INTRODUÇÃO
A pandemia provocada pelo novo coronavírus impactou a sociedade contemporânea, sobretudo no que se refere aos métodos de aprender e ensinar num contexto de reclusão social. Durante mais de dois anos, as instituições de ensinos básico e superior tiveram de se adequar a essa realidade, desenvolvendo novos métodos de promover a aprendizagem para os estudantes1.
No que se refere ao ensino médico, cujos currículos mais tradicionais prezam uma abordagem baseada em aulas teóricas e práticas presenciais, o emprego das tecnologias da informação e comunicação (TIC) proporcionou a implantação de um sistema remoto emergencial de ensino. Apesar de, no Brasil, as TIC estarem sendo inseridas paulatinamente nos cursos de graduação em Medicina, o distanciamento físico necessário ao enfrentamento da Covid-19 provocou uma rápida e compulsória implantação de um modelo de ensino nunca antes experienciado pelos que fazem o ensino médico2.
Ainda que estivessem em pleno funcionamento, os cursos de Medicina em todo o mundo apresentaram diferentes maneiras de prover as condições necessárias de trabalho e estudo à comunidade acadêmica. Essas novas abordagens apresentaram seus desafios e dificuldades quanto à sua implementação e condução, porém inegáveis oportunidades de inovação para o ensino médico clássico3. Nesse contexto, surge uma pergunta:
Quais principais aspectos positivos e negativos foram observados pelos que fizeram o ensino médico remoto emergencial em todo o mundo?
Nesse sentido, o presente estudo visa compreender, por meio da construção de uma revisão integrativa, quais os principais aspectos positivos e negativos encontrados no exercício do ensino médico em tempos de pandemia por Covid-19.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão na literatura4 utilizando metodologia sistemática com busca de alta sensibilidade nas bases de dados com o objetivo de responder à pergunta norteadora. Para a estratégia de busca, adotou-se a seguinte combinação de descritores com operadores lógicos nas bases de dados: “(((medical edu*) OR (medical teach*) OR (medical school)) AND ((remote learn*) OR (remote edu*) OR (remote))) AND ((covid) OR (sars-cov-2) OR (covid-19))”. Para processamento das buscas realizadas nos bancos de dados, utilizou-se o software Rayyan5. A busca dos artigos se deu em seis bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Embase, Education Resources Information Center (ERIC), Medline (via PubMed), Scopus e Web of Science. Os resultados da busca foram coletados nos meses de setembro e outubro de 2021.
Após a importação no Rayyan, usaram-se os filtros do próprio software para eliminar as duplicatas. Os critérios de inclusão foram: 1. artigos que discutiam ensino remoto na educação médica e 2. artigos no contexto da pandemia - ensino remoto emergencial entre 2020 e 2021. Os critérios de exclusão foram: 1. artigos de opinião ou orientação, 2. artigos de revisão, 3. artigos sem relato de experiência e 4. artigos que tratavam de eventos isolados ou não tratavam de disciplinas ou do curso. Não se aplicaram filtros de idioma dos artigos. A aplicação desses critérios se deu inicialmente por meio da leitura de títulos e resumos. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra, e incluíram-se aqueles que se enquadravam nos critérios propostos.
O esquema detalhado com as quantidades de artigos obtidos em cada etapa pode ser conferido na Figura 1.
RESULTADOS
A maioria dos artigos analisou disciplinas isoladas (42,03%), com destaque para os componentes curriculares de anatomia (10,14%) e patologia (7,25%). Outras abordagens recorrentes foram o curso como um todo (23,32%) e os programas de residência (10,14%).
Para melhor compreensão dos dados presentes nas publicações, os estudos foram categorizados quanto ao método de realização do ensino remoto: totalmente remoto (62,3%), híbrido (8,7%) e telessaúde (14,5%). Foram classificados como estudos referentes ao ensino totalmente remoto aqueles cujas atividades ocorriam exclusivamente on-line por meio de videoconferência ou tarefas assíncronas. Na modalidade híbrida, o curso era conduzido por meio de aulas teóricas realizadas remotamente, acompanhadas de episódios de prática presencial. Os estudos classificados como telessaúde relataram atendimento de pacientes por meio de telemedicina realizada por alunos, com supervisão de professores. Alguns estudos não mencionaram qual abordagem foi utilizada (14,5%).
