1 Introdução
A Matemática Financeira (MF) é uma área da Matemática que estuda, avalia e compara a mudança de valor do dinheiro em relação a diferentes momentos do tempo, utilizando uma linguagem própria (PUCCINI, 2016). Por intermédio de diferentes meios de comunicação, como, por exemplo, televisão e rádio, observa-se diariamente que muitas informações envolvendo conceitos de MF, como taxa de juros e porcentagem, são transmitidas para a população. A partir disso, entende-se que são necessários ao cidadão conhecimentos básicos sobre MF para que esteja apto a melhor compreender o que acontece financeiramente em seu cotidiano (GOUVEA, 2006).
De acordo com Silva (2015), muitas situações financeiras do dia a dia não são abordadas em sala de aula por não estarem diretamente relacionadas com os conteúdos matemáticos normalmente estudados, o que pode ocasionar a conclusão do ensino médio sem que o aluno saiba lidar com eventos envolvendo cartões de crédito, notas fiscais, empréstimos, poupança, escolha da melhor forma de pagamento, entre outras ocorrências comuns em sua rotina. Nesse sentido, abordar acontecimentos financeiros no ensino básico por meio de atividades contextualizadas pode contribuir para a formação de cidadãos mais bem preparados para lidar com o dinheiro e ajudar a evitar futuros endividamentos, tão comuns atualmente (SILVA, 2015).
Paraiso e Fernandes (2019) analisaram os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) no ano de 2019, e constataram que o percentual de famílias endividadas em setembro daquele ano foi o maior desde 2013, atingindo 65,1% após nove meses de crescimento consecutivo. Para esses autores, a falta de conhecimento financeiro contribui para o endividamento familiar, agravando-se em situações de crise e desemprego, pois muitas famílias não estão preparadas para enfrentar essas adversidades. Tal afirmação de Paraiso e Fernandes (2019) é corroborada pelo índice de endividamento familiar observado pela PEIC em abril de 2020, que atingiu a marca de 66,6% em razão da influência pela pandemia da Covid-19, que provocou maior demanda pelo crédito bancário (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, 2020).
Entre uma das medidas que podem ser adotadas para tentar contornar ou até mesmo evitar problemas de natureza financeira está o ensino da MF de forma mais contextualizada, que permita aos alunos simular situações que irão experimentar ao longo de suas vidas e, assim, desenvolver habilidades para a melhor tomada de decisão em contextos associados a compras, vendas, empréstimos, entre outros (GALLAS, 2013). Conforme afirma Gallas (2013), a Matemática Financeira possui uma ampla gama de atividades que se relacionam com o contexto social dos alunos, o que torna as aulas mais interessantes e favorece o aprendizado. Além disso, segundo Lima e Sá (2010, p. 34), “os conhecimentos da Matemática Financeira são fundamentais na formação do cidadão crítico, consciente de seus direitos e deveres”.
Faz-se necessário, entretanto, destacar a não trivialidade do ensino da MF nas salas de aula dos ensinos fundamental e médio. Parte dos professores ensinar tal conteúdo de forma contextualizada e significativa (KLIEMANN; SILVA; DULLIUS, 2011), contudo, embora as possibilidades de atividade sejam variadas, selecionar as abordagens mais apropriadas exige atenção e preparo dos docentes, que devem continuamente buscar conhecimento a fim de atualizar e adaptar suas práticas pedagógicas, já que, muitas vezes, apenas a formação inicial não é suficiente (MIRANDA; PHILIPPSEN, 2014).
A formação inicial é a primeira etapa da qualificação profissional para o exercício da docência, sendo regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). Segundo Borba (2017), é na formação inicial que o futuro professor desenvolve os conhecimentos necessários que o tornam apto para iniciar o exercício da profissão. Na sequência, para que o docente aperfeiçoe seus conhecimentos e práticas pedagógicas, tem-se a formação continuada, que pode ser feita fora da escola – em cursos, palestras e outras propostas de ensino – ou dentro dela, por meio de situações do cotidiano escolar, como troca de experiência entre professores, reuniões pedagógicas ou a própria vivência em sala de aula (SILVA; OLIVEIRA, 2014).
