Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Compartilhar
Revista Brasileira de Educação Médica
versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271
Rev. Bras. Educ. Med. vol.44 no.1 Rio de Janeiro 2020 Epub 17-Mar-2020
https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.1-20190213.ing
ARTIGO ORIGINAL
Reflexões sobre a Terminalidade da Vida com Acadêmicos de Medicina
IUniversidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre, Minas Gerais, Brasil.
IIUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil.
IIIFaculdade de Medicina de Itajubá, Itajubá, Minas Gerais, Brasil.
Introdução:
A morte e o morrer são temas pertinentes ao cotidiano de profissionais de saúde e ao processo de aprendizagem de acadêmicos de Medicina; entretanto, desde os primeiros anos da graduação, o estudante é obrigado a suplantar a concepção holística do ser humano e da vida em prol da supervalorização dos fundamentos técnico-científicos da profissão.
Métodos:
Nesse sentido, diante das poucas oportunidades de questionar os sentimentos e a compreensão desses futuros profissionais com relação à terminalidade da vida, buscou-se conhecer suas percepções por meio da aplicação de um questionário semiestruturado. Foram entrevistados dez acadêmicos de cada ano do curso de Medicina da Univás, totalizando 60 alunos. Para inclusão no estudo, os estudantes deveriam estar regularmente matriculados no curso, aceitando, por livre-arbítrio, participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas foram gravadas nas dependências da instituição e o material contendo a fala dos participantes foi posteriormente descartado. Para análise das respostas, utilizou-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo.
Resultados:
Foi suscitada, de maneira preponderante em todos os anos, a concepção de terminalidade como sendo propriamente o “fim da vida”, situação com a qual parcela considerável dos entrevistados (58%) dizia não se sentir preparada para lidar por conta da escassez de reflexões sobre a morte, seus aspectos psicológicos e suas repercussões no contexto médico-acadêmico. Curiosamente, cerca de 16% dos acadêmicos consideravam-se preparados para vivenciar a morte de alguém, mas não para serem intervencionistas no processo; isso é sustentado pelo fato de que os estudantes têm de lidar com o cenário real de transmissão de más notícias, sem antes passar por situações hipotéticas e reflexivas envolvendo o “binômio vida e morte”.
Conclusão:
Sendo assim, parece necessária a criação de espaços na grade curricular que forneçam apoio não apenas teórico-prático, mas também afetivo das questões envolvendo a terminalidade. A proposta de educação teórico-prática relativa aos cuidados paliativos inserida na grade curricular lapidaria a confiança e atitude dos futuros profissionais perante o cuidado.
Palavras-chave: Educação Médica; Cuidados Paliativos; Bioética; Doente Terminal; Morte
Introduction:
Death and dying are daily relevant themes for health care professionals and medical students. Nonetheless, since their first years of graduation, students are contrived to supplant the holistic conception of human beings and life in favor of enhancing the technical aspects of the medical profession.
Methods:
Therefore, in face of the few opportunities to enquire about these future professionals’ feelings and comprehensions toward life terminality, we pursued their perceptions through the application of a semi-structured questionnaire. Ten students from each year of the medical course at UNIVAS were interviewed, encompassing 60 scholars. Students should be regularly enrolled in the medical course, as well as give their consent, by signing the Consent Term, to participate in the study. The interviews took place at the institution and the material containing students’ responses was fully destroyed afterwards. Their responses were analyzed based on the Discourse of the Collective Subject Method.
Results:
The idea of terminality being properly the “end of life” was paramount among the years, situation with which a great amount of the scholars (58%) admitted not being prepared to deal with, due to the lack of reflections about death, its psychological aspects and repercussions in the academic context. Interestingly, about 16% of the scholars considered themselves prepared to deal with someone’s death, although they were not prepared to intervene in the actual process. This is reinforced by the fact that students must deal with the real scenario of giving undesirable news without previously being prepared to do so, by means of reflecting upon a hypothetical related to the “life-death binomial”.
Conclusion:
Thus, it seems necessary to create spaces in the curriculum that yield not only theoretical-practical but also affective support in situations related to terminality. The proposal of a theoretical-practical education based on palliative care amid the learning programs would shape confident attitudes of future health care professionals towards care.
