INTRODUÇÃO
A insuficiência respiratória aguda é a perda da capacidade do sistema respiratório em manter a ventilação e/ou a oxigenação, de instalação aguda. Trata-se de um dos maiores desafios do profissionais de saúde emergencista e intensivista1.
No pronto atendimento, há suspeita de insuficiência respiratória quando existem sinais de desconforto respiratório. Nesse caso, o diagnóstico é confirmado por meio da gasometria arterial e da aferição da oximetria de pulso. Em alguns casos, a etiologia fica evidente após a anamnese e o exame físico. Em outros casos, mesmo após a anamnese e o exame físico adequados, como gasometria arterial e radiografia de tórax, o diagnóstico não é claro. A ultrassonografia pulmonar à beira do leito tem um importante papel de complementar o exame clínico padrão nesses casos1),(2.
Os protocolos de ultrassonografia point-of-care ultrasound (POCUS) revolucionaram o atendimento na medicina de emergência, uma vez que são protocolos rápidos, possíveis de realizar à beira do leito, em que aparelhos portáteis de ultrassonografia podem gerar imagens em alta definição, de modo a revelar a estrutura e o funcionamento de órgãos. O manejo clínico envolvendo o uso precoce de Pocus orienta com precisão o diagnóstico, reduz significativamente a incerteza diagnóstica dos médicos e também muda o gerenciamento e a utilização de recursos. Nesse sentido, o protocolo Bedside Lung Ultrasound in Emergency (Blue) criado por Lichtenstein et al.3 pode se mostrar efetivo no diagnóstico rápido da insuficiência respiratória aguda.
Estudo recente publicado no jornal Critical Care Medicine demonstrou que a radiografia tem uma baixa sensibilidade e uma razoável especificidade quando comparada à tomografia na detecção de patologias pulmonares em pacientes críticos. De acordo com esse estudo, a ultrassonografia pulmonar é superior à radiografia torácica em termos de sensibilidade e com similar especificidade, e, por conta disso, é indicada como ferramenta diagnóstica de primeira linha em pacientes críticos4.
A ultrassonografia pulmonar é uma modalidade de exame de imagem rápida, replicável e mais fácil de aprender em comparação com outras técnicas de ultrassonografia. A ultrassonografia pulmonar diminui a exposição do paciente a radiações ionizantes e contribui para a segurança dos profissionais, pois é um exame que pode ser realizado à beira do leito, evitando o transporte intra-hospitalar e possíveis riscos de contaminação. Aparelhos portáteis, alguns que cabem no bolso do uniforme, são utilizados na prática diária como uma extensão do exame clínico à beira do leito. Os achados ultrassonográficos encontrados no paciente que chega à emergência com suspeita de Covid-19 permitem que seja realizado o isolamento até mesmo antes do resultado do RT-PCR (swab). Nesse cenário, a ultrassonografia tem uma sensibilidade superior à radiografia de tórax. Nos pacientes internados em unidades de terapia intensiva, é possível usar a ultrassonografia pulmonar para monitorar a progressão da doença e acompanhar os efeitos de mudanças na ventilação mecânica e das manobras de recrutamento alveolar5.
O uso da ultrassonografia pulmonar ganhou uma nova importância com o advento da pandemia da Covid-19. A ultrassonografia pulmonar provou ser uma ferramenta de diagnóstico de primeira linha quando se trata de pacientes com Covid-19. A ultrassonografia apresenta uma sensibilidade de 90,2% e especificidade de 88,8% na pneumonia por Covid-196.
Por causa da pandemia da Covid-19 e da necessidade do afastamento social, aulas presenciais foram canceladas. Educadores tiveram que ser criativos e desenvolveram um caminho alternativo para a transmissão de conhecimentos e ensino de novas habilidades psicomotoras. Plataformas educacionais estão em constante evolução para atender a essa demanda, sendo frequente o uso de simulação, realidade virtual e treinamento via internet em módulos.
Tradicionalmente, os programas de treinamento em Pocus incluem diversos elementos, tais como sessões teóricas, práticas hands-on e exames supervisionados7.
Já as tecnologias móveis (celulares e tablets) estão revolucionando o aprendizado. Atualmente existem diversas aplicações relevantes desses dispositivos no ensino médico8. Novas técnicas de ensino em aplicativos, tais como a “gamificação” e a simulação, estão sendo incorporadas de forma crescente.