Em relação à formação inicial de professores, nota-se que a Matemática Financeira nem sempre está presente nos cursos de graduação. Conforme análise de 182 projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em Matemática no Brasil realizada por Ferreira e Silva (2018), a disciplina de MF é obrigatória em 50% dos cursos, optativa em 20% deles e, no restante, não é ofertada. A partir desses resultados, Ferreira e Silva (2018) apontam para a pouca prioridade dada para à MF em cursos de graduação de formação de professores de Matemática, sendo que, quando ofertada, seu foco é orientado à área comercial, e não à prática docente. Segundo Farinhas (2013), a necessidade de complementar conhecimentos não abordados na formação inicial é um dos motivos que incentivam a formação continuada.
Nesse sentido, de acordo com Gatti (2016), dado o papel do professor no processo de ensino-aprendizagem, torna-se necessário analisar o cenário da formação inicial e continuada, dando-se atenção aos conteúdos curriculares e como eles são ensinados, buscando que agreguem conhecimento, valores e atitudes para que os futuros professores de Matemática estejam aptos a ensinar a seus alunos.
Assim, para que a Matemática Financeira seja abordada de forma a proporcionar aos estudantes ferramentas que possibilitem tomadas de decisões financeiras de maneira crítica, entende-se que é necessário que, primeiro, os professores estejam aptos para trabalhar com tal conteúdo dentro dessa perspectiva. Nesse sentido, sabendo que a formação de professores é um dos elementos que os preparam para a sala de aula e buscando analisar como a MF está presente nesse processo de formação, realizou-se um mapeamento sistemático cujo objetivo foi identificar como ocorre a abordagem da MF em cursos de formação inicial e continuada de professores.
2 Metodologia
A fim de atender ao objetivo deste artigo, que consiste em identificar como ocorre a abordagem da MF em cursos de formação inicial e continuada de professores de Matemática, foi executado um mapeamento sistemático que consiste na pesquisa e análise de trabalhos acadêmicos referentes a um determinado tema (KLOCK, 2018). Para tanto foi adotado o protocolo proposto por Klock (2018), que é dividido nas seguintes etapas: planejamento, condução e relatório dos resultados.
2.1 Planejamento
Exposto o objetivo do trabalho, para dar sequência à investigação foram definidas as seguintes questões de pesquisa: 1) De que forma são direcionados os trabalhos: para construção do conhecimento ou capacitação para sala de aula? 2) Quais e de que forma são abordados os conteúdos? e 3) A Matemática Financeira é abordada de forma técnica ou a partir de demandas do cotidiano?
Com o intuito de encontrar trabalhos que se adequassem ao objetivo deste estudo, foram estabelecidas as seguintes strings de busca: “matemática financeira” e “formação de professores” e suas versões: “financial mathematics” e “teacher education”. Conforme Conforto, Amaral e Silva (2011), as strings de busca servem para identificar um conjunto de trabalhos relevantes para o estudo.
Para a pesquisa foram utilizados os seguintes mecanismos de busca acadêmicos: Scielo, Portal de Periódicos CAPES, Spell, Web of Science, JSTOR, Springer Link e Science Direct. Além disso, com a finalidade de filtrar os resultados de busca nesses mecanismos, foram adotados critérios de inclusão e exclusão1 para a obtenção apenas dos trabalhos relevantes para as próximas etapas. Esses critérios são apresentados no Quadro 1.
Critérios de inclusão | Critérios de exclusão |
---|---|
i. Os artigos deveriam ser revisados por pares ii. Somente publicações em português ou inglês iii. Os artigos deveriam estar relacionados com a educação iv. Artigos publicados entre 2010 e 2020 |
i. Não foram selecionados trabalhos de conclusão de curso (TCCs), dissertações, teses e artigos não revisados por pares ii. Publicações fora do período de busca não foram selecionadas iii. Artigos em outros idiomas, que não fossem português ou inglês, também foram desconsiderados |
Fonte: Os autores (2020).
O período de realização desse mapeamento sistemático se deu entre os dias 2 e 26 de julho de 2020.
