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Revista Brasileira de Educação Médica
versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271
Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.1 Rio de Janeiro 2020 Epub 16-Mar-2020
https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.1-20190218.ing
ARTIGO ORIGINAL
Prevalência de Fixação dos Egressos das Residências Médicas no Estado do Tocantins, no Período de 2013-2017
IUniversidade Federal do Tocantins, Palmas, Tocantins, Brasil.
Introdução:
A realização de residência médica (RM) é uma vertente de qualificação considerada “padrão ouro” para a especialização médica. A compreensão dos motivos que levam ou não à maior fixação do profissional estimulado pela RM e a identificação dos fatores que dificultam a permanência do médico no local ou contribuem para isso são importantes informações para a estruturação dos programas de RM e sistema de saúde. O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de fixação dos egressos no estado do Tocantins, após a implantação das residências médicas no período de 2013 a 2017.
Método:
Trata-se de uma pesquisa observacional do tipo quantitativo, com delineamento transversal, de caráter descritivo e analítico, com uso da técnica telematizada e questionário próprio, realizada com 44 egressos dos programas de RM no estado do Tocantins. O projeto foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Tocantins (UFT) sob o Parecer nº 2.292.540.
Resultados:
A prevalência de fixação foi de 65,9% dos médicos no estado do Tocantins. A maioria dos residentes era do sexo feminino (59,1%), com idade média de 30,8±3,1 anos e renda entre dez e 20 salários mínimos (55,8%), e trabalhou durante a residência (84,1%). As especialidades com maior índice de fixação foram as cirurgias geral e médica. No caso desse estudo, a maioria dos participantes atua nas redes privada e estadual. O principal motivo para não fixação no Tocantins foi cursar outra residência ou subespecialidade em outro estado (64,7%).
Conclusão:
A prevalência de fixação das RMs no Tocantins no período analisado pode ser considerada alta (65,9%). O perfil de feminização, o juvenescimento e o motivo da não fixação dos egressos são importantes indicadores para serem analisados em conjunto com o processo de fixação e oferta de vagas nas especialidades disponibilizadas no Tocantins. Os resultados do estudo apontaram uma perspectiva favorável e estratégica dos Programas de Residência Médica (PRM) na fixação de médico no Tocantins, o que não pode ser generalizado para a realidade de um sistema de saúde tão desigual no país. Um maior investimento público na estruturação dos serviços da rede de saúde, em especial na rede municipal, na organização de apoio e no desenvolvimento socioeconômico das cidades é necessário.
Palavras-chave: Residência médica; Educação Médica; Educação de Pós-Graduação em Medicina; Médico
Introduction:
The accomplishment of medical residency (MR) is a type of qualification considered to be the “gold standard” for medical specialization. Understanding whether there is actually greater professional settlement or not stimulated by MR and which factors hinder or contribute to the physician’s permanence in that place, are important information for the structuring of medical residency and health system programs. The aim of this study was to evaluate the prevalence of settlement of medical residents who finished the residency training in the state of Tocantins, after the implementation of medical residency programs in the period from 2013 to 2017.
Method:
This is an observational quantitative research, with a cross-sectional, descriptive and analytical design, using the telematic technique and its own questionnaire, carried out with 44 medical residents that finished the medical residency program in the state of Tocantins. The project was reviewed and approved by the Ethics Committee of the Federal University of Tocantins (UFT) under Opinion number 2.292.540.
Results:
The prevalence of settlement was 65.9% of physicians in the state of Tocantins. Most residents were females (59.1%), with a mean age of 30.8 ± 3.1 years, income between 10 and 20 minimum wages (55.8%) and worked during their residency training (84.1%). The specialties that showed the highest settlement rates were general surgery and clinical medicine, and among these, the majority works for the private and state health networks. The main reason for not settling in Tocantins was to attend another residency or subspecialty program in another state (64.7%).
