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Educação: Teoria e Prática

versão impressa ISSN 1993-2010versão On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s16670 

Artigos

Integração ensino-serviço-comunidade na perspectiva de profissionais da Atenção Primária à Saúde

Teaching-service-community integration from the perspective of Primary Health Care professionals

La integración enseñanza-servicio-comunidad desde la perspectiva de los profesionales de Atención Primaria de Salud

1Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, Sergipe – Brasil

2Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, Sergipe – Brasil

3Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, Sergipe – Brasil

4Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, Sergipe – Brasil


Resumo

Esse estudo buscou investigar a Integração Ensino-Serviço-Comunidade (IESC) a partir da percepção de trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS). A pesquisa tem caráter exploratório, abordagem observacional, descritiva, quali-quantitativa, realizada por entrevistas. Participaram 86 profissionais, a maioria de Agentes Comunitários de Saúde (60%). Dos participantes, 95% (n=80), entendem que a presença de alunos nas Unidades colaborara para a realização do trabalho, 48% (n=39) descreveram que são as Instituições de Ensino Superior (IES) em conjunto com o gestor/trabalhadores/representantes da Unidade que definem as ações. Dificuldades para IESC: falta de infraestrutura das unidades de saúde, inadequação de horários e de transporte e falha na comunicação entre a Instituição de Ensino e Serviço. A compreensão sobre a IESC ficou mais restrita a uma “troca de saberes”, entretanto, 99% afirmaram que essa articulação favorece a construção de uma prática importante para a formação daqueles que estão nos serviços, assim como para os discentes da instituição de ensino.

Palavras-chave: Centros de Saúde; Educação Profissional em Saúde Pública; Instituições de Ensino Superior

Abstract

This study sought to investigate the Teaching-Service-Community Integration (IESC) from the perception of Primary Health Care (PHC) workers. The research has an exploratory, observational, descriptive, qualitative and quantitative approach, carried out by declaring. Eighty-six professionals participated, mostly Community Health Agents (60%), of which 95% (n = 80) consider that the presence of students in the Units collaborated to carry out the work, 48% (n = 39) They identify that the institutions are of Higher Education (HEI) together with managers/workers/representatives of the Unit that defines as actions. Difficulties for IESC: lack of infrastructure in health units, inadequacy of timetables and transport and communication failure between the Teaching Institution and Service. The understanding of the IESC was more restricted to an “exchange of knowledge”, however 99% said that this articulation favors the construction of an important practice for the training of those who are in the services as well as for the students of the educational institution.

Keywords:  Health Centers; Education; Public Health Professional; Higher Education Institutions

Resumen

Este estudio buscó investigar la Integración Docente-Servicio-Comunidad (IESC) desde la percepción de los trabajadores de Atención Primaria de Salud (APS). La investigación es exploratoria, observacional, descriptiva, cuali-cuantitativa y ha sido realizada a través de entrevistas. Participaron 86 profesionales, en su mayoría agentes comunitarios de salud (60%), de los cuales el 95% (n = 80) consideran que la presencia de estudiantes en las unidades ha colaborado para realizar el trabajo y el 48% (n = 39) describieron que son las Instituciones de Educación Superior (IES), junto con el gestor/trabajadores/representantes de la unidad, que definen las acciones. Dificultades para el IESC: falta de infraestructura en las unidades de salud, inadecuación de horarios y fallas de transporte y comunicación entre la institución docente y el servicio. La comprensión del IESC estuvo más restringida a un “intercambio de conocimientos”, sin embargo el 99% dijo que esta articulación favorece la construcción de una práctica importante para la formación de quienes están en los servicios, así como para los estudiantes de la institución.

Palabras Claves:  Centros de Salud; Educación en Salud Pública Profesional; Instituciones de Enseñanza Superior

1 Introdução

A integração ensino-serviço-comunidade (IESC) está entre os pilares das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos da saúde, pois busca “fortalecer a articulação da teoria com a prática”, assim como “estimular práticas de estudos independentes”, buscando “autonomia profissional e intelectual do aluno” ( BRASIL, 2003) e apropriando-se da permanente mudança na produção de conhecimentos ( COSTA et al., 2018 ).

A IESC pressupõe considerar que todos os participantes são sujeitos do processo de aprendizagem, ou seja, tanto alunos de instituições de ensino inseridos nos serviços quanto os profissionais e trabalhadores, bem como as pessoas em cuidado, na perspectiva de um processo integrador, contínuo e dinâmico ( SCHOTT, 2018a). Essa educação que acontece no serviço e a partir dele não se dissocia da ideia de uma educação pelo trabalho, ou seja, que toma o trabalho como princípio educativo, que leva em conta a experiência e que, nesse caso, tem relação com uma convergência de práticas pela vida e para a vida ( SCHOTT, 2018b).

O debate da formação em saúde no Brasil avançou nos anos 2000, principalmente com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) no ano de 2003, dando enfoque à Atenção Primária à Saúde (APS), assim como à necessidade de uma maior integração entre as Instituições de Ensino Superior (IES), serviços de saúde e comunidade, com o objetivo de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) ( BRASIL, 2018a).

