INTRODUÇÃO
A entrada dos jovens na universidade leva a uma mudança de ambiente e costumes, tornando-se um período de grande vulnerabilidade para o uso de substâncias psicoativas¹. Os jovens que adentram as universidades possuem destaque no uso dessas substâncias². Contudo, há relatos de que a fase de preparação para entrada na faculdade - cursinho pré-vestibular - é um período perturbador para os estudantes, pois há um ritmo diferente de estudos, levando a níveis maiores de estresse e exaustão³.
A extensa carga horária, a necessidade de estudos constantes, a preocupação e a cobrança do próprio aluno, em relação ao futuro e ao seu rendimento atuam como fatores que podem contribuir para o estímulo do uso de substâncias psicoativas. Observa-se uma maior necessidade de se manter mais tempo acordado para tentar suprir a demanda de estudos, o que propicia o uso de estimulantes do sistema nervoso central4.
Os estimulantes cerebrais são elementos que conseguem elevar o estado de vigília e estímulo, podendo também melhorar o humor, o desempenho cognitivo e a depressão5. São classificados como naturais - obtidos pela extração vegetal, a exemplo da cafeína - e sintéticos - obtidos por meio de laboratórios, a exemplo do metilfenidato6.
Entre os estudantes, observa-se uma maior prevalência do uso da cafeína, cujo efeito é considerado tão fisiológico que o indivíduo pode ser levado à dependência sem perceber. Outro exemplo é o pó de guaraná, que possui como princípio a guaranina, um composto alcaloide que é processado mais lentamente no corpo, quando comparado à cafeína, mas que tem efeitos que podem durar horas6.
Já cloridrato de metilfenidato, também conhecido por Ritalina®, é um dos estimulantes mais utilizados no mundo, com o objetivo principal de tratar o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Entretanto, o medicamento vem sendo utilizado de forma inadequada e para outros fins7.
A utilização descontrolada de psicoestimulantes por universitários que não possuem recomendação é uma questão que merece enfoque. Há poucos estudos realizados sobre essa prática no Brasil, o que incentiva uma busca mais aprofundada sobre os motivos que levam a esses hábitos indiscriminados8.
O presente trabalho buscou analisar o uso de estimulantes cerebrais por estudantes de graduação e pré-vestibulandos, de Montes Claros-MG.
MÉTODOS
Desenho do estudo
Foi realizado um estudo quantitativo, transversal, que avaliou estudantes, em instituições de ensino, pré-vestibular e superior, da cidade de Montes Claros, em Minas Gerais, para analisar fatores associados ao uso de psicoestimulantes. A escolha do cursinho e da instituição de ensino foi realizada por conveniência dospesquisadores, por conta da facilidade para a coleta das informações.
População e amostra
O universo dos participantes comporta 3.010 alunos; 600 acadêmicos do curso de Medicina, 1.300 Direito, 760 Engenharia civile 350 do pré-vestibular. O cálculo amostral com nível de confiança da pesquisa foi estimadoem 95% e o erro amostral com margem de 5% indicou a investigação de 400 estudantes, número que foi superestimado para reduzir a margem de erro. O cálculo foi alcançado a partir da fórmula n= NZ2p(1-p)e2 + Z2p (1-p), em que “n” representa o tamanho amostra“N” o tamanho do universo a ser calculado; “Z” o desvio do valor médio que é aceito para alcançar o nível de confiança; “e” a margem de erro admitida; e “p” a proporção que se espera encontrar. A amostra foi selecionada por meio de um sorteio de nomes na lista de matriculados dos estudantes de ensino superior por meio de lista de presença dos estudantes de cursinho pré-vestibular, comportando 296 estudantes de ensino superior (98 de Engenharia civil, 68 de Medicina e 130 de Direito) e 52 do pré-vestibular.
