1 Introdução
A reflexão sobre as diferenças sociais vem sendo realizada pela sociedade civil em relação aos ambientes físicos, equipamentos de assistência social e procedimentos educativos, no intuito de promover o diálogo a respeito da diversidade humana (CARVALHO, 2012). Com o estabelecimento dessas discussões, a temática da inclusão foi impulsionada com foco para o atendimento às necessidades de desenvolvimento humano das minorias sociais e, entre essas, as questões referentes às pessoas com deficiência (OLIVEIRA; NERES, 2013). Omote (2004) destaca que a sociedade civil vivencia o movimento de inclusão das minorias, principalmente de pessoas com deficiência. Embora essa ação seja reconhecidamente importante, ainda se demonstra insuficiente e superficial para a promoção da modificação do cenário social, o qual apresenta experiências marcadas por práticas culturais e políticas discriminatórias.
Ao abordar o enfrentamento da deficiência, destaque-se a área da educação, na qual a temática se faz presente nos diferentes níveis de escolarização, de modo particular na educação profissional e tecnológica, tema deste trabalho. No contexto da educação especial na perspectiva da educação inclusiva e na busca em identificar a necessidade contemporânea de estabelecer processos e metodologias para o ensino dessas pessoas, as instituições de ensino passaram a estabelecer discussões e ações educativas para esse público. Tais ações são fruto da conquista de legislações que possibilitaram a garantia do direito e o acesso à educação, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), que garantiu o direito à educação a todo cidadão brasileiro.
O cenário da inclusão de pessoas com deficiência em instituições de ensino regulares agrava o contexto do diálogo social sobre a condição de deficiência, pois as denominadas ações de inclusão ocorrem, na maioria das vezes, por cumprimento da lei, mas em detrimento de uma estrutura de acompanhamento educacional e especializado que atenda às demandas e necessidades de aprendizado do aluno com deficiência. São recorrentes as intervenções jurídicas para o cumprimento das leis, como é o caso da Lei nº 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015), que garante a inclusão de pessoas com deficiências nos diversos ambientes e, principalmente, nas instituições de ensino superior.
O Censo de Educação Superior do ano de 2017 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2018) revelou que das 8.286.663 matrículas de alunos no ensino superior, apenas 0,46% são de pessoas com deficiência. Uma das possibilidades de ingresso de pessoas com deficiência em ambientes de ensino ocorre no ensino superior, por exemplo, por meio dos cursos superiores de tecnologia. Esses cursos surgiram no final de 1960, devido à necessidade de inserção do Brasil em mercados competitivos globais, sob a perspectiva da modernização e da democratização do ensino universitário no país. Essa modalidade de ensino foi proposta como modelo alternativo para o mercado de trabalho, buscando o desenvolvimento de competências demandadas pelo setor produtivo do país, em nível superior de ensino (PETEROSSI, 2014).
Nesse contexto, objetivou-se descrever e refletir sobre o acompanhamento de alunos com deficiência em um curso superior de tecnologia.
2 Contextualização sobre o curso superior de tecnologia e seus alunos com deficiência
A formação profissional de trabalhadores no Brasil constituiu-se historicamente por meio da categoria dualidade estrutural, entre formações intelectualizadas e instrumentais, sendo nítida a demarcação da trajetória educacional em uma sociedade que desenvolve forças produtivas apoiadas na divisão entre o capital e o trabalho. As escolas eram diferenciadas entre aquelas que possibilitavam a formação intelectualizada, tomada por ações instrumentais, e aquelas que concentravam esforços na formação profissional, em instituições especializadas ou no próprio contexto do trabalho, ensinando, assim, as formas de fazer e desconsiderando o desenvolvimento do conhecimento científico e social (ESCOTT; MORAES, 2012; MANFREDI, 2002).
