1 Delimitando a discussão
A curiosidade epistemológica por investigar as propostas de leitura no Livro Didático, doravante LD, do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), como prática cultural polimorfa, teve por gênese as nossas inquietações sobre o que se propõem a ser lido na escola por alunos que, historicamente, trazem a marca de “oprimidos” e que, em muitos contextos, não têm, ou tiveram, acesso aos bens culturais disponíveis na sociedade letrada, conhecimentos dos poderosos (YOUNG, 2014).
A analogia com o termo “oprimido”, no título deste artigo, deve-se ao reconhecimento da importância à Educação, da publicação do livro: Pedagogia do Oprimido, de Freire (2003), do qual, no ano corrente, em diversos países, se fez apologia ao cinquentenário da publicação. Neste “manuscrito” sobre o oprimido, que conseguiu e consegue alertar seus leitores sobre a importância da libertação dos sujeitos pela educação, Freire (2003, p.11) alerta-nos que “não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda.
Adentrar a escola para ouvir os ecos das práticas de leitura vivenciadas pelos sujeitos da EJA, foi/é fundamental para repensarmos também sobre os contributos do currículo e da didática de leitura na formação do leitor crítico, leitor do mundo! E, aos poucos, as práticas curriculares observadas foram evidenciando que o LD ainda era/é pouco utilizado no Ensino Médio da EJA (SANTOS, 2017; 2018); as práticas de leitura são relativamente homogêneas quanto à escolha dos gêneros textuais; e os sujeitos alunos demonstraram que vivenciam práticas de leitura contemporâneas por meio da cultura digital (correio eletrônico, Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter, leituras informativas); além de realizarem outras práticas de leituras em contextos extraescolares, entre elas, leitura de livros de ficção romanesca (SANTOS; SANTOS, 2016).
Com o sentimento de inacabamento (FREIRE, 2003) dos infinitos objetos que ainda precisam ser investigados, no que diz respeito as práticas curriculares de leitura na EJA, definimos por objetivo: analisar as práticas de leitura do livro didático de língua portuguesa do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos, desvelando a perspectiva, ou não, da leitura como aprendizagem cultural polimorfa, que se materializa em rede de gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008) e de práticas culturais letradas. A cultura letrada, de direito a todos, em tempo de luta por justiça social (CONNELL, 2006, 2012), não pode ser negada nos bancos escolares. E “àqueles que se comprometem autenticamente com o povo é indispensável que se revejam constantemente. Esta adesão de tal forma radical que não permite a quem a faz comportamentos ambíguos” (FREIRE, 2018, p. 51).
As práticas de leitura escolar são frequentemente vistas como distantes ou (des)associadas dos valores e das experiências e da cultura dos alunos da EJA. Tudo isso, pela crença de que são sujeitos que historicamente sofrem os (e)feitos de uma sociedade na qual o acesso à leitura, enquanto bem cultural ainda, como bem definida na obra Los herederos (BOURDIEU, 2009), é direito de poucos, os escolhidos. Para a desconstrução desse cenário, a ação política junto aos oprimidos, na/pela escola, tem de ser, no fundo, uma ‘ação cultural’ para a liberdade, por isso mesmo, ação com eles (FREIRE, 2018, p. 56).
Ao pensar no acesso e/ou na negação dos bens culturais de uma sociedade letrada, a análise das práticas de leitura como aprendizagem cultural polimorfa no LD, fundamenta-se na perspectiva de que o polimorfismo da leitura “tem por consequência o fato de ela se revelar necessária até mesmo determinante para descobrir, iniciar-se e depois dominar outras práticas culturais. Assim, ao ir ao encontro de todas as outras” (BUTLEN, 2015, p. 22) mais complexas (Santos; Leite, 2018), a leitura se afirma como a mais naturalmente polimorfa das práticas culturais (Passeron, 1986; 1991) de uma sociedade letrada.