Em relação às metodologias de ensino e de aprendizagem, poucos artigos (10,14%) detalharam quais foram as escolhidas, sendo adotadas estratégias como sala de aula invertida, Exame Clínico Objetivo Estruturado (Objective Structured Clinical Examination - OSCE) virtual6, telessimulação7 e discussão de artigos científicos8),(9.
A Tabela 1 apresenta a síntese dos aspectos positivos levantados nos artigos selecionados, com destaque para os aspectos de avaliação positiva do componente curricular (34,8%), maior autonomia do aluno (24,6%), maior participação e comunicação dos alunos (17,4%), e ausência de déficit de aprendizado (15,9%). O tópico “avaliação positiva da disciplina” compreende os artigos que levavam em conta um questionário ou formulário ao final das atividades acadêmicas respondido pelos alunos que cursaram o componente curricular ofertado.
Aspecto positivo | Quantidade de artigos | Modalidade (número de referência do artigo) | |||
---|---|---|---|---|---|
Remoto | Telessaúde | Híbrido | Não especificado | ||
Avaliação positiva da disciplina | (n = 24) | 8; 17; 22; 23; 26; 38; 44; 51; 55; 60; 61; 63; 67; 68 | 10; 11; 21; 29 | 37; 40; 62 | 64; 65, 66 |
Maior autonomia do aluno | (n = 17) | 26; 27; 28; 31; 39; 41; 44; 50; 52; 54; 55; 58; 60; 67 | 20 | 34; 48 | |
Maior participação e comunicação dos alunos | (n = 12) | 8; 17; 28; 51; 54; 60; 78; 80 | 10; 19 | 7; 34 | |
Não houve déficit de aprendizado | (n = 11) | 15; 22; 35; 43; 67; 72; 78; 79 | 81 | 37; 47 | |
Impacto das tecnologias | (n = 11) | 31; 50; 53; 56; 58; 72 | 62; 71 | 33; 34; 66 | |
Manutenção da graduação durante a pandemia | (n = 9) | 14; 15; 16 | 10; 11; 13 | 40; 47 | 6 |
Possibilidade de adotar novas tecnologias | (n = 5) | 43; 57; 68 | 30 | 33 | |
Aumento do interesse/conhecimento pela disciplina | (n = 4) | 17; 36 | 7; 66 | ||
Possibilidade de individualização | (n = 3) | 9; 59 | 18 | ||
Melhorias em fatores emocionais e familiares | (n = 2) | 32; 42 | |||
Economia financeira | (n = 1) | 28 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
No caso dos artigos que tratavam de telessaúde10)-(13, a manutenção da graduação durante a pandemia foi um dos principais pontos destacados10),(11),(13, sendo esse ponto mais mencionado que nos artigos sobre a modalidade remota14)-(16. Além disso, esse ponto, com avaliação positiva do componente curricular, foi o único aspecto contemplado em todas as modalidades que possuiu artigos de todas as modalidades.
A Tabela 2, por sua vez, resume os aspectos negativos mencionados, com ênfase nos tópicos: suspensão das aulas práticas (29,0%), complicações decorrentes do uso das tecnologias (conectividade, capacitação e organização) (20,3%) e ausência de contato social (14,5%).
