INTRODUÇÃO
A residência médica (RM) é reconhecida como uma modalidade de pós-graduação e considerada o “padrão ouro” para a formação de especialistas. Seu histórico remonta ao ano de 1889, no John’s Hopkins Hospital, onde surgiram os primeiros programas de residência coordenados por Halsted e Osler nas áreas de cirurgia e clínica médica, respectivamente1. Em 1945, foi implantado o primeiro Programa de Residência Médica (PRM) no Brasil: em ortopedia, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. A seguir, no Instituto de Previdência e Assistência ao Servidor do Estado do Rio de Janeiro, em 1948, criaram-se os PRMs em cirurgia geral, clínica médica, pediatria e obstetrícia/ginecologia1.
Desde 1977, todos os PRMs no Brasil estão subordinados à Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), que estabeleceu normas e critérios para o credenciamento de programas. Nos termos do Decreto nº 80.281/77, a RM constitui um curso de pós-graduação destinado a médicos e caracterizado por treinamento em serviço do médico residente, cujas atividades são sempre supervisionadas por profissionais de reconhecida competência ética e técnica1. Os médicos especialistas devem estar preparados para atender às demandas de saúde da população, e, portanto, as competências adquiridas no PRM são imprescindíveis para sua prática clínica2.
O estudo do perfil dos egressos da RM é importante para identificar potencialidades e fragilidades da especialização, podendo extrapolar para a residência as recomendações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) voltadas à graduação3.
O Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) foi fundado em 1960 e é uma entidade filantrópica, que atua nas áreas de assistência médico-social, ensino, pesquisa e extensão comunitária. Voltado para o atendimento da população carente pernambucana, o Complexo Hospitalar do IMIP é reconhecido como uma das estruturas hospitalares mais importantes do país, sendo centro de referência assistencial em diversas especialidades médicas4.
O PRM em pediatria do IMIP foi iniciado em 1966, tendo ao longo desse período se destacado como um dos programas de referência na especialidade no país. Atualmente, o IMIP dispõe de 48 PRMs. Do ponto de vista assistencial, a instituição é voltada para o atendimento da população carente pernambucana ao prestar assistência integral à saúde da criança, da mulher e do adulto.
Desde a sua implantação, o modelo educacional da RM obedeceu a uma programação básica, com três elementos importantes: a população a ser assistida, a estrutura hospitalar adequada para o ensino e preceptores qualificados5. Os médicos especialistas devem estar preparados para atender às demandas de saúde da população, e, portanto, a formação obtida durante a realização dos PRMs é imprescindível para sua prática clínica6)-(9.
Apesar da existência de inúmeros serviços com RM no Brasil, praticamente não há programas regulares de acompanhamento de avaliação da qualidade, exceto as visitas de credenciamento do Ministério da Educação8),(9. Para conhecer a qualidade de um programa de formação profissional, é fundamental conhecer o perfil de egresso profissional treinado nos programas e a trajetória futura desse especialista.
A American Medical Association objetivou conhecer o grau de dificuldade que os médicos egressos de PRMs encontravam para se inserir nesse mercado e verificou que 67% atuavam na especialidade correspondente ao seu último PRM, 15,5% optaram pela carreira acadêmica, 5% atuavam em especialidade diferente da formação na RM, 5,1% declararam ter outros planos profissionais e 7,1% não conseguiram ingressar no mercado de trabalho. Do total de médicos que conseguiram emprego na sua área de formação, 22,4% relataram ter tido significante dificuldade para ingressar no mercado5.
Um estudo semelhante realizado no Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo10 com egressos da residência constatou que 64% dos especializados continuavam atuando na cidade onde foi realizado o programa, 78% se consideravam profissionalmente realizados e 22% se sentiam parcialmente realizados em virtude da renda mensal inferior à esperada e por não terem iniciado/concluído outra pós-graduação. Destacamos que 54% dos egressos da residência exerciam função docente, principalmente em serviços públicos10.