Tendo por foco essas reflexões, o artigo é composto de cinco partes: na primeira, apresenta reflexões sobre o ensino de língua portuguesa na EJA; na segunda, dialoga sobre a leitura da palavra e do mundo para além de um conceito; na terceira, descreve os procedimentos metodológicos; na quarta, analisa as práticas de leitura sugeridas pelo LD; e, por fim, são tecidas as considerações.
2 Ensino de língua portuguesa na EJA: diálogo sobre a prática de leitura
O ensino de língua portuguesa, no ensino médio de EJA, apresenta-se como uma possibilidade de ampliação da competência linguística do aluno para se comunicar em diferentes contextos de uso da língua materna, levando-nos a problematizar, em suas diversas incertezas, os rumos que as práticas de leitura vêm tomando no ensino médio de EJA, considerando a ausência de orientações curriculares para o trabalho na área de linguagem, código e suas tecnologias.
A aula de LP, em qualquer nível de ensino ou modalidade, pressupõe aprendizagens dos alunos com relação aos eixos: leitura, produção de texto, oralidade e análise linguística, para que esses sujeitos possam desenvolver habilidades e competências linguísticas no uso da LP enquanto prática social, capazes de compreendê-la como língua materna produtora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.
Sobre a especificidade do sujeito da EJA, aliás, segundo a Resolução nº 4, de 2010, do CNE/CEB, no art. 11, § 3º, os cursos em tempo parcial noturno devem estabelecer metodologias adequadas às idades, à maturidade e às experiências de aprendizagem, para atenderem aos jovens e adultos em escolarização no tempo regular ou na modalidade de EJA. Tudo isso impõe ao professor, na aula de leitura, considerar o leitor (aluno) sujeito que possui conhecimento enciclopédico ou de mundo, conhecimento linguístico e conhecimento interacional (KOCH; ELIAS, 2010).
Na inexistência de uma proposta curricular para o EM de EJA, associado às dificuldades dos professores em compreendê-la como uma modalidade específica, as práticas de leitura, muitas vezes, são réplicas de vivências do ensino regular, e, como agravante, associado a um ensino de LP tradicional.
Em se tratando das práticas de leitura, mister se faz responder aos desafios impostos na/pela sala de aula pelos sujeitos, em sua maioria, jovens e adultos que almejam dar continuidade ao seu processo de escolarização, chegar à universidade, além de inserção em um mercado de trabalho competitivo.
3 Leitura da palavra e do mundo para além de um conceito
A aprendizagem da leitura, por sua vez, possibilitará ao aluno a construção de conhecimentos para se posicionarem sobre os seus problemas sociais, de modo que esses conhecimentos também melhorem suas relações na sociedade, tornando-as menos opressoras. Como ressalta Freire (1996, p. 24-25) “quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto”.
Repensar nas práticas de ensino da leitura na EJA, como práticas culturais polimorfas, para que possam garantir a emancipação dos sujeitos, impõe também repensar na didática da leitura, em especial, na escolha dos gêneros textuais e nos encaminhamentos didáticos para o procedimento da compreensão do texto. Segundo Candau (2005, p. 17) “[...] a didática, de modo geral, tem por objetivo o ‘como fazer’, a prática pedagógica, mas este só tem sentido quando articulado ao ‘para que fazer’ e ao ‘por que fazer”. Para Pimenta (2007), o repensar sobre a didática a partir da investigação/intervenção da/na prática, reconstrói, significativamente, os papéis e a importância do triângulo didático: professor (ensinar); aluno (aprender); conhecimento (formar). Corroborando na discussão, Santos et al. (2017, p. 6) afirmam:
Quando pensamos em leitura, nela estão os modos de ler, as ações de leitura, a decodificação dos signos, a produção de sentido e a busca de significado histórico e socialmente construído. A língua escrita não se constitui em uma sucessão de formas, sendo, pois, necessário apropriar-se dos significados construídos historicamente e a partir de suas relações com o meio atribuir-lhes sentido. Nessa dinâmica, é preciso considerar os textos oferecidos e as situações de mediação propostas para que a leitura se desenvolva e os sujeitos também. Nessa perspectiva, mais uma vez algumas questões se colocam: Quais textos podem nos ajudar a refletir sobre diferentes visões da realidade? Os leitores que estamos formando são capazes de fazer a leitura desses textos? Sobre que bases essas leituras estão sendo feitas? Todos os leitores produzirão o mesmo sentido sobre eles?