Conclusion:
The prevalence of medical residents that finished the residency and settled in Tocantins during the analyzed period can be considered high (65.9%). The fact that most of these individuals are young and female and the reason for not settling in the state are important indicators to be analyzed together with the settlement process and the offering of positions in the specialties available in Tocantins. The results of the study indicated a favorable and strategic perspective of the Medical Residency Programs (MRP) in the medical settlement in Tocantins, which cannot be generalized to the reality of such an unequal health system in the country. A larger public investment in the structuring of health network services is necessary, especially in the municipal network, in the organization of support and socioeconomic development of cities.
Keywords: Medical Residence; Medical Education; Postgraduate Education in Medicine; Physician
INTRODUÇÃO
A sociedade em que vivemos, assim como a prática médica, está em constante transformação, e, por isso, mesmo sendo o estudo e a pesquisa em educação médica um campo bem estabelecido, há permanente necessidade de novas pesquisas. Nesse sentido, a residência médica (RM) tem sido alvo de estudos1. No Brasil, a RM foi instituída pelo Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977, e é considerada uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização. Sua oferta pode ser realizada pelas instituições de ensino superior (IES) e de saúde, tais como hospitais, centros de pesquisa, institutos, entre outros. Para a disponibilização dos programas de RM, as instituições devem ser credenciadas na Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM)2. Esses programas de educação médica são considerados “padrão ouro” da especialização médica.
O contexto das RMs no Brasil foi apresentado no Censo de Demografia Médica do Brasil (CDMB). Recentemente dados desse relatório revelaram que mais de um terço dos médicos brasileiros não possui o título de especialista. No entanto, é preciso destacar que os médicos com título de especialista somaram mais de 280 mil em 2018, e esse valor nunca foi tão numeroso no país. Outra questão importante destacada no documento é a distribuição desigual de vagas entre as regiões. A Região Sul possui valores equivalentes a 16% do total de vagas de RM nacional, enquanto no Nordeste há 14,2%, e no Centro-Oeste, 7,2%. A Região Norte tem o menor grupo de residentes, cerca de 4,1%, enquanto o estado do Tocantins possui 0,4% de médicos cursando programas de RM3.
O Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência) financiou a abertura de vagas de RM em especialidades e regiões prioritárias definidas por gestores do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, foram criados os primeiros Programas de Residência Médica (PRM) do estado do Tocantins4. A compreensão dos fatores que contribuem tanto para a oferta de vagas como para o preenchimento das vagas e a fixação dos residentes no território pode fornecer importantes indicadores para os PRM.
A proporção de fixação no local onde o médico realizou sua RM tem sido alvo de pesquisas5,6. Esse aumento de interesse pelo tema pode ser explicado pelo fato de os PRM terem sido criados e apoiados na suposição de que os especialistas eram mais propensos a se estabelecer em locais onde haviam realizado sua RM. O CDMB de (2013 indicou de forma preliminar que quase dois terços dos médicos que se formam não se fixam no local onde se graduam e que cerca de um terço retorna para suas cidades de origem. A fixação é uma condição que envolve diversos fatores, tais como condições de trabalho, sexo, remuneração, cidade de origem, família, proximidade a grandes centros urbanos e polos econômicos, ou seja, condições pessoais, institucionais e urbanas. No entanto, não há consenso de que a instalação de cursos de Medicina (nível de graduação ou pós-graduação) possa alocar novos profissionais no local de origem da RM7.
Interessantemente, o Tocantins foi a última Unidade da Federação a abrir PRM. Com apenas poucos anos de criação desses programas no estado, são escassas as pesquisas que buscam comprovar a relação entre a oferta de programas de RM e a fixação territorial de especialistas. Além disso, é de extrema importância e urgência a avaliação do impacto da implantação de novos programas de residência em regiões prioritárias, a resposta ao questionamento se realmente ocorre maior fixação do profissional ou não estimulado por essa modalidade de formação e se há fatores que a dificultam.
Sendo assim, o estudo tem por objetivo avaliar a prevalência de fixação dos egressos dos PRM do estado do Tocantins, no período de 2013 a 2017.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizada uma pesquisa quantitativa, com delineamento transversal, utilizando como amostra os egressos dos PRM no estado do Tocantins credenciados na CNRM entre 2013 e 2017. O projeto foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Tocantins (UFT): Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 73833615.5.0000.5519 e Parecer nº 2.292.540.
