INTRODUÇÃO
A educação médica vem priorizando uma formação mais autônoma, interdisciplinar, resolutiva e prática por meio de metodologias ativas, em que a educação é centrada no aluno e não apenas na transmissão de informações. Desse modo, os estudantes passam a desenvolver habilidades (capacidade intrínseca ou desenvolvida de realizar algo) de autorreflexão e coletividade (tanto no sentido de trabalho em equipe quanto no desenvolvimento de planejamento de ações no âmbito coletivo), de modo a estimulá-los a pensar sobre o conteúdo ensinado e torná-los agentes na construção do aprendizado1),(2.
Nesse contexto, os conceitos da saúde coletiva, em sua complexidade teórico-prática, são ideais para aplicação no ensino ativo, com destaque para regionalização, a promoção e a gestão em saúde. Regionalização em saúde compreende um dos instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), que pode ser considerada um método de organização e distribuição das ações e dos serviços em saúde para melhor acesso à população de um território por meio de uma rede articulada e integrada. Por meio da composição de “regiões de saúde”, em que se consideram o perfil epidemiológico do espaço e os riscos populacionais, a regionalização propõe um equilíbrio na distribuição de recursos para evitar a desintegração da rede de serviço3. Assim, um sistema tão abrangente quanto o SUS é capaz de atender às diversas demandas do país, com foco nas especificidades, necessidades e vulnerabilidades em saúde coletiva e individuais de cada região de forma justa. A promoção da saúde é uma das prioridades do SUS que busca desenvolver uma boa saúde e qualidade de vida da população, ao produzir autonomia e corresponsabilidade por meio de gestão compartilhada entre usuários e outros setores, ao enfrentar os problemas de saúde a partir do reconhecimento dos determinantes sociais de saúde que os provocam4.
Quando se considera que determinantes sociais de saúde constituem os principais fatores que afetam o processo de saúde-adoecimento, como condições sociais, econômicas, comportamentais, étnico-raciais e ambientais4, nota-se a importância do (re)conhecimento deles para elaborar a gestão compartilhada entre os indivíduos e os setores, um dos objetivos da promoção da saúde. Portanto, é nítida a importância do aprendizado desses conceitos e de sua aplicação prática conjunta: uma boa gestão em saúde é capaz de compreender as necessidades de seu território e reconhecer os principais determinantes sociais que geram as demandas em saúde.
Durante a pandemia da Covid-19, foi recomendado o isolamento social para diminuir a propagação do vírus entre os indivíduos5, o que desencadeou a utilização do ensino remoto nos cursos de graduação. O curso de Medicina, por ser essencialmente prático, necessitou de adaptações extensas para a manutenção da qualidade de ensino e para a aprendizagem eficiente dos discentes.
Nesse sentido, o módulo de Saúde Coletiva III, do terceiro período da graduação em Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), implementou um método ativo de ensino-aprendizagem nomeado “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde”, em que se trabalharam os conceitos de regionalização em saúde e promoção da saúde de maneira prática, lúdica e interativa. A dinâmica, além de proporcionar maior compreensão dos princípios, das diretrizes e das políticas do sistema de saúde, auxiliou o contato dos discentes com a gestão em saúde, em que se propõe a participação de profissionais de saúde em ações de gerenciamento e de administração com a finalidade de promover o bem-estar da população2. Essa atividade foi adaptada da atividade “Xepa Cultural”, desenvolvida no âmbito do Programa Faimer® (Foundation for Advancement of International Medical Education and Research) Brasil, do qual participaram os professores responsáveis pelo módulo6),(7. Com isso, observa-se a concretização da aprendizagem ativa pelos acadêmicos demandada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), de modo a torná-los capacitados para refletir sobre a própria prática, agir com autonomia e avaliar possíveis erros em ambientes protegidos, o que está congruente à inserção dos discentes na atenção primária à saúde (APS)8. Assim, além da autonomia, desenvolvem-se a criatividade (habilidade de criar ou produzir algo novo que pode possibilitar uma formação médica mais humanista e reflexiva), o pensamento crítico e o trabalho em equipe, mesmo no contexto de isolamento social e de ensino remoto.