Esses questionamentos provocam o repensar no papel da didática da leitura na escola. Em outras palavras, uma didática da leitura, que garanta a formação dos sujeitos leitores para as exigências das práticas de leitura na sociedade, práticas de letramento(s) (ROJO, 2009). Nesse sentido, a didática da leitura implica a medição do diálogo leitor-texto-autor. O referido diálogo possibilita a construção de significados do (para o) texto pelo leitor, numa perspectiva de formação do leitor crítico. Segundo Freire (2011, p. 34-35):
Do ponto de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar ao caráter educativo do ato político. Isto não significa que a natureza política do processo educativo e o caráter educativo do ato político esgotem a compreensão daquele processo e deste ato. Isto significa ser impossível, de um lado, como já salientei, uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, dos seres humanos, dos seres humanos em geral; de outro uma política esvaziada de ação educativa.
Dado o exposto, a leitura, entendida na escola como prática cultural polimorfa, pressupõe formar “o leitor capaz de distanciar-se da ingenuidade diante dos textos alheios que trazem uma visão de mundo” (SANTOS, 2017, p. 7).
4 O tear da pesquisa, tecida unidade a unidade
Adotamos por aporte metodológico a pesquisa qualitativa, de natureza documental, que se desenvolveu com base na análise de documentos (livro didático, Guia do livro didático, resoluções oficiais). Seguimos as orientações da abordagem qualitativo-interpretativa, e utilizamos a técnica da análise documental. Tal análise se materializou por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo da mensagem. Assim, analisamos as propostas de leitura do LD tentando compreender criticamente os conteúdos manifestos ou latentes, no que diz respeito à concepção, ou não, da leitura como aprendizagem cultural polimorfa.
O corpus de análise consistiu em 1 (uma) coleção de livros didáticos do ensino médio da EJA. Nesse sentido, procedemos à análise das 3 (três) unidades de Língua Portuguesa do livro didático “Linguagens e códigos Ensino Médio: Linguagens e culturas”, da coleção Viver e Aprender (ALMEIDA et. al., 2013), e respectivamente as unidades: ‘’Linguagens para comunicação’’, ‘’Visões’’ e ‘’A caminho da modernidade’’.
Vale salientar que a pesquisa foi desenvolvida no âmbito do projeto Pibic/CNPq (2017-2018), intitulado: "Livro didático de língua portuguesa no Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos: o lugar da leitura como prática cultural polimorfa." E, a referida coleção analisada, à época, era a única coleção de livro didático destinada ao Ensino Médio de EJA pelo PNLD/MEC.
5 Práticas de leitura sugeridas pelo LD
A necessidade de se estabelecer um programa nacional de distribuição de livro didático adequado para atender a este público específico e, ao mesmo tempo, plural, deve atentar para a realidade vivida pelos sujeitos da EJA, de modo a considerar a diversidade e a importância das práticas de leitura, enquanto aprendizagem cultural polimorfa que desperta a curiosidade e capacidade de se posicionar criticamente mediante a leitura de um texto e do mundo. Desse modo, as propostas de leitura de gêneros textuais na escola precisam estabelecer pontes entre a herança cultural clássica e as criações contemporâneas. De modo que, a eficácia de tal ação pedagógica pressupõe o entendimento de leitura como aprendizagem cultural polimorfa.