Os cursos superiores de tecnologia foram constituídos sobre essa base histórica, sendo definidos como cursos de graduação com características especiais em termos de carga horária − 2.400 horas − e estrutura curricular dividida em horas-aula teóricas e práticas, com acesso por meio de processo seletivo. Obedecem às Diretrizes Nacionais aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, podendo ser ministrados por universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades isoladas, institutos superiores de ensino e centros de educação tecnológica (BRASIL, 2001).
Nesse contexto, o debate da temática da inclusão na educação profissional e tecnológica e o atendimento das necessidades de ensino e aprendizagem do aluno com deficiência ainda são quase inexistentes. Há urgência em fomentar discussões que prezem pela inclusão, com adoção de estratégias de ensino e utilização de recursos para a aprendizagem com atendimento educacional especializado nesse grupo de alunos, de forma a proporcionar o aprendizado de qualidade.
O Censo da Educação Superior do ano de 2017 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2018) apresentou o número de 999.289 matrículas em cursos superiores de tecnologia, indicando-os como potencial via de acesso ao ensino superior, principalmente aqueles ofertados em instituições públicas. Embora a proporção de matrículas de alunos com deficiência no ensino superior seja de 0,46%, os cursos superiores de tecnologia têm apresentado crescimento no número de matrículas, sendo uma oportunidade de acesso ao ensino superior para o aluno com deficiência.
A faculdade de tecnologia cujo acompanhamento de alunos com deficiência será descrito teve sua fundação por meio do Decreto nº 50.575/2006 (SÃO PAULO, 2006). É uma das unidades de ensino do Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”, do estado de São Paulo, Brasil, com sede no interior do estado. Pertence ao eixo tecnológico da produção alimentícia, ofertando nos períodos diurno e noturno o curso de Tecnologia em Alimentos. Esse era o único curso presencial na unidade.
Em relação ao ingresso de alunos com deficiência nessa unidade de ensino, a entrada do primeiro ocorreu no ano de 2009, sendo esse um aluno com deficiência visual. Até o primeiro semestre de 2016, período em que ocorreu o último acesso aos dados de matrícula da faculdade, constavam a matrícula regular de oito alunos com deficiência: quatro alunos com deficiência visual, um cego e três com baixa-visão; dois alunos com deficiência auditiva; um com deficiência física; e um com deficiência múltipla.
Mediante o processo de inclusão dos alunos com deficiência na instituição de ensino, foram registradas atividades de atendimento educacional especializado, realizadas por um professor contratado pela unidade de ensino em caráter de contratação emergencial, denominado “professor de suporte”. Esse docente teve a incumbência de iniciar o acompanhamento de alunos com deficiência na faculdade, bem como desenvolver todos os materiais necessários para o atendimento às suas demandas acadêmicas.
O professor de suporte era um docente contratado em caráter emergencial, por solicitação da direção da Faculdade de Tecnologia à superintendência do Centro Estadual de Educação Tecnológica, pelo período máximo de dois anos. Esse profissional tinha formação na área de alimentos e especialização na área da educação especial e, de acordo com as atividades de aulas teóricas e práticas, discriminadas no plano de ensino de cada disciplina, desenvolvia materiais para uso em aulas práticas, adaptava conteúdo, criava audiodescrições e realizava acompanhamento em contraturno.
Foram desenvolvidas pelo professor de suporte estratégias de ensino, fomentando ainda o uso de tecnologias – por exemplo, concedeu treinamento a alunos com deficiência visual sobre softwares ledores e lupas eletrônicas disponíveis gratuitamente na internet. Também representou procedimentos de técnicas de análise de alimentos, por meio de massa de modelar para representar a cadeia de DNA, papel cartão para Técnica de Cromatografia em Camada Delgada, cola em alto relevo para reconhecimento de culturas de micro-organismos, utilizando ainda desenhos em softwares de representação gráfica para processamento de alimentos, audiodescrições de conteúdos teóricos, bem como a metodologia de acompanhamento para cada deficiência em específico.