Objetiva-se apresentar a bem-sucedida aplicação prática e integrada dos conceitos de regionalização, promoção e gestão da saúde por estudantes de Medicina nessa atividade. Este relato enquadra-se no item VIII do artigo 1º da Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, não necessitando, assim, de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos8.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
A “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde” foi uma atividade acadêmica realizada remotamente pela plataforma Microsoft Teams®, durante o primeiro semestre de 2021, e promovida por dois docentes responsáveis pelo módulo de Saúde Coletiva III, do terceiro período da graduação em Medicina da UFU. A carga horária da disciplina de Saúde Coletiva III é de 150 horas, e foram destinadas dez horas para a realização da atividade. No contexto dessa disciplina, a ementa aborda conceitos de saúde, promoção de saúde, educação em saúde, qualidade de vida e indicadores socioeconômicos e culturais. A atividade foi realizada com o objetivo de abordar, com os discentes, os conceitos de regionalização em saúde, promoção da saúde e gestão em saúde. Para o desenvolvimento da atividade, a turma, com cerca de 60 alunos, foi dividida em 12 equipes com cinco integrantes distribuídas na microrregião, conforme demonstrado na Figura 1 e Tabela 1.
Fonte: Mapa adaptado da imagem disponível em: https://www.google.com.br/search?q=microrregiao+uberlandia+araguari&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjb6cng9TWAhWFQpAKHVhMCz8Q_AUIDCgD&biw=1536&bih=759#imgrc=HL-FpTA3SzDjHM
EQUIPE | DOTES |
---|---|
ALFA | 18 dotes dourados e 6 dotes prateados |
BETA | 15 dotes dourados e 42 dotes laranja |
GAMA | 8 dotes dourados e 21 dotes laranja |
DELTA | 12 dotes dourados e 21 dotes laranja |
ZETA | 15 dotes dourados e 24 dotes laranja |
LAMBDA | 24 dotes dourados e 6 dotes prateados |
SIGMA | 18 dotes dourados e 12 dotes laranja |
ÔMEGA | 24 dotes dourados e 6 dotes prateados |
TAU | 42 dotes laranja |
CAPA | 12 dotes prateados e 18 dotes laranja |
IOTA | 24 dotes dourados e 18 dotes laranja |
ÉPSILON | 42 dotes dourados e 18 dotes prateados |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A atividade foi composta por quatro etapas (Quadro 1) e teve a duração de uma semana. As etapas 0 e 1 foram realizadas em uma terça-feira, a etapa 2 ocorreu na quinta-feira, e a etapa 3 aconteceu na terça-feira seguinte. A etapa 0 foi realizada de forma síncrona, com duração de 30 minutos, com todos os discentes presentes, para que os docentes explicassem e detalhassem as etapas a serem seguidas pelos alunos. Essa orientação foi feita a partir da apresentação de slides, com o esclarecimento dos objetivos didático-pedagógicos. Em uma sessão assíncrona posterior, na etapa 1, com duração de três horas e 40 minutos, cada equipe ficou responsável primeiramente pela leitura de um documento, disponibilizado de forma prévia pelos docentes na plataforma, que possuía uma relação direta ou indireta com a construção da promoção da saúde do mundo, as chamadas “Cartas de Promoção da Saúde”, a saber: “Relatório Dawson”; “Informe Lalonde”; “Declaração de Alma-Ata”; “Carta de Ottawa”; “Declaração de Adelaide”; “Declaração de Sundsvall”; “Declaração de Santafé de Bogotá”; “Declaração de Jacarta”; “Declaração do México”; “Carta de Bangkok”; “Rede de Megapaíses”; “Declaração de Astana”9),(10.