Debruçamo-nos sobre a análise das práticas de leitura propostas pelo LD, com o olhar direcionado para o tratamento dos gêneros textuais, observando se os gêneros presentes no LD para a leitura são diversificados, se as práticas propostas se aproximam das práticas sociais de leitura dos educandos da EJA, e se estão, ou não, relacionadas também a uma herança cultural polimorfa. Nesse sentido, sistematizamos nossos achados sobre as práticas de leitura:
Unidade 1 | Gêneros | Propósitos da leitura do LD |
---|---|---|
Linguagens para comunicação | Fragmentos de artigos científicos | Realizar a leitura de fragmentos de artigos científicos. |
Fotos (de obras de arte clássica, pinturas rupestres, grafites de arte urbana) | Realizar a leitura do gênero para que possam compreender o conceito de Arte, Artista e Obra de Arte. | |
Música | Compreender um samba-enredo para que possam entender a formação histórica da Língua Portuguesa. | |
Poemas | Leitura e compreensão de um poema de Olavo Bilac. | |
Fragmento do livro “Método moderno de tupi antigo”. | Leitura de trechos extraídos do livro “Método moderno de tupi antigo” de Eduardo de Almeida Navarro. | |
Notícia | Leitura de fragmentos de textos de divulgação científica. | |
Contos | Leitura de um fragmento de um conto para compreender os aspectos da cultura indígena. | |
Romance | Ler textos do livro Cartas de Graciliano Ramos. | |
Biografia | Ler narrações da história de vida de personalidades brasileiras (Poetas). | |
Charge | Ler e compreender charges, retiradas dos cadernos de provas do ENEM - 2015. | |
Depoimento | Ler depoimentos de autores e intérpretes da música brasileira do século XXI. | |
Discurso | Ler o discurso de posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. | |
Peça teatral | Ler fragmentos das peças teatrais Auto da barca do inferno e na festa de São Lourenço. | |
Documento histórico | Ler fragmentos da carta de Pero Vaz de Caminha. |
Fonte: Almeida et al., 2013.
No quadro 1, observamos que há uma diversidade de propostas de leituras que apresentam gêneros textuais de uma herança cultural clássica, sobretudo os literários, e alguns poucos gêneros de criações mais contemporâneas, destacando-se as notícias, o discurso presidencialista e as charges do ENEM do ano de 2015.
Considerando que as situações sociais de uso da linguagem contemporânea originam “novos” gêneros textuais, com suas características que lhe são peculiares, nesse sentido, Bakhtin (2003) vincula a formação dos gêneros do discurso ao aparecimento de novas esferas de atividade humana, com finalidades discursivas específicas.
Na era da textualidade eletrônica (Rojo, 2009), estamos diante de novas modalidades de construção, publicação e recepção dos discursos históricos. Assim, embora sejam apresentadas uma diversidade de gêneros discursivos de uma herança cultural clássica, as criações contemporâneas, sobretudo, as da cultura digital, foram negligenciadas na unidade 1.
Dando continuidade, observem a proposta da unidade 2 (quadro 2), intitulada de: “Visões”:
Unidade 2 | Gênero | Propósitos da leitura |
---|---|---|
Visões | Poemas | Ler cinco poemas de Gregório de Matos. |
Fragmentos de textos | Ler textos sobre a Literatura Brasileira Barroca. | |
Sermão | Ler ‘’Sermão vigésimo sétimo, com o Santíssimo Sacramento exposto’’. | |
Anedota | Ler e compreender um texto de uma questão do ENEM - 2015. |
Fonte: Almeida et al., 2013.
No quadro 2, de forma mais pragmática, os alunos são convidados a ler apenas os gêneros discursivos: poemas, fragmentos de textos sobre a Literatura Brasileira Barroca, fragmentos de um sermão e anedota, evidenciando que em ambas as unidades, os gêneros sugeridos para a leitura, mantém, em sua grande maioria, uma relação de intertextualidade e de interdiscursividade (Koch; Elias, 2010), numa perspectiva de redes entre gêneros. E tentam articular, nas unidades propostas, os eixos de ensino da Língua Portuguesa: leitura e da literatura.
Apesar da pouca variação textual na unidade 2, ela coloca o aluno a refletir, questionar e se posicionar, por meio do diálogo entre as temáticas abordadas nos textos. E, seguindo a mesma orientação didática da unidade 1, na análise da unidade 2, identifica-se também um afastamento da proposição de práticas de leitura de textos que estabeleçam “pontes” entre a herança cultural clássica e as criações mais contemporâneas, como referido, essência da proposição a leitura como prática cultural polimorfa.