Key-words: Medical education; Palliative Care; Bioethics; Terminally ill; Death
INTRODUÇÃO
A morte e o morrer são temas pertinentes ao cotidiano de profissionais de saúde e ao processo de aprendizagem de acadêmicos de medicina. Desde os primeiros anos da graduação, o estudante é induzido a valorizar os fundamentos técnico-científicos da profissão e a deixar em segundo plano a concepção holística do ser humano e da vida1. Sendo assim, quaisquer sentimentos de ansiedade ou angústia, que eventualmente possam surgir no transcorrer do curso, acerca da temática da inevitabilidade do fim devem ser suplantados em prol de sua formação2.
A intensidade da luta pela busca da cura das doenças, encorajada desde os primeiros anos de faculdade, orienta os futuros profissionais a uma cultura de negação da morte2,3: morrer passa a ser visto desde cedo como um símbolo de fracasso. Além disso, acadêmicos de Medicina, durante os anos de prática clínica, assumem atitudes por vezes onipotentes, de “salvadores do outro”4, relegando ao paciente um papel de mero receptor de procedimentos, desconsiderando sua autonomia sobre a própria vida.
Diante disso, tem-se observado um clamor no sentido de se resgatar a participação do paciente em seu processo de morte, sobretudo quando se trata de pacientes em fase de terminalidade5. Nesse contexto, Leonard Martin6 destaca três possibilidades para o cuidado terminal, entre elas a ortotanásia, que traz consigo a questão dos cuidados paliativos, proporcionando o alívio da dor e de outros sintomas angustiantes, sem apressar ou adiar a morte, mas encarando-a como parte da vida7, que deve ser confrontada de maneira humana e digna, articulando os conhecimentos tecnológicos e científicos aos psicológicos e espirituais da assistência ao paciente8.
Dentro da sua formação, o estudante se compromete com a vida, e toda a sua capacitação é fundamentada em aspectos meramente técnicos9; apenas uma modesta parte do currículo, quando presente, apresenta conteúdo específico voltado para a terminalidade da vida10, mas, ainda assim, não são preparados para lidar com cenários de angústia e ambivalência diante da inevitabilidade do fim, mesmo em posse de tantos recursos.
Sendo assim, diante da escassez de reflexões sobre a terminalidade da vida no contexto médico acadêmico, faz-se necessário conhecer o quão familiarizados com o tema os estudantes se encontram, comparando as percepções, as experiências e o preparo pessoal, desde o primeiro até o último ano, para lidar com a morte, sendo este o objetivo do estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), na cidade de Pouso Alegre/MG.
METODOLOGIA
Este estudo foi realizado na Univás, sendo de caráter descritivo, transversal, não controlado, com amostragem intencional, envolvendo dez acadêmicos de cada ano do curso de Medicina da instituição, totalizando 60 alunos.
Para a inclusão no estudo, adotaram-se os seguintes critérios de elegibilidade: ser acadêmico do primeiro ao sexto ano, regularmente matriculado no curso de Medicina da Univás, aceitando, por livre-arbítrio, participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
As entrevistas foram gravadas e ocorreram nas dependências da instituição. O material contendo a fala dos participantes foi descartado.
Para a coleta de dados, adotaram-se os seguintes instrumentos:
Questionário sociodemográfico: formado por questões relacionadas a gênero, idade, ano do curso, religião e contato com temas associados à bioética até o momento da entrevista.
Roteiro de entrevista semiestruturado: instrumento formado por quatro perguntas: “Para você, qual é o significado de terminalidade da vida?”, “Qual seria o seu sentimento se tivesse que lidar, neste momento, com um paciente terminal?”, “Se alguém lhe perguntasse se você se sente preparado para lidar com a morte e o processo de morrer, o que diria?” e “Se alguém lhe perguntasse sobre a sua opinião a respeito da abordagem sobre os temas da morte e pacientes terminais, durante a formação médica, o que você diria?”.