Outro aspecto relevante nos estudos sobre egressos refere-se aos dados de saúde mental11. Destaca-se o fato de as profissões de saúde serem desgastantes, com grande dedicação de tempo, envolvimento e muita responsabilidade pessoal, além do contato constante com o sofrimento de pacientes e familiares. Uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina12 mostrou que a grande maioria dos médicos considera fundamental uma boa combinação entre trabalho e vida pessoal. Para 83,6% deles, a “capacidade de obter um equilíbrio entre a profissão e a vida pessoal” é um dos fatores mais importantes para um “exercício profissional satisfatório e gratificante”. O segundo fator mais citado - assinalado por 64,2% dos egressos - foi “ter uma jornada de trabalho flexível”, enquanto 49,4% citaram “ter competência técnica”. A possibilidade de “exercer o ensino” foi assinalada por 43,6%, enquanto 42,8% dos novos médicos mencionaram “contar com um sistema de saúde que dê assistência adequada para meus pacientes”12.
Portanto, o acompanhamento regular e sistemático de egressos é uma prática ainda incomum em diversas áreas, especialmente entre instituições formadoras de médicos residentes. Existem poucos dados e publicações com informações sobre o perfil dos egressos de PRMs e seu desempenho ao longo da carreira, apesar da grande importância do tema6)-(9.
Os objetivos do nosso estudo foram conhecer o perfil e a satisfação profissional dos egressos dos PRMs das áreas básicas do IMIP, contribuindo para análise da inserção desse profissional no Sistema Único de Saúde (SUS), e verificar o grau de satisfação com o programa cursado e com sua qualidade de vida atual.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo de corte transversal no qual se utilizou a plataforma eletrônica Survey para a coleta dos dados. A população de estudo foi composta por todos os residentes das quatro áreas básicas (clínica médica, pediatria, ginecologia/obstetrícia e cirurgia geral) que concluíram os PRMs no IMIP, no período de 2013 a 2017. Portanto, os critérios de inclusão foram todos os residentes que concluíram esses programas no período citado, sendo excluídos apenas os que não concordaram em responder ao questionário. De um total de 194 concluintes (69 pediatras, 67 ginecologistas e obstetras, 39 médicos clínicos e 19 cirurgiões gerais), tivemos a adesão de 79 egressos. Não realizamos análise inferencial porque a amostra dos egressos não permitiu comparações entre as áreas cursadas ou outro tipo de análise.
Um questionário eletrônico foi enviado para o e-mail pessoal dos participantes por meio da plataforma disponibilizada pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), e a coleta de dados ocorreu durante os meses de novembro de 2018 a fevereiro de 2019. Reenviaram-se os e-mails semanalmente aos que não responderam e efetuaram-se ligações por telefone para os residentes que tinham iniciado a pesquisa, mas não a concluíram, solicitando a adesão ao estudo e o término das respostas.
O questionário foi composto por perguntas estruturadas e abertas com respostas curtas sobre as características sociodemográficas, acadêmicas e profissionais, a satisfação com a profissão e a saúde do egresso. O questionário foi previamente aplicado a médicos residentes do hospital-escola da instituição em um projeto-piloto composto por 20 participantes, com o objetivo de avaliar a clareza e a pertinência das perguntas antes da elaboração da versão definitiva. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviado com o e-mail, sendo necessária a leitura e concordância com os termos do estudo para ter acesso ao questionário na plataforma utilizada.
Os dados coletados foram armazenados na própria plataforma disponibilizada e posteriormente organizados em planilha do software Microsoft Office Excel. O programa utilizado para análise estatística foi o EpiInfo versão 7.2.2.2. Realizaram-se análises descritivas das variáveis do estudo, e apresentou-se a sua distribuição de frequência.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do IMIP, sendo aprovado pelo Parecer nº 2.710.534.
RESULTADOS
Dos 194 egressos que concluíram a residência no período de 2013 a 2017 no IMIP, 79 (40,72%) aderiram ao questionário enviado com preenchimento completo.