2.2 Condução
A partir do protocolo estabelecido na fase de planejamento, procurou-se pelos trabalhos nos mecanismos de busca acadêmicos adotados, primeiro utilizando-se as strings de busca em português e, em seguida, em inglês. Após esse processo, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos trabalhos a serem analisados, conforme o objetivo da pesquisa. Essa seleção aconteceu a partir da leitura (i) do título, resumo e palavras-chave, (ii) da introdução e (iii) das considerações finais. As etapas (ii) e (iii) não foram realizadas quando constatado que a etapa (i) não estava relacionada com o objetivo da pesquisa. Da mesma forma, a etapa (iii) não era realizada quando a etapa (ii) não se relacionava com o objetivo da pesquisa.
2.3 Relatório dos resultados
Entre os mecanismos de busca utilizados, o Portal de Periódicos CAPES foi o que mais apresentou resultados, com 28 obras em português e 19 em inglês. Os demais resultados são apresentados no Quadro 2.
Locais de busca | Resultados em português | Resultados em inglês |
---|---|---|
Total | 28 | 66 |
Scielo | 0 | 3 |
Spell | 0 | 0 |
Portal de periódicos CAPES | 28 | 19 |
Web of Science | 0 | 2 |
JSTOR | 0 | 28 |
Springer Link | 0 | 4 |
Science Direct | 0 | 10 |
Fonte: Os autores (2020).
Do total de 94 trabalhos obtidos, apenas cinco se adequavam ao objetivo da pesquisa e possibilitavam responder às questões anteriormente estabelecidas. Ademais, como foi encontrado um artigo duplicado, foram considerados apenas quatro trabalhos para a análise.
3 Análise dos resultados
Após finalização das etapas de planejamento, condução e relatório de resultados do mapeamento sistemático, foi construído o Quadro 3, que apresenta os artigos selecionados.
AUTOR(ES) | ANO | TÍTULO |
---|---|---|
Raphael Pereira dos Santos; Janaína Veiga; Ilydio Pereira de Sá. | 2011 | Conceitos Básicos da Matemática Financeira e sua Relação com os Conteúdos Tradicionais da Matemática |
Raphael Pereira dos Santos; Janaína Veiga; Ilydio Pereira de Sá. | 2012 | Uma Proposta de Formação Continuada sobre Matemática Financeira para Professores de Matemática do Ensino Médio |
Craig Pournara | 2013 | Teachers’ knowledge for teaching compound interest |
Craig Pournara | 2014 | Mathematics-for-teaching: Insights from the case of annuities |
Fonte: Os autores (2020).
Após a leitura, na íntegra, dos quatro trabalhos apresentados no Quadro 3, identificaram-se os pontos de destaques para respostas aos questionamentos formulados na etapa de planejamento do mapeamento. Apresenta-se, a seguir, a análise dos trabalhos.
3.1 De que forma são direcionados os trabalhos: para construção do conhecimento ou capacitação para sala de aula?
Primeiramente, faz-se necessário esclarecer que “construção do conhecimento” é entendida como uma proposta direcionada para o desenvolvimento de um saber em que os conceitos são desenvolvidos gradativamente, em que conceitos já aprendidos são interligados com novos conceitos, contribuindo para o entendimento destes (MODTKOSKI, 2016). Já “capacitação para a sala de aula” é compreendida como uma proposta relacionada com o desenvolvimento de estratégias de ensino que possam ser utilizadas pelo professor a fim de tornar suas aulas diferentes e mais interessantes para os alunos (SILVA et al., 2017).
Analisando o artigo de Santos, Veiga e Sá (2011), que apresenta os resultados parciais de um curso de formação continuada para professores direcionado à Matemática Financeira, percebe-se que há um norteamento à capacitação dos professores para a sala de aula, uma vez que os autores exemplificam como utilizar softwares e ferramentas computacionais para trabalhar a visualização ao ensinar MF. Por exemplo, os autores abordam como usar o PowerPoint para fazer animações e explorar a visualização das parcelas de um fluxo de caixa. Além disso, percebe-se que há um direcionamento para a construção do conhecimento quando os autores conceituam o que é fluxo de caixa antes de aplicá-lo em outras áreas da MF.