Entre os critérios de inclusão da pesquisa, os estudantes deveriam estar matriculados na faculdade ou no pré-vestibular e ter idade maior que 18 anos. Como critérios de exclusão, o indivíduo não poderia utilizar medicamentos psicoestimulantes sob prescrição médica, apresentar deficiência visual ou auditiva e/ou TDAH e narcolepsia, e preencher os formulários de pesquisa de forma incompleta ou inconsistente.
Instrumentos e procedimentos
Para a coleta de dados utilizou-se um formulário padronizado, de autopreenchimento e com questões objetivas. Essequestionário adaptado a partir do instrumento proposto pelo The smart drug study9, foi respondido pelos próprios estudantes. Trata-se de um formulário para coleta de dados das seguintes variáveis: sexo (feminino e masculino); rotina de estudos; tabagismo e/ou outras drogas; exercícios físicos; uso de suplementos para ganho de massa muscular; dieta para perda ponderal; horas de sono; qualidade do sono; uso de indutores do sono; uso de outras medicações contínuas; autoavaliação da saúde; pessoas que habitam a mesma moradia; uso atual ou passado de cafeína, energéticos, anfetaminas, metilfenidato e ecstasy; efeitos observados (no sono, estresse, fadiga, memória, raciocínio, concentração e bem-estar). Foram considerados usuários de psicoestimulantes apenas aqueles estudantes que informaram realizar o uso de pelo menos um dos estimulantes cerebrais apontados nos formulários durante o período de ocorrência da pesquisa.
No caso dos estudantes do pré-vestibular, redigiram-se questões específicas sobre o curso pretendido, o tempo no cursinho e outros cursos realizados. Aos universitários, dirigiram-se as seguintes variáveis: graduação, período do curso, se já foi reprovado, carga horária do curso, turno do curso e atividades extracurriculares.
O questionário foi aplicado no período compreendido entre fevereiro e março de 2019, durante aulas das turmas pesquisadas, e com a permissão do professor. Ao serem selecionados, os estudantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, após, responderam ao questionário sob supervisão para esclarecimento de dúvidas, se houvesse.
Análise dos dados
Os dados obtidos foram tabulados no software Statiscal Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0, com 95% de confiabilidade (p<0,05).Adotaram-se testes qui-quadrado (x2) e exato de Fisher para a comparação dos grupos de participantes em relação às variáveis investigadas. Houve comparação entre estudantes universitários e do pré-vestibular com o propósito de avaliar as variáveis do estudo. Além disso, houve comparação dentro do grupo de pré-vestibulandos, com suas variáveis específicas, bem como entre os universitários e suas variáveis específicas.
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada para execução pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário FipMoc (UniFIPMoc), seguindo os princípios éticos definidos pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, para realização de pesquisas envolvendo seres humanos: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 03913618.7.0000.5109, Parecer nº 3.066.986, 2018.
RESULTADOS
Avaliaram-se 348 participantes, dos quais o sexo masculino representou 52,9%. Além disso, a maioria dos estudantes não exerce nenhuma atividade laboral, não utiliza medicações para dormir e não faz uso de nenhuma medicação de uso diário. Entre os estudantes entrevistados, observou-se ainda que a maior parte deles (53,7%) fazia uso de algum tipo de psicoestimulante. Houve significância estatística (p=0,001) demonstrando maior uso de psicoestimulantespelosparticipantes do grupo do pré-vestibular (75%) em relação ao ensino superior (50%). Também foram identificadas associações significativas em relação ao uso de medicações diárias (p=0,010) e de medicações para dormir (p<0,001) (Tabela 1).