As propostas de leitura da unidade 3, “A caminho da modernidade”, analisadas, foram sistematizadas no quadro 3, em que se observam:
Unidade 3 | Gênero | Propósitos da leitura |
---|---|---|
A caminho da modernidade | Foto de óleo sobre tela | Ler gêneros para que possam compreender alguns conceitos de arte clássica. |
Poemas | Ler, entre outros, os poemas Trova do poeta de vanguarda ou The médium is the massage’, de Davi Arrigucci Júnior, Máquina de escrever de Mário de Andrade; O capoeira, Nova Iguaçu, Bonde, Música de manivela, Canto do regresso a Pátria de Oswald de Andrade; Canção do exílio de Gonçalves Dias; Pronominais de Jorge Schwartz; Brasil de Oswald de Andrade; José, A bomba, No meio do caminho, Quadrilha, Cidadezinha qualquer, de Carlos Drummond de Andrade. | |
Biografia | Os alunos são convidados a lerem as biografias de Mário de Andrade, de Oswald de Andrade, de Graciliano Ramos, de João Cabral de Melo Neto, de João Guimarães Rosa; de Haroldo de Campos, de José Vieira Mateus da Graça. | |
Fragmentos de textos da literatura brasileira | Ler os textos: O primeiro tempo modernista: desconstrução de padrões estabelecidos, História literária: os autores e suas obras, História e produção literárias no Brasil; O primitivo e o moderno; o nacional e o estrangeiro; História literária e a produção artística no Brasil: o tropicalismo; O segundo tempo modernista, História e produção literária; Romance regional da segunda fase modernista: crítica social, Vidas secas: quadro da miséria, História literária: os autores e suas obras; História literária: os autores e suas obras; Arte concreta; Várias formas de exploração da visualidade; Arte nas sociedades africanas, Primitivo e moderno. O traço indígena na arte moderna brasileira; O artista popular; Arte Naif. | |
Música | Ler as canções: Chiclete com banana de Gordurinha e Almira Castilho; Geleia geral de Gilberto Gil e Torquato Neto; Não tem tradução, de N. Sobral. | |
Artigo de opinião | Ler o artigo de opinião: “É proibido proibir os baianos” de Augusto de Campos. | |
Romance | Ler trechos do romance Macunaíma de Mário de Andrade; Vidas secas de Graciliano Ramos; Manuelzão e Milinguim; A paixão segundo G.H. de Clarice Lispector. | |
Crônicas | Ler as crônicas: amanhecer na cidade de Ignácio de Loyola Brandão; A outra noite de Rubem Braga. | |
Conto | Ler os contos: As cerejas de Lygia Fagundes Telles; Estória da galinha e do ovo de José Luandino Vieira. | |
Notícia | Ler recortes do jornal Folha de São Paulo: Juiz considera Lei Maria da Penha inconstitucional e diabólica; e “País atrai mão de obra brasileira”. | |
Tira em quadrinho | Ler e compreender o texto em quadrinho Grump de Orlandeli. |
Fonte: Almeida et al., 2013
Em uma abordagem comparatista da arte, a leitura das/sobre as criações literárias clássica e contemporânea pode desenvolver o raciocínio crítico do jovem e/ou adulto leitor. Pois, o olhar sobre a criação literária oferece ricas oportunidades de reflexão pedagógica sobre os estilos, as formas estéticas no tempo e no espaço. E o êxito da aprendizagem cultural polimorfa da leitura é propiciado quando se coloca em evidência o conjunto de redes de gêneros e intergêneros (MARCUSCHI, 2008).