Em seu trabalho seguinte, Santos, Veiga e Sá (2012) passam a focar na apresentação dos resultados de um curso de formação continuada sobre Matemática Financeira realizado em Mangaratiba (RJ) com 20 professores do ensino médio. Neste momento, pode-se observar a construção do conhecimento já na descrição da programação do curso, em que os conteúdos são abordados de forma que os conceitos anteriores sirvam como apoio para o entendimento dos novos conceitos. Quanto à capacitação para a sala de aula, o curso apresenta softwares educativos e ferramentas computacionais aos professores a fim de trabalhar a visualização de conceitos da MF e sua relação com outros conteúdos da Matemática.
A partir da análise do artigo de Pournara (2013), percebe-se o direcionamento para a construção do conhecimento, uma vez que o autor apresenta noções matemáticas, financeiras e pedagógicas que, interligadas, podem contribuir para o ensino de juros compostos. Para isso, Pournara (2013) construiu diagramas que demonstram como alguns conceitos da Matemática são a base para outros, indicando a importância de seu domínio. A partir disso, o autor interliga conhecimentos matemáticos, pedagógicos e financeiros que são favoráveis quando juros compostos são ensinados.
Dando continuidade aos seus trabalhos, Pournara (2014) novamente aborda os aspectos matemáticos, pedagógicos e financeiros da MF, mas dessa vez identificando essas noções no ensino de anuidades. Nota-se que o artigo é voltado à construção do conhecimento, pois o autor apresenta quatro exemplos de conhecimento necessário para abordar anuidades, evidenciando os três aspectos por ele abordados. Mais uma vez, Pournara (2014) faz uso de diagramas para mostrar uma hierarquia entre os conceitos da MF relacionados com anuidades, de forma a apontar um caminho para a construção de tais conhecimentos.
3.2 Quais e de que forma são abordados os conteúdos?
O artigo de Santos, Veiga e Sá (2011) apresenta softwares que são utilizados para explorar questões envolvendo juros simples, juros compostos, valor de parcelas, progressões aritméticas e progressões geométricas. Os autores propõem a solução de problemas envolvendo o valor do dinheiro no tempo, tendo como apoio animações no PowerPoint que permitem a visualização do valor das parcelas de um fluxo de caixa. Santos, Veiga e Sá (2011) também abordam a relação de progressões aritméticas com juros simples e a relação de progressões geométricas com juros compostos, evidenciando que, ao se considerar o gráfico comparativo entre juros simples e compostos por meio de uma ferramenta computacional, no caso o PowerPoint, essa relação é mais clara.
Posteriormente, Santos, Veiga e Sá (2012) apresentam quais conteúdos foram abordados em seu curso – como, por exemplo, inflação, taxas nominais e reais, fluxo de caixa, juros simples e compostos, progressões aritméticas, entre outros – e, também, como aconteceu essa abordagem. De acordo com os autores, foram realizadas discussões e exercícios utilizando-se jornais, revistas e o computador como ferramentas de apoio para contextualizar e visualizar os conteúdos. Além disso, um teste diagnóstico foi efetuado no início do curso e um pós-teste ao fim para verificar o desempenho dos participantes.
Em Pournara (2013) observa-se uma atenção específica sobre juros compostos. O autor apresenta em que momento os juros são estudados no currículo escolar de Matemática na África do Sul e critica o fato de as questões sobre juros compostos serem muito simplificadas e distantes da realidade bancária. Como mencionado anteriormente, o autor traz diagramas que estabelecem uma relação de hierarquia para a aprendizagem de alguns conceitos da MF. Pournara (2013) ainda apresenta duas deduções para a fórmula utilizada no cálculo de juros compostos, explora as diferenças entre o cálculo de juros compostos realizado pelos bancos e a fórmula ensinada aos estudantes e aponta dois erros que são cometidos pelos estudantes, discutindo como os professores podem evitar que esses erros surjam.