Este estudo teve como população-alvo os residentes - que cursaram RM no período de 2013 a 2017 - vinculados às seguintes IES do Tocantis: UFT (Palmas), Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas - Fesp (Palmas), Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos - Itpac (Porto Nacional e Araguaína) e Centro Universitário de Gurupi - UnirG (Gurupi).
Os dados para contato inicial dos residentes foram obtidos por meio das Comissões de RM (Coremes), sendo colhidas as seguintes informações: nome, e-mail, telefone, especialidade e ano de conclusão. Após, os egressos foram contatados no período de março a abril de 2018 para responderem aos quesitos indexados em formulário eletrônico (Google Forms).
De acordo com os dados enviados pelas Coremes, 142 residentes concluíram a RM no período analisado. Excluíram-se da pesquisa os residentes que apresentaram informações desatualizadas na ficha cadastral que impediam o contato com os indivíduos do estudo.
O recrutamento da amostra ocorreu em duas etapas. Na primeira, foi enviado por e-mail um formulário para todos os residentes cadastrados, orientando-os sobre a pesquisa e o prazo de envio do questionário (sete dias). Nessa etapa, somente 29 residentes responderam ao questionário. Na segunda etapa, o restante dos residentes foi contatado por mensagens instantâneas para smartphones (WhatsApp) e e-mail, no entanto excluíram-se 52 casos em virtude de o número de telefone estar desatualizado (sem WhatsApp). Dos 61 contatados nessa etapa, somente 15 responderam ao questionário.
Ao final do recrutamento, 44 participantes foram incluídos no estudo: 29 responderam ao instrumento de coleta de dados por contato via e-mail e 15 após contato via WhatsApp.
Para este estudo, adotou-se um instrumento digital de coleta de dados, oferecido gratuitamente na internet. Os participantes foram convidados a responder aos quesitos indexados em formulário eletrônico da Google (Google Forms) habilitando os pesquisadores a romper com as imposições do tempo e do espaço para o desenvolvimento dessa etapa da pesquisa.
O questionário continha 20 perguntas abertas e fechadas para obtenção das seguintes informações: nome, idade, gênero, estado civil, cidade de nascimento, ano de formatura na graduação e qual instituição, programa de residência que cursou, em qual instituição, ano de conclusão da RM, se trabalha na especialidade em que se formou, se atualmente (após a formatura) trabalha no estado do Tocantins, qual o motivo de não trabalhar no estado do Tocantins quando existir, não sendo no Tocantins em qual estado trabalha, se trabalha em alguma rede municipal do estado do Tocantins e em qual município, se trabalha na rede estadual da saúde, se trabalha na rede privada do estado do Tocantins, se antes ou durante sua residência já era funcionário do estado ou de alguma rede municipal, se precisou trabalhar durante a residência para complementar sua renda e qual a renda atual em número de salários mínimos.
Os dados foram tabulados em planilhas do Excel e analisados no Programa Stata versão 14.0. Para a descrição das variáveis utilizaram-se média e desvio padrão para as numéricas e frequências absolutas e relativas para as categóricas. Para testar as proporções, utilizaram-se o teste qui-quadrado e o teste de Fisher com nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Entre os residentes avaliados, a média de idade foi de 30,8 anos, 59,1% eram do sexo feminino, 47,7% eram casados, 47,7% eram solteiros, 55,8% relataram renda entre dez e 20 salários mínimos e 37,2% nasceram no estado do Tocantins (Tabela 1). A maioria dos residentes concluiu o curso de Medicina entre 2011 e 2015 (70,4%), em universidades particulares (80%). Quase todos os médicos referiram ter cursado a residência na UFT (90,9%), em uma única especialidade (90,9%) e trabalharam durante a residência (84,1%). Entre os profissionais médicos que trabalharam durante a residência para complementar a renda, 27 (71,0%) já eram funcionários do município ou do estado.
