1 Introdução
A pandemia da Covid-19 fez que as aulas presenciais em todo o território nacional fossem suspensas, por razões de segurança sanitária, em março de 2020. Em alguns meses, o ensino remoto emergencial (ERE) foi autorizado amplamente ( MEC, Portaria nº 544/2020), sendo apresentado como única solução viável para que as atividades educacionais não fossem completamente interrompidas em função do necessário distanciamento social. Com o passar dos meses, um movimento surgiu a fim de possibilitar um retorno gradual das aulas presenciais em uma realidade diferente daquela que ocorria antes da pandemia. Foram criados planos pelos estados e municípios com regras para que o retorno das atividades presenciais nas instituições de ensino, quando autorizado, ocorresse com o máximo de segurança possível. Essa flexibilização exigiu a implementação de metodologias até então pouco empregadas nas instituições com base no tradicional ensino presencial.
Diversos pesquisadores têm se dedicado a analisar criticamente as experiências de ensino remoto e híbrido no país, seus recursos didáticos e as concepções de educação e de ensino a elas subjacentes. Com isso, uma literatura já bastante vasta ganha nova oxigenação. O ensino híbrido auxilia muito na aplicação das metodologias ativas, já que pressupõe uma parte das atividades mediadas pelas mídias e outra presencial.
De forma geral, o conceito de ensino híbrido é amplamente estudado e disponível na literatura há décadas, especialmente a partir do uso mais acessível das tecnologias digitais em ambientes educacionais. Nesse contexto particular, contudo, surgem discussões acerca de como o conceito está sendo utilizado nas instituições de ensino durante o retorno ao presencial, pois parece estar ocorrendo algumas confusões no uso do termo e na forma como essa modalidade de ensino pode ser implementada nas escolas.
A revisão de literatura empreendida por Anjos et al.(2019) aponta para uma significativa produção acadêmica dedicada à conceituação e à análise do ensino híbrido. Cabe ressaltar que a revisão dos autores alcança apenas trabalhos acadêmicos elaborados no período 2015-2019 e, em função da nova conjuntura educacional pandêmica, é lícito afirmar que esse campo de pesquisa se engrandeceu e diversificou ainda mais no período subsequente.
O presente artigo parte de uma hipótese compartilhada com outros autores dedicados ao tema de que “parece haver uma apropriação equivocada dos termos ligados a EaD e educação on-line pelas instituições de ensino que têm desenvolvido ensino com mediação telemática” ( SANTANA; SALES, 2020, p. 78).
Desse modo, o objetivo geral é identificar o emprego adequado ou inadequado do conceito de ensino híbrido nos artigos acadêmicos dedicados ao estudo dos impactos da pandemia de Covid-19 na educação básica. Tal empreitada se justifica a partir da preocupação de que o uso inadequado do termo pode conduzir à falsa compreensão de que essa metodologia esteja efetivamente sendo aplicada nas instituições de ensino.
A correta compreensão das diversas ações pedagógicas possíveis em cada momento histórico é fundamental, sob risco de prejuízo ao acesso democratizado aos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade. Esse aspecto se coloca com redobrada importância em um momento em que a presença física se torna uma impossibilidade (ao menos para uma significativa parte da sociedade). Dada a ampla reprodução do conceito durante a pandemia da Covid-19, deve-se estar atento a como ele é inserido nos artigos científicos, além de entender qual definição do ensino híbrido está sendo utilizada e se ela se baseia em critérios de cientificidade ou em mera adesão a compreensões de senso comum.
A fim de apresentar de forma qualitativa o esforço de pesquisa, análise e síntese realizado pelas autoras no curso do presente trabalho, o texto estrutura-se da seguinte forma: o primeiro tópico que se segue a esta introdução se dedica a apresentar o universo categorial empregado no debate e suas referências na teoria especializada. A seguir, são apresentados os encaminhamentos metodológicos para seleção e tratamento da bibliografia investigada, seguidos da discussão do conteúdo dos trabalhos selecionados. Ao final, são apresentadas algumas conclusões e provocações à guisa de conclusão.
2 Aporte teórico
Para balizar a investigação pretendida, assumimos o aporte oferecido por Ferrarini et al.(2019) acerca das metodologias ativas e sua diferenciação em relação ao emprego de tecnologias digitais no ensino tradicional.
Segundo as autoras, as práticas enquadradas na categoria metodologia ativa não se definem exclusivamente pela presença de tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs) e sequer existe relação direta entre umas e outras. Desse modo, o elemento definidor de uma metodologia ativa não são as ferramentas, mas, sim, as estratégias, abordagens e técnicas, bem como os papéis assumidos por professores e estudantes.