Por meio dos registros de atendimento do professor de suporte foi possível compreender a constituição do acompanhamento dos alunos com deficiência, em que são demarcados aspectos estruturais do processo de atendimento a esse alunado. Os aspectos contemplados compreendem o conhecimento sobre quem é o aluno com deficiência, a organização da instituição de ensino quanto à inclusão desse público, a organização do atendimento educacional especializado e a ação de acompanhamento realizada na faculdade de tecnologia.
3 A busca por conhecer o aluno com deficiência ingresso
O início do processo de ensino consiste em conhecer o aluno com o qual se irá desenvolver o processo de aprendizagem. Núñez (2009) enfatiza que o aluno é o centro do processo de aprendizagem, considerando-o como um sujeito ativo e direcionado pelas intenções do professor quanto aos conteúdos a serem estudados. Por isso, a interação do aluno como sujeito da aprendizagem, suas ações com o objeto e com o uso dos diversos meios educativos, em condições sócio-históricas, são elementos essenciais. Com o aluno com deficiência não seria diferente; contudo, é uma ação imprescindível.
Para desenvolver o acompanhamento inclusivo no curso superior de tecnologia foi necessário observar a preocupação em conhecer aspectos pessoais desse aluno, entre esses as suas características mais particulares, como: sua crença, seu modo de abordar a deficiência, como ocorreu sua escolarização e quais são as suas expectativas para o ensino superior. Tais aspectos foram contemplados no início do atendimento aos alunos com deficiência por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada, elaborado pelo professor de suporte. Esse profissional é responsável pelo atendimento educacional especializado dos alunos com deficiência durante todo o curso, e tem por incumbência cuidar de todas as demandas educacionais que envolvem a inclusão de alunos com deficiência na instituição de ensino.
Quando o professor de suporte entrevistava o aluno com deficiência, começava a aproximação do aluno com o profissional, o qual iria realizar todo o processo de mediação na instituição de ensino, traduzindo essa ação como o início da construção de condições de acesso, suporte e confiança no sucesso da trajetória acadêmica do aluno com deficiência na instituição de ensino superior. Ao serem abordadas características específicas da vida do aluno, foi possível identificar o seu domínio sobre o conteúdo do currículo da educação básica, apresentado por meio da descrição de sua escolarização e enfatizado pela aquisição da língua portuguesa falada e escrita, como também pelo conhecimento sobre o uso de recursos de tecnologia assistiva.
A opção pela entrevista semiestruturada adotada pelo professor de suporte pode ser considerada assertiva, pois, segundo Manzini (2006), esse procedimento proporciona o processo de interação social, verbal e não verbal, possibilitando o estudo do fenômeno pesquisado, principalmente pela mediação ocorrida por meio da linguagem. Com a finalidade de estreitar laços afetivos e favorecer a empatia entre o aluno com deficiência e o professor de suporte, a opção pela escuta do aluno com deficiência foi a estratégia que permitiu condições propícias para o acompanhamento logo no ingresso ao ensino superior, aspecto que beneficiou o vínculo de ensino-aprendizado.
As questões a respeito da escolha do curso superior e do seu trajeto desde a inscrição no processo seletivo até o ingresso foram pontos importantes e abordados na entrevista pelo professor de suporte, com o objetivo de conhecer o nível de expectativa do aluno em relação ao seu desenvolvimento profissional, fato indispensável para compreender e cuidar das ações de inclusão. Shimite (2017) destacou que trazer a “voz” do aluno nesses momentos proporciona maior efetividade e assertividade das ações de inclusão propostas, bem como um ganho de autoestima e de desenvolvimento do aluno com deficiência.