TEMA/ETAPA DA EXPERIÊNCIA | ETAPA 0: Explicação da atividade aos discentes. | ETAPA 1: Leitura das cartas de promoção da saúde e Confecção dos produtos. | ETAPA 2: Reunião das equipes para conhecer os produtos/ações de outras equipes e investimento na “Feira Virtual das Cartas”. | ETAPA 3: Avaliação da atividade realizada pelos discentes e divulgação da equipe vencedora (recebeu o maior investimento). |
TIPO DE INTERAÇÃO | Síncrona | Assíncrona | Assíncrona | Síncrona |
TEMPO | 30 minutos | 3 horas e 40 minutos | 5 horas e 20 minutos | 30 minutos |
OBJETIVO | 1 - Explicar a atividade a ser desenvolvida pelos estudantes. 2 - Sanar as dúvidas dos discentes sobre as etapas da atividade. | 1 - Leitura de “Cartas de Promoção da Saúde”. 2 - Identificar os principais conceitos e estratégias relacionados à promoção da saúde. 3 - Confecção de um produto/ação para ser apresentado na “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde”. | 1 - Leitura de textos sobre “regionalização da saúde” e “regiões de saúde”. 2 - Contato com os produtos/ações criados por outras equipes. 3 - Discentes: Investir os dotes do orçamento da saúde de cada região de saúde entre os outros projetos/ações. 4 - Docentes: Contabilizar os dotes distribuídos a cada equipe. | 1 - Elaborar e compartilhar um feedback sobre todas as etapas da atividade realizada. |
HABILIDADES ESPERADAS/ DESENVOLVIDAS | 1 - Conhecimento sobre a execução da atividade proposta. | 1 - Conhecimento acerca da promoção da saúde e de sua construção histórica em nível mundial. 2 - Desenvolvimento de habilidades de criatividade e de pesquisadores. 3 - Conhecimento acerca do SUS, de suas potencialidades e desafios. | 1 - Compreensão de “regionalização da saúde” e de “regiões de saúde” na articulação da gestão do SUS e da atuação profissional. 2 - Desenvolver a habilidade de gestão de recursos financeiros, com base no perfil epidemiológico de cada região de saúde. 3 - Desenvolver as capacidades de priorização e tomada de decisões. | 1- Habilidade de avaliação e autoavaliação; habilidade crítica e de comunicação. 2 -Reconhecimento dos aprendizados construídos e participação coletiva na melhoria do processo de ensino-aprendizagem. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Após a leitura dos documentos, cada equipe deveria apontar os principais conceitos e estratégias relacionados à promoção da saúde no documento pelo qual ficou responsável. A partir disso, os discentes das equipes exerceram o papel de médicos pesquisadores para confeccionar um produto - ou uma ação - que seria apresentado na “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde”. O produto apresentado por cada grupo deveria ser factível, executável e aplicável à realidade, além de atrativo com o objetivo de chamar a atenção para a aquisição dele.
Na segunda etapa da atividade, com duração de cinco horas e 20 minutos, as equipes se reuniram, de forma assíncrona, acessaram os produtos confeccionados pelos outros grupos na plataforma Microsoft Teams®, apresentados em formato de vídeo/propaganda confeccionado pelos alunos, e leram os conceitos de regionalização da saúde e regiões de saúde disponibilizados pelos docentes do módulo. Para compreender os conceitos na articulação da gestão do SUS e da atuação profissional, as equipes foram divididas em regiões de saúde tomando como base a microrregião Uberlândia/Araguari.
Cada equipe possuía um orçamento da saúde para o ano de 2021 baseado em dotes (Tabela 1), uma moeda fictícia que representava todo o orçamento municipal para a saúde. Os dotes dourados possuíam o triplo do valor dos dotes prateados; e os dotes prateados, o dobro do valor dos dotes laranja. Dessa maneira, ficava a critério de cada grupo, como uma equipe de gestores, investir todo o orçamento ou não na “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde”.
Os membros de cada equipe deveriam discutir entre si sobre como iriam gerenciar os recursos disponíveis para a aquisição dos produtos de outras equipes, apresentando-se como médicos gestores das regiões de saúde. Nesse sentido, precisavam ter em conta o orçamento disponível, os recursos de saúde disponíveis em todos os níveis de atenção à saúde na microrregião e a qualidade e a necessidade dos produtos ofertados. Os discentes possuíam um prazo para enviar ao restante da turma, por meio de uma planilha compartilhada e visível por todos os participantes, a distribuição dos dotes, e, posteriormente, os professores responsáveis pelo módulo contabilizaram os dotes distribuídos a cada equipe. A equipe que obteve o maior investimento recebeu um prêmio durante a etapa 3, realizada de forma síncrona, com duração de 30 minutos. Na atividade realizada, a equipe que recebeu o maior investimento foi a que confeccionou o “Ônibus de Academia” como produto a ser investido, o qual se baseava em uma academia popular móvel que atendia a determinadas regiões da cidade.
O feedback ocorreu de forma longitudinal, a cada etapa, de forma síncrona, e por meio de mensagens na plataforma Microsoft Teams® durante as atividades assíncronas. No último dia da atividade, durante a etapa 3, a atividade foi avaliada entre docentes e discentes por meio do feedback verbal em uma sessão síncrona após o término de todas as etapas exigidas pela tarefa. Primeiramente, houve o feedback dos docentes, os quais destacaram os pontos positivos da atividade e também aqueles a serem aprimorados. Posteriormente, foi aberto o feedback para toda a turma de forma voluntária, e os alunos também puderam destacar suas principais dificuldades no processo de realização da atividade e suas etapas, bem como os aprendizados construídos com a atividade. Na nossa busca, não encontramos estudos e/ou experiências similares desenvolvidos em outras regiões do Brasil.