Aspecto negativo | Quantidade de artigos | Modalidade (número de referência do artigo) | |||
---|---|---|---|---|---|
Remoto | Telessaúde | Híbrido | Não especificado | ||
Suspensão das aulas práticas | (n = 20) | 14; 15; 17; 25; 28; 44; 51; 55 | 13; 18; 19; 20 | 30; 37; 40 | 7; 33; 34; 66; 74 |
Complicações decorrentes do uso das tecnologias (conectividade, capacitação e organização) | (n = 14) | 16; 25; 27; 28; 31; 46; 50; 52; 53; 54 | 47 | 34; 48; 49 | |
Ausência de contato social | (n = 10) | 9; 22; 23; 35; 50; 52; 58 | 18; 20; 21 | ||
Dificuldade de concentração | (n = 7) | 25; 27; 31; 46; 58 | 48; 74 | ||
Menor satisfação em comparação com o ensino presencial | (n = 6) | 14; 25; 58; 80 | 37; 71 | ||
Aumento da ansiedade e do estresse | (n = 5) | 17; 22; 23; 24 | 74 | ||
Conflitos de horário | (n = 3) | 17; 31; 55 | |||
Problemas de comunicação/interação | (n = 3) | 36; 43 | 71 | ||
Falta de motivação | (n = 2) | 25; 26 | |||
Sobrecarga de conteúdos e atividades | (n = 2) | 41; 46 | |||
Aulas de longas durações | (n = 2) | 53; 72 | |||
Falta de disciplina/assiduidade/comprometimento para gerenciar os estudos | (n = 2) | 24 | 74 | ||
Limitação no processo de avaliação (segurança, ambiente, método) | (n = 2) | 6; 49 | |||
Não cumprimento do cronograma pelos professores | (n = 1) | 24 | |||
Dificuldade de coleta de material para análise | (n = 1) | 39 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Nas práticas de telessaúde, observaram-se artigos apenas que tratavam da suspensão das aulas práticas17)-(20) e da ausência de contato social18),(19),(21.
No que diz respeito às questões psicológicas, observaram-se um aumento da ansiedade e do estresse17),(22)-(24 e uma menor motivação25),(26 dos estudantes em relação aos estudos.
Alguns desafios do ensino remoto foram mencionados nos artigos pesquisados, principalmente ao buscarem contornar os aspectos negativos que a modalidade trouxe. As principais dificuldades citadas estavam relacionadas aos seguintes aspectos: as estratégias para adaptar as aulas práticas ao ensino remoto8),(12)-(14),(27)-(36, os desafios tecnológicos15),(20),(34),(37)-(39 e a adequação brusca ao contexto on-line8),(25),(34),(40)-(42.
Em relação aos achados que não se encaixavam nas categorias anteriores, destacam-se os seguintes aspectos positivos: aprendizagem em pequenos grupos mais eficiente43, maior número de alunos matriculados nos componentes curriculares9, sessões de ensino mais curtas sendo consideradas como mais efetivas44 e a possibilidade dada aos alunos de atender os funcionários da universidade como prática15. Como aspectos negativos, foi abordada a hipótese de que países de baixa renda possuem maior dificuldade quanto ao ensino remoto25) e a preocupação dos alunos com a saúde dos familiares por causa da pandemia42.
DISCUSSÃO
O fato de a maioria dos artigos tratar de componentes curriculares isolados, em especial anatomia e patologia, pode indicar uma maior disponibilidade de recursos pedagógicos virtuais para a sua utilização, como atlas 3D, estruturas de realidade virtual e realidade aumentada45. Também é possível destacar que uma parte considerável dos artigos abordou o curso de Medicina como um todo14),(15),(24),(25),(28),(30),(34),(41),(46)-(53 em sua análise, o que é importante para se ter uma observação geral do quadro, mas isso elimina as especificidades de cada área.
Além disso, foram observados artigos que abordavam cursos no estágio de residência13),(37),(54)-(58, o que pode indicar um interesse dos internos em continuar com suas atividades e prática médica mesmo durante a pandemia. Isso pode ser reforçado pelo fato de que a modalidade que mais destacou como ponto positivo a possibilidade de dar continuidade ao curso foi a de telessaúde10),(11),(13, que consiste justamente no atendimento remoto aos pacientes, abordagem recorrente no cenário de residências, especialmente clínicas.
A metodologia utilizada no ensino remoto também foi um tópico analisado nos artigos considerados. No presente estudo, para fins didáticos, adotaram-se a “abordagem de ensino remoto”, classificada em híbrida, remota e telessaúde, e a “metodologia de ensino”, que consiste na maneira de execução do componente curricular: aulas expositivas, discussão de artigos etc. Sendo assim, foi observado que a maioria dos artigos não especificava qual tinha sido a metodologia usada durante as aulas, apenas informava a abordagem usada no curso.