Freire (2019) enfatiza a importância da escuta do aluno para a obtenção de sua percepção, exigindo que o professor esteja disponível para acolher suas dificuldades, anseios, as diferenças do outro e colocar-se no lugar do aluno com deficiência para juntos identificar as suas necessidades de aprendizagem. Nos registros de acompanhamento do aluno com deficiência constava a descrição detalhada sobre a trajetória escolar do aluno, seu perfil, sua experiência com o uso de tecnologia assistiva, suas observações sobre experiências sensoriais, necessidades educacionais e as expectativas em relação ao ingresso no ensino superior. Esses aspectos foram descritos como uma caracterização do aluno com deficiência e serviram para orientar as estratégias de ensino elaboradas e utilizadas pelo professor de suporte.
4 Organização de um curso superior de tecnologia em relação à inclusão de aluno com deficiência
No mesmo momento de entrevista com o aluno, também foi possível constatar a importância concedida pelo professor de suporte em identificar a relação do aluno com a condição de deficiência e sua experiência de contato com o suporte de equipes multidisciplinares no seu desenvolvimento e/ou em instituições especializadas no atendimento a pessoas com deficiência. Com a finalidade de organizar as estratégias de acompanhamento considerando a fala do aluno, foram aspectos relevantes à sua identificação como pessoa com deficiência o reconhecimento da relação social e de aceitação da condição social de deficiência pelo aluno, na e pela sua família e em sociedade.
Ao buscar abordar a percepção do aluno com deficiência sobre a sua condição, foi possível avaliar os limites do trabalho de acompanhamento com o aluno sem ultrapassar o respeito à sua liberdade de reconhecer-se como pessoa com deficiência. Goffman (1988) discutiu a dificuldade da pessoa com deficiência em reconhecer-se, provocando a manipulação do estigma da deficiência, o qual permeia o ocultamento e a revelação de sua condição social. Também, Skliar (2006, p. 36) destaca “a necessidade de melhor identificar como as diferenças nos constituem como humanos” e como a compreensão das diferenças perpassa o coletivo, mas também o indivíduo considerado desviante. Nesse sentido, Omote (1994, p. 69) enfatizou que a deficiência e a não deficiência são construídas socialmente, sendo que “a deficiência é destacada da normalidade pelo recorte que é feito em função de algum critério”, e que “se faz necessário compreender como os sujeitos não-deficientes interpretam as deficiências” (OMOTE, 1994, p. 70).
Ao refletir sobre a ação de conhecer o aluno com deficiência, foi possível constatar a ausência do coordenador pedagógico do curso nesse momento. Sua participação era considerada importante pelo professor de suporte, já apontando a dificuldade em estabelecer o trabalho colaborativo1 entre os agentes envolvidos no processo de formação do aluno com deficiência, realidade recorrente e também destacada nas pesquisas de Almeida Júnior e Fernandes (2016) e Anache e Cavalcante (2018). A criação de uma equipe de suporte composta por coordenador pedagógico, professor de suporte, representante(s) docente(s) e representante(s) dos colaboradores da instituição estabeleceria o diálogo sobre a inclusão e a necessidade de conhecer o aluno com deficiência. Essas são etapas cruciais para o desenvolvimento de uma trajetória de eficiência no atendimento às necessidades do aluno e, se instituídas, poderiam contribuir para o acolhimento, a permanência e a conclusão do curso pelo aluno com deficiência (HAYASHI et al., 2012; SHIMITE, 2017).
Ao ser instituída uma equipe de suporte, o contato de seus integrantes com a temática da inclusão seria iniciado, assim como ocorreria o conhecimento de dúvidas, aflições, dificuldades, contrariedades e, principalmente, a ação de se falar a respeito de uma teoria intrínseca ao ambiente educacional, mas não contemplada em discussões no ensino superior (DAMIANI, 2008; GLAT; PLETSCH, 2010). Essa ação permite a sensibilização e estimula a equipe de suporte a construir novos sentidos sobre a condição de deficiência, circunstância que promoveria maior humanização e reconhecimento da pessoa com deficiência. Também poderia auxiliar o aluno com deficiência a reconhecer-se capaz de construir conhecimento acadêmico e social; como salientado por Glat (2018, p. 10), colaboraria para “ser protagonista de sua própria vida, em cada fase, na medida de suas possibilidades, de acordo com as circunstâncias, como os demais”.