DISCUSSÃO
A instituição do SUS foi estabelecida pela Lei nº 8.080 em 1990, que definiu as condições para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, além do funcionamento e da organização dos serviços inseridos no sistema11. Com isso, houve a descrição dos princípios defendidos pelo SUS: universalização, equidade e integralidade. Esses princípios correspondem, respectivamente: à defesa da saúde como um direito de cidadania de todos os indivíduos, devendo o Estado assegurá-lo; à ideia de que, como os cidadãos não são iguais, apesar de terem os mesmos direitos, deve-se tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde há maior carência; ao estabelecimento da integração de ações, como promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabilitação, de modo a atender a todas as necessidades11. Congruente a isso, a Lei nº 8.142, também estabelecida em 1990, defendeu a participação da comunidade na gestão do SUS e dispôs sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde12.
Os princípios e as diretrizes do SUS a respeito da promoção, regionalização e gestão da saúde foram devidamente explorados pelos discentes durante a atividade a partir da pesquisa acerca dos documentos sugeridos pelos professores, uma vez que oferecem visões distintas acerca da promoção de saúde e, assim, buscam a reestruturação dos sistemas de saúde de alguma forma. Para exemplificar, pode-se citar, então, o Relatório Dawson, publicado em 1920, o qual foi o marco da noção de APS como forma de organização dos sistemas nacionais de saúde. Na Inglaterra, ele propôs a reformulação do modelo de atenção à saúde em serviços organizados segundo os níveis de complexidade e os custos do tratamento13.
As propostas do documento estiveram presentes na base da criação do Sistema Nacional de Saúde na Inglaterra e inauguraram um conjunto de dimensões ainda centrais nas discussões contemporâneas acerca da organização de sistemas de saúde com ênfase na APS, como a atenção ao primeiro contato, a hierarquização dos níveis de atenção à saúde e a regionalização a partir de bases populacionais13. Observa-se, diante disso, que os discentes puderam, por meio da dinâmica, aprofundar seus conhecimentos acerca desses documentos e, portanto, compreender mais amplamente os próprios princípios do SUS ao entenderem as mais diversas estratégias para a promoção da saúde no mundo globalizado. Tal situação foi evidenciada na prática, com a montagem da atividade e com a discussão entre as equipes, além do feedback realizado na finalização da dinâmica, sendo possível observar todo o conhecimento adquirido pelos discentes no desenrolar do processo.
Por meio das diferentes etapas e estratégias planejadas pelos docentes, a atividade foi de grande valia para os alunos da turma, os quais foram contemplados nos mais diversos níveis de aprendizagem, como evidenciado na Figura 2, desde a aplicação dos conceitos adquiridos de promoção, regionalização e gestão em saúde ao longo da atividade até o desenvolvimento de habilidades comunicativas em grupo e de criatividade. Ao exercerem, na etapa 1, o papel de médicos pesquisadores para confeccionar um produto - ou uma ação - para ser apresentado na “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde”, os discentes desenvolveram diferentes potencialidades, como a criatividade. Nos ambientes acadêmico e profissional, é proveitoso ser criativo para buscar resoluções de problemas, criar meios para agir, desenvolver novos métodos e otimizar os resultados. Afinal, a aprendizagem não é um ato instrumental, mas um processo subjetivo essencialmente interativo. Assim, as potencialidades individuais são maximizadas quando o sujeito é exposto a uma aproximação com a realidade por meio do curso da aprendizagem, a qual é resultado das emoções e dos processos simbólicos14.
Tais potencialidades também puderam ser desenvolvidas na etapa 2, quando os discentes exerceram o papel de futuros gestores, o que é de extrema importância. De acordo com as DCN do curso de Medicina, espera-se da formação o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes do acadêmico com o intuito de fomentar o protagonismo médico, com aptidão e competência geral de gerenciar e administrar os recursos físicos, materiais, informacionais, além de aptidões como gestores ou empregadores das equipes de saúde2),(15.