Continuando seus estudos, Pournara (2014) passa a se concentrar em anuidades, novamente fazendo uso de diagramas para a apresentação de suas análises. Percebe-se que o autor trata com bastante relevância as fórmulas relacionadas com anuidades e aborda duas visões diferentes para a fórmula de juros compostos, a visão de acumulação e a visão de ajuste, além de mostrar que a visão de ajuste é a mais indicada ao estudo do tópico em questão. Pournara (2014) apresenta duas maneiras para abordar anuidades em sala e menciona a importância de acordos entre professor e alunos para evitar que os estudantes fiquem presos em paradoxos. Por fim, o autor discute a importância de os professores saberem os significados dos expoentes nas fórmulas e explicarem esses significados aos alunos.
3.3 A Matemática Financeira é abordada de forma técnica ou a partir de demandas do cotidiano?
Nota-se que Santos, Veiga e Sá (2011) abordam a Matemática Financeira a partir de demandas do cotidiano. Os autores acreditam que os estudantes, após terminarem o ensino médio, precisam saber lidar com situações financeiras reais e que estudar a MF contribui para que isso aconteça. Outros pontos mencionados são a questão do desenvolvimento das tecnologias educacionais e a presença da informática no cotidiano. Segundo os mesmos autores, o domínio da informática é um direito de cidadania dos alunos, e utilizar tecnologias de ensino atualizadas possibilita uma educação de melhor qualidade, cabendo, dessa forma, ao professor aperfeiçoar-se constantemente para conseguir acompanhar o desenvolvimento tecnológico e lecionar os conteúdos da MF de forma contextualizada.
Na sequência, Santos, Veiga e Sá (2012) mais uma vez abordam a Matemática Financeira partindo de demandas do cotidiano. Eles seguem a perspectiva da Educação Matemática Crítica, considerando que a MF deve ser levada para além de sua forma técnica. Para Santos, Veiga e Sá (2012), trabalhar a MF dentro do contexto dos alunos contribui para o seu desenvolvimento como cidadãos críticos, aptos para analisar, compreender e discutir, de forma consciente, temas presentes na sociedade, como questões políticas, sociais, econômicas e ambientais, referentes à realidade em que estão inseridos.
Em Pournara (2013), observa-se um equilíbrio entre a parte técnica da MF e as demandas do dia a dia. Segundo ele, o nível da educação financeira na África do Sul é baixo, enquanto o número de pessoas endividadas é alto, e aqueles que sofrem o impacto negativo de juros são um ponto de discussão levantado pelo autor. A partir disso, o autor – ciente das restrições do currículo escolar sobre o ensino da MF – apresenta sugestões sobre como trabalhar juros compostos de forma contextualizada por meio de problemas envolvendo situações bancárias reais, além de trazer alternativas de como abordar a fórmula para o cálculo de juros compostos para que os estudantes consigam entender sua construção.
Percebe-se que, assim como anteriormente (2013), Pournara (2014) continuou abordando a Matemática Financeira de forma técnica e a partir de demandas do cotidiano. O autor evidencia a importância de os professores entenderem a relação das fórmulas de juros com as situações reais presentes no cotidiano para que assim consigam ensinar a seus alunos utilizando abordagens que condigam com a visão de profissionais da área financeira. Para tanto, propõe que tais fórmulas sejam apresentadas, em um primeiro momento, para que os estudantes consigam compreendê-las e, então, tentarem entendê-las a partir do ponto de vista dos profissionais da área. Desse modo, pode-se observar uma interligação entre a forma técnica da MF e as demandas do cotidiano associadas ao contexto financeiro.
4 Considerações Finais
O presente artigo teve como objetivo identificar de que forma a Matemática Financeira é abordada no processo de formação inicial e continuada de professores. Para isso realizou-se um mapeamento sistemático de trabalhos acadêmicos que abordam a MF na formação de professores e, como resultado, foram encontrados quatro artigos que se adequavam a todos os critérios estabelecidos.