5 Organização do atendimento educacional especializado
Após essa ação, foram identificados registros da exposição aos professores do curso dos dados obtidos na entrevista semiestruturada. Foram pontuados, dos resultados, aspectos positivos para o processo inclusivo, como o domínio de conteúdos acadêmicos e o uso de tecnologia assistiva. Também, em conjunto com os dados analisados pelo professor de suporte, foi possível identificar na análise dos documentos aspectos da personalidade dos alunos, do seu perfil acadêmico, habilidades instrumentais e dificuldades em relacionar-se socialmente. Contudo, os dados considerados relevantes pelo professor de suporte não receberam a mesma importância pelos docentes do curso de Tecnologia em Alimentos.
Nesse momento foi possível constatar a necessidade de discutir os aspectos históricos da Educação Especial, por meio de textos científicos amplamente disponíveis nos meios de pesquisa, bem como o contato com pesquisadores da área, pensando na constituição de momentos de formação com os docentes do curso de tecnologia em relação a temáticas da Educação Especial na perspectiva inclusiva. De acordo com Marques e Gomes (2014), Glat e Pletsch (2010) e Glat (2018), essa ação poderia proporcionar a compreensão e associação das características apresentadas pelo aluno aos resultados das pesquisas, bem como o estudo de teorias que possibilitassem e favorecessem o desenvolvimento do trabalho colaborativo entre professor da disciplina e professor de suporte no acompanhamento do aluno com deficiência, com vistas a atender às necessidades identificadas pela percepção do próprio aluno.
Apesar do esforço do professor de suporte em dialogar com os professores do curso, não houve interesse de muitos docentes em refletir a respeito da Educação Especial e da temática da inclusão, sendo que tal ação poderia proporcionar a ampliação da visão dos professores sobre o ensino do aluno com deficiência. As discussões a respeito dos temas referenciados poderiam promover um processo de modificação de visões dos professores do curso, que entendem essa ação como de responsabilidade de cursos superiores de Pedagogia e Psicologia (MOREIRA; BOLSANELLO; SEGER, 2011). Também poderia superar a compreensão da deficiência como desvantagem, incapacidade e anormalidade, pois que, nas palavras de Skliar (2006, p. 24), “a presença dos diferentes nos criam uma perturbação para a nossa própria identidade” e, assim, “nos sentimos mais confiáveis e seguros quando optamos por estar do lado dos bons, do normal e da normalidade” (SKLIAR, 2006, p. 25).
Nesse sentido, a responsabilidade de adaptar aulas práticas, elaborar materiais adaptados, discutir a respeito da acessibilidade arquitetônica, metodológica, comunicacional e digital, bem como de realizar ações que envolvessem o atendimento de solicitações do aluno com deficiência, foi desenvolvida pelo professor de suporte. Entretanto, a identificação das necessidades do aluno cabe também aos professores das disciplinas, que em conjunto com o professor de suporte podem propor estratégias para a promoção do processo de ensino-aprendizagem (PLETSCH; LEITE, 2017; ROCHA; MIRANDA, 2009).
Vigotski (1983) destaca que a visão do homem com o mundo não é direta, mas sim mediada pela intervenção de objetos materiais ou espirituais e instrumentos ou signos, como também na relação entre sujeitos. O princípio da mediação estabelece a estrutura da atividade humana mediada por ferramentas que rompem o vínculo entre estímulo e resposta, tornando possível o processo mental. Por meio dos dados coletados, desde o primeiro contato do aluno com deficiência com o professor de suporte, foi obtido um dossiê com informações, por exemplo, sobre o conhecimento de formas, cores, identificação de objetos, conhecimento de elementos químicos, contato com a biologia e com a química.