Para análise das entrevistas, foi utilizado o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), fundamentado em três figuras metodológicas: expressões-chave (ECH), ideias centrais (IC) e Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) propriamente dito, obedecendo-se às seguintes etapas:
Primeira etapa: ouviram-se as respostas das questões várias vezes, e, somente após a obtenção de uma ideia geral e melhor compreensão do discurso, fez-se a transcrição literal delas.
Segunda etapa: cuidadosa leitura de todo o material transcrito, em dois momentos distintos: primeiramente, procedeu-se à leitura das respostas de cada um dos participantes; em seguida, cada resposta foi lida separadamente, ou seja, a primeira questão de todos os respondentes, depois a segunda, a terceira e, finalmente, a quarta.
Terceira etapa: cópia integral de todas as respostas à questão 1 no Instrumento de Análise de Discurso 1 (IAD1), marcando as ECH em itálico e identificando as IC, de modo que elas representassem a descrição das ECH e não a sua interpretação. O mesmo procedimento foi aplicado nas demais questões.
Quarta etapa : elaboração do Instrumento de Análise do Discurso 2 (IAD2), que reúne, separadamente, cada ideia central com as suas respectivas ECH, semelhantes ou complementares.
Quinta etapa: extração do tema de cada uma das perguntas; a eles foram agrupadas as respectivas IC, os sujeitos (representados pelo número de entrevistados) e as frequências de ideias, por meio de quadros.
Realizou-se a comparação entre os posicionamentos dos grupos formados por alunos pertencentes a cada ano do curso, construindo-se, finalmente, os DSCs que os representassem.
A pesquisa foi conduzida com auxílio da Fundação de Ensino do Vale do Sapucaí, seguindo as determinações da Resolução n° 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no que concerne a estudos envolvendo seres humanos. O trabalho foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas Dr. José Antônio Garcia Coutinho, tendo recebido parecer favorável sob o nº 2.156.305 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 70436417.2.0000.5102.
RESULTADOS
A amostra deste estudo foi constituída por 60 acadêmicos do primeiro ao sexto ano do curso de Medicina da Univás, sendo dez acadêmicos de cada ano, de ambos os gêneros. Do total de 60 alunos, 36 (60%) eram do sexo feminino e 24 (40%) do sexo masculino; 50 (83%) afirmaram que já tiveram contato com questões relacionadas à terminalidade da vida e temas relacionados à bioética na graduação, enfatizando terem sido breves e escassos.
A cada uma das perguntas foram atribuídos conceitos representativos de cada ano do curso, que traduziam a intensidade do contato com o assunto. Com relação ao tema terminalidade da vida, quando questionados acerca de seu significado, as ideias predominantes em todos os anos do curso foram: fim da vida e passagem do corpo físico para o espiritual. Contudo, no terceiro e quarto anos do curso, foi observada a ocorrência de duas novas concepções acerca da terminalidade da vida: proximidade com a morte (terceiro ano) e separação corpo-mente-espírito (quarto ano), conforme mostra o Quadro 1.
Quadro 1. Significado da terminalidade da vida
• Primeira ideia central
Fechamento/fim da vida.
DSC
“[...] seria a parada das funções fisiológicas; pensando no corpo físico, terminalidade da vida é quando ele morre. É um momento em que a vida chega ao fim” (Acadêmicos do segundo ano).
“A terminalidade da vida é quando chega num momento da doença que não tem mais o que fazer para o paciente que seja ‘curativo’, apenas proporcionar um fim de vida com dignidade. Seria esse período frágil, essa linha tênue entre a vida e a morte” (Acadêmicos do sexto ano).
• Segunda ideia central
Passagem do corpo físico para o espiritual.
DSC
“[...] é um momento, uma etapa de passagem do corpo físico para o espiritual” (Acadêmicos do primeiro ano).
“[...] acho que é uma etapa evolutiva, uma passagem pra algo pós-vida, quando uma pessoa deixa o mundo para uma vida nova, espiritual” (Acadêmicos do quarto ano).
• Terceira ideia central
Proximidade da morte (terceiro ano).
DSC
“Eu acho que é um momento da vida quando você sabe que a morte está próxima e você tem consciência disso.”
Separação corpo-mente-espírito (quarto ano).