Características e hábitos dos estudantes | Curso pré-vestibular | Graduação | P |
Sexo | 0,452 | ||
Feminino | 27 (51,9%) | 137 (46,3%) | |
Masculino | 25 (48,1%) | 159 (56,7%) | |
Natural de Montes Claros | 0,073 | ||
Não | 35 (67,3%) | 164 (55,4%) | |
Sim | 17 (32,7%) | 132 (44,6%) | |
Reside | 0,253 | ||
Sozinho | 8 (15,4%) | 33 (11,1%) | |
Com alguém | 44 (84,6%) | 263 (88,9%) | |
Toma café da manhã? | 0,728 | ||
Não | 14 (26,9%) | 73 (24,7%) | |
Sim | 38 (73,1%) | 223 (75,3%) | |
Fuma ou já fumou? | 0,536 | ||
Não | 38 (73,1%) | 228 (77%) | |
Sim | 14 (26,9%) | 68 (23%) | |
Prática de exercício físico | 0,165 | ||
Não | 22 (42,7%) | 96 (32,4%) | |
Sim | 30 (57,7%) | 200 (67,6%) | |
Uso de suplementos para ganho de massa muscular | 0,501 | ||
Não | 45 (86,5%) | 245 (82,8%) | |
Sim | 7 (13,2%) | 51 (17,2%) | |
Dieta para emagrecer | 0,698 | ||
Não | 42 (80,8%) | 232 (78,4%) | |
Sim | 10 (19,2%) | 64 (21,6%) | |
Horas de sono/dia | 0,556 | ||
Menos de seis horas | 19 (36,5%) | 121 (40,9%) | |
Mais de seishoras | 33 (63,5%) | 175 (59,1%) | |
Qualidade do sono | 0,803 | ||
Boa | 23 (44,2%) | 144 (48,6%) | |
Regular | 25 (48,1%) | 134 (45,3%) | |
Ruim | 4 (7,7%) | 18 (6,1%) | |
Uso de medicações diárias | 0,010* | ||
Não | 31 (59,6%) | 227 (76,7%) | |
Sim | 21 (40,4%) | 69 (23,3%) | |
Uso de medicações para dormir | <0,001* | ||
Não | 41 (78,8%) | 282 (95,3%) | |
Sim | 11 (21,2%) | 14 (4,7%) | |
Uso de psicoestimulante | 0,001* | ||
Não | 13 (25,0%) | 148 (50,0%) | |
Sim | 39 (75,0%) | 148 (50,0%) |
* Resultado significativo pelo teste qui-quadrado (x2) (p < 0,05). Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação ao tipo de estimulante utilizado em cada grupo, houve uma maior prevalência do uso atual de cafeína (63,5%, p = 0,001) e de pó de guaraná (11,5%, p = 0,040) entre os estudantes de pré-vestibular, e de ecstasy (1,7%, p = 0,001) e metilfenidato (3%, p < 0,001) entre os estudantes de ensino superior(Tabela 2).
Psicoestimulantes | Nunca ouviu falar | Nunca usou ou tem interesse | Nunca usou, mas se interessa | Já usou algumas vezes no passado | Usava regularmente no passado | Usa atualmente | P |
Cafeína | 0,001* | ||||||
Pré-vestibular | 0 (0%) | 5 (9,6%) | 5 (9,6%) | 3 (5,8%) | 6 (11,5%) | 33 (63,5%) | |
Graduação | 5 (1,7%) | 79 (26,7%) | 13 (4,4%) | 60 (20,3%) | 19 (6,4%) | 120 (40,5%) | |
Energético | 0,993 | ||||||
Pré-vestibular | 1 (1,9%) | 12 (23,1%) | 4 (7,7%) | 25 (48,1%) | 4 (7,7%) | 6 (11,5%) | |
Graduação | 5 (1,7%) | 71 (24%) | 23 (7,8%) | 135 (45,6%) | 19 (6,4%) | 43 (14,5%) | |
Pó de guaraná | 0,040* | ||||||
Pré-vestibular | 1 (1,9%) | 19 (36,5%) | 10 (19,2%) | 12 (23,1%) | 4 (7,7%) | 6 (11,5%) | |
Graduação | 11 (3,7%) | 163 (55,1%) | 39 (13,2%) | 65 (22%) | 12 (4,1%) | 6 (2%) | |