A partir dessas informações e com o auxílio do aluno com deficiência, foi possível constatar o oneroso e solitário trabalho do professor de suporte na elaboração de estratégias que promovessem o acesso ao conteúdo. Essa ação ocorria com a ponderação dos conceitos que o aluno com deficiência possuía, como as dificuldades que ele apresentava, convergindo com a compreensão do objetivo das atividades, da sua aplicação teórico-prática e a apropriação do conteúdo pelo aluno com deficiência.
6 Acompanhamento dos alunos com deficiência
Ao elaborar condições estratégicas para o acompanhamento do aluno com deficiência, o professor de suporte exemplificava essas ações em seus registros. No intuito de agregar substrato para o desenvolvimento do aluno, oferecia inúmeras possibilidades que poderiam ser trabalhadas, desde a utilização de sua sensorialidade no aprendizado do conteúdo até o uso da tecnologia assistiva, com a finalidade de aproximar esse conteúdo do espaço concreto, em um contato direto com as explicações verbalizadas e, por vezes, ilustradas em sala de aula (ROCHA; MIRANDA, 2009; SHIMITE, 2017).
Entretanto, a orientação dessas ações sempre partia do plano de ensino estabelecido pelo professor da disciplina, que se fosse discutido com o professor de suporte, com base nos objetivos específicos e necessários para o desenvolvimento profissional e na utilização de toda a potencialidade que o aluno com deficiência apresentava, poderia prover a formação profissional do aluno, mas também o desenvolvimento humano de todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino. Assim, o conteúdo concreto atingiria o nível da abstração e, a partir desse momento, se promoveria a aquisição desse conhecimento pelo aluno com deficiência (SHIMITE, 2017).
Nesse contexto, Shimite (2017) descreve em seu estudo que o acompanhamento do aluno com deficiência no curso superior de tecnologia, quando ofertado em período de estudo em contraturno na instituição de ensino, promoveu o acesso a períodos de estudo com o professor de suporte. Essa ação permite o atendimento do aluno com deficiência, avalia as condições propostas, realiza a melhoria contínua da inclusão dos alunos e transforma a ação de suporte ao aluno com deficiência em uma estratégia pedagógica.
A respeito do processo de avaliação no ensino superior, enfatizando o curso de Tecnologia em Alimentos, predominam as avaliações dissertativas e/ou objetivas concentradas em uma semana, denominada “semana de provas”. Ressalta-se a existência de outras formas de avaliação, como composição de textos analíticos, exposição de trabalhos e outras metodologias que, em alguns momentos, foram empregadas e registradas pelo professor de suporte. Contudo, as avaliações oficiais exigidas pelo Ministério da Educação, como mencionadas anteriormente, são o padrão seguido pela maioria dos cursos nesse nível de ensino.
O aluno com deficiência necessitava do uso de recursos por ele dominados para realizar as ações avaliativas, sendo essa situação pensada e elaborada pela equipe de suporte, caso existisse. Com o intuito de prezar pelo atendimento às necessidades do aluno e pela ação o mais próxima possível das condições oferecidas para os demais alunos de sua sala de aula, seriam proporcionadas ao aluno com deficiência possibilidades para a realização de suas avaliações. Um fator relevante apresentado na pesquisa de Shimite (2017) foi o desejo do aluno com deficiência de realizar as avaliações de acordo com a rotina e o modo estipulado pela instituição de ensino. Por exemplo, o aluno com deficiência visual que dominava o uso de um software ledor tinha que ser conduzido ao laboratório de informática da unidade no mesmo dia e local em que estava agendada a avaliação para realizar a sua atividade. Ele era acompanhado pelo professor de suporte, que realizava as adequações do arquivo da prova, organizava o ambiente para a realização da atividade e acompanhava o aluno durante a realização da avaliação.
