INTRODUÇÃO
A educação interprofissional (EIP) em saúde ocorre quando estudantes de duas ou mais profissões aprendem juntos, com cada um buscando colaboração efetiva e melhoria do cuidado1),(2),(3. Em 2010, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que profissionais de saúde, durante sua formação, devem ser preparados para trabalhar em equipe colaborativa, na abordagem dos complexos problemas sanitários contemporâneos2.
De acordo com o Institute of Medicine (IOM), mais de 100 mil mortes anuais ocorrem por erros que seriam preveníveis caso houvesse melhor comunicação e colaboração na equipe de saúde4.O reconhecimento de que o trabalho colaborativo pode contribuir para a segurança do paciente e para a qualidade do cuidado impulsionou a inclusão da EIP nos currículos dos cursos da área de saúde5. Evidências de que a ausência da EIP dificulta a transição para a prática profissional6),(7 e a inclusão dela nos critérios exigidos pelos sistemas de acreditação norte-americanos nos cursos de Medicina, Enfermagem e Farmácia1)-(10) reforçaram a expansão do conceito e a implementação de experiências colaborativas11.
A literatura aponta que o grau de integração curricular varia entre as instituições de ensino, podendo ocorrer como atividade obrigatória ou voluntária, limitada ao domínio teórico-cognitivo ou inserida nos diversos cenários dos serviços de saúde, como práticas pontuais de curta duração ou ampliadas12),(13. Considera-se que a preparação para o trabalho colaborativo requer abordagem pedagógica que extrapole as metodologias tradicionais de ensino, como aulas expositivas14. Sendo assim, a formação interprofissional deve ser desenvolvida como uso de estratégias que incorporem o constructo das teorias de educação de adultos defendidas por Kolb15, Ausubel16, Knowles17, entre outros, que ressaltam a combinação de metodologias educacionais diversas18),(19 para a aprendizagem significativa.
Os objetivos fundamentais da EIP incluem melhorar a comunicação, compreender os papéis das diferentes profissões e respeitar valores éticos na busca de um trabalho eficiente em equipe que propicie um cuidado de qualidade ao paciente20),(21. Os elementos da colaboração incluem respeito, confiança, tomada de decisão compartilhada e parcerias22.
Em 2011, o Interprofessional Education Collaborative Expert Panel (Ipec) identificou quatro pilares para a prática colaborativa que deveriam ser integrados aos projetos curriculares23. Representantes de seis profissões - odontologia, medicina, enfermagem, medicina osteopática, farmácia e saúde pública - construíram um consenso para a formação interprofissional4 e elencaram quatro domínios: valores e ética para a prática interpessoal; papéis e responsabilidades; comunicação interprofissional; equipe e trabalho em equipe. O Ipec recomendou que os “domínios” fossem gerais, com a função de guias e as competências centradas no paciente e na família ou orientadas para a população/comunidade, contextualizadas e focadas em resultados24.
O número de publicações dedicadas ao tema vem apresentando grande crescimento25. Entre os relatos de estratégias, destacam-se: estudo em pequenos grupos, discussão de casos, observação direta, metodologias ativas e atividades em ambiente de simulação e práticas colaborativas em cenários reais que exigem dos aprendizes a mobilização do conhecimento e a incorporação de habilidades e atitudes12),(21),(26),(27.
Apesar de a EIP ser importante componente na formação de recursos humanos para o cuidado contemporâneo destinado à saúde, resistência docente e questões de infraestrutura e logística ainda constituem barreiras. Entre os motivos, destacam-se conflitos de agenda, falta de apoio institucional, não conscientização da relevância da formação compartilhada ou outras prioridades que podem comprometer a implantação de autênticas experiências interprofissionais e o envolvimento nelas28.
A presente revisão sistemática se propõe responder à seguinte questão:
Que estratégias educacionais não pontuais são mais utilizadas na formação interprofissional de estudantes de graduação da área de saúde?
Com essa questão norteadora, busca-se conhecer as possibilidades, os sucessos e as fragilidades de atividades utilizadas no desenvolvimento do trabalho colaborativo.