No Gráfico 1, descrevemos a distribuição por programa de residência da nossa amostra, em que o maior percentual de respostas foi dos egressos do PRM em pediatria (41%), que é o programa com maior número de residentes da instituição.
A análise do perfil sociodemográfico dos egressos da instituição está descrita na Tabela 1. Salientamos que 73,4% eram do gênero feminino, mais de 60,8% eram casados, embora 64,6% ainda não tivessem filhos. Destacamos que 55,7% dos egressos informaram que sua renda mensal se situava entre dez e 20 salários mínimos por mês.
Biológicas | N (n = 79) | % |
---|---|---|
Idade | ||
26 |- 29 | 20 | 25,3 |
29 |- 32 | 37 | 46,8 |
32 |- 35 | 20 | 25,3 |
Acima de 35 anos | 2 | 2,5 |
Gênero | ||
Masculino | 21 | 26,6 |
Feminino | 58 | 73,4 |
Sociodemográficas | ||
Estado civil | ||
Solteiro | 27 | 34,2 |
Casado | 48 | 60,8 |
União estável | 3 | 3,8 |
Divorciado | 0 | 0,0 |
Sem resposta | 1 | 1,3 |
Número de filhos | ||
Não tenho filhos | 51 | 64,6 |
1 filho | 22 | 27,8 |
2 filhos | 6 | 7,6 |
3 filhos | 0 | 0,0 |
Mais do que 3 filhos | 0 | 0,0 |
Renda mensal (R$) | ||
5.000 |- 10.000 | 22 | 27,8 |
10.000 |- 20.000 | 44 | 55,7 |
20.000 |- 30.000 | 11 | 13,9 |
acima de 30.000 | 2 | 2,5 |
Residência no início do programa | ||
Recife/Grande Recife | 36 | 45,6 |
Interior de Pernambuco | 2 | 2,5 |
Outro estado do Brasil | 12 | 15,2 |
Outro país | 0 | 0,0 |
Sem resposta | 29 | 36,7 |
Residência atual | ||
Recife/Grande Recife | 51 | 64,6 |
Interior de Pernambuco | 0 | 0,0 |
Outro estado do Brasil | 25 | 31,6 |
Outro país | 1 | 1,3 |
Sem resposta | 2 | 2,5 |
O histórico da formação acadêmica desde a graduação até a realização de pós-graduação stricto sensu está demonstrado na Tabela 2. Dos egressos que responderam ao nosso inquérito, 54 (68,4%) tinham cursado a graduação em uma instituição de ensino superior (IES) privada, 86,1% foram aprovados no processo seletivo para a RM no mesmo ano em que concluíram a graduação e apenas cinco (6,3%) utilizaram o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab) para essa aprovação. Em relação a ter cursado pós-graduação stricto sensu, 19 egressos (21,7%) já tinham realizado mestrado.
Graduação | N (n = 79) | % |
---|---|---|
Tipo de IES | ||
Pública | 25 | 31,6 |
Privada | 54 | 68,4 |
Instituição | ||
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) | 13 | 16,5 |
Universidade de Pernambuco (UPE) | 17 | 21,5 |
FPS | 20 | 25,3 |
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) | 03 | 3,8 |
Outros estados | 26 | 32,9 |
Residência | ||
Ano do processo seletivo | ||
No mesmo ano em que concluiu a graduação | 68 | 86,1 |
Um ano após o término da graduação | 07 | 8,9 |
Dois anos após o término da graduação | 04 | 5,1 |
Três anos após o término da graduação | 0 | 0,0 |
Quatro ou mais anos após o término da graduação | 0 | 0,0 |
Utilização de pontos obtidos por meio do Provab | ||
Sim | 5 | 6,3 |
Não | 74 | 93,7 |
Ano de conclusão da residência no IMIP | ||
2013 | 13 | 16,5 |
2014 | 16 | 20,3 |
2015 | 17 | 21,5 |
2016 | 14 | 17,7 |
2017 | 19 | 24,1 |
Produção científica durante o PRM | ||
Sim | 44 | 55,7 |
Não | 35 | 44,3 |
Tipos de produção científica durante o PRM | ||
Artigo em revista indexada | 10 | 16,4 |
Tema oral em congresso da especialidade | 13 | 21,3 |