Nesse cenário, poderia ser utilizado um notebook disponibilizado pela instituição de ensino, dispondo do equipamento com o software ledor e fone de ouvido, ausente de arquivos aleatórios e com o arquivo de prova revisado pelo professor de suporte. Caso esse arquivo contivesse figuras ou esquemas, esses elementos seriam descritos pelo professor de suporte no corpo do texto do arquivo, para que o aluno tivesse acesso às informações. A avaliação do aluno ocorreria junto com sua turma e com o professor da disciplina, não impactando o desempenho do estudante.
Outro exemplo foi o caso de um aluno também com deficiência visual que não tinha domínio do software ledor, sendo realizada a prova oral, agendada em dia e horário possível ao aluno com deficiência e ao professor da disciplina. A deficiência tornou-se o marco de uma ação diferenciada pela dificuldade, necessitando de ajustes na atividade de avaliação para que pudesse ocorrer. Entretanto, tornou-se uma possibilidade diante das condições por ora apresentadas pela instituição de ensino. Nesse caso, a avaliação para todos os alunos poderia ser realizada de outra forma, podendo ser avaliados oralmente ou por ações em equipes, sendo o seu registro de forma dissertativa, não enfatizando a condição da deficiência visual como impedimento.
Ao pensar em situações de avaliação para o aluno com deficiência no ensino superior, é preciso atentar-se para alguns aspectos, como a intenção da avaliação do conteúdo e o objetivo desejado pelo professor da disciplina, assim como as possibilidades de avaliar esse conteúdo e, juntamente com o professor de suporte, refletir em quais formas/estratégias de ensino esse conteúdo poderia ser avaliado quando direcionado a uma pessoa com deficiência. Essa reflexão poderia contribuir para retirar o foco da condição social da deficiência e transferi-la para o reconhecimento e uso das potencialidades do aluno. Ressalta-se que ajustes e adaptações são um direito do aluno com deficiência, no sentido de oferecer a ele condição de igualdade para a execução da atividade e possibilidade de ser avaliado como os demais alunos. Pensando nessa direção, o professor da disciplina e o professor de suporte poderiam prezar pela ação de avaliar, mas considerando o aluno com deficiência pertencente ao coletivo e buscando atendê-lo sob os mesmos critérios de avaliação, conteúdo, período e local, reconhecendo as diferenças de seu alunado.
7 Considerações finais
O intuito de descrever e refletir sobre o acompanhamento de alunos com deficiência em um curso superior de tecnologia promoveu não só a abordagem da temática da inclusão na Educação Profissional e Tecnológica, como também demonstrou a dificuldade em estabelecer um processo efetivo de acompanhamento a alunos com deficiência. Esse fato ocorreu devido às especificidades da formação acadêmica nessa referida instituição de ensino superior em relação a conteúdos e abordagem do curso, e também à configuração do corpo docente, que possui formação especializada em detrimento do conhecimento sobre educação, Educação Especial e didática como promotoras de estratégias, mas principalmente sobre a condição social da deficiência.
Tais características impactaram diretamente o ensino dos alunos com deficiência, bem como a oportunidade de proporcionar um ambiente mais acolhedor e comprometido com a sua inclusão. Ainda que tenha sido organizado um acompanhamento aos alunos com deficiência pela instituição de ensino superior, essa ação foi realizada para o cumprimento da lei, um aspecto importante e inicial na trajetória acadêmica do aluno com deficiência no ensino superior, mas insuficiente para garantir o direito e acesso à educação de qualidade, que atenda às suas necessidades educacionais em todos os níveis de ensino.
Nesse sentido, a responsabilidade pelo acompanhamento a alunos com deficiência no ensino superior tecnológico recaiu quase totalmente sobre o professor de suporte, sendo esse o agente do atendimento das necessidades de aprendizagem do aluno com deficiência. Coube a esse profissional acolher, direcionar, estruturar e efetivar as ações de inclusão na faculdade de tecnologia, bem como ser o principal mentor do suporte às ações de inclusão a alunos com deficiência.