As reuniões on-line de cada grupo, incluindo discussões sobre o projeto a ser desenvolvido e os momentos interativos, possibilitaram, como evidenciado no feedback dos docentes e discentes, tanto a execução da proposta de saúde coletiva SC quanto momentos de distração, confraternização e alívio para os alunos em um contexto de isolamento social e de sobrecarga de outras atividades acadêmicas. Diversos estudos demonstraram os impactos do isolamento social e do ensino remoto na saúde mental de estudantes de Medicina, os quais já fazem parte de um grupo de risco para transtornos mentais, sendo estes potencializados durante esse período16),(17. Dessa maneira, observou-se a importância desse trabalho em grupo não apenas para o componente curricular, mas também para o bem-estar dos estudantes durante a pandemia da Covid-19.
Além de utilidades e aprendizados gerados pela atividade “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde”, notaram-se algumas limitações e dificuldades durante o processo de construção dos projetos e de gestão de recursos. Ao serem orientados da segunda etapa da experiência, os acadêmicos compartilharam, durante o feedback, que se sentiram inseguros, confusos e despreparados para decidir em qual(is) produto(s) da feira deveriam investir. Desse modo, perceberam a necessidade de conhecer mais sobre o funcionamento da “gestão em saúde” para a melhor realização dela. A queixa dos estudantes, ademais, vai ao encontro de achados na literatura que demonstram que o ensino de gestão e empreendedorismo na graduação médica brasileira é incipiente, sendo pouco explorado durante as disciplinas, forçando os alunos, muitas vezes, a procurar esse déficit em outras áreas extracurriculares18. Nessa perspectiva, compreende-se que a atividade foi inovadora ao trazer o tema para discussão dos estudantes, contudo o aproveitamento da vivência e a noção de gestão pública poderiam ser aprimorados a partir de uma preparação teórica prévia sobre a temática e suas aplicabilidades.
Ademais, ao considerarmos que o sucesso dos bons gestores públicos está relacionado ao esforço e à determinação de (re)conhecer a realidade de determinada situação com a finalidade de buscar postura e empenho mais adequados19, percebemos que a falta de mais informações sobre as regiões da atividade limitou a prática de uma gestão coerente e apropriada. Nesse contexto, a distribuição de recursos, na maioria dos grupos, organizou-se a partir de critérios - que não se relacionavam às verdadeiras necessidades locais das regiões pelas quais os “médicos gestores” estavam responsáveis - definidos por membros de cada equipe. Embora não tenha sido prejudicado o objetivo da experiência, a disponibilização de material sobre as principais demandas e recursos presentes em cada território teria exigido habilidade de nortear iniciativas de projetos que influenciariam e fariam diferenças diretamente na vida da população correspondente.
Por fim, destaca-se que a atividade foi adotada pelos docentes do módulo após o retorno das aulas presenciais, com algumas alterações e adaptações ao modelo físico. Contudo, por não abranger o objetivo e enfoque deste relato de experiência, sua elaboração não será abordada neste artigo.
CONCLUSÕES
A partir da experiência, os discentes conseguiram compreender e estudar a construção histórica dos conceitos e das ações de promoção da saúde por meio da leitura das diversas cartas disponibilizadas pelos docentes, atuando de forma ativa na elaboração do conhecimento, bem como, por meio da divisão da turma em diversos grupos, apreender de forma prática a regionalização do SUS, entendendo que cada território possui suas particularidades em saúde pública. Ademais, ao atuarem como médicos gestores, os estudantes desenvolveram suas habilidades de gestão em saúde e trabalho em equipe, discutindo quais ações mereciam maior ou menor investimento em seu território ao distribuírem os dotes disponibilizados.
Desse modo, a atividade conseguiu de forma interessante, lúdica e criativa integrar diversos conceitos em saúde coletiva, e, de modo ativo, trabalhar as habilidades e criatividade dos estudantes, bem como o trabalho em equipe, além de servir como um momento de distração e lazer durante a extensa carga horária da graduação do curso de Medicina. Portanto, recomenda-se a aplicação da atividade em outras instituições de ensino, não apenas para o curso médico, mas também para estudantes da saúde em geral, uma vez que os conceitos de saúde coletiva aqui expostos são necessários em todas as áreas da saúde. Além disso, é possível adaptar a atividade para um cenário presencial, com o retorno das atividades acadêmicas, potencializando a interação dos estudantes.
A “Feira Virtual das Cartas de Promoção da Saúde” é um exemplo de como a educação médica é capaz de sair do padrão de ensino de forma ativa, criativa, interativa e mais próxima da realidade do SUS, formando profissionais com habilidades cada vez mais eficazes para resolver as questões reais do sistema.