O conceito de metodologias ativas, conforme apresentado ao longo desse estudo, sintetiza-se como aquele que implica necessariamente colocar a aprendizagem como centro do processo, em que os alunos sejam mobilizados, interna e externamente, a produzir conhecimento, com atividades que possibilitem o desenvolvimento de vários e complexos processos cognitivos, sendo protagonistas de seu aprendizado, geralmente a partir de problemáticas a serem resolvidas ou temáticas a serem exploradas, na interação com o professor e com demais alunos.
Para elas, o aluno precisa produzir conhecimento por meio de ações como “analisar, sintetizar, elaborar, apresentar, questionar, entre outros”, e não apenas o reproduzir. A autonomia do aluno faz-se presente nesse processo. Além disso, destacam que o uso de tecnologias digitais não implica necessariamente a aplicação de metodologias ativas, ainda que as TDICs possam potencializar essa aplicação ( FERRARINI et al., 2019 ). Com base em Moran (2018), defendem que o aspecto fundamental e distintivo dessas é a ênfase no protagonismo e no envolvimento direto, participativo e reflexivo dos educandos em todas as etapas do processo de ensino-aprendizagem.
Posto isso, pode-se afirmar que aprender de forma ativa envolve a atitude e a capacidade mental do aluno buscar, processar, entender, pensar, elaborar e anunciar, de modo personalizado, o que aprendeu. Muito diferente da atitude passiva de apenas ouvir e repetir os modelos prontos. É notório, nesse conceito, que a atividade cognitiva do aprendente em qualquer situação se faz necessária, não apenas restrita à capacidade de memorização e de repetição [...].
No que se refere ao recorte aqui definido, assumimos o conceito de ensino híbrido tal como definido por Christensen, Horn e Staker (2013). De acordo com esses pesquisadores:
O ensino híbrido é um programa de educação formal no qual um aluno aprende, pelo menos em parte, por meio do ensino online, com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, lugar, modo e/ou ritmo do estudo, e pelo menos em parte em uma localidade física supervisionada, fora de sua residência. E que as modalidades ao longo do caminho de aprendizado de cada estudante estejam conectadas oferecendo uma experiência de educação integradora.
Desse modo, entendemos tratar-se de modalidade em que a mediação didático-pedagógica se dá mediante a combinação de atividades letivas no espaço escolar e a utilização de recursos que dispensam a presença física, esses podendo ou não ser baseados em dispositivos digitais. Em ambos os momentos, é exigido o acompanhamento docente qualificado para garantir a elaboração e a implementação de propostas e avaliações compatíveis com a qualidade que se espera.
Com base em Christensen, Horn e Staker (2013), podemos organizar o ensino híbrido em quatro propostas por eles sistematizadas: (I) o modelo de rotação, em que há um revezamento entre as modalidades de ensino, mantendo-se entre elas a modalidade on-line; (II) o modelo flex, baseado fundamentalmente no modelo on-line, mas com momentos off-line; (III) o modelo à la carte, com cursos integralmente on-line, ao mesmo tempo em que se mantêm atividades em escolas presenciais; e (IV) o modelo virtual enriquecido, em que a base da modalidade de ensino está na presença física na escola, com atividades remotas específicas, de acesso on-line.
Os autores destacam que os submodelos do modelo de rotação – o modelo de rotação por estações, laboratório rotacional e sala de invertida – são sustentados, ou seja, combinam o ensino on-line com a sala de aula tradicional, ainda baseados em disciplinas. Christensen, Horn e Staker (2013) ressaltam que essas modalidades não trazem grandes modificações para as organizações das escolas e conseguem melhorar o seu desempenho, o que parece estar mais próximo da realidade da maioria das instituições de ensino brasileiras.
Por outro lado, o submodelo rotação individual e os modelos flex, à la carte e virtual enriquecido são disruptivos, considerados mais inovadores, distanciando-se do modelo tradicional e sem disciplinas. Considerando suas características e exigências, Christensen, Horn e Staker (2013) acreditam que esses modelos levarão um tempo mais longo para serem praticados, principalmente no que tange ao ensino fundamental.
O ensino híbrido pode ser implementado tanto nas escolas com suportes de tecnologia aprimorados quanto nas instituições com menos recursos tecnológicos, bem como pelos professores ( Moran, 2015). O autor ressalta que, na educação, várias maneiras podem ser trabalhadas, seja por meio de modelos mais sustentados, seja por outros disruptivos; não existe um único meio a ser defendido.