Anfetamina | 0,051 | ||||||
Pré-vestibular | 20 (38,5%) | 28 (53,8%) | 3 (5,8%) | 1 (1,9%) | 0 (0%) | 0 (0%) | |
Graduação | 60 (20,3%) | 217 (73,3%) | 11 (3,7%) | 7 (2,4%) | 0 (0%) | 1 (3%) | |
Metilfenidato | <0,001* | ||||||
Pré-vestibular | 4 (7,7%) | 25 (48,1%) | 16 (30,8%) | 5 (9,6%) | 1 (1,9%) | 1 (1,9%) | |
Graduação | 74 (25%) | 177 (59,8%) | 25 (8,4%) | 14 (4,7%) | 5 (1,7) | 1 (3%) | |
Ecstasy | 0,001* | ||||||
Pré-vestibular | 17 (32,7%) | 25 (48,1%) | 3 (5,8%) | 7 (13,%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | |
Graduação | 48 (16,2) | 218 (73,6%) | 10 (3,4%) | 12 (4,1%) | 3 (1%) | 5 (1,7%) | |
Piracetan | 0,135 | ||||||
Pré-vestibular | 35 (67,3%) | 16 (30,8%) | 1 (1,9%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | |
Graduação | 149 (50,3%) | 142 (48%) | 4 (1,4%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | |
Modafinil | 0,832 | ||||||
Pré-vestibular | 37 (71,2%) | 14 (26,9%) | 1 (1,9%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | |
Graduação | 202 (68,2%) | 89 (30,1%) | 3 (1.0%) | 2 (0,7%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) |
* Resultado significativo pelo teste qui-quadrado (x2) (p < 0,05). Fonte: Elaborada pelos autores.
Dentre os efeitos observados pelos usuários de estimulantes cerebrais do ensino superior, a redução do sono foi o efeito mais percebido (64,9%, p < 0,001), seguido de melhora na concentração (48%, p = 0,000), bem-estar (45,3%, p < 0,001), raciocínio (38,5%, p < 0,001), redução da fadiga (33,1%, p < 0,001), melhora na memória (23,6%, p = 0,002) e redução do estresse (23%, p < 0,001). Já nos estudantes do pré-vestibular, apenas a melhora no raciocínio (43,6%, p = 0,018) e a redução do estresse (28,2%, p = 0,031) obtiveram relevância significativa (Tabela 3).
Efeitos percebidos | Pré-vestibular | p | Graduação | p |
Melhora na concentração | 0,071 | <0,001* | ||
Não | 8 (20,5%) | 77 (52%) | ||
Sim | 31(79,5%) | 71 (48%) | ||
Melhora na memória | 0,355 | 0,002* | ||
Não | 28 (71,8%) | 113 (76,4%) | ||
Sim | 11 (28,2%) | 35 (23,6%) | ||
Melhora no raciocínio | 0,018* | <0,001* | ||
Não | 22 (56,4%) | 91 (61,5%) | ||
Sim | 17 (43,6%) | 57 (38,5%) | ||
Melhora no bem-estar | 0,105 | <0,001* | ||
Não | 20 (51,3%) | 81 (54,7%) | ||
Sim | 19 (48,7%) | 67 (45,3%) | ||
Redução do sono | 0,377 | <0,001* | ||
Não | 10 (25,6%) | 52 (35,1%) | ||
Sim | 29 (74,4%) | 96 (64,9%) | ||
Redução do estresse | 0,031* | <0,001* | ||
Não | 28 (71,8%) | 114 (77%) | ||
Sim | 11 (28,2%) | 34 (23%) | ||
Redução da fadiga | 0,868 | <0,001* | ||
Não | 25 (64,1%) | 99 (66,9%) | ||
Sim | 14 (36,5%) | 49 (33,1%) |
* Resultado significativo pelo teste qui-quadrado (x2) (p < 0,05). Fonte: Elaborada pelos autores.