As grandes transformações que vêm acontecendo no ensino médico exigem que sejam englobados todos os aspectos da prática médica, sendo eles: conhecimento, habilidades e atitudes esperadas (padrões de atendimento). Nesse contexto, a simulação tem ganhado destaque, pois trata-se de uma técnica que pode facilitar os domínios cognitivo, psicomotor e afetivo.
O uso da técnica de simulação possibilita um aumento da segurança do profissional, uma vez que há maior uniformidade no treinamento em um ambiente de ensino controlado, e prepara com maior qualidade os alunos para situações cotidianas, raras e até mesmo eventos inesperados. A experiência e o treinamento do operador na execução do procedimento são determinantes no resultado técnico, de modo a aumentar a qualidade dos cuidados destinados aos pacientes.
Atualmente na simulação da ultrassonografia pulmonar, utilizam-se os phantoms (manequins) ou simuladores virtuais com elevado custo de aquisição. A hipótese é que o BLUE SIM será um aplicativo usável e aceitável entre os usuários. O BLUE SIM poderá possibilitar uma diminuição nos custos e uma simplificação na formatação de treinamentos e cursos. Diante disso, objetivou-se desenvolver um aplicativo de situações em simulação em saúde e avaliar a usabilidade e aceitabilidade dele entre profissionais emergencistas.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo compreendeu uma avaliação analítica, transversal, descritiva e quantitativa. A primeira etapa consistiu na seleção do público-alvo e na escolha dos tópicos a serem explorados no aplicativo. Após aprovação do Comitê de Ética (Parecer nº 4.311.354), desenvolveu-se o aplicativo que simula diferentes situações clínicas previstas no protocolo Blue. Profissionais das áreas de medicina de emergência desenvolveram o aplicativo. Um desses profissionais avaliou o aplicativo no Departamento de Inovação Tecnológica do Centro Universitário Christus (Unichristus). Foram desenvolvidas versões do aplicativo para as plataformas móveis Android e iOS.
O aplicativo denominado BLUE SIM propõe-se a simular atendimentos de casos clínicos utilizando o protocolo Blue, podendo auxiliar na capacitação de alunos e profissionais da área da saúde no uso da ultrassonografia pulmonar, no atendimento da insuficiência respiratória aguda.
Para o uso do aplicativo, após acionar o comando “entrar” na tela do celular, o usuário tem a opção de escolher um dos casos disponíveis. Cada caso apresenta: história, exame físico, exames laboratoriais, radiografia de tórax e imagens ultrassonográficas pulmonares. O estudante, de forma similar ao que vivenciamos com o uso de celulares que se comunicam com aparelhos de ultrassonografia portáteis, observa imagens de cada caso nas janelas superior, inferior e posterior. A análise das imagens é feita com o estudo da linha pleural e dos artefatos (linhas A e linhas B), chegando dessa forma ao diagnóstico de diferentes situações clínicas, tais como: edemas pulmonares, pneumonias, derrames pleurais, pneumotórax e outras causas de insuficiência respiratória.
O usuário responde a um quiz após a visualização dos achados ultrassonográficos de cada caso. As perguntas ajudam no raciocínio clínico e seguem as orientações e o fluxograma do protocolo Blue. O quiz avalia a presença de deslizamento pleural, a ocorrência de linhas B patológicas e a provável causa da insuficiência respiratória. No final de cada caso, está disponível um comentário com uma breve discussão sobre os achados ultrassonográficos9.
A etapa seguinte do estudo consistiu em determinar a amostra para o teste de usabilidade. Durante o desenvolvimento do aplicativo, realizaram-se testes de usabilidade para identificar possíveis problemas na interação entre o usuário e a interface, antes da comercialização. A usabilidade pode ser avaliada harmonizando seus atributos principais: o potencial de a interface ser compreendida pelo usuário (“efetividade’”), por meio de uma navegação fácil (“eficiência”), que é amigável (“satisfação”).