Ao analisar os artigos de Pournara (2013; 2014), percebe-se que o autor constrói uma ponte que conecta a parte técnica da MF ao contexto financeiro, possibilitando que os professores visualizem diferentes maneiras de abordar as fórmulas relacionadas à MF, além de ressaltar a importância de entender cada elemento das fórmulas. Por outro lado, os artigos de Santos, Veiga e Sá (2011; 2012) voltam-se para metodologias que contribuem com o ensino da MF, principalmente o uso de tecnologias digitais em sala, colaborando para que os professores busquem cada vez mais integrar softwares educacionais em suas aulas. Ainda que haja diferenças, os quatro artigos assemelham-se quanto à ideia de que a MF não deve ser abordada apenas tecnicamente; ela precisa ser contextualizada com situações financeiras do cotidiano, de forma que seu aprendizado seja significativo.
Ao realizar-se esse mapeamento sistemático, esperava-se identificar uma variedade maior de trabalhos que se adequassem ao objetivo da pesquisa, porém foi possível notar a falta de obras abordando a MF na formação de professores, mesmo buscando-se por artigos em dois idiomas diferentes. Essa foi uma dificuldade encontrada durante a pesquisa e chamou a atenção, pois foi algo inesperado, visto que, nos trabalhos selecionados a partir do mapeamento sistemático, tanto quanto na maioria dos trabalhos lidos para a fundamentação teórica, a MF é mencionada como uma área da Matemática importante para o desenvolvimento dos estudantes como cidadãos e a formação de professores é abordada como algo indispensável para o ensino.
Apesar de os artigos selecionados para a análise apontarem para uma formação docente que posicione a MF no cotidiano de alunos em fase escolar, faz-se notar que seus anos de publicação antecedem a crise sanitária da Covid-19 iniciada, no Brasil, no começo de 2020. A última década brasileira vem sendo marcada por crises política e econômica que foram agravadas com a chegada da pandemia, refletindo, por exemplo, no aumento dos preços dos itens da cesta básica e gasolina. Em uma sociedade capitalista, faz-se necessária a compreensão do funcionamento desse sistema e de sua influência na vida de cada indivíduo nele envolvido, e um dos principais meios para que tal aprendizado ocorra é a sala de aula de Matemática.
Dessa forma, nota-se a importância de professores bem preparados não apenas para a construção progressiva de um ensino de MF de qualidade, como apontado por Pournara (2013; 2014), mas capazes de fazê-lo com um olhar crítico à Matemática, como indicam Santos, Veiga e Sá (2012). A Matemática, como um corpo de conhecimento, não está livre de vieses e ideologias e, da mesma forma, a Matemática Financeira também não se apresenta como um conjunto de ferramentas desconectadas de questões epistemológicas e ontológicas, por isso a formação de docentes da Matemática, tanto inicial quanto continuada, no que tange à MF, precisa ser ampliada – já que é obrigatória apenas em 50% dos cursos de licenciatura em Matemática (FERREIRA; SILVA, 2018) – e realizada à luz do papel da Matemática em relações de poder e como isso influencia o dia a dia de cada cidadão brasileiro, como exemplificado em Funções Executivas, Matemática Financeira e Previdência Social: sequência didática para formação inicial docente (DIAS, 2020), que, entre outros tópicos, discute a reforma da Previdência Social do Brasil, que se deu em 2020.
A partir disso, diante da dificuldade em encontrar artigos que abordassem a MF na formação de professores, percebe-se que direcionar o estudo à educação financeira pode expandir os resultados de pesquisa, além de ampliar perspectivas no que diz respeito a evitar que a MF seja descontextualizada do dia a dia, bem como reconhecer novas abordagens metodológicas que possam colaborar para o ensino significativo da MF no ensino básico ou superior. Uma sugestão para pesquisas futuras é buscar trabalhos que tratem sobre a educação financeira na formação de professores, procurando verificar como os docentes estão sendo preparados para abordar esse tema na sala de aula. Outra opção seria buscar por trabalhos que abordem a educação financeira no ensino básico e, a partir dos artigos encontrados, identificar as diferentes metodologias utilizadas para trabalhar a educação financeira e analisar como é possível apresentar essas metodologias na formação de professores. Além disso, pode ser relevante pesquisar como a educação financeira é abordada nas empresas e em outros setores comerciais, fazendo uma análise comparativa com aquilo que é abordado na educação básica.