Moran ( 2021, p. 1) indica que essa modalidade “combina e integra atividades didáticas em sala de aula com atividades em espaços digitais visando oferecer as melhores experiências de aprendizagem a cada estudante”. Ainda, o autor sustenta que o papel do docente passa a enfatizar o “desenho de percursos personalizados com apoio das plataformas e aplicativos digitais” e que os focos de sua ação pedagógica passam a ser o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação do processo de aprendizagem, uma vez que o foco do ensino é a “aprendizagem ativa dos estudantes, em que aprendem por descoberta, investigação e resolução de problemas”. Observa também que a definição das melhores combinações de espaços, tempos e metodologias deve envolver toda a comunidade escolar. Em função disso, o pesquisador alerta que os modelos híbridos:
Pressupõem uma escola bem conectada, com oferta de computadores para todos, domínio das competências digitais por professores, gestores e alunos e acesso fácil também em outros espaços, principalmente nas residências. Isto ainda está longe de ser viável para a maioria, no curto prazo.
3 Encaminhamento Metodológico
Este estudo tem por intuito realizar uma pesquisa bibliográfica exploratória e descritiva, uma vez que empregará a informação da pesquisa para solucionar problemas. Utilizaram-se materiais já elaborados – livros, artigos científicos e documentos eletrônicos – à procura de informação sobre o uso do termo “ensino híbrido na pandemia”, relacionando-se tal conceito com entendimentos já trabalhados por outros autores. Para isso foi feita uma investigação de artigos por intermédio da ferramenta Google Acadêmico em busca de trabalhos com as seguintes palavras chaves: ensino híbrido E pandemia E educação OU Covid-19. A busca retornou muitos resultados, de modo que se fez necessária uma seleção criteriosa, na qual a escolha dos artigos foi feita considerando-se dois critérios, a saber, a presença das palavras-chave “ensino híbrido” e “educação híbrida” nos títulos ou resumos e, no caso dos artigos que não tenham como tema central, mas contenham alguma discussão sobre o conceito, optou-se por aqueles de maior alcance, conforme o número de citações de cada um.
Dadas as condições para o desenvolvimento desta revisão de literatura, optou-se por uma amostragem pequena, constituída por seis artigos publicados em periódicos indexados. Cientes de que tal procedimento não permite um estudo exaustivo do atual estado da arte, acreditamos que essa seleção sirva como indicativo aproximado do panorama geral e que, portanto, as hipóteses aqui levantadas se qualifiquem para iniciar um debate com a comunidade científica interessada e provocar outros pesquisadores a dar continuidade ao procedimento que iniciamos.
4 Discussão
O termo ensino híbrido se popularizou tanto na cultura institucional quanto na grande mídia e nas redes sociais, a fim de designar as ações pedagógicas empreendidas em conformidade com as normativas emergenciais do contexto de pandemia. Em especial, o termo é empregado para descrever o processo de retomada parcial de atividades educacionais presenciais a partir das flexibilizações permitidas pelos órgãos públicos estaduais e municipais.
No cotidiano institucional e social, é perfeitamente compreensível que as tipologias pedagógicas sejam empregadas em sentido confuso, com base em noções de senso comum, e não de pesquisa científica, especialmente em contextos atípicos. É possível notar, entretanto, que as confusões terminológicas ocorrem também entre a intelectualidade especializada.
Passemos, em seguida, à apresentação do conteúdo dos trabalhos selecionados.
Em trabalho produzido a partir de discussões do Observatório Socioeconômico da COVID-19 da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Pasini, Carvalho e Almeida (2020) indicam que, a partir da atual pandemia, haverá uma tendência de “maior hibridismo da educação presencial com o EAD” ( PASINI et al., 2020, s.p. ). Para os autores, com base em Canclini (2003), este hibridismo consiste em “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI apudPASINI et al., 2020, s.p. ).
Por sua vez, os autores Santos Júnior e Monteiro (2020) definem o ensino híbrido como metodologia que “combina aprendizado on-line com o off-line, em modelos que mesclam momentos em que o aluno estuda sozinho, de maneira virtual, e paralelamente em polos de estudo, em que a aprendizagem ocorre de forma presencial, valorizando a interação entre aluno e professor” ( SANTOS JÚNIOR; MONTEIRO, 2020). Apesar de não ter o ensino híbrido como tema central do trabalho, é interessante observar que a definição da metodologia é apresentada em nota de rodapé, sem indicação do referencial teórico que a subsidia.