Pôster em um congresso da especialidade | 38 | 62,3 |
Realização de segundo PRM | ||
Sim | 60 | 75,9 |
Não | 19 | 24,1 |
Título de especialista pela sociedade da área | ||
Sim | 38 | 48,1 |
Não | 41 | 51,9 |
Residência | N (n = 79) | % |
Registro da especialidade no Conselho Regional de Medicina (CRM) | ||
Sim | 35 | 44,3 |
Não | 44 | 55,7 |
Pós-graduação stricto sensu | ||
Mestrado | ||
Sim | 19 | 21,7 |
Não | 60 | 78,3 |
Mestrado associado à residência do IMIP (n = 19) | ||
Sim | 05 | 26,3 |
Não | 14 | 73,7 |
Doutorado | ||
Sim | 03 | 3,8 |
Não | 76 | 96,2 |
A inserção no mercado de trabalho está detalhada na Tabela 3. Ressaltamos que 93,7% dos egressos estão exercendo a especialidade da área básica cursada, dos quais 54 (68,4%) trabalham em Pernambuco. Em relação ao serviço público, 64,6% são vinculados a esse regime de trabalho, sendo a maioria servidora da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE). Sobre a permanência no IMIP ou na rede IMIP hospitalar, verificou-se que 44,3% exerciam suas atividades nessas unidades.
Atuação | N (n = 79) | % |
---|---|---|
Exerce a especialidade obtida no PRM-IMIP | ||
Sim | 74 | 93,7 |
Não | 05 | 6,3 |
Local onde exerce a profissão | ||
Pernambuco | 54 | 68,4 |
Outro estado do Brasil | 24 | 30,4 |
Outro país | 0 | 0,0 |
Não exerce a medicina | 0 | 0,0 |
Sem resposta | 01 | 1,3 |
Sobre os que atuam em PE (n = 54) | ||
Apenas em Recife | 37 | 68,5 |
Recife e região metropolitana | 12 | 22,2 |
Recife e interior fora da região metropolitana | 05 | 9,3 |
Apenas no interior do estado | 0 | 0,0 |
Quanto à(s) instituição(ões) onde exerce a profissão | ||
Apenas da rede pública | 22 | 27,8 |
Apenas da rede privada | 02 | 2,5 |
Em ambas as redes | 54 | 68,4 |
Não se aplica | 01 | 1,3 |
Atuação | N (n = 79) | % |
Servidor público | ||
Sim | 51 | 64,6 |
Não | 28 | 35,4 |
Servidor público vinculado a: (n = 51) | ||
SES Pernambuco | 25 | 49,0 |
Recife | 03 | 5,9 |
Outra instituição | 05 | 9,8 |
Outros | 18 | 35,3 |
Médico do IMIP ou gestão hospitalar IMIP | ||
Sim | 35 | 44,3 |
Não | 44 | 55,7 |
Número de vínculos empregatícios | ||
Somente um | 18 | 22,8 |
Dois | 25 | 31,6 |
Mais de dois | 36 | 45,6 |
Horas de trabalho semanais | ||
Até 24 | 02 | 2,5 |
24 |- 32 | 02 | 2,5 |
32 |- 40 | 10 | 12,7 |
40 |-60 | 34 | 43,0 |
60|- 80 | 28 | 35,4 |
Não se aplica | 03 | 3,8 |
Exerce atividade de plantão | ||
Sim | 71 | 89,9 |
Não | 08 | 10,1 |
Horas correspondentes a plantões (n = 71) | ||
Até 12 | 14 | 19,7 |
18|- 24 | 15 | 21,1 |
24|- 36 | 14 | 19,7 |
36|- 48 | 13 | 18,3 |
Acima de 48 | 8 | 11,3 |
Sem resposta | 7 | 9,9 |
Plantões noturnos (n = 71) | ||
Sim | 60 | 84,5 |
Não | 11 | 15,5 |
Plantões em finais de semana (n = 71) | ||
Sim | 54 | 76,1 |
Não | 17 | 23,9 |
Atividades de ensino | N (n = 79) | % |
Docência na graduação de Medicina | ||
Sim | 21 | 26,6 |
Não | 58 | 73,4 |
Preceptoria em hospital de ensino | ||
Sim | 43 | 54,4 |
Não | 36 | 45,6 |
A Tabela 4 apresenta a percepção dos participantes sobre o programa cursado, a carga horária e a satisfação pessoal. Dos egressos, 86,1% acreditam que ter realizado programa de residência no IMIP facilitou a vida profissional deles. Em relação à renda atual, 77,2% consideram satisfatória ou muito satisfatória, e todos responderam que consideram o exercício da profissão gratificante.
