, pois, o mesmo, torna-se um modelo aos futuros médicos17. Ademais, no estudo já citado, realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, afirma-se que 52,8% dos profissionais relacionam a dificuldade de comunicação com a inadequação da formação acadêmica sobre o tema4. Quando se trata das técnicas e maneiras de ensinar habilidades de comunicação na graduação médica, não se tem uma visão homogênea na literatura. Cada processo exige uma técnica adequada ao seu conteúdo. Não existe um método que sirva para todas as situações. A maneira de transferir uma má notícia varia de acordo com a idade, o sexo, o contexto cultural, social e educacional, a doença que acomete o indivíduo, e o contexto familiar do paciente. Sendo assim, esse meio depende da flexibilidade do comunicador13.
Esse despreparo começa durante a formação médica nas universidades, em que há um foco deficiente e ineficaz nas questões psíquicas, uma incompreensão da problemática da morte, assim como uma inaptidão para resistir a situações difíceis18. Frequentemente, os acadêmicos não aprendem habilidades para esse tipo de comunicação, sendo inseridos diretamente na prática, sem qualquer auxílio. Isso acarreta na exposição de alunos e residentes a situações constrangedoras e de intensa carga emocional. É visível a necessidade de amparo psicológico para que eles possam lidar com tais situações, o que nem sempre é incorporado nas grades curriculares das escolas médicas15. Embora os currículos das escolas médicas brasileiras estejam caminhando para a implementação de treinamentos voltados para a comunicação de más notícias, ainda existem poucos estudos que demonstram a eficácia da capacitação8
Também, destaca-se que as DCNs para a graduação em Medicina enfatizam a relevância da comunicação como uma competência a ser bem desenvolvida pelos graduandos. Entretanto, a realidade é que poucas universidades valorizam o ensino da comunicação verbal e não-verbal em seus currículos14.
Como não há consenso técnico e nem ensino regular nesse contexto, os médicos, consequentemente, formam-se sem conhecimento específico em comunicação. Assim, cada profissional desenvolve, a partir da observação de outros colegas de trabalho ou aprendizados pela experiência, sua própria forma de noticiar, adequando-a ao seu estilo de vida. Esse fato é ilustrado por meio de entrevista realizada com os médicos de uma Unidade de Terapia Intensiva de Porto Alegre, em que foi possível perceber que a forma de comunicar más notícias é divergente entre os profissionais, sendo baseada em experiências pessoais e no senso comum, já que não houve, durante a formação dos entrevistados, um treinamento ou um preparo para realizar essa ação14.
Uma outra pesquisa também evidenciou a carência de habilidades de comunicação dos trabalhadores da saúde para oferecer apoio emocional. Revelou que ao se questionar os profissionais sobre o conhecimento de estratégias, surgem citações subjetivas como “solidariedade”, “compaixão”, “apoio” e “atenção”. Essas são descrições ou denominações de sentimentos, que embora sejam essenciais, não são estratégias de ações concretas e aplicáveis à prática médica19.
Com a literatura vigente e os dados coletados nesta pesquisa, torna-se explícito que a relação médico-paciente-família está atrelado ao processo de comunicação. A implementação do ensino dessas habilidades nas escolas médicas é imprescindível para maior segurança do profissional na sua prática diária e para o melhor atendimento aos doentes e seus parentes. Os textos destacam que, embora a intuição do médico faça parte do processo de noticiar, deveriam ser desenvolvidos programas de treinamento com o objetivo de se alcançar um maior grau de clareza e exatidão na comunicação, estabelecendo-se uma padronização. Além disso, para o médico utilizar-se da sua própria intuição, é de suma importância que haja uma base científica, para que possa refletir sobre os seus sentimentos sobre a doença e a morte14.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comunicação de más notícias é intrinsecamente complicada, posto que envolve a geração de aflição na relação médico-paciente.
O despreparo para mediar tais situações começa desde a formação médica e implica em condutas heterogêneas que poderiam ser evitadas com instruções que contribuíssem para o melhor treinamento durante a graduação.
Este trabalho suscita preocupação e indica a necessidade de aprimoramento da grade curricular para que inclua temas sobre comunicação, com enfoque na transmissão de más notícias. Embora a grade curricular das faculdades esteja em transformação, o foco é mantido na ciência curativa, permanecendo o subjetivo como matéria secundária. A compreensão de que uma notificação clara e, ao mesmo tempo, humanizada, por parte de médicos e acadêmicos preparados implicará em sucesso no cuidado e na qualidade dos serviços de saúde, beneficiando tanto o profissional, quanto o paciente e sua família.