A amostra para o teste de usabilidade e utilidade foi composta por 36 profissionais: 18 fisioterapeutas, um médico, sete enfermeiros e dez acadêmicos de medicina. Todos os voluntários responderam ao questionário após a conclusão de treinamento em ultrassonografia. A amostra foi escolhida ao acaso para reduzir o viés da pesquisa. O tamanho da amostra estipulada pelos idealizadores da escala System Utility Score (SUS) é de 12 participantes10. O referido estudo foi conduzido com um número maior de participantes para minimizar possíveis perdas.
Os voluntários utilizaram o aplicativo em seus locais de trabalho, de forma individual, no local de atendimento ao paciente, no mês de outubro de 2021. O uso do aplicativo foi conduzido pelo mesmo avaliador de forma a minimizar quaisquer vieses que possam interferir na avaliação final do produto.
A próxima etapa do estudo consistiu em conduzir o teste de usabilidade e a percepção de utilidades. Para isso, utilizou-se um questionário de avaliação baseado em questionários existentes, o qual consiste em quatro partes:
Parte 1: desenvolvida com fim de obter informações referentes a experiências com profissão e sobre a experiência de cada participante com ultrassonografia de emergência.
Parte 2: baseada no questionário SUS11, validado em língua portuguesa em 201112, que objetiva coletar informações sobre a facilidade de uso (usabilidade) do aplicativo desenvolvido e a simplicidade em aprender a usá-lo (facilidade de aprendizado).
Parte 3: baseada no Modelo de Aceitação de Tecnologia de Davis (Technology Acceptance Model - TAM)13, com o objetivo de identificar o nível de utilidade do sistema percebido pelos usuários - utilidade percebida.
Parte 4: composta por duas questões subjetivas, que documentam as opiniões dos participantes em relação aos pontos positivos e negativos, e as sugestões de melhorias para o aplicativo.
O teste de usabilidade se caracteriza como um método de fácil aplicação para averiguação da usabilidade de sistemas, em que cada questão contém cinco opções de respostas que seguem a escala de Likert14) de 5 pontos (discordo totalmente, discordo, indiferente, concordo e concordo totalmente). A escala SUS caracteriza-se como um modelo de fácil aplicação para averiguação da usabilidade de sistemas15.
Para cálculo do SUS, no caso das respostas redigidas positivamente (ímpares), subtraiu-se 1 da pontuação; e, no caso das respostas redigidas negativamente (pares), foi subtraído 5 do valor da resposta. Em seguida, realizaram-se a soma dos escores resultantes e a multiplicação do valor por 2,5 para obter a pontuação final, que pode ir de 0 a 100. Conforme afirmado por Sauro et al.16, o SUS foca a análise de dois fatores principais do sistema: usabilidade e capacidade de aprendizado10.
Para o TAM, foi realizada a soma das quatro respostas multiplicados por 5 para obter a pontuação final, que pode ir de 0 a 100.
Todos os testes foram aplicados por dois avaliadores calibrados de forma a minimizar quaisquer vieses que pudessem interferir na avaliação final17.
Os escores finais SUS e TAM foram expressos em forma de média, e estabeleceu-se o desvio-padrão de cada item dos questionários por meio do teste exato de Fisher ou Mann-Whitney (p < 0,05). Os dados foram tabulados no Microsoft Excel e exportados para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20,0 para Windows, adotando uma confiança de 95% e significância estabelecida em p < 0,05.
RESULTADOS
A análise dos dados foi realizada a partir das respostas ao instrumento de avaliação. Analisaram-se mais detalhadamente os ganhos associados à usabilidade, à facilidade de aprendizado e à utilidade percebida pelos participantes sobre o uso do BLUE SIM.
A Tabela 1 apresenta um resumo da análise sobre a parte 2 do questionário de avaliação, que corresponde às questões baseadas na escala SUS, e sobre a parte 3, que corresponde às questões do questionário TAM. Os resultados demonstram que o aplicativo BLUE SIM recebeu uma avaliação de usabilidade de 76,8%. Esses valores estatísticos foram calculados a partir de orientações presentes no livro de Sauro10 sobre as melhores práticas para uso do SUS.