Características | n | % |
---|---|---|
Idade (média ± desvio padrão) | 30,8 ± 3,1 | |
Sexo | ||
Masculino | 18 | 40,9 |
Feminino | 26 | 59,1 |
Estado de nascimento | ||
Tocantins | 16 | 37,2 |
Goiás | 8 | 18,6 |
Pará | 8 | 18,6 |
São Paulo | 3 | 7,0 |
Bahia | 3 | 7,0 |
Maranhão | 2 | 4,7 |
Rondônia | 1 | 2,3 |
Acre | 1 | 2,3 |
Rio Grande do Sul | 1 | 2,3 |
Estado civil | ||
Solteiro | 21 | 47,7 |
Casado | 21 | 47,7 |
Divorciado | 2 | 4,6 |
Renda | ||
Até dez salários mínimos | 10 | 23,3 |
De dez a 20 salários mínimos | 24 | 55,8 |
Acima de 20 salários mínimos | 9 | 20,9 |
Total | 44 | 100,0 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
As especialidades mais cursadas foram cirurgia geral (36,4%), clínica médica (27,3%) e pediatria (20,5%) (Figura 1). A maioria dos médicos (93,2%) relatou trabalhar na especialidade cursada. Quando se comparou a especialidade com o sexo, notou-se que reumatologia e anestesiologia predominaram entre os homens, enquanto pediatria, endocrinologia, psiquiatria e saúde da família prevaleceram entre as mulheres (Figura 2).
A prevalência de fixação foi de 65,9% dos médicos avaliados que permanecem trabalhando no estado do Tocantins. Ao avaliarmos o perfil dos residentes que se fixaram no Tocantins (n = 29), as maiores proporções foram encontradas entre as mulheres (69,3%), com renda de dez a 20 salários mínimos (75%), que cursaram a residência na UFT e com média de idade de 31,2 anos (67,5%) (Tabela 2). A cirurgia geral (43,8%), clínica médica (41,7%) e anestesiologia (33,3%) foram as especialidades que tiveram menor percentual de fixação. A maior parte dos médicos atua nas redes estadual (79,3%) e privada (75,9%), enquanto menos de 40% atuam na rede municipal (Figura 3).
Características | Médicos atuam no estado do Tocantins | P* | |||
---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | ||||
F | % | F | % | ||
Idade (média ± desvio padrão) | 29,9 ± 2,3 | 31,2 ± 3,3 | |||
Sexo | 0,576 | ||||
Masculino | 7 | 38,9 | 11 | 61,1 | |
Feminino | 8 | 30,7 | 18 | 69,3 | |
Renda | 0,301 | ||||
Até dez salários mínimos | 5 | 50,0 | 5 | 50,0 | |
De dez a 20 salários mínimos | 6 | 25,0 | 18 | 75,0 | |
Acima de 20 salários mínimos | 4 | 44,4 | 5 | 55,6 | |
Instituição em que cursou a residência | 0,320 | ||||
UFT | 13 | 32,5 | 27 | 67,5 | |
Itpac | 1 | 33,3 | 2 | 66,7 | |
UnirG | 1 | 100,0 | 0 | 0,0 | |
*Qui-quadrado |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Entre os médicos que não fixaram no estado do Tocantins, 64,7% alegaram cursar outra residência ou subespecialidade em outro estado, 11,8% referiram baixa remuneração, 11,8% não o fizeram por questões familiares e 11,7% por falta de campo para trabalho (Figura 4).
DISCUSSÃO
Dentre os principais achados deste estudo, a prevalência de fixação dos residentes no estado do Tocantins, no período analisado, foi de 65,9%, valor considerado alto6. Esse resultado contrasta com um estudo anterior que avaliou 37 egressos de PRM no estado entre 2013 e 2014 e encontrou um percentual de fixação de 29,2% de residentes (n = 7) que permaneceram morando no Tocantins5. No entanto, essas diferenças podem ser explicadas pelo fato de o período analisado ser distinto e por causa da crescente oferta de programas de especialização médica, especialmente na criação de vagas para subespecialização nos anos seguintes. O incentivo financeiro à RM em regiões e especialidades consideradas prioritárias pelo Pró-Residência do governo federal parece ter contribuído para a ampliação do número de vagas de RM em regiões prioritárias, e o Tocantins se inclui nesse critério. Outro aspecto a ser levado em consideração é que 37,2% dos residentes nasceram e cursaram residência no estado. Embora não seja consenso na literatura, o fato de realizar RM no local de naturalidade contribuiu, segundo este estudo, para maior fixação.