Portanto, é possível supor que uma parte das metodologias de ensino aplicadas durante o ensino presencial convencional foi apenas migrada para a modalidade on-line, sem que fossem feitas as devidas mudanças metodológicas pelos docentes para aprimorar a experiência de aprendizagem com o ensino remoto. Isso pode ser inferido a partir da menção, por parte dos artigos, do fato de o ensino remoto ter sido feito de uma maneira brusca e sem possibilidade de adaptação gradual8),(34),(40)-(42. Contudo, alguns artigos mencionaram que a dinâmica da disciplina foi alterada para melhor se adaptar ao contexto remoto6)-(8),(33),(34),(38),(49),(59. Com isso, acredita-se que, em um cenário em que houvesse mais tempo de adaptação e planejamento, o ensino remoto poderia ser mais bem aplicado e aproveitado.
De todos os aspectos positivos observados, o que mais se destacou foi a avaliação positiva do aluno para a disciplina após a sua conclusão8),(10),(11),(21)-(23),(26),(29),(37),(38),(40),(44),(51),(55),(60)-(68. Contudo, é preciso atentar para a forma como esses dados foram coletados, pois apenas a avaliação positiva por parte do aluno ao final do ensino da disciplina não é suficiente para assegurar que o ensino prestado foi de qualidade e, de fato, positivo para os estudantes.
Montenegro-Rueda69 e outros autores destacam que um dos pontos que contribuíram para a boa avaliação da condição remota de ensino e aprendizagem foi o fato de os exames de desempenho aplicados on-line proporcionarem feedback imediato, flexibilidade quanto ao espaço de realização da prova utilizando dispositivos conectados à internet, bem como a autonomia no seu processo de avaliação.
Contudo, Gupta70 e outros autores discutem que, entre as dificuldades da aplicação de avaliações remotas assíncronas em profissões médicas e afins, destaca-se a incerteza que o docente tem em afirmar que o desempenho obtido pelo aluno em determinado exame é de fato representativo de seu esforço único e exclusivo. Portanto, fazem-se necessários estudos mais robustos de verificação de desempenho e déficit de aprendizagem para inferir sobre ganhos e perdas associados ao modelo de ensinar e aprender no regime pandêmico.
Em relação às tecnologias, elas apareceram tanto nos pontos positivos quanto nos pontos negativos, havendo discordâncias. Sendo assim, aspectos tecnológicos apontados como positivos em alguns trabalhos, como aprender a dominar novos recursos34),(50),(53),(71),(72, foram os pontos negativos de outros artigos, mas, principalmente, destacando a falta de capacitações para o domínio desses novos recursos34),(53.
À vista disso, é possível destacar como a nova geração de médicos faz parte de uma geração de pessoas que têm contato com a tecnologia desde os seus dias iniciais de vida69, o que pode ser interpretado como um fator de justificativa da maior afinidade entre os estudantes e as tecnologias. Todavia, é observado que essa afinidade se dá principalmente por meio dos smartphones (por questões de acesso e custo)69, o que pode ser interpretado como um desafio na capacitação do uso de tecnologias de ensino remoto para a educação médica, já que ela fez uso principalmente de ferramentas que são mais otimizadas para computadores.
Além disso, e interpretando a necessidade de capacitar discentes e docentes para a modalidade de ensino remoto, algumas instituições de ensino superior brasileiras elaboraram estratégias para tentar superar essa problemática, sendo as principais delas o uso de ambientes virtuais de aprendizagem, estratégias de planejamento do ensino remoto, capacitação em ferramentas de transmissão e metodologias de avaliação ensino e aprendizagem70.
Um ponto mencionado em diversos artigos como positivo foi a possibilidade de dar mais autonomia ao estudante para elaborar o seu próprio horário de estudo20),(26)-(28),(31),(34),(39),(41),(44),(48),(50),(52),(54),(55),(58),(60),(67, sendo essa autonomia estimuladora do poder de decisão e de responsabilidade do estudante, além de fundamental para o seu amadurecimento73.