Escala de Likert | ||||||
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Média±DP | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
SUS | 76,81±9,27 | |||||
Eu acho que gostaria de usar esse aplicativo frequentemente. | 4,50±0,65 | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 1(2,8%) | 15(41,7%) | 20(55,6%) |
Eu achei esse aplicativo desnecessariamente complexo. | 1,97±0,51 | 5(13,9%) | 27(75,0%) | 4(11,1%) | 0(0,0%) | 0(0,0%) |
Eu achei o aplicativo fácil para usar. | 4,58±0,69 | 0(0,0%) | 1(2,8%) | 1(2,8%) | 10(27,8%) | 24(66,7%) |
Eu acho que precisaria do apoio de um suporte técnico para usar esse aplicativo. | 2,39±0,90 | 5(13,9%) | 16(44,4%) | 12(33,3%) | 2(5,6%) | 1(2,8%) |
Eu achei que as várias funções do aplicativo estavam bem integradas. | 4,50±0,81 | 0(0,0%) | 2(5,6%) | 1(2,8%) | 10(27,8%) | 23(63,9%) |
Eu achei que havia muita inconsistência no aplicativo. | 2,06±0,53 | 4(11,1%) | 26(72,2%) | 6(16,7%) | 0(0,0%) | 0(0,0%) |
Imagino que a maioria das pessoas possa aprender a utilizar esse aplicativo rapidamente. | 4,56±0,69 | 0(0,0%) | 1(2,8%) | 1(2,8%) | 11(30,6%) | 23(63,9%) |
Achei o aplicativo muito complicado de usar. | 1,97±0,77 | 8(22,2%) | 23(63,9%) | 4(11,1%) | 0(0,0%) | 1(2,8%) |
Eu me senti muito confiante em utilizar esse aplicativo. | 4,25±0,91 | 1(2,8%) | 1(2,8%) | 2(5,6%) | 16(44,4%) | 16(44,4%) |
Eu precisei aprender várias coisas antes que eu pudesse começar a usar esse aplicativo. | 3,28±1,11 | 1(2,8%) | 10(27,8%) | 8(22,2%) | 12(33,3%) | 5(13,9%) |
TAM | 91,34±8,33 | |||||
O treinamento no protocolo Blue será mais efetivo com o uso do aplicativo BLUE SIM. | 4,47±0,56 | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 13(36,1%) | 23(63,9%) |
O uso do aplicativo BLUE SIM permite um controle melhor do aprendizado do protocolo Blue. | 4,58±0,60 | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 1(2,8%) | 17(47,2%) | 18(50,0%) |
O aplicativo BLUE SIM simula situações clínicas que são evidenciadas na prática clínica, no manejo da insuficiência respiratória aguda. | 4,58±0,50 | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 1(2,8%) | 13(36,1%) | 22(61,1%) |
O uso do aplicativo BLUE SIM melhora a qualidade do treinamento. | 4,64±0,49 | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 0(0,0%) | 15(41,7%) | 21(58,3%) |
Dados expressos em forma de frequência absoluta e percentual ou média e desvio-padrão.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Quando se analisa a escala de Bangor et al.18, constata-se que ela tem uma forte validade de interface para os dados existentes, na medida em que uma pontuação de 70 significa tradicionalmente aprovação, propondo um conjunto de faixas de aceitabilidade que ajudariam os profissionais a determinar se uma pontuação no SUS indica uma interface aceitável ou não. Pode-se observar que o BLUE SIM alcançou um bom nível de usabilidade, pelo fato de ter sido superior ao escore mínimo aceitável de usabilidade18.
No questionário SUS, as afirmativas “Eu achei esse aplicativo desnecessariamente complexo” e “Achei o aplicativo muito complicado de usar” tiveram baixos escores, aumentando a porcentagem final do teste SUS entre os participantes.
Segundo Davis13, a aceitação de uma aplicação está relacionada com a facilidade de uso e a utilidade dela. A parte 2 do instrumento de avaliação foca a questão da usabilidade, e a parte 3 é voltada para permitir a análise da utilidade da aplicação percebida pelos participantes do estudo. Diferentemente do SUS, as questões para avaliar a utilidade percebida baseada no modelo de Davis podem variar, e não existe uma fórmula-padrão para obter um resultado médio único de todas as questões. Assim, as pesquisas que utilizam o modelo de Davis realizam a avaliação dos questionários por meio da análise comparativa dos valores médios obtidos para cada questão e da frequência das respostas15.