Além dos gêneros literários, identificamos também um número significativo de gêneros que abordavam a criação artística popular e a problematização envolvendo as minorias sociais (SODRÉ, 2005). Além da presença da música Popular Brasileira (MPB), tiras em quadrinhos, notícias de jornal, em matérias que expunham temas presentes na realidade social, como violência doméstica e questões trabalhistas; ambas as temáticas extremamente presentes no dia a dia de mulheres e jovens, aproximando-se da realidade social dos sujeitos da EJA.
Em uma análise geral, como podemos observar nos quadros, o LD apresenta uma tentativa de considerar a leitura como aprendizagem cultural polimorfa. Destacando-se a presença de gêneros literários, tendo maior predominância de poemas e fragmentos de obras literárias. Fazemos a ressalva de que há a ausência de gêneros que circulam na cultura digital, e que estão frequentemente presentes nas práticas de leitura dos estudantes, contrapondo-se, até certo ponto, ao Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF, 2007), de que os jovens se mostram leitores mais assíduos do que os adultos, quando se trata de livros de poesias, romances, ficção e revistas, e que são usuários mais frequentes dos computadores, uma atividade que, ao contrário do que é comum se afirmar, implica leitura e, eventualmente, escrita (SOUZA; CORTI; MENDONÇA, 2012).
O LD propõe a leitura, compreensão e análise dos textos literários como instrumento de crítica da realidade social e histórica. E consideravam-se nas reflexões das unidades as variantes linguísticas, reconhecendo as diversas regiões da cultura brasileira e latino-americana.
Constatamos que há a recorrência de fragmentos de textos literários, de músicas da cultura popular brasileira, de poemas de referências históricas da literatura nacional e latino-americana, biografia, textos literários do tipo conto e romance, além de imagens de obras de arte clássica, pintura rupestre e grafites de arte urbana e charges.
O entendimento da leitura como prática cultural polimorfa, no conjunto das práticas de leitura propostas no LD, pode ser observado ainda timidamente nas unidades analisadas. As referidas unidades propunham, em sua maioria, a leitura de gêneros textuais que circulavam nas práticas sociais dos educandos da EJA.
6 Para (não) concluir, eis algumas considerações
Ao debruçarmos o olhar sobre a análise das práticas de leitura propostas pelo LD, direcionado para o tratamento dos gêneros textuais, observamos se os gêneros textuais propostos para a leitura eram diversificados e se as práticas de leitura encontradas no LD se aproximavam das práticas sociais de leitura dos educandos da EJA, e se estavam relacionadas também a aprendizagem da leitura como uma herança cultural polimorfa.
Ponderamos que a obra analisada propunha o trabalho com a leitura, a escrita, a oralidade e a análise dos fenômenos linguísticos nos textos, a partir de propostas de leitura dos gêneros literários e dos gêneros das práticas sociais; possibilita, ao considerarmos os contextos específicos, a análise do texto literário como instrumento de crítica da realidade social e histórica.
Entretanto, apesar dos textos encontrados serem extremamente ricos, com ênfase no gênero literário, evidenciamos que há uma escassez no que condiz aos gêneros que circulam na cultura digital, e que são bastante presentes nas práticas diárias dos jovens e adultos.
Vale ressaltar que, no artigo “Leitura: uma prática cultural polimorfa”, o cânone escolar é frequentemente visto como demasiado acadêmico, muito distante, do ponto de vista cognitivo, mas também muito afastado dos valores, das experiências, da cultura, da subjetividade e das fontes de prazer dos jovens do século XXI (BUTLEN, 2015). Nessa pesquisa, realizada com adolescentes do ensino médio, Butlen (2015) se propôs a compreender como a escola busca desvelar se as práticas sociais dos estudantes são consideradas no currículo disciplinar por meio das práticas de leitura, e avalia se essas práticas são polimorfas.
Em últimas palavras a investigação mostrou que os textos abordados no Ensino Médio, no âmbito escolar, a partir das sugestões do LD, muitas vezes, não possibilitam práticas de letramento, nas quais os jovens se engajam diariamente como, por exemplo, a leitura de textos religiosos, e-mails, sites de relacionamento, dentre outras, deixando de aproximar os interesses dos alunos nas atividades de leitura e escrita em sala de aula.