A análise da Tabela 4 demonstra que, dentro do grupo dos pré-vestibulandos, 100% (n = 10, p = 0,042) que faziam regime para emagrecer eram usuários de algum tipo de estimulante cerebral. Já entre os acadêmicos, notou-se que a maior parte (61,8%, n = 42, p = 0,027) dos que fumam ou já fumaram fazia uso de psicoestimulantes. As demais variáveis avaliadas em cada grupo: tomar café da manhã, praticar atividade física, usar suplementos para ganho de massa muscular, horas de sono por dia, qualidade do sono, uso de medicações diárias, uso de medicações para dormir, curso pretendido, tempo no pré-vestibular, outros cursos realizados, graduação, período do curso, se já foi reprovado, carga horária do curso, turno do curso e atividades extracurriculares não apresentaram diferença estatística significativa em relação ao uso ou não de psicoestimulantes.
Variável | Pré-vestibular | p | Graduação | p | ||
Usuário | Usuário | |||||
Não | Sim | Não | Sim | |||
Dieta para emagrecer | 0,042* | 0,572 | ||||
Não | 13 (100%) | 29 (74,4%) | 114 (77%) | 30 (20,3%) | ||
Sim | 0 (0,0%) | 10 (25,6%) | 34 (23%) | 118 (79,7%) | ||
Fuma ou já fumou? | 0,071 | 0,027* | ||||
Não | 12 (92,3%) | 26 (66,7%) | 122 (82,4%) | 106 (71,6%) | ||
Sim | 1 (7,7%) | 13 (33,3%) | 26 (17,6%) | 42 (28,4%) |
* Resultado significativo pelo teste qui-quadrado (x2) (p < 0,05). Fonte: Elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
A atual prevalência do uso é maior entre os pré-vestibulandos (75%) quando comparados aos universitários (50%). Em contrapartida, o uso de psicoestimulantes seria mais comum em estudantes universitários, já que a maior parte deles iniciou o uso após entrar na faculdade, com o objetivo de aprimorar o desempenho acadêmico10. Supõe-se que os resultados encontrados no presente estudo, que evidenciou um maior uso por parte dos pré-vestibulandos, estejam relacionados ao fato de estes estarem submetidos a uma maior pressão, o que motivaria a estudar mais para disputar uma vaga no ensino superior e utilizar drogas psicoativas para alcançar o seu objetivo11.
Pode-se correlacionar o uso de drogas lícitas e ilícitas entre estudantes com as dificuldades encontradas durante os anos de estudo, além dos conflitos afetivos e das inseguranças relacionadas ao futuro. O fator ambiental é determinante para a utilização de diversas drogas, uma vez que, quando o estudante busca um tipo de substância entorpecente, cria-se um meio favorável para o uso de outras12.
Dentre as substâncias pesquisadas, observou-se maior consumo de estimulantes naturais como cafeína e pó de guaraná entre os pré-vestibulandos. Provavelmente, o maior consumo de cafeína ocorre por mais fácil acesso à substância e do baixo custo para adquiri-la. O pó de guaraná tem como principal composto a guaranina, proporciona, como a cafeína, picos energéticos e também é bastante utilizado por estudantes. Um estudo mostra que esse composto é menos prevalente, no entanto, que a cafeína e os energéticos6.
Observou-se uma maior associação entre os pré-vestibulandos que fazem uso de cafeína e pó de guaraná e realização de dieta. Uma possível correlação com esse dado é que tais substâncias psicoativas estimulam o metabolismo e suprimem o apetite, facilitando a perda do peso corporal por conta de uma elevação da termogênese, lipólise e oxidação de gordura por mecanismos pouco compreendidos13. O uso de drogas estimulantes estaria associado também a um propósito de emagrecimento por parte dos estudantes que delas fazem uso, uma vez que a rotina atarefada dificulta a prática de atividades físicas e uma alimentação adequada, favorecendo o ganho peso e a obesidade14.