A Tabela 1 também mostra os valores médios das respostas da segunda parte do questionário aplicado. As questões tiveram elevadas pontuações dos escores. Os bons resultados demonstram o aspecto da utilidade da aplicação percebida pelos participantes.
Realizaram-se a estratificação e a comparação da amostra de acordo com alguns critérios descritos na Tabela 2. Os fisioterapeutas consistem em uma categoria estratificada, uma vez que ela se destaca na condução desse tipo de paciente. Na Tabela 3, foi utilizado o método estatístico de Mann-Whitney para avaliar a significância entre os dados.
SUS | TAM | ||||||
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Total | <80 | 80+ | p-valor | <80 | 80+ | p-valor | |
Total | 36 (100,0%) | 20(55,6%) | 16(44,4%) | 9(25,0%) | 27(75,0%) | - | |
Fisioterapeuta | |||||||
Não | 18(50,0%) | 10(50,0%) | 8(50,0%) | 1,000a | 3(33,3%) | 15(55,6%) | 0,433a |
Sim | 18(50,0%) | 10(50,0%) | 8(50,0%) | 6(66,7%) | 12(44,4%) | ||
Quanto tempo de experiência em medicina de emergência? | 2,14±3,75 | 1,71±1,87 | 2,69±5,28 | 0,443b | 1,73±1,95 | 2,28±4,21 | 0,712b |
Já realizou algum treinamento em protocolos de ultrassonografia point-of-care na graduação | |||||||
Não | 30(83,3%) | 17(85,0%) | 13 (81,3%) | 1,000a | 7(77,8%) | 23(85,2%) | 0,627a |
Sim | 6(16,7%) | 3(15,0%) | 3 (18,8%) | 2(22,2%) | 4(14,8%) | ||
Já realizou algum treinamento básico em protocolos de ultrassonografia point-of-care após a graduação? | |||||||
Não | 33(91,7%) | 20(100,0%) | 13(81,3%) | 0,078a | 9(100,0%) | 24(88,9%) | 0,558a |
Sim | 3(8,3%) | 0(0,0%) | 3(18,8%) | 0(0,0%) | 3(11,1%) | ||
Já realizou algum treinamento avançado em protocolos de ultrassonografia point-of-care após a graduação? | |||||||
Não | 35(97,2%) | 20(100,0%) | 15(93,8%) | 0,444a | 9 (100,0%) | 24(96,3%) | 1,000a |
Sim | 1(2,8%) | 0(0,0%) | 1(6,3%) | 0 (0,0%) | 1(3,7%) | ||
Você utiliza os protocolos de ultrassonografia point-of-care na sua prática médica de forma usual? | |||||||
Não | 34(94,4%) | 20(100,0%) | 14 (87,5%) | 0,190a | 9(100,0%) | 25(92,6%) | 1,000a |
Sim | 2(5,6%) | 0(0,0%) | 2(12,5%) | 0(0,0%) | 2(7,4%) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Fisioterapeuta | |||
---|---|---|---|
Não | Sim | p-valor | |
SUS | 78,61±5,02 | 75,00±12,04 | 0,239 |
TAM | 93,89±8,50 | 88,89±7,58 | 0,044 |
Teste de Mann-Whitney |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em virtude da qualidade da amostra, na qual metade foi constituída por fisioterapeutas, realizou-se uma divisão estatística da pontuação dos escores SUS e TAM. A avaliação de usabilidade pelos fisioterapeutas foi semelhante ao grupo de “não fisioterapeutas” (p = 0,239). Em relação ao escore TAM, o grupo de fisioterapeutas apresentou um escore menor, considerado ainda de boa aceitabilidade, com diferença estatística do grupo de “não fisioterapeutas” (p = 0,04).
A Tabela 2 permite uma descrição das características profissionais dos participantes, analisando suas experiências em medicina de emergência e protocolos ultrassonografia de emergência (point-of-care). O grupo de “não fisioterapeutas” foi formado por dez acadêmicos de medicina, sete enfermeiros e um médico.