N (n = 79) | % | |
---|---|---|
Cursaria o PRM na área básica novamente | ||
Sim | 59 | 74,7 |
Não | 20 | 25,3 |
Cursaria o PRM na área básica novamente no IMIP | ||
Sim | 58 | 73,4 |
Não | 2 | 2,5 |
Sem resposta | 19 | 24,1 |
Opinião sobre ter realizado o PRM no IMIP | ||
Facilitou a minha vida profissional | 68 | 86,1 |
Dificultou a minha vida profissional | 1 | 1,3 |
Nem facilitou nem dificultou a minha vida profissional | 10 | 12,7 |
Dificuldade de inserção no mercado de trabalho público | ||
Sim | 15 | 19,0 |
Não | 64 | 81,0 |
Dificuldade de inserção no mercado de trabalho privado | ||
Sim | 14 | 17,7 |
Não | 65 | 82,3 |
Atualmente, sua carga horária de trabalho comparada ao período da residência é: | ||
Menor | 44 | 55,7 |
Maior | 11 | 13,9 |
Igual | 24 | 30,4 |
N (n = 79) | % | |
Satisfação com a renda pessoal | ||
Muito satisfatória | 15 | 19,0 |
Satisfatória | 46 | 58,2 |
Regular | 11 | 13,9 |
Insatisfatória | 7 | 8,9 |
Muito insatisfatória | 0 | 0,0 |
Considera o exercício da profissão gratificante? | ||
Sim | 79 | 100 |
Não | 0 | 0 |
O exercício da profissão correspondeu às expectativas | ||
Sim | 67 | 84,8 |
Não | 12 | 15,2 |
Analisaram-se as principais vantagens e desvantagens de ter realizado residência no IMIP. Os fatores citados com maior frequência como vantagem foram: número de pacientes, diversidade de casos, qualidade da preceptoria, infraestrutura do hospital e qualidade das atividades teóricas. Em relação às desvantagens, mencionaram-se: carga horária desgastante, excesso de pacientes e dificuldades na infraestrutura.
Também verificamos aspectos de hábitos da vida atual do egresso. Em relação à quantidade de horas de sono por dia, destacamos que 44 (55,7%) dormiam entre seis e oito horas diárias. Ao serem questionados se a qualidade de vida melhorou após o término da residência, 52 (65,8%) responderam afirmativamente. A prática de exercício físico regular foi evidenciada em apenas 39 (49,4%) dos egressos. Ressaltamos ainda que apenas 32 egressos (40,5%) relataram que tempo livre disponível é suficiente para a saúde física e mental.
DISCUSSÃO
A RM, inserida no escopo de pós-graduação lato sensu, caracteriza-se por ser equivalente à especialização e permite a concessão do título de especialista. É um programa de treinamento com carga horária semanal de 60 horas e visa transformar o recém-egresso da escola médica, formado com as competências de um médico generalista, em um especialista de determinada área. O processo de ensino-aprendizado é baseado fundamentalmente na prática médica supervisionada. Dessa forma, conhecer o perfil do egresso dos PRMs contribui de forma importante para uma análise dessa formação13.