Dentre os efeitos observados no presente estudo, a melhora no raciocínio (43,6%) e a redução no estresse (28,2%) foram os que obtiveram maior relevância estatística entre os estudantes do pré-vestibular. Corroborando esse fato, constatou-se que substâncias psicoativas melhoram o raciocínio, o que representa o principal estímulo para o uso de estimulantes cerebrais15.
Outros efeitos de potencialização das funções mentais, como melhora na concentração e na memória, bem-estar, além de redução de fadiga, não foram encontrados o que destoa de outros trabalhos. Em relação à redução no estresse, ao contrário do que foi encontrado, o uso dessas substâncias está associado à diminuição de qualidade de vida por causa de um aumento do estresse, o que pode acarretar inclusive uma elevação na morbidade dos estudantes9.
Em relação aos universitários, os resultados mostraram que houve uma experiência de uso relativamente maior de metilfenidato e ecstasy, consolidando que os psicotrópicos são consumidos com o propósito de aumentar a capacidade cerebral em atividades acadêmicas15. O cloridrato de metilfenidato - um estimulante cerebral que age na inibição de noradrenalina e dopamina - é um dos psicotrópicos mais utilizados. Entretanto, um estudo demonstra que há um crescimento do uso de ecstasy por universitários nas últimas décadas17.
O maior consumo de drogas ilícitas entre estudantes é uma questão de saúde pública, estando relacionado a agressões, comportamentos sexuais de risco, acidentes automobilísticos e alterações de comportamento18. Todavia, deve-se destacar que houve apenas cinco casos entre os universitários, o que pode ter ocorrido pelo fato de a amostra desses estudantes ter sido maior que a dos estudantes de pré-vestibular, favorecendo o resultado estatístico obtido na pesquisa.
O metilfenidato e o ecstasyaumentam a concentração, reduzem o sono e a fadiga e melhoram a cognição e a coordenação motora19,20. Esses efeitos positivos foram encontrados no presente estudo que constatou redução do sono (64,9%), melhora na concentração (48%), no raciocínio (38,5%), redução da fadiga (33,1%) e melhora da memória (23,6%). Os principais efeitos colaterais do metilfenidato são a redução do apetite, insônia, hipertensão arterial, além de poder causar cefaleia e dor abdominal21. Em relação ao ecstasy, osefeitos observados em curto prazo são: euforia, insônia, humor deprimido, diminuição da ansiedade, alterações na cognição, psicose e alucinações22.
Na amostra geral, constataram-se uma pior qualidade de sono e altos índices de uso de medicações indutoras do sono (72,7%), o que pode ser justificado com base em uma formulação que infere que os usuários de psicoativos têm uma perturbação do sono que altera a cognição e a funcionalidade física e social. Além disso, esse tipo de medicamento reduz a qualidade de vida dos usuários. Dessa forma, supõe-se que esses indivíduos fazem uso de indutores do sono com a finalidade de reverter os efeitos colaterais de tais drogas, melhorando o ciclo sono-vigília23.
Não foram encontradas diferenças significativas quanto ao uso das substâncias psicoativas pesquisadas nas diferentes áreas do ensino superior (Direito, Engenharia e Medicina). Por conta de uma maior exigência no meio acadêmico, tais estudantes utilizam o estimulante de forma indiscriminada para reduzir o cansaço cotidiano, de modo a elevar o rendimento e a concentração nos estudos, além da cognição, independentemente de estarem vinculados às Ciências Exatas, Biológicas ou Humanas24,25,26.
É importante ressaltar que, para as análises do presente estudo, apenas os indivíduos que estavam em uso no momento da pesquisa foram classificados como usuários de psicoestimulantes, diferentemente de outros estudos que consideraram usuário aquele que já fez uso em alguma época na vida. Tal situação dificulta a comparação entre dados da literatura, mas reafirma o problema apresentado de uma forte exposição precoce de jovens a tais substâncias. Além disso, o caráter transversal da pesquisa também dificulta o estabelecimento de relações de causa, efeito e temporalidade das variáveis estudadas, as quais são importantes para a identificação de situações que promovessem riscos aumentados à população investigada.