MÉTODO
O estudo baseou-se em revisão da literatura que utiliza busca sistemática e explícita para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos publicados. Para definição da questão de pesquisa, utilizou-se o anagrama PICO: população, intervenção (ou exposição), comparação e desfecho (outcome) (29. Os descritores utilizados para a pesquisa foram: tw:((tw:((“educação interprofissional” OR “práticas interdisciplinares” OR “aprendizagem colaborativa” OR “educación interprofesional” OR “prácticas interdisciplinarias” OR “interprofessional education” OR “interdisciplinary placement”))) AND (tw:((“simulação” OR “estudantes de ciências da saúde” OR “metodologia” OR “currículo” OR “avaliação educacional” OR “evaluación educacional” OR “simulación” OR “estudiantes del área de la salud” OR “methodology” OR “curriculum” OR “educational measurement” OR “simulation” OR “students, health occupations”)))).
Foram incluídos estudos publicados no período permitido pelas bases de dados selecionadas, que incluíssem pelo menos dois cursos de graduação em saúde, sendo um obrigatoriamente de Medicina, e que apresentassem alguma estratégia educacional de EIP, com pelo menos 15 horas de duração e sua avaliação. Resumos (abstracts) publicados em congressos, opiniões, editoriais e revisões sistemáticas foram excluídos.
Os estudos foram provenientes de periódicos indexados nas bases de dados BVS (somente LILACS), Cochrane, CINAHL, Embase e MEDLINE (via PubMed). A busca, realizada em janeiro de 2020, utilizou os descritores já mencionados e resultou em 2.008 artigos. Utilizou-se o gerenciador de referências (EndNote) para compilar todas as referências identificadas, identificando 156 duplicados, e, a partir de então, iniciou-se a seleção pelos 1.852 títulos.
Num segundo momento, procedeu-se à leitura dos resumos, por dois coautores da pesquisa, levando-se em consideração os critérios predefinidos de inclusão e exclusão, selecionando-se 885 artigos. Destes, 166 foram considerados potencialmente relevantes para serem lidos na íntegra. Houve quatro divergências que foram resolvidas em discussão no grupo e a remoção de 23 duplicados identificados nas diferentes bases.
No terceiro momento, realizou-se a leitura na íntegra dos artigos, sendo retiradas 138 publicações por não atenderem aos critérios preestabelecidos, finalizando em 28 artigos incluídos nesta revisão.
Avaliação da qualidade
A qualidade dos artigos selecionados para leitura integral foi analisada com base em seis itens: 1. descrição do objetivo do estudo; 2. descrição clara da intervenção; 3. adequação das medidas de resultado; 4. independência do avaliador; 5. relato de medições em momentos múltiplos; e 6. número de participantes com perda de seguimento12),(29. Cada item foi classificado em “sim” ou “não” por dois revisores independentes. As divergências foram discutidas e consensuadas.
Após a análise inicial de qualidade, os estudos que atenderam aos critérios de inclusão foram classificados de modo independente em três categorias: incluído, excluído ou duvidoso. Em seguida, utilizou-se o valor de kappa (κ) que mede o grau de concordância entre os achados dos revisores. Segundo o Cochrane handbook for systematic reviews of interventions30, valores entre 0,4 e 0,59 são interpretados como uma concordância justa; entre 0,6 e 0,74, como uma concordância boa; e a partir de 0,75, como uma concordância excelente.
Análise dos estudos
A extração dos dados foi completada pela primeira autora. Utilizou-se um instrumento de coleta e síntese dos dados, com o propósito de extrair, organizar e sumarizar as informações, elaborado e validado por Ursi et al. (31.
Os dados para a exploração das estratégias educacionais incluíram: país e ano da publicação, características dos participantes, especificidades das atividades interprofissionais, critérios utilizados para análise da intervenção, identificação do método (qualitativo, quantitativo ou ambos) e síntese dos resultados/recomendações/conclusões.
Os objetivos dos estudos foram categorizados segundo os quatro domínios estruturantes da prática interprofissional24: valores e ética; comunicação; papéis e responsabilidades; trabalho em equipe.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram considerados elegíveis para análise 28 estudos entre os 2.008 artigos potencialmente relevantes (Quadro 1). A análise da concordância na seleção dos títulos e resumos pelos revisores revelou bom índice (κ = 0,702; 95% de confiança intervalo 0,590 a 0,815).