No nosso estudo, de um total de 194 especialistas concluintes no período estudado, 79 egressos (40,72%) participaram da pesquisa, respondendo integralmente ao questionário enviado via correio eletrônico. Esse número foi superior àqueles encontrados em outras pesquisas que utilizaram o mesmo desenho de estudo, a exemplo da avaliação do perfil dos egressos feita por Koch et al.9 na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que contou com a resposta de apenas 33,6% dos entrevistados. Dos programas oferecidos pelo IMIP, a pediatria foi a área com o maior percentual de respostas (40,50%), já que é a especialidade com maior número de vagas oferecidas anualmente pela instituição.
Com relação ao gênero dos participantes, a maior parte da amostra (73,41%) foi composta por mulheres, resultado que está em consonância com o perfil do jovem profissional médico em todo o mundo, como é o caso do estudo realizado por Smith et al.14 com os egressos de ortopedia do programa Kaiser Permanente em Havard, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. A tendência mundial iniciada na década de 1980 e conhecida como “feminização da profissão médica”15),(16 ilustra a evolução da mulher no mercado de trabalho e sua posição de protagonista na construção de uma nova visão da saúde.
A idade média dos egressos foi majoritariamente de 29 a 32 anos (46,83%) com apenas dois apresentando idade superior a 35 anos, evidenciando que a formação de graduação e a primeira residência na área básica ocorrem ao redor dos 30 anos de idade. Essa característica também foi observada em outros estudos, como na análise do perfil dos egressos da RM em cirurgia geral da Universidade de Ribeirão Preto, cuja média de idade foi de 31,7 anos17.
Um aspecto relevante demonstrado no estudo foi a confirmação da tendência de que o PRM tem a capacidade de fixar o residente na região. Enquanto no início do programa 38 (48,10%) residiam em Pernambuco, atualmente 51 dos egressos (64,55%) moram no estado. Em estudo realizado no Acre e em Roraima, observou-se a taxa de fixação de praticamente 100% dos médicos que não eram naturais dos estados, mas que fizeram a RM em ginecologia e obstetrícia, medicina da família e comunidade ou pediatria nesses locais18.
Esse aspecto da fixação do profissional pela RM foi reconhecido em nosso país e fundamentou a necessidade de implementar o Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência), projeto dos Ministérios da Saúde e Educação com apoio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que oferecia bolsas de RM em áreas definidas como prioritárias para o SUS e carentes de determinados especialistas19.
Mais da metade dos egressos (55,69%) tiveram alguma produção científica durante o PRM nas áreas básicas estudadas. Pesquisas que avaliam essa produção em programas de subespecialidade encontraram resultados melhores, como na avaliação dos PRMs em cirurgia plástica do Distrito Federal, em que identificaram 66,7% de residentes com apresentações em eventos científicos20. A produção científica durante a residência representa um papel importante na formação do médico especialista e na aplicação do conhecimento, constituindo também alicerces para a opção de continuidade da pós-graduação após a conclusão da RM21. Atualmente, a produção de pelo menos um estudo apresentado em um congresso da especialidade passou a ser condição obrigatória para conclusão do programa.
Em 2018, seis em cada dez médicos possuíam títulos de especialista no Brasil, apontando que os médicos brasileiros estão cada vez mais cientes da importância da especialização para conquistar boas oportunidades de carreira10. No nosso estudo, destacamos que 75,94% dos egressos das áreas básicas cursaram ou estavam cursando um segundo PRM, achado também presente no trabalho de Pinto et al.17, que mostrou que 80,7% dos egressos de cirurgia geral também cursaram uma segunda RM.
Tradicionalmente, a residência é o lócus privilegiado da formação de pós-graduação em Medicina. Entretanto, nos últimos anos, o prestígio alcançado pela pós-graduação stricto sensu vem aumentando o interesse dos profissionais médicos22. Na nossa pesquisa, 24,06% dos egressos já eram portadores do título de mestre. Vale ressaltar que esse resultado deve ter sido influenciado pelo fato de o IMIP ser uma das poucas instituições do Brasil a oferecer o programa de mestrado associado à residência.