A parte 4 do questionário foi composta por duas questões subjetivas, que documentam as opiniões dos participantes em relação aos pontos positivos e negativos, e as sugestões de melhorias para o aplicativo. Dos voluntários, 25 (69,44%) destacaram com ponto positivo a facilidade de manuseio do aplicativo, e 11 (30,55%) não registraram comentários sobre pontos positivos do aplicativo. Apenas dois voluntários (5,55%) apontaram pontos negativos do aplicativo: um citou a interface como ponto negativo e um relatou falta de nitidez em algumas imagens ultrassonográficas. Quatro voluntários (11,11%) sugeriram como melhoria a disponibilidade do aplicativo na plataforma iOS. Essa plataforma ainda não estava disponível para teste naquele momento da pesquisa. Os demais voluntários (88,88%) não apresentaram sugestões de melhoria.
DISCUSSÃO
A ultrassonografia pulmonar se tornou uma importante ferramenta na avaliação diagnóstica da insuficiência respiratória aguda.
No contexto da pandemia da Covid-19, a ultrassonografia pulmonar foi usada para auxiliar na tomada de decisões. Uma limitação dessa ferramenta refere-se ao fato de ela requerer profissionais com competência suficiente para garantir avaliações clínicas e imagens seguras e diagnósticas. Isso evidenciou o papel e a governança da ultrassonografia pulmonar durante o período pandêmico e depois dele, e como o aumento da educação e do treinamento pode ser realizado19.
Assim, diante do cenário vivido há dois anos, houve a necessidade de desenvolver um sistema de ensino em ultrassonografia no local do atendimento ao paciente. O ultrassom no local de atendimento se tornou uma ferramenta de diagnóstico onipresente, e tem havido um interesse crescente em ensinar profissionais. Habilidades teóricas e práticas suficientes são pré-requisitos para integrar o ultrassom torácico em um ambiente clínico e usá-lo como complemento na tomada de decisão clínica. As recomendações sobre como treinar profissionais para esses exames de ultrassom são debatidas, e o treinamento baseado em simulação pode melhorar o desempenho clínico. O uso de simulação ajuda a reduzir sua curva de aprendizado para maior aceitação na prática clínica20.
A grande maioria dos treinamentos está acontecendo por meio de simuladores. Situ-LaCasse et al.21 avaliaram médicos que utilizaram o SonoSIMÒ, módulo on-line de treinamento para adquirir imagens em ultrassom. O resultado do estudo sugeriu que pode desenvolver habilidades práticas básicas na aquisição de imagens após a revisão de módulos on-line. Shah et al.22 realizaram um estudo em que um grupo experimental foi apresentado a duas horas a mais de práticas de simulação em ultrassom, em relação ao grupo de controle, o qual foi assistido somente com sete horas de palestra sobre fisiologia do ultrassom (o grupo experimental também participou dessa palestra). O grupo simulação apresentou melhora estatisticamente significativa no exame de fisiologia, melhorando de 54,1% para 75,3% (p < 0,01).
Uma revisão sistemática publicada em 2022 concluiu que, embora a simulação forneça uma solução altamente promissora para a necessidade de maior instrução em ultrassom no local do atendimento, o uso generalizado dessa simulação para tal fim pode ser limitado pelos custos financeiros de equipamentos de treinamento de alta fidelidade23.
Nos últimos dez anos, os dispositivos móveis, em especial os aplicativos móveis, visam atender ao acesso das pessoas à informação e ao conhecimento. A possibilidade da queda de barreiras de tempo e espaço permite o aumento da comunicação24. Tais características agregam valor estratégico à nova sociedade da “Era da Informação”25.
Diante disso, o nosso objetivo foi desenvolver um sistema de ensino no modelo de aplicativo, utilizando o aplicativo que simula casos clínicos através de filtros sobrepostos em imagens enviadas por aparelhos de ultrassonografia portátil, de modo a ajudar na capacitação de alunos e profissionais da área da saúde no atendimento de casos de insuficiência respiratória aguda. O aplicativo é uma ferramenta inovadora para tal objetivo, com vantagens como custo baixo, uma vez que o aluno/profissional trabalha em casos clínicos presentes nele, e de fácil disponibilidade, pois é utilizado em smartphones.