Artigo | Intervenções | Número de participantes | Curso | Instrumento | Domníno23 | Resultados |
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Anderson et al. (2009) Reino Unido | Aprendizado baseado em problemas | 90 | Med., Enf. e SS | Questionário fechado (escala Likert) e grupo focal | VE; PR; CIP; TE | Transformada em atividade curricular e valorização da EIP. |
Brashers et al. (2016) Estados Unidos | Simulação + workshop | 458 | Med. e Enf. | Questionários fechados: CBOATs/ ITOSCEs/ TSS e perguntas abertas | VE; PR; CIP; TE | Valorização das equipes no fornecimento seguro e eficaz assistência ao paciente. |
Doucet et al. (2012) Canadá | Mixed learning = e-learning + reuniões | 650 | Vários | Informações de feedback on-line (ND) | VE; PR; CIP; TE | Geração de modelo de EIP para ampla colaboração dentro e entre profissões, faculdades, instituições e comunidades. |
Feather et al. (2017) Estados Unidos | Simulação TeamSTEPPS | 18 | Med. e Enf. | IUICR e IUTCR | CIP | Habilidades de comunicação individual e em equipe aumentaram significativamente. |
Neville et al. (2013) Austrália | Observação | 94 | Med. e Enf. | RIPLS/IEPS questionários GRPQ e NRPQ | PR; TE | Percepção positiva do próprio papel e de outras profissões. Aumento na dinâmica de equipe e tomada de decisões positiva e produtiva. |
Shiyanbola et al. (2012) Estados Unidos | Prática clínica | 63 | Med., Enf., Farm. e Nut. | Perguntas, escala Likert e perguntas abertas | PR | Melhorias significativas na compreensão dos alunos sobre os papéis dos profissionais de saúde e no conhecimento sobre cuidados com diabetes. |
Sweeney et al. (2018) Estados Unidos | Mixed learning: e-learning e simulação | 594 | Med. Enf. Fono, SS e outros | IEPS/ Questionário sobre Etiqueta de Saúde em Telessaúde/ Questionário de experiência em imersão e Grupo Focal | PR; TE | Aumento da capacidade de diferenciar o cuidado em silos e o colaborativo interprofissional. Telessaúde. impacta positivamente nos cuidados e no avanço na assistência médica. |
Wamsley et al. (2012) Estados Unidos | Simulação (ISPE) | 101 | Med., Enf., Odont., Farm. e Fisio | ATHCT/ grupo focal | PR; TE | Benefícios sobre papéis dos profissionais de saúde e melhora nas atitudes no trabalho em equipes IP, valor e eficiência, mas não para papel compartilhado do médico nas equipes. |
Amerongen et al. (2015) Estados Unidos | E-learning | 351 | Med., Enf. e Farm. | Questionários (escala Likert) e comentários abertos | PR; CIP | Após minicurso, aumento no conhecimento de papéis e comportamentos dos profissionais Estudantes expressaram forte apreço pela EPI. |
Anderson et al. (2018) Reino Unido | Workshop “Oficina da Escuta” | 40 | Med., Enf., Fono e SS | Grupo Focal | VE; PR | Desconforto dos estudantes com o papel do paciente como cotutor. |
Baker et al. (2008) Canadá | Simulação | 143 | Med. e Enf. | IEPSe Grupo Focal | PR | Simulação eleva escores positivos de atitudes para EIP. |
Dumont et al. (2010) Canadá | Três disciplinas sequências | 215 | Med., Enf., Farm., Nut., TO e Fisio | Questionário escala Likert | TE | Aumento de 30% em medidas de benefícios com a EIP. |
Hall et al. (2014) Canadá | Prática clínica | 104 | Med., Enf., Farm., Fono, TO, SS e Psic. | ATHT / Experiência de aprendizado interprofissional (escala Likert) e questões abertas: Knowledgetest | TE | Módulo humanidades pode melhorar o trabalho em equipe. |
Hall et al. (2006) Canadá | Seminário + simulação | 8 | Med. e Enf. | Grupo focal | PR; TE | Positivo para compreensão de papéis e trabalho em equipe. |
Imafuku et al. (2018) Japão | Aprendizado baseado em problemas | 26 (104 reflexões) | Med., Odont. Farm., Enf., Fisio e TO | e-portfólio | VE; PR; CIP; TE | Compreensão da comunicação, trabalho em equipe e formação da identidade. profissional em saúde. |
Kutt et al. (2019) Canadá | Observação /exposições + discussão de casos em pequenos grupos | 331 | Med., Odont., Farm., Enf., Fisio, Fono e outros 12 cursos | Questionários escala Likert + questões abertas = RIPLS + IEPS + HPCCPS (EIP) + CHBQ | TE | Resultados positivos para trabalho em equipe e cuidado centrado no paciente. |