DSC
“[...] é quando a pessoa não tem mais capacidade de estar presente, o corpo dela está aqui mas não tem mais ‘mente’. Para mim, a vida realmente termina quando a alma da pessoa não está mais nela, quando o espírito já não está mais ali.”
Fonte: Elaborado pelos autores
Em relação aos sentimentos dos acadêmicos ante a situação hipotética de terem que lidar, no exato momento em que estavam sendo entrevistados, com um paciente terminal, predominaram as IC: não se sente preparado e agir pelo bem-estar do paciente. Três acadêmicos (primeiro, quinto e sexto anos) referiram que não teriam dificuldades diante do evento (Quadro 2).
Quadro 2. Sentimentos ante a situação hipotética de ter que lidar com um paciente terminal
• Primeira ideia central
Não se sente preparado.
DSC
“Não sei o que eu iria fazer... não sei reagir a essas situações ainda” (Acadêmicos do primeiro ano).
“Não estou preparado, como pessoa e também como estudante. Tanto a faculdade quanto, propriamente falando, a vida não ensinam a gente a lidar com perdas” (Acadêmicos do quinto ano).
• Segunda ideia central
Agir pelo bem-estar do paciente.
DSC
“Eu faria de tudo pra que ele tivesse o melhor fim de vida possível. Se for um caso que não tem como recuperar, não tem como retroceder, acho que a gente tem que apoiar o paciente, diminuir a dor dele, pra que ele passe por aquele período da melhor forma possível” (Acadêmicos do terceiro ano).
Fonte: Elaborado pelos autores
Em seguida, os alunos foram questionados se sentiam preparados para lidar com a morte e o processo de morrer. A ideia “não está preparado” prevaleceu em todos os anos, com suas variantes “nunca se está preparado” e “mais ou menos preparado” aparecendo em um ou outro ano. Predominando nos primeiros anos, sobreveio a ideia “depende do vínculo”, que relacionava a intensidade do laço entre o acadêmico e o indivíduo que estivesse passando pelo processo de morrer. Dez alunos (desde o primeiro até último ano) disseram se sentir preparados; um acadêmico referiu não saber (Quadro 3).
Quadro 3. Estar ou não preparado para lidar com a morte e o processo de morrer
• Primeira ideia central
Não está preparado.
DSC
“Muito difícil estar preparado de verdade para lidar com a morte” (Acadêmicos do quinto ano).
• Segunda ideia central
Estou preparado.
DSC
“Estou preparado, a vida e as experiências nos ensinam” (Acadêmicos do quinto ano).
• Terceira ideia central
Depende do vínculo.
DSC
“Se fosse uma pessoa que não fosse muito próxima a mim, talvez eu estivesse preparado” (Acadêmicos do segundo ano).
Fonte: Elaborado pelos autores
Por fim, foi pedido para que opinassem acerca da abordagem dos temas de morte e pacientes terminais durante a formação médica em geral. Apresentaram frequências relevantes as ideias de que a abordagem é “superficial” e de que “deveria ser abordado com mais frequência”; há um relato de que o tema não foi abordado (Quadro 4).
Quadro 4. Morte e pacientes terminais na formação médica
• Primeira ideia central
Abordagem superficial.
DSC
“A abordagem é muito precária, eu acho que os médicos saem despreparados e isso impacta muito na vida profissional” (Acadêmicos do quarto ano).
“Tema pouco abordado. O curso de Medicina está preparado principalmente para o diagnóstico e o tratamento” (Acadêmicos do quinto ano).
• Segunda ideia central
Deveria ser abordado com mais frequência.
DSC
“Importantíssimo que esse tema seja abordado; 99% da carga horária é sobre vida” (Acadêmicos do terceiro ano).
“Foi pouco abordado na minha formação até o presente momento. Deveria ter um enfoque maior” (Acadêmicos do quarto ano).
Fonte: Elaborado pelos autores
DISCUSSÃO
A partir da análise dos dados obtidos pelo questionário sociodemográfico, observou-se a predominância do gênero feminino e da religião católica entre os acadêmicos participantes. Constatou-se ainda que pouco mais de 80% dos entrevistados já haviam tido contato com assuntos relacionados à bioética em algum momento do curso.