Morrison et al.23 em 2001 descreveram que 55% dos PRMs dos Estados Unidos incluíam no seu currículo o treinamento de habilidades docentes, com os programas resident-as-teacher, que ganharam relevância desde a década de 1990. No Brasil, não existe programa similar, entretanto, na nossa pesquisa, 26,58% dos egressos também já atuavam como docentes em uma IES de graduação em Medicina.
A análise do perfil profissional verificou que 93,7% dos egressos exercem a especialidade da residência cursada principalmente no estado de Pernambuco (68,4%). A maior parte exerce suas atividades tanto na rede pública quanto na rede privada, o que parece ser a maneira de atuação mais comum do médico jovem. Ressaltamos que 76 egressos (96,20%) exercem a medicina em alguma instituição da rede pública, evidenciando que, independentemente da área de atuação, os PRMs têm contribuído efetivamente para a formação de profissionais capacitados para o SUS24.
Quanto à quantidade de horas de trabalho semanais, cerca de 43% trabalham entre 40 e 60 horas. Esse dado apresenta grande variação entre diversos estudos. A análise dos médicos recém-formados no Sul do Brasil demostrou que eles trabalhavam majoritariamente até 40 horas por semana25, enquanto um estudo sobre o perfil de trabalho dos médicos de um programa de residência tradicional chinês verificou uma média de 83,28 horas semanais entre os egressos da Peking Union Medical College Hospital, em Pequim, na China26.
A renda mensal atual derivada do trabalho médico recebida por mais da metade dos egressos (55,69%) encontra-se na faixa de dez a 20 salários mínimos nacionais. Esses dados são superiores à média salarial mensal dos médicos no âmbito nacional, em 201810.
Verificamos aspectos relacionados à satisfação do PRM cursado. Cerca de 75% dos egressos afirmaram que cursariam o programa novamente na instituição e declararam que a realização da residência no IMIP facilitou a vida profissional deles. Esses dados são indicativos da consolidação da qualidade do ensino oferecido no serviço27. Entre os aspectos positivos identificados nos PRMs, foram relevantes o número de pacientes, a diversidade de casos e o bom envolvimento dos preceptores. Os preceptores desempenham papel vital na preparação dos residentes, pois são eles que transmitem experiência e confiança e procuram fornecer oportunidades para o desenvolvimento das competências dos alunos em treinamento20. A principal desvantagem elencada foi a carga horária excessiva, relatada por 11,39% dos egressos.
Avaliou-se a percepção desse jovem médico sobre sua qualidade de vida. A maioria dos participantes respondeu que a profissão atendeu às expectativas geradas durante o curso e considera gratificante o exercício da profissão. No entanto, 59,49% dos médicos contestaram a afirmação de que o seu tempo livre é suficiente para cuidar da saúde física e mental, e 50,63% relataram não praticar exercícios físicos, fator que pode estar relacionado ao aumento de peso relatado por 33 (41,77%) dos egressos após o término da residência28.
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Embora os questionários eletrônicos sejam uma ferramenta prática e factível para obter informações dos egressos de programa de residência, o percentual de respostas é sempre um fator limitante dessa metodologia. Além disso, o fato de ser um estudo realizado em um único centro pode não permitir extrapolações para egressos de outros locais.
CONCLUSÕES
A monitoração periódica de egressos de programa de residência é um instrumento útil para a avaliação do programa e permite o monitoramento das intervenções implementadas, viabilizando inclusive a obtenção de informações que ajudem no planejamento de novos programas. O estudo confirmou que a RM contribui para a fixação do profissional na região do programa cursado e a grande maioria dos egressos exerce a sua especialidade. As atividades laborais são exercidas com frequência no SUS, tendo a residência contribuído de forma efetiva para a qualificação da assistência.
O conteúdo de atividades de ensino de especialidades necessita de constante revisão, e os resultados do nosso estudo foram essenciais para a discussão de mecanismos internos de avaliação e de indicadores indiretos da qualidade da formação dos PRM da instituição.