Lachmann et al. (2013) Suécia | Prática clínica | 37 | Med., Enf., Fisio e TO | Questionários CASS | PR; TE | Aumento do aprendizado com o trabalho colaborativo, em alto nível de abordagem trialogical da criação do conhecimento, que é construção individual e coletiva e mediação de práticas que apoiam o avanço do conhecimento. |
Liaw et al. (2019) Cingapura | Mixed learning: e-learning e simulação | 207 | Med., Enf., Farm., Fisio, TO e SS | ATIHCT e ISVS | PR; TE | A sequência instrucional de uma abordagem combinada impacta os resultados de aprendizagem dos alunos, a maioria dos participantes preferiu “WI-VR-SE”, instruções pela web e depois simulação. |
Lin et al. (2013) Taiwan | Aprendizado baseado em problemas + palestras + discussão de casos | 36 | Med. e Enf. | ICCQ, SDLS, CTS e SPIPTSQ | VE | Satisfação de 80% dos participantes e 82% consideram que a estratégia aumenta a compreensão ética. |
Lindh et al. (2015) Suécia | Aplicação de questionários | 488 | Med., Enf., TO e Fisio | Questionário escala Likert | VE; PR | Estágio positivo para a formação da identidade profissional. Estudantes médicas consideram que precisam trabalhar mais para ter legitimidade. |
Lindqvist et al. (2005) Reino Unido | Discussão de casos | 96 | Med., Enf. TO e Fisio. e outro | AHPQ | TE | Mudança na percepção do grupo como mais cuidadores. Antes os médicos eram menos cuidadores e subservientes. |
Partecke et al. (2016) Alemanha | Simulação | 240 | Med. e Enf. | Questionário (escala 1 a 5) e entrevistas sobre papéis | PR | Alta satisfação e aceitação em relação ao curso de EIP. |
Reilly et al. (2014) Estados Unidos | Discussão de grupos + seminário | 84 | Med., TO, Farm., Fisio e SS | RIPLS (Readiness for Interprofessional Learning Survey) | PR | Atitudes positivas diferenças significativas e tendências positivas foram observadas no final do ano. |
Shrader et al. (2018) Estados Unidos | Revisão retrospectiva de prontuário | 382 | Med., Farm., Fisio, TO, SS e Psic. | Questionário pré e pós- satisfação do estudante | PR; TE | Apesar da satisfação dos estudantes, o impacto em três agravos dos pacientes não pôde ser comprovado. |
Singh et al. (2018) Estados Unidos | Discussão de casos + simulação + workshop | 505 | Med., Enf., Farm., Fisio, TO, Fono, Psic. e SS | Questionários (escala 1 a 5) | VE; PR; CIP; TE | Avaliação positiva da EIP em todas as métricas, na compreensão das funções, no respeito pelos diferentes, no atendimento e na segurança do paciente e na comunicação eficaz. |
Snyman e Geldenhuys (2019) África do Sul | Workshop + oficina + grupos de IP a comunidades carentes | 396 | Med., Fisio. e Nut. | Questionário escala Likert | VE; PR; TE | Foi catalisador para contextualizar determinantes em saúde no indivíduo e na comunidade. |
Garcia-Huidobro et al. (2013) Chile | Prática clínica + visitas domiciliares | 72 | Med. Enf. e Psic. | Questionários com escalas e questões abertas | VE; PR; CIP; TE | Satisfação global dos alunos, alto desempenho dos objetivos do curso e alta aprovação da metodologia. |
Tamayo et al. (2017) Chile | Observação direta | 704 | Med., Farm., Odont., Enf., Nut., Fisio, SS, Psic., TO e Fono | Questionário escala Likert | TE | Considerado importante pela maioria, mas ocorreram declarações de menos importância pela universidade. |
Med. - Medicina; Enf. - Enfermagem; Farm. - Farmácia; Fisio - Fisioterapia; Fono - Fonoaudiologia; Odont. - Odontologia; Nut. - Nutrição; TO - Terapia Ocupacional; SS - Serviço Social; Psic. - Psicologia. VE: valores e ética; PR: papéis e responsabilidades; CIP: comunicação interprofissional; TE: trabalho em equipe.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Qualidade dos estudos
Somente três dos seis itens definidores de qualidade dos artigos estavam presentes em todos os estudos: descrição clara dos objetivos e da intervenção, além da descrição de medidas de resultado. A maioria dos estudos apresentava pelo menos dois momentos de avaliação (75%), e os relatos de perdas foram informados em 80% deles, especialmente pela não resposta dos questionários finais. O critério de avaliação independente estava explicitado em apenas três artigos.