Com relação à qualidade do conteúdo, os aplicativos precisam, segundo os padrões de certificação de aplicativos de saúde da Happtique26: 1. fornecer informações de autoria, incluindo dados detalhados sobre afiliações e credenciais dos autores e sobre qualquer envolvimento de um profissional médico na preparação do conteúdo; 2. listar todas as referências ou fontes de conteúdo; 3. divulgar totalmente qualquer patrocínio de aplicativo ou outros acordos de financiamento comercial e possíveis conflitos de interesse. Esses são os mesmos critérios essenciais que regem o comparativo de qualidade dos recursos on-line de informações médicas relacionadas à saúde e dos sites da web em geral. No desenvolvimento do aplicativo BLUE SIM, buscou-se seguir esse padrão, sendo produzido um manual com informações de autoria e lista de referências da informações, com objetivo de se adequar ao padrão de certificação proposto.
Ressaltam-se os bons resultados do aplicativo no tocante à avaliação da usabilidade. O termo usabilidade é uma ideia central na interação homem-computador. É definida como a efetividade, eficiência e satisfação com que usuários específicos obtêm seus objetivos em ambientes particulares26),(27. Pode-se observar que o BLUE SIM alcançou um bom nível de usabilidade, pelo fato de ter sido superior ao escore mínimo aceitável de usabilidade, que é 70, segundo Bangor et al.18.
Entretanto, o escore de usabilidade obtido menor que 80% está diretamente relacionado às seguintes afirmativas: “Eu achei esse aplicativo desnecessariamente complexo”, “Eu acho que precisaria do apoio de um suporte técnico para usar esse aplicativo” e “Achei o aplicativo muito complicado de usar”. Assim, consideram-se necessárias margens de melhorias no sistema que se impõem a partir das percepções dos participantes.
Na análise da percepção de utilidade do aplicativo, foi usado o modelo de Davis13, voltado para identificar o nível de utilidade do sistema percebido pelos usuários. Esse é um sistema útil que ajuda o usuário a melhorar o seu desempenho na execução de um trabalho. Para esse autor, a usabilidade é um fator importante, porém, se o usuário não perceber a utilidade do sistema, não irá utilizá-lo. Davis propôs um modelo que permite a quantificação do grau de utilidade percebida pelos usuários de uma determinada aplicação: o TAM. Diversos estudos têm utilizado o modelo de Davis para avaliação da aceitação de sistemas28),(29.
Considerando os fatores que implicaram uma boa avaliação da utilidade (“O treinamento no protocolo Blue será mais efetivo com o uso do aplicativo BLUE SIM”; “O uso do aplicativo BLUE SIM permite um controle melhor do aprendizado do protocolo Blue”; “O uso do aplicativo BLUE SIM melhora a qualidade do treinamento”; “O aplicativo BLUE SIM simula situações clínicas que são evidenciadas na prática clínica, no manejo da insuficiência respiratória aguda”), o aplicativo se estabelece como um sistema aceitável. Enfatiza-se a diferença de resultado ao separar a amostra (separação dos fisioterapeutas formando um grupo à parte), em que os fisioterapeutas tiveram 88,9% de positividade, enquanto o grupo geral apresentou 93,9% (p = 0,04).
Seguindo a análise de percepção de utilidade e da usabilidade, efetuaram-se a estratificação e a comparação da amostra de acordo com alguns critérios: “Já realizou algum treinamento básico em protocolos de ultrassonografia point-of-care após a graduação?”, “Já realizou algum treinamento avançado em protocolos de ultrassonografia point-of-care após a graduação?” e “Você utiliza os protocolos de ultrassonografia point-of-care na sua prática médica de forma usual?”. Mais de 90% dos participantes responderam de forma negativa a esses questionamentos. Diante disso, possivelmente os participantes consideraram difícil e complexo usar o aplicativo, uma vez que não o utilizam ou não receberam esse tipo de treinamento. E essas respostas negativas foram maiores entre os fisioterapeutas, justificando a diferença na percepção da aceitabilidade com a análise do grupo geral.
Ressalta-se, mais uma vez, a importância do uso do ultrassom para o diagnóstico clínico no local do atendimento, tornando necessário o ensino/treinamento dos profissionais para uma possível melhor condução do diagnóstico do caso clínico. O momento e o local de utilização contribuem para a formação.
CONCLUSÃO
O aplicativo desenvolvido é extremamente útil em situações em que há necessidade de uso do ultrassom no local de atendimento, de forma aceitável, pois auxilia o profissional na tomada de decisões diagnósticas e pode ser adotado como instrumento para favorecer os processos de ensino e aprendizagem.