Todavia, essa autonomia foi, em outro momento, destacada como sendo um ponto negativo24),(74, visto que os alunos precisam ter maior disciplina, organização e autogestão para que possam se comprometer com os estudos - bastante dificultados pelo ensino remoto por causa dos impactos psicológicos do cenário vivenciado, que serão detalhados mais adiante.
Contudo, é importante ressaltar que algumas universidades buscaram, de alguma forma, fornecer um suporte emocional e psicológico durante a pandemia para os seus alunos. À vista disso, é possível destacar que, entre os institutos e as universidades do Brasil que se adaptaram ao período pandêmico, a categoria “serviço de aconselhamento e/ou apoio psicológico” foi a que mais apareceu nas medidas de enfrentamento da pandemia75.
Apesar de alguns artigos recuperados na busca declararem ausência de déficit de aprendizagem pelos alunos no período pandêmico e de outros trabalhos atestarem a efetividade do processo virtual de ensino e aprendizagem nas ciências médicas76, são necessárias investigações mais sistematizadas do processo de condução da avaliação dos discentes para se chegar a uma inferência mais precisa.
Uma das possibilidades de análise para avaliação de desempenho é a aplicação de Testes de Progresso, visto que foi observado por Sehy et al.77 ganho de conhecimento de estudantes de Medicina em países de língua alemã, em que o desempenho no Teste de Progresso melhorou durante a pandemia. Os autores, portanto, consideraram esse dado uma indicação de que a mudança repentina para o aprendizado on-line não teve um efeito negativo no ganho de conhecimento dos alunos.
Apesar de os dados sobre a melhora de desempenho serem animadores, é preciso ter cautela no quesito “déficit de aprendizagem pós-pandêmica”, visto que os estudos publicados até a presente data refletem um resultado em curto prazo. Mais acompanhamentos e avaliações são necessários não apenas utilizando instrumentos de avaliação somativos, mas também formativos, processuais e diagnósticos, levando em consideração as diferentes habilidades, competências e atitudes necessárias à formação médica.
O principal aspecto negativo observado por parte dos estudantes foi a suspensão das atividades práticas7),(13)-(15),(17)-(20),(25),(28),(30),(33),(34),(37),(40),(44),(51),(55),(66),(74. Isso pode ser relacionado diretamente com o fato de o curso de Medicina ter uma grande carga horária e requisitar um contato frequente dos estudantes com os pacientes, imprescindível para a construção do conhecimento a partir da experimentação das vivências75.
Além disso, como o modo de abordagem mais frequentemente observado nos artigos foi o totalmente remoto8),(9),(14)-(17),(22)-(28),(31),(32),(35),(36),(38),(39),(41)-(46),(50)-(61),(63),(67),(68),(72),(78)-(80, pode-se assumir que não foi possível, para as instituições relacionadas aos artigos recuperados, elaborar estratégias para tentar suprir ou contornar essa adversidade. Todavia, os poucos cursos capazes de manter algumas atividades práticas utilizaram estratégias como a diminuição do número de alunos por aula, por meio da formação de pequenas turmas37),(71),(81, ou ainda a ministraram as aulas práticas com os próprios servidores da universidade, passando a realizar atendimentos para esse grupo15.
É válido ressaltar, porém, que mesmo os cursos que adotaram o modelo de telessaúde ou de ensino híbrido ainda enfrentam dificuldades com relação às atividades práticas, considerando a impossibilidade de realização de exames físicos e alguns procedimentos de forma remota na prática da telemedicina.
Apesar disso, foi possível observar um aumento do interesse pelas disciplinas teóricas7),(17),(36),(66, sendo medido pelo número de matrículas e número de componentes curriculares realizados por cada discente. Acredita-se, então, que esse maior interesse tenha sido incentivado pela possibilidade de dar continuidade à graduação no período pandêmico, além da vontade de adiantar o curso, buscando compensar os atrasos que o cenário mundial provocou. Além disso, supõe-se que, por conta do estabelecimento do home office, os estudantes que trabalham conseguiram maior disponibilidade para se matricular em matérias em horários alternativos.