O primeiro aspecto abordado neste estudo foi com relação ao significado de terminalidade da vida para os estudantes de cada ano do curso. As ideias de “fechamento/fim da vida” e “passagem do corpo físico para o espiritual” foram prevalecentes em todos os anos, sendo, portanto, condizente com a literatura. Uma revisão bibliográfica envolvendo 47 artigos buscou identificar as concepções sobre cuidados paliativos publicadas ao longo de seis anos e demonstrou que uma das ideias principais é justamente a finitude da vida, a qual é vivenciada de acordo com as crenças e os valores individuais, da família e do profissional de saúde11.
Outro enfoque desta pesquisa consistiu na análise dos sentimentos dos acadêmicos ante uma situação hipotética de assistência ao paciente em estágio terminal. Constatou-se que 35% dos alunos se diziam “não preparados” e que 25% estavam certos de que fariam uma “abordagem visando sempre ao bem-estar do paciente”. Identificou-se, portanto, nos discursos dos acadêmicos, a ideia do morrer com dignidade, fornecendo o alívio para a dor, sob a ótica da boa relação médico-paciente12.
Corroborando a análise da questão anterior, a terceira pergunta avaliava o preparo pessoal dos acadêmicos perante a morte e o processo de morrer de modo abrangente; novamente, parcela considerável dos entrevistados (58%) afirmava não estar preparada para o assunto; curiosamente, cerca de 16% dos acadêmicos consideravam-se preparados para vivenciar a morte de alguém, mas não para serem intervencionistas no processo (isto é, lidar diretamente com um paciente).
Um estudo conduzido por Whyte, Quince, Benson, Wood e Barclay13 concluiu que a experiência do luto vivenciada pelos estudantes em algum momento de suas vidas pode ser vista, por exemplo, como uma influência negativa na relação médico-paciente, devendo ser levada em consideração durante a formação médica. Isso ocorre porque os acadêmicos podem evitar situações envolvendo a morte e o processo de morrer (como comunicar a morte de um ente para a família), além de estarem mais propensos a desenvolver ansiedade e outros transtornos.
Por sua vez, Lima e Machado14 concluíram que, muitas vezes, a dificuldade em lidar com a finitude não está relacionada apenas à incapacidade técnica formal de profissionais e cuidadores, mas também a uma dimensão afetiva: foi percebido que. quando os profissionais apresentavam experiências pessoais de morte e rememoravam-nas, em vez de ser um fator negativo, como apontado no estudo de Whyte, Quince, Benson, Wood e Barclay13, era possível contornar o sofrimento atrelado ao conceito de morte, permitindo ao cuidador atribuir um significado à vida do paciente e à sua própria história.
Por fim, os estudantes foram instigados a opinar sobre a abordagem dos temas da morte e do morrer durante o curso de graduação médica. Observaram-se dois aspectos: aqueles que consideraram o próprio curso e os que levaram em conta a formação médica em geral; foi possível atestar que o curso de Medicina revela despreparo e superficialidade para o enfrentamento da morte.
Para Marta et al.14, a maior parte da formação médica é voltada para a produção de “seres tanatolíticos”. A evolução biotecnológica a partir da década de 1970 acabou por associar ao termo “vida” uma constante intervenção humana, deixando esta de ser algo dependente apenas da natureza, mas sim, majoritariamente, da atuação médica15.
No entanto, o que se vê é que profissionais de saúde e acadêmicos - os quais vêm sendo inseridos cada vez mais precocemente no ambiente hospitalar - têm de lidar amiúde com o cenário real de transmissão de más notícias, sem antes passar por situações hipotéticas e reflexivas envolvendo o “binômio vida e morte”16 durante a sua formação. O despreparo os faz sofrer de maneira disfuncional, e, como demonstra o estudo de Mason e Ellershaw17, a proposta de educação teórico-prática relativa aos cuidados paliativos inserida na grade curricular lapidaria a confiança e atitude dos futuros profissionais ante o cuidado.