Santana e Sales (2020) asseveram que a modalidade híbrida pressupõe a oferta de atividades letivas com presença física, assim diferenciando-a de outras modalidades como o ERE. As autoras apresentam o hibridismo como possibilidade de superação da dicotomia entre as modalidades presencial e EaD por meio da implementação de processos formativos que congregam presença física e mediação tecnológica ( SANTANA; SALES, 2020).
Em seu artigo, Trevisani e Corrêa (2020) relatam a experiência de uma prática docente, no ensino médio da rede privada, com base no modelo de rotação por estações. Subsidiando teoricamente a análise de sua atividade, os autores demonstram sua compreensão de ensino híbrido:
uma combinação entre modelos virtuais de aprendizagem com momentos realizados presencialmente, na sala de aula física. Aqui, a concepção adotada caminha nesse sentido, de modo que momentos de estudo on-line devem ser criados por meio da utilização de plataformas de aprendizagem, vídeos e simuladores digitais, por exemplo. Já em outros momentos os alunos estarão fisicamente juntos na escola, trabalhando em grupos, praticando e desenvolvendo a argumentação, a comunicação, a empatia e a autonomia. Esses dois momentos, o on-line e o presencial, serão mesclados de forma que cada um contribua com o objetivo principal da aula.
Avançando em sua exposição, Trevisani e Corrêa (2020) acrescentam uma discussão sobre a questão da autonomia dos educandos nesta modalidade de ensino:
O estudante poder controlar algum elemento do processo é fundamental no Ensino Híbrido, caso contrário, essa estratégia de ensino poderia se assemelhar com um professor lecionando uma aula por meio de vídeo para os alunos reunidos, presencialmente, em uma sala de aula, pois não haveria interações. O recurso digital usado para a parte on-line do Ensino Híbrido deve possibilitar que o aluno tenha controle de parte do processo de construção do conhecimento.
No artigo de Moreira et al.(2020), aparece uma compreensão de ensino híbrido como “aplicação de atividades on-line e atividades realizadas fora de sala de aula” ( MOREIRA et al., 2020, p. 6286 ). Mais adiante, os autores mencionam “o sistema de educação à distância, síncrono ou híbrido” ( ibidem, p. 6288), sem discriminar as especificidades e diferenças de cada termo, o que indica a compreensão destes como sinônimos.
Ferramentas como o Google Classroom são bastante difundidas no meio acadêmico devido a sua facilidade de manuseio pelo docente e habilidades dos alunos[...] Além de ser um ensino híbrido pode entrar dentro da classificação de blended learning ou sala de aula invertida, onde o professor projeta o conteúdo e utiliza tempo de sala de aula para discutir e acertar ideias confusas.
Para Oliveira et al.(2020), o ensino híbrido é a modalidade mais adequada para combinar aulas presenciais e on-line, pois “permite coletar e personalizar as aulas a partir de seu formato em que mescla o uso de recursos computacionais contemporâneos com momentos presenciais” ( OLIVEIRA et al., 2020, p. 8 ). De acordo com os autores, fundamentados pela abordagem de Christensen, Horn e Staker (2013), esse formato visa a combinar a sala de aula tradicional com inovações menos expositivas e mais provocativas, em que o professor se coloca fundamentalmente como um mediador. Ainda, Trevisani e Corrêa (2020) sustentam que o ensino híbrido contribui para a personalização e ressignificação do ensino, enfatizando a criatividade, o pensamento crítico e a colaboração. Mais adiante, no mesmo texto, os autores incluem nota de rodapé que sintetiza sua compreensão de ensino híbrido como “um modelo de ensino mesclando momentos on-line e outros presenciais”, com referência ao trabalho de Horn e Staker (2015). Por fim, em suas considerações finais, sustentam que o hibridismo tende a suceder o ensino remoto emergencial no período pós-pandêmico. José Moran (2021) assevera que as propostas híbridas são “mais flexíveis, personalizadas e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de cada aprendiz” ( MORAN, 2021, p. 1). Em seu texto, faz observações nas quais sugere que políticas públicas consistentes, planejamento e mudanças curriculares são importantes para a implementação de modelos de ensino híbrido que façam sentido às famílias, aos professores e aos alunos.