A maioria da amostra relatou uma eficácia no uso das substâncias pesquisadas, o que faz com que haja uma alta ocorrência do uso contínuo delas e uma maior dificuldade na descontinuação do uso. Porém, sabe-se que a utilização em longo prazo é nociva à saúde, já que pode gerar dependência e tolerância. Nesse caso, os indivíduos sentem necessidade de utilizar quantidades cada vez maiores dessas substâncias e de outras drogas, o que pode prejudicar os estudantes nas práticas acadêmicas e laborais futuras. Além disso, o uso continuo está associado a efeitos cardiovasculares e a uma possível redução de estatura, como é caso do metilfenidato21,26. Diante disso, reforça-se a necessidade de mais pesquisas associadas ao tema abordado, visando reduzir os efeitos adversos, estipular uma quantidade segura e limitar o uso de certas substâncias.
É sempre importante ressaltar os malefícios do uso de psicoestimulantesem longo prazo, sobretudo a dependência e a tolerância química, fatores que predispõem o indivíduo a consumir quantidades cada vez maiores dessas substâncias. O metilfenidato é uma droga que, além de poder ocasionar dependência, gera reações adversas em todo o organismo, principalmente no sistema nervoso central27. Em relação à cafeína, psicoestimulante mais utilizado pelos estudantes, há relatos de que doses elevadas (concentração plasmática maior que 50µM, o que equivale a, no mínimo, cinco e, no máximo, dez xícaras28) podem promover tolerância, sendo comum a ocorrência de sensação de angústia, nervosismo e agitação29. Como consequência direta do uso contínuo e demasiado de psicoestimulantes, frequentemente se observa, além dos malefícios relacionados à saúde, o surgimento de problemas psicológicos, sociais, financeiros e acadêmicos, condições que certamente conturbarão a vida do estudante.
Na tentativa de prevenir as consequências danosas do uso prolongado e abusivo de psicotrópicos, é fundamental que o estudante receba apoio familiar e psicopedagógico. O uso de psicotrópicos entre estudantes é um assunto que não envolve apenas questões sociais, mas também a própria instituição de ensino, que, muitas vezes, não proporciona mecanismos protetores contra o uso dessas substâncias30. Há ainda algumas medidas que podem ajudar na diminuição do uso não prescrito de psicoestimulantes, como criar meios dentro da instituição que ajudem a reduzir o estresse vivenciado pelos alunos, promover a conscientização de alunos e professores sobre a importância do tema em nosso meio e permitir debates acerca do uso indiscriminado de drogas do ponto de vista biopsisicossocial30. Os familiares podem buscar auxílio de profissionais habilitados que, por meio dos grupos de apoio, passarão orientações para melhor enfrentar o caminho da recuperação. O apoio psicopedagógico também pode avaliar anormalidades no comportamento dos estudantes e identificar as causas do insucesso acadêmico, para posteriormente implementar medidas de correção das dificuldades encontradas, mediante averiguação, intervenção e acompanhamento.
CONCLUSÃO
Observou-se uma maior prevalência do uso de psicoestimulantes nos pré-vestibulandos em relação ao grupo dos universitários, sendo a cafeína e o pó de guaraná os mais utilizados. Entre os pré-vestibulandos, houve uma significativa maior realização de dieta e uso de medicações indutoras do sono. Entre os universitários, houve uso de metilfenidato e ecstasy. Foram relatados efeitos como redução do sono, melhora na concentração, no raciocínio, redução da fadiga e melhora da memória. Nas áreas do ensino superior (Direito, Engenharia e Medicina), não se constataram diferenças quanto ao uso dos estimulantes cerebrais pesquisados.
É notável que habitualmente sempre haverá alguma associação entre fatores sociais e ambientais que expliquem o uso de estimulantes cerebrais por parte dos estudantes. Portanto, o apoio familiar e o psicopedagógico são indispensáveis para prevenir e tratar as consequências do uso desmedido de psicoestimulantes.