Nove estudos (32%) são norte-americanos; seis (21%), canadenses; três (11%) foram conduzidos no Reino Unido; dois (7%); na Suécia; dois (7%), no Chile; e os seis estudos restantes, um de cada país (4%), são da Austrália, da Alemanha, do Japão, de Cingapura, de Taiwan e da África do Sul. Os anos de publicação variam de 2005 a 2019, sendo oito (31%) publicados nos últimos dois anos, em 2018 e 2019.
Os estudos listavam como objetivos: papéis e responsabilidades (75%); equipe e trabalho em equipe (64%); abordagem de valores e ética (32%); comunicação (28%). Do total, 18 artigos (64%) apresentavam dois ou mais objetivos, e seis (18%) abordavam, em conjunto, os quatro domínios da EIP.
Entre as intervenções utilizadas como estratégias de ensino, 36% (dez estudos) eram de simulação; 29% (oito), métodos combinados; 18% (cinco), prática clínica (trabalho colaborativo em unidades ambulatoriais ou enfermarias); 14% (quatro), observação direta (shadowing); 11% (três), aprendizagem baseada em problemas; e 7% (dois), aprendizado on-line (e-learning) e workshop.
A maioria dos artigos utilizou como comparação o próprio grupo antes e depois da intervenção. Houve raros estudos de caso e apenas um artigo experimental randomizado.
Os instrumentos mais utilizados foram em ordem decrescente: 14% (quatro): Escala de Percepção de Educação Interdisciplinar (Interdisciplinary Education Perception Scale - IEPS), 14% (quatro): grupo focal, 11% (três): Escala de Prontidão para Aprendizagem Interprofissional (Readiness for Interprofessional Learning Scale - RIPLS), 11% (três): Atitudes em relação às equipes de assistência à saúde. Alguns instrumentos aparecem apenas uma vez, representando 4% no resultado, como portfólio, Rubrica de Comunicação Individual da Universidade de Indiana e Rubrica de Comunicação da Equipe da Universidade de Indiana (IUTCR), Ferramenta de Terapias Complementares, Questionário Interprofessional Socialization and Valuing Scale (ISVS), Questionário de Comunicação e Colaboração Interprofissional (ICCQ), Self-Directed Learning Scale (SDLS), Critical Thinking Scale (CTS) e Students Performance in PBL Tutorial Sessions Questionnaire (SPIPTSQ).
Em relação à avaliação, verificou-se que quatro (14%) artigos não tinham avaliação pós-intervenção, e 15 (54%) estudos eram pré e pós-intervenção; quatro (14%) utilizaram avaliação qualitativa usando grupo focal.
Os estudantes provinham de diversos cursos: Medicina (28 artigos, 100%), Enfermagem (26 artigos, 93%), Fisioterapia (13 artigos, 46%), Farmácia (12 artigos, 43%), Nutrição (4 artigos,14%), Odontologia (quatro artigos, 14%), Terapia Ocupacional (11 artigos, 39%), Fonoaudiologia (seis artigos, 21%), Serviço Social (9 artigos, 32%) e Psicologia (3 artigos, 11%).Observa-se que os cursos que mais atuaram juntos foram os de cuidados básicos, Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia, em pelo menos 40% dos estudos, e poucos trabalharam com a Psicologia, apenas três dos estudos. Estudantes envolvidos estavam matriculados do primeiro ao quinto ano. O número de estudantes variou de oito32) a 704),(33.
As características das intervenções utilizadas como estratégias educacionais na formação de estudantes de graduação em saúde estão descritas no Quadro 1, assim como os resultados de acordo com os domínios de competências para colaboração interprofissional.
A qualidade geral dos estudos incluídos foi baixa, atendendo de dois a cinco dos seis critérios de qualidade. Ressalte-se a raridade do cegamento do avaliador, sequer citada em 25 publicações.