A prevalência de fixação depende de outros fatores, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das cidades. O Tocantins é um estado que ainda oferece uma boa qualidade de vida, com índices menores de violência quando comparados aos de outros estados da Região Norte8. Em especial, a capital Palmas apresenta um bom IDH (0,788), considerado o melhor do Tocantins e um dos melhores da Região Norte9. Destacamos que, mesmo com essa crescente prevalência de fixação, existe a necessidade de ampliação com investimentos nos PRM no Tocantins.
Não foram encontradas diferenças de fixação entre os sexos. Essa questão parece não estar bem definida na literatura. Estudo realizado por Ney e Rodrigues7 identificou que 83,3% dos homens e 76% das mulheres residiam no estado de São Paulo, apontando uma tendência discreta de maior de fixação dos homens no local onde fizeram a residência. Porém, Scheffer e Cassenote3 demonstraram que as mulheres possuem uma tendência menor de emigração que os homens, ou seja, fixam-se mais onde realizam a RM.
No presente estudo, constatou-se que a principal instituição que oferta a RM no estado do Tocantins é a UFT (instituição pública), enquanto a maioria da formação da graduação ocorreu em escolas particulares. Ressalta-se a importância da UFT como capilarizadora da formação médica especializada, pois isso permitiu que mais de 60% desses especialistas se fixassem no Tocantins. Esse cenário se assemelha com outros estudos que reforçaram o papel do financiamento público nas RMs. Os autores ressaltam que não há informações específicas sobre o financiamento do setor privado, porém a maioria das vagas em instituições privadas é custeada pelo poder público10,11.
Os nossos dados corroboram o cenário da feminização e juvenescimento da medicina3, pois constatatram-se uma prevalência de mulheres de 59,1% e uma média de idade de 30,8 anos. O número de médicos homens no Brasil é maior que o de mulheres, respectivamente 54,4% e 45,6%. No entanto, essa diferença é reduzida a cada ano e aponta para uma crescente feminização da medicina no país3. Esse processo na medicina vem acompanhado do juvenescimento da profissão. No entanto, esses processos devem ser analisados considerando diferenças entre a população estudada.
Em virtude da feminização da medicina, neste estudo algumas especialidades concentraram maiores proporções de mulheres: 77,2% na pediatria, 100% na psiquiatria, 100% na endocrinologia e 100% na saúde da família. Tais dados divergem em relação à psiquiatria, pois a maior proporção de psiquiatras no Brasil era do sexo masculino3. Outras áreas em que presença masculina de destacou foram a reumatologia (100%) e anestesiologia (66,7%).
Durante a RM, a maioria dos indivíduos estudados (84,1%) trabalharam para complementar a renda, e as maiores proporções de médicos que atuam no estado do Tocantins referiram renda maior que dez salários mínimos. Como a RM não é obrigatória para a prática da medicina no país, alguns médicos começam a trabalhar imediatamente após o término dos seis anos de escola de médica. Para Santos12, o recém-formado geralmente (mas não exclusivamente) trabalha em serviços de emergência do governo federal, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ou a Estratégia Saúde da Família. Ambos são empregos públicos com programas próprios de capacitação. A maioria, no entanto, deseja completar a formação e se tornar especialista por meio do modelo de RM.