A maioria dos estudos dessa discussão pouco considera o papel dos docentes no planejamento, na elaboração, na oferta e na mediação dos recursos, de forma a, ainda que sem pretensão, corroborar a redução da ideia de ensino à mera oferta de atividades e de trabalho docente como produção de conteúdo multiplataforma para consumo dos estudantes. Entre os trabalhos encontrados, apenas o artigo de Oliveira et al.(2020) trata detidamente da formação docente nesse contexto.
É frequente, em publicações, a reprodução acrítica de certos lugares-comuns, como a ideia de que a expansão do acesso à internet, associada à popularização de ferramentas como smartphones, permite a massificação e a democratização da educação por intermédio das alternativas remotas. As especificidades das diferentes redes, as dificuldades de acesso e outras problemáticas oriundas das limitadas condições objetivas de estudantes e professores (especialmente nas redes públicas) geralmente são mencionadas de modo en passant, sem se tornarem objetos de reflexão detida.
Algumas questões interessantes não puderam ser contempladas neste trabalho, entretanto deixamos aqui indicadas para que novas discussões sejam realizadas por outros interessados em dar continuidade ao debate: A fundamentação teórica desses artigos é suficiente ou precária? Há questionamento sobre os possíveis prejuízos pedagógicos resultantes da introdução atropelada/imediatista/irrefletida de recursos e metodologias, o que acarretou uma transposição pouco cuidadosa de práticas e metodologias pensadas para salas de aula para plataformas virtuais?
4 Considerações finais
O presente artigo discutiu o modo como acadêmicos têm instrumentalizado o conceito de ensino híbrido à luz da demanda das comunidades escolares por meio de alternativas pedagógicas em caráter emergencial.
A pesquisa por palavras-chave nos indexadores da produção científica demonstra o crescente interesse dos pesquisadores em Educação pela temática do ensino híbrido em geral e pelas metodologias ativas em particular, dada a demanda imposta pela atual conjuntura sócio-histórica.
Apesar de volumosa, nota-se que essa produção ainda é relativamente precária em termos de consistência teórica. É frequente que os autores reproduzam, no texto científico, concepções oriundas do universo do senso comum, assumindo definições vulgares e sem referencial teórico consistente para determinados conceitos. É o que verificamos ocorrer, não na totalidade, mas em parte significativa da produção sobre o ensino híbrido.
O resultado desse processo é periculoso, pois produz e reproduz entendimentos equivocados acerca daquilo que fazem as comunidades escolares. Neste caso específico, a adoção do termo ensino híbrido de forma reducionista, como mero sinônimo de mescla de atividades pedagógicas presenciais e não presenciais, conduz ao entendimento de que as instituições de ensino estão implementando de maneira plena e qualificada uma metodologia ativa. Aqui, colocamo-nos ao lado de Trevisani e Corrêa (2020), que enfatizam que “não basta apenas hospedar questões em um site e pedir que os alunos as respondam. Isso em nada difere das questões impressas no livro didático dos estudantes, pois assim elas apenas estão sendo exibidas em um ambiente digital” ( TREVISANI, CORRÊA, 2020, p. 50). Nesse sentido observamos que, de modo geral, os professores na ativa e alguns intelectuais acabam por reproduzir confusão entre ensino híbrido e outras práticas pedagógicas que empregam ferramentas digitais para fins expositivos, obliterando, assim, alguns dos elementos centrais dessa metodologia ativa, como a personalização e a autonomia dos discentes no processo de aprendizagem.
Novas discussões acerca da implementação do ensino híbrido precisam ser mais bem pensadas e estruturadas, a fim de que essa modalidade venha a contribuir para a aprendizagem não apenas no momento pandêmico, mas também no acolhimento dos estudantes, que retornam depois de tanto tempo fora da sala de aula e se deparam com uma nova realidade, considerando, ao mesmo tempo, a importância da presença física dos alunos na escola como espaço de socialização e seu desenvolvimento completo como cidadão.
Nesse sentido, a proposta do ensino híbrido abrange a colaboração entre os pares, uma estratégia que busca que os alunos passem a ter um papel mais ativo e significativo no processo de aprender, unindo o individual e o coletivo, possibilitando condições para a melhoria do conhecimento e compreendendo que uma nova era de desenvolvimento tecnológico digital exige o desenvolvimento de habilidades e competências também nessa área, como forma de inclusão democrática e cidadã de todo indivíduo.
Por fim, reforçamos que a presente discussão almeja contribuir cientificamente para a elevação do conhecimento sobre o tema ao apresentar problematizações a partir da literatura disponível e, assim, promover a reflexão coletiva acerca das práticas pedagógicas e da pesquisa em Educação, seja durante ou após momentos históricos atípicos.