A quase totalidade dos estudos explicita os objetivos e a intervenção realizada. Em geral, a avaliação dos resultados foi feita por meio de instrumentos validados (60%). Somente em sete estudos, os autores utilizaram questionários próprios ou não validados na medição das propriedades psicrométricas das medidas usadas. A independência do avaliador estava declarada em apenas três artigos. As informações sobre perda de participantes foram assinaladas em 82% dos artigos.
Nesta revisão, foram selecionados 28 artigos sobre a EIP, procedentes dos Estados Unidos, do Canadá, do Reino Unido, da Suécia, do Chile, da Austrália, da Alemanha, do Japão, de Cingapura, de Taiwan e da África do Sul, publicados entre os anos de 2005 e 2019, sendo grande parte correspondente aos últimos dois anos. Chama a atenção a ausência de estudos brasileiros, em decorrência dos critérios de inclusão. Algumas iniciativas e incentivos políticos merecem destaque no Brasil, como o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde/Interprofissionalidade)34) e experiências inovadoras nas reorganizações curriculares em algumas instituições como Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)35, visando à prática colaborativa entre os cursos da saúde. Contudo, apesar do crescente número de iniciativas relacionadas aos projetos de EIP nas universidades brasileiras nos últimos anos, são necessários avanços, sobretudo em pesquisas que avaliem a qualidade e a efetividade das estratégias educacionais implementadas.
Os quatro eixos norteadores da EPI - papéis e responsabilidades, equipe e trabalho em equipe, valores e ética, e comunicação - estavam presentes nos objetivos, contudo muitas pesquisas apresentaram baixa qualidade segundo os critérios de avaliação considerados no presente estudo.
A problematização e o estudo de casos são considerados bons métodos de aprendizagem interprofissional36),(37),(38. Seminários, e-learning e workshops conseguem envolver os praticantes de maneira interativa e intensa. A simulação tem sido reconhecida como catalisadora da prática colaborativa. Essas estratégias educacionais associam-se com incremento da autoconfiança, desenvolvimento de habilidades de comunicação e reconhecimento dos papéis e responsabilidades da equipe39. O trabalho colaborativo em cenários reais é descrito como o mais eficiente40),(41),(42),(43.
Fox et al.11, em revisão sobre o ensino de habilidades de trabalho em equipe para estudantes das profissões de saúde, buscaram por estratégias pedagógicas que orientassem a incorporação da EIP no currículo. Concluíram ser encorajador o fato de que, na maioria dos estudos revisados, as percepções dos alunos e as atitudes de outros estudantes e de profissionais de saúde mudaram positivamente após as intervenções.
Experiências pontuais de curta duração, que podem ser desenvolvidas durante um dia típico de estágio, como discutir em conjunto a avaliação e o tratamento de pacientes, observação direta do trabalho de outro profissional e corrida de leito, parecem ter menos efeito na mudança de atitudes dos estudantes em relação ao trabalho colaborativo44),(45. Por sua vez, uma revisão sistemática que analisou atividades clínicas de curta duração apontou que estudantes em estágios finais do curso podem ser beneficiados sobre os papéis de responsabilidades no trabalho em equipe12.
Os tópicos a seguir trazem os domínios de competências para colaboração interprofissional, como objetivos alcançados nos resultados, em relação às características das intervenções utilizadas como estratégias na formação.
Valores e ética para a prática interpessoal
Baker et al. (26 observaram alunos em atividades de simulação e verificaram mudança de atitude. Em Lin et al.46, percebe-se que conteúdos sobre bioética com métodos combinados, de problem based learning (PBL), discussões e palestras sobre interprofissionalidade dão oportunidade aos alunos de resolver juntos os problemas éticos que ocorrem na abordagem clínica dos pacientes. Alguns pesquisadores verificaram que formações complementares podem contribuir para a qualificação interprofissional. Hall et al.47, durante a prática clínica dos estudantes, utilizaram conteúdo em humanidades, incluindo fundamentos do trabalho em equipe e cuidado integral. Como conclusão, os autores apontam que a introdução do conteúdo de humanidades foi importante no apoio à interprofissionalidade. Interessante estudo desenvolvido no Japão utilizou a abordagem qualitativa da fenomenografia que busca descrever não apenas a experiência, mas também a compreensão de como esta ocorre. Imafuku et al.48) avaliaram as reflexões em portfólio eletrônico após PBL e concluíram que a maioria dos estudantes percebeu o domínio “valor e ética” como cultivado por meio do envolvimento real com o trabalho interprofissional, sugerindo, assim, que esse domínio seja incorporado como um constructo-chave de aprendizagem contínua no currículo de EIP.