CONCLUSÃO
Com base na análise dos resultados obtidos, é possível constatar que, de forma inesperada, no presente estudo, as concepções dos acadêmicos iniciantes pouco se distanciam das dos internos. Isso ocorre porque ambos apresentam carências tanto no conhecimento técnico quanto no emocional, sendo expostos diariamente à morte, desde o primeiro aprendizado no cadáver, sem um embasamento, uma reflexão no âmbito teórico/cognitivo.
Desse modo, diante da escassez de reflexões sobre a morte, seus aspectos psicológicos e suas repercussões no contexto médico-acadêmico, parece necessária a criação de espaços na grade curricular que forneçam apoio não apenas teórico-prático mas também afetivo das questões envolvendo a terminalidade.
REFERENCES
1. Kovács MJ. Profissionais de saúde diante da morte. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1992. [ Links ]
2. Calasans CR, Sá CK, Dunningham WA, Aguiar WM, Pinho STR. Refletindo sobre a morte com acadêmicos de medicina. Rev. bras. neurol. psiquiatr. 2014;18(1):34-57. [ Links ]
3. Galriça Neto I. Princípios e filosofia dos cuidados paliativos. In: Barbosa A. Manual de cuidados paliativos. 2. ed. Lisboa: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; 2010. p. 1-42. [ Links ]
4. Santos LRG, Menezes MP, Gradvohl SMO. Conhecimento, envolvimento e sentimentos de concluintes dos cursos de medicina, enfermagem e psicologia sobre ortotanásia. Ciênc. Saúde Colet. 2013;18(9):2645-51. [ Links ]
5. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Martins Fontes; 1985. [ Links ]
6. Martin LM. Eutanásia e distanásia. In: Costa SIF, Oselka G, Garrafa V., organizadores. Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 1998, p. 171-92. [ Links ]
7. Sadala MLA, Silva MP. Cuidar de pacientes em fase terminal: a experiência de alunos de medicina. Interface (Botucatu) 2008;12(24):7-21. [ Links ]
8. Silveira MH, Ciampone MHT, Gutierrez BAO. Percepção da equipe multiprofissional sobre cuidados paliativos. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2014;17(1):7-16. [ Links ]
9. Vicensi MC. Reflection on death and dying in the ICU from a professional perspective in intensive care. Rev. bioét. 2016;24(1):64-72. [ Links ]
10. Lee AYS, Carlon B, Ramsay R, Thirukkumaran T. Integrating exposure to palliative care in an undergraduate medical curriculum: student perspectives and strategies. International Journal of Medical Education 2017;8:151-2. [ Links ]
11. Silva, EP, Sudigursky, D. Concepções sobre cuidados paliativos: revisão bibliográfica. Acta paul. enferm. 2008;21(3):504-8. [ Links ]
12. Kovács, MJ. Bioética nas questões da vida e da morte. Psicol. USP 2003;14(2):115-67 [acesso em 28 set. 2018]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v14n2/a08v14n2.pdf . [ Links ]
13. Whyte R, Quince T, Benson J, Wood D, Barclay S. Medical students’ experience of personal loss: incidence and implications. BMC med. educ. 2013;13(36). https://doi.org/10.1186/1472-6920-13-36. [ Links ]
14. Lima CP, Machado, MA. Cuidadores principais ante a experiência da morte: seus sentidos e significados. Psicol. ciênc. prof. 2018;38(1):88-101. [ Links ]
15. Marta GN et al. O estudante de medicina e o médico recém-formado frente à morte e ao morrer. Rev. bras. educ. méd. 2009;3(3):416-27 [acesso em 28 set 2018]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbem/v33n3/11.pdf . [ Links ]
16. Malta R, Rodrigues B, Priolli DG. Paradigma na formação médica: atitudes e conhecimentos de acadêmicos sobre morte e cuidados paliativos. Rev. bras. educ. méd . 2018;42(2):34-44. [ Links ]
17. Mason SR, Ellershaw JE. Preparing for palliative medicine; evaluation of an education programme for fourth year medical undergraduates. J. palliat. med 2008;22(6):687-92. [ Links ]
Recebido: 13 de Março de 2019; Aceito: 28 de Novembro de 2019