Em relação aos aspectos sociais, eles foram recorrentemente tratados como negativos, uma vez que os cursos que adotaram abordagens totalmente remotas não tinham como promover contato interpessoal entre os alunos para além do meio virtual9),(18),(20)-(23),(35),(50),(52),(58. Esse fator, em conjunto com os demais impactos psicológicos negativos resultantes do cenário pandêmico, como o aumento nos níveis de ansiedade e do estresse17),(22)-(24),(74 e a constante preocupação com a própria saúde e dos familiares42, contribuiu para relatos de falta de motivação dos discentes25),(26.
Todavia, essa reclamação não foi observada nos cursos que adotaram caráter híbrido, o que pode vir a indicar uma melhor adaptação das questões sociais nesses casos, já que os alunos tinham momentos de prática e contato com outros indivíduos.
Também foi possível observar aspectos positivos gerados pelo maior tempo em casa, como mais tempo com a família e para dormir42, especialmente para os estudantes que fazem graduação em outro local que não a sua cidade natal. Esse retorno dos estudantes ao seu local de origem pode ser um dos motivos para o destaque do aspecto referente à economia financeira28),(34, posto que alguns gastos foram momentaneamente diminuídos, além da redução de gastos com transporte, alimentação e utensílios necessários nas aulas no formato presencial.
Essa migração, entretanto, resulta em um aspecto negativo relacionado a uma possível mudança de fuso desses discentes que voltam para suas cidades natal, ocasionando conflito de horário55. Nessa perspectiva, é possível inferir que, a depender das diferenças de fuso horário entre as duas partes envolvidas, o ensino remoto pode representar uma barreira significativa para palestras ao vivo55.
O fato de a maioria dos artigos tratar de desafios relacionados à adaptação do ensino ao contexto remoto, somado às questões metodológicas mencionadas anteriormente, indica como, na maioria das situações, o ensino remoto foi tido como uma ferramenta emergencial para possibilitar a não interrupção completa do curso6),(10),(11),(13)-(16),(40),(47. Essa ferramenta, entretanto, não foi explorada em todo o seu potencial, pois constatou-se que os cursos apenas transferiram o ensino presencial para a modalidade remota, e esse novo contexto requer novas metodologias.
Em se tratando da quantidade e duração das aulas, observou-se que grupos menores e aulas com menor duração foram mais efetivos para o aprendizado, o que pode ser um indicativo da “ressaca virtual”82, que consiste em um estado de saturação dos ambientes virtuais, fazendo com que o indivíduo fique desfocado e desmotivado. Desse modo, componentes curriculares que eram ministrados presencialmente com aulas de longa duração e mantiveram essa mesma duração tiveram uma tendência de ser menos proveitosos que aqueles que adotaram um tempo mais curto.
Com o exposto em vista, é possível relacionar a duração de sessões mais curtas sendo mais proveitosas com o fato de que, no ambiente virtual, os papéis de professores e alunos estão, de certa forma, invertidos77. Isso faz com que fique ainda mais evidente que o papel do professor contemporâneo é de servir como um guia, um mediador e um facilitador, auxiliando os estudantes no desenvolvimento de suas habilidades básicas (pensamento crítico, reflexão e comunicação) e específicas para o contexto on-line (autoaprendizado, aprendizado de longa data, administração de mudanças e administração de conhecimento)77.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível afirmar que o ensino remoto emergencial no curso de Medicina foi crucial para a manutenção das atividades durante a pandemia de Covid-19. Todavia, é necessário destacar que, pela forma de implementação desse tipo de ensino, de maneira emergencial, não foi possível otimizar ao máximo nem usar toda a sua potencialidade como ferramenta de ensino por conta das limitações metodológicas enfrentadas nesse período. Sendo assim, pode-se assumir que o período serviu como uma experiência de ensino totalmente virtual para um curso que tem, em sua maior parte, uma carga horária extremamente prática e precisa de contato com outras pessoas para ser bem desenvolvido.
Sendo assim, as experiências colhidas nesse período, tanto as positivas quanto as negativas, serão de crucial importância para refletir os futuros rumos da educação médica, de modo que o contato com novas tecnologias por parte dos alunos pode propiciar e desenvolver novos métodos de ensino e estudo que não envolvam apenas a tradicional sala de aula, mas que usem todas as potencialidades que as tecnologias têm a oferecer.