Papéis e responsabilidades
Os benefícios perceptíveis em papéis e responsabilidades foram identificados diante de diferentes estratégias. Shiyanbola et al.49, ao utilizarem a prática em duas clínicas comunitárias, constataram melhorias significativas na compreensão dos alunos sobre os papéis dos profissionais de saúde e no conhecimento dos cuidados com diabetes. De acordo com Neville et al.50, o aprendizado por observação para tomada de decisão resultou na percepção positiva do próprio papel e de outras profissões. Sweeney et al.51 utilizaram mixed learning de tecnologia da informação (e-learning) e observaram que os discentes aprenderam mais sobre o outro e sobre o trabalho em equipe. Wamsley et al. (52 compararam as atitudes dos alunos participantes antes e depois da intervenção de simulação.
Raros autores trabalharam conceitos de saúde pública na formação interprofissional. Singh et al.53, por meio de discussão de casos, simulação e workshop, incluíram aspectos dos determinantes sociais de saúde nos casos discutidos e, em uma sessão específica sobre o domínio papéis e responsabilidades, solicitaram aos alunos que identificassem a nova informação que cada curso trouxe para aprimorar a abordagem. Os autores concluíram que essa experiência que incentiva a compreensão das diversas contribuições ressaltou a importância do trabalho em equipe.
Reilly et al.54 conduziram uma experiência em instituições para idosos, com discussão em grupos e seminários, com o propósito de verificar que demandas múltiplas, interdisciplinares e complexas nessa faixa etária tornam esse cenário muito rico como modelo da formação interprofissional. Anderson et al.55 introduziram no modelo educacional da EIP o paciente no papel de educador - cotutor e mentor - numa atividade denominada “Oficina de escuta” (Listening workshop) em que a pesquisa ação utilizada aproxima todos os envolvidos, participantes e pesquisadores. Lindh et al.56 avaliaram a influência do gênero de estudantes dos cursos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Terapia Ocupacional na formação da identidade profissional e não verificaram diferença significativa.
Comunicação interprofissional
No domínio de competência para comunicação interprofissional, verificou-se que as estratégias educacionais que mais aparecem nos estudos são simulação, métodos combinados e e-leaning. Featheret al. (57 estudaram a exposição repetida a oportunidades de comunicação interprofissional com simulações sequenciais de EIP após treinamento TeamSTEPPS® integrados ao currículo. Singh et al.53 e Partecke et al. (58) também focaram ambientes simulados e comprovaram o aumento do escore médio no quesito comunicação interprofissional, reconhecendo, assim, a importância da efetiva comunicação e do trabalho em equipe.
As intervenções educacionais de aprendizado e-leaning parecem contribuir para a formação interprofissional mesmo com a diminuição de encontros presenciais, como demonstraram Liaw et al.59 que investigaram a influência da sequência das estratégias educacionais - instrução via web ), realidade virtual e simulação presencial - no aprendizado do ensino remoto, na formação em saúde de estudantes de seis cursos, e Amerongen et al.60 descreveram um minicurso em EIP por meio do aprendizado e-learning em que os alunos foram receptivos à EIP nesse formato.
Trabalho em equipe
Os quatro domínios de competência foram o objeto de estudo de Anderson et al.61 que apresentaram um modelo de EIP com aprendizado baseado em problemas que acabou se transformando em atividade curricular. Brashers et al.62 utilizaram métodos combinados (simulação e workshop) e constataram melhorias significativas nesses quatro domínios. Doucet et al.63) descreveram equipes interprofissionais de estudantes com mentores de saúde que utilizaram mixed learning. Os autores constataram que esse recurso alcançou ampla colaboração dentro e entre profissões, faculdades, instituições e comunidade.