O percentual de residentes foi maior em cirurgia geral (36,4%), clínica médica (27,3%), pediatria (20,5%) e anestesiologia (6,8%). Contudo, quando avaliamos a prevalência de fixação dessas RMs, observamos que três (cirurgia geral, clínica médica e anestesiologia) não possuem 100% de prevalência de fixação como as demais analisadas, mesmo assim ainda possuem uma prevalência de fixação acima de 30%6. No Brasil, quatro especialidades concentram quase 40% dos especialistas: clínica médica (11,2%), pediatria (10,3%), cirurgia geral (8,9%) e ginecologia e obstetrícia (8%). A oferta e ocupação de vagas de RM nas especialidades guardam relação com a distribuição de médicos especialistas já titulados e em atividade3. É importante destacar que a disponibilidade de especialidades pelas instituições é de responsabilidade das Coremes. As Coreme devem seguir as normas do estatuto da própria instituição e sempre respeitar a legislação, as normas e as resoluções da CNRM, elaborando regimento/regulamento12.
Dos indivíduos que trabalhavam no Tocantins, a maioria estava vinculada às redes privada e estadual de saúde. Segundo Baldaçara e Baldaçara5, o principal motivo de eles não trabalharem em serviços de saúde municipais provavelmente decorre da baixa remuneração e estrutura de trabalho deficiente. O estudo realizado por Mello, Mattos, Souto, Fontanella e Demarzo13 reforça os fatores que contribuem para situações desfavoráveis de fixação dos médicos nos municípios, tais como alta rotatividade do médico e do enfermeiro, vínculos precários de trabalho e falta de plano de carreira, baixa capacitação, sobrecarga de trabalho e excessiva interferência da política local.
O principal motivo para a não fixação no Tocantins foi cursar outra residência ou subespecialidade em outro estado (64,7%). Esse dado corrobora o estudo realizado por Machado e Pinto14 que verificaram o seguinte: “quando o médico faz uma segunda ou terceira residência, estas geralmente são em especialidades cirúrgicas, ou então em áreas especializadas do ramo da clínica médica”. Nesse contexto, Ney e Rodrigues7 analisaram 129 residentes que cursaram RM no estado de São Paulo na especialidade de Medicina de Família e Comunidade e observaram que a maioria dos participantes (99,2%) continuou sua formação acadêmica após o término da RM: 57% realizaram pós-graduação lato sensu; 31,8%, stricto sensu, e 10,1%, outra RM. Essa busca pela continuidade da formação especializada parecer ser uma realidade dos egressos das RMs no Tocantins. Esse dado é um importante indicador para as Coremes levarem em conta na oferta de novas vagas de subespecialidades.
Limitações
Uma das limitações deste estudo refere-se ao recrutamento dos participantes, uma vez que muitos dados para contato estavam desatualizados, o que levou a uma perda significativa de egressos. Além disso, deve-se considerar a pouca taxa de resposta dos médicos com cadastro atualizado. No entanto, o estudo é relevante por demonstrar o perfil dos médicos egressos e identificar os motivos que impediram a fixação em um período de cinco anos.
CONCLUSÃO
No presente trabalho, ficou evidenciada uma alta prevalência de fixação dos egressos das RMs no Tocantins, no período analisado. O perfil do egresso é destacado pela feminização e pelo juvenescimento, e a grande maioria trabalhou durante a RM para complementação de renda. Na população estudada, cirurgia geral, clínica médica e pediatria foram as especialidades que mais fixaram os médicos.
Verificou-se que a não fixação dos egressos foi motivada pela busca em cursar outra RM ou subespecialidade em outro estado. Além disso, destacamos que as redes privada e estadual são os locais que possuem o maior número de egressos das RMs e que os serviços de saúde municipais têm baixa contribuição para a fixação na população analisada. Nesse contexto, urge a necessidade de políticas estruturantes para a melhor fixação no serviço público municipal.
Os resultados do estudo apontaram uma perspectiva favorável e estratégica dos PRM na fixação de médicos no Tocantins, o que não pode ser generalizada para a realidade de um sistema de saúde tão desigual no país. Um maior investimento público na estruturação dos serviços da rede de saúde, em especial na rede municipal, na organização de apoio e no desenvolvimento socioeconômico das cidades, é necessário.
Por fim, acreditamos que pesquisas futuras com um desenho longitudinal podem contribuir para a melhor compreensão do impacto das RMs e, dessa forma, embasar as políticas de formação dos PRM.
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Recebido: 09 de Agosto de 2019; Aceito: 26 de Novembro de 2019