Baker et al.26 foram pioneiros ao demonstrarem que a simulação desenvolve nos alunos conhecimentos, habilidades e atitudes para sua prática futura. Disciplinas teóricas sequenciais de EIP foram introduzidas no currículo de sete cursos da área da saúde por Dumont et al.64, e avaliações apontaram a importância e a utilidade da prática colaborativa no cuidado centrado no paciente e na família. Kutt et al.65 utilizaram métodos combinados, de observação e discussão de casos com o propósito de avaliar o efeito da incorporação de conteúdos teóricos referentes às terapias alternativas e complementares no trabalho em equipe interprofissional.
O artigo de Shrader et al.66 foi o único que avaliou o efeito do trabalho interprofissional nos estudantes e pacientes, medido por revisão de prontuário. Apesar de não terem observado diferença estatística nos indicadores de redução da prevalência e/ou controle dos agravos, pode-se concluir que a experiência foi positiva, com desenvolvimento de habilidades colaborativas que qualificam o cuidado.
Entre os estudos que tiveram como objetivo o domínio de competências em equipes e trabalho em equipe, dois deles são da América Latina e do Chile, os quais analisaram a prática clínica na atenção primária. Garcia-Huidobroet al.67 Tamayo et al.33) apontaram que espaços de desenvolvimento e apoio institucional são elementos-chave para promover o trabalho interprofissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão buscou selecionar e avaliar criticamente os estudos que apresentam estratégias educacionais utilizadas na EIP para a formação dos estudantes de graduação em cursos da área de saúde. Também se propôs a identificar aquelas amplamente utilizadas no ensino visando conhecer suas potencialidades, seus sucessos e suas fragilidades no que tange ao desenvolvimento do trabalho colaborativo.
A variedade de estratégias exploradas sinaliza para a utilização de atividades de simulação e de métodos integrados, com as escolhas norteadas pelo contexto e pela necessidade do processo de ensino-aprendizagem. Quaisquer que sejam os métodos selecionados, eles devem ser ativos, interativos, reflexivos e centrados no paciente, e usados para criar oportunidades de comparar e contrastar papéis e responsabilidades, poder e autoridade, ética e códigos de práticas, conhecimento e habilidades, de modo a construir relações efetivas e afetivas, desenvolver e reforçar habilidades para a prática colaborativa.
Verificou-se que o tema é crescente na literatura e que métodos de implementação e avaliação mais robustos, fundamentados cientificamente, são necessários para a adequada avaliação dessas práticas. Nesse aspecto, os estudos selecionados avaliaram suas estratégias por meio de medidas das atitudes dos alunos e a compreensão de outros papéis profissionais da saúde, como trabalho em equipe, comunicação e conhecimento, em resposta a intervenções de EIP. Os resultados evidenciam a aquisição dos domínios de competências para a colaboração interprofissional, objetivo primeiro da EIP, e revelam a satisfação com as atividades em equipe entre os participantes. Entre as melhores práticas no âmbito da graduação, pôde-se verificar que propostas de formação focada em resultados e baseada em competências favorecem a implantação de conteúdos interprofissionais.
A maioria das avaliações destaca resultados promissores quanto ao desenvolvimento de competências e do trabalho colaborativo, o que reforça a importância e utilidade da EIP para melhoria do cuidado centrado no paciente e na família. Todavia, observam-se ainda resistência de discentes e docentes e falta de apoio e relevância institucional para as atividades de EIP, dificultadores do processo de implementação de estratégias.
A EIP revela-se um tema atual adequado ao momento sanitário e educacional. A formação dos profissionais de saúde encontra-se em transformação, orientada para o fortalecimento dos sistemas de saúde e com grandes desafios. A importância do trabalho em equipe no cuidado do paciente se faz mais presente, inclusive para garantir sua segurança. Assim, para favorecer o cuidado integral e de qualidade, é necessário incentivar a adoção de atitudes e valores colaborativos pelos estudantes, promovendo a formação de profissionais mais aptos para o trabalho em equipe.
Embora seja universal e crescente o interesse pela temática, esta revisão aponta a escassez de experiências brasileiras utilizando metodologias mais robustas.
Evidencia-se a necessidade de estudos que incorporem práticas interprofissionais no contexto real dos serviços de saúde, ultrapassando atividades restritas aos ambientes de simulação, e que avaliem o efeito da EIP nas mudanças de perfil do egresso, na atuação desses jovens profissionais no cuidado e na satisfação do usuário quanto a esse processo, e o impacto da interprofissionalidade na melhoria dos indicadores de saúde.