Nesse cenário, a Universidade Federal de Sergipe idealizou o Campus Antônio Garcia Filho, no interior do estado. A instituição iniciou suas atividades em 2011, ofertando oito cursos de graduação na área da saúde, com o primeiro ano no formato de ciclo básico/comum, com três módulos curriculares que se mantêm, ainda que com adaptações, em todos os cursos, em grande parte dos ciclos, utilizando várias Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem (MAEA): Tutorial e Prática do Módulo/Laboratório, Habilidades e Atitudes em Saúde e Prática de Ensino na Comunidade (PEC). Outra característica do modelo pedagógico do Campus é a IESC desde o início da formação concretizada, principalmente, pelo Módulo PEC/Equivalentes e pelos Internatos e Estágios.

Essa proposta de formação fundamentada na realidade social a partir do SUS e dos territórios de saúde requer a inserção do discente na Rede de Atenção à Saúde (RAS), e é nessa relação entre o ensino (docentes e discentes), o serviço (profissionais, trabalhadores e gestores) e a comunidade (usuários, população, indivíduos e famílias) que se dá a articulação ou integração ensino-serviço-comunidade na área da saúde.

Diante desse contexto de mudanças na formação em saúde, considerando um maior vínculo entre a instituição formadora e os serviços de saúde, esse estudo buscou investigar a IESC a partir da perspectiva de profissionais da APS num município no interior de Sergipe.

2 Metodologia

Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa, transversal, de caráter exploratório, descritiva, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas. Os sujeitos deste estudo foram profissionais da APS de um município sede de uma das sete Regiões de Saúde de Sergipe.

O município investigado tem uma população estimada de 104.408 pessoas ( IBGE, 2019) e 15 Unidades Básicas de Saúde (UBS) com Equipes de Saúde da Família (eSF), sendo sete localizadas na zona urbana, onde residem 52% da população, e oito na zona rural, na qual vivem 48% dos habitantes.

Em 2017, quando se iniciou a pesquisa e foi realizada a seleção da amostra, a APS do município contava com 21 Equipes, atendendo cerca de 72.450 pessoas, perfazendo uma cobertura de 70% da população ( BRASIL, 2017). Dessas Equipes, 5 eram eSF mínimas, 10 eram ampliadas por terem Equipe de Saúde Bucal (ESB) e 6 eram Equipes de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) ( CNES, 2017). Ressalta-se que o município contava também com 8 UBS que não tinham eSF própria, sendo 6 rurais e 2 urbanas, 13 Pontos de Apoio (PA), geralmente imóveis alugados adaptados, sendo 11 rurais e 2 urbanos, que também não têm Equipe presente, perfazendo assim um total de 11 estabelecimentos urbanos (9 UBS e 2 PA) e outros 24 rurais (14 UBS e 11 PA), perfazendo um total de 23 UBS e 13 PA. Alunos da UFS/Campus Lagarto são distribuídos por todo o território e realizam atividades em grande parte das UBS e PA do município, principalmente pelo Módulo PEC.

As 21 Equipes estavam distribuídas pelas 15 UBS acima referidas (sete na zona urbana e oito na zona rural) e foram selecionadas aletoriamente. A amostra sorteada compreendeu 13 eSF, 2 dessas ampliadas por ESB, e 2 EACS, resultando em 15 equipes selecionadas e um total de 157 profissionais: 110 ACS, 13 médicos, 15 enfermeiros, 15 técnicos em enfermagem, 2 odontólogos e 2 técnicos em saúde bucal.

O instrumento utilizado nas entrevistas foi composto por 25 questões distribuídas em quatro eixos: (1) Sociodemográfico: idade, sexo, cor da pele autodeclarada, moradia, estado civil, escolaridade, vínculo empregatício; (2) IESC: compreensão (conceito, contribuições e dificuldades), percepção sobre a presença de alunos/professores nos serviços de saúde, elaboração e frequência das atividades e relacionamento interpessoal; (3) Atuação profissional; (4) Aspectos relacionados à saúde; (5) Questões relacionadas à discriminação e racismo.

Os dados foram processados por meio dos softwares Excel (Microsoft®) e Stata versão 12. Para o tratamento dos dados qualitativos, foi utilizada a técnica de análise temática, proposta por Minayo (2001).

O presente estudo faz parte do Projeto POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: RECURSOS HUMANOS E ARTICULAÇÃO ENSINO-SERVIÇO NO CENÁRIO DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE NO ESTADO DO SERGIPE, realizado junto ao Núcleo Transdisciplinar de Estudos em Saúde Coletiva (NUTESC) da Universidade Federal de Sergipe, Campus Lagarto, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário de Aracaju conforme Parecer Consubstanciado de número 949.513 e atendeu a Resolução nº 466, de 2012, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério de Saúde. Os questionários foram codificados alfanumericamente.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os questionários foram codificados alfanumericamente, sendo garantida a responsabilidade pelo caráter confidencial das informações obtidas.

3 Resultados

3.1 Perfil do(a)s participantes

Do total de profissionais selecionados para composição da amostra (n=157), 55% dos indivíduos (n=86) participaram da pesquisa. A amostra foi composta principalmente por ACS, 60% (n=52).

Dentre os participantes, 86% (n=74) eram do sexo feminino, com média de idade de 36 anos e mediana de 35 anos (20-64 anos). Ainda, 77% (n=66) se autodeclararam pardos, 6% (n=5) pretos e 16% (n=14) brancos. Sobre o estado civil dos participantes, 67% (n=59) eram casados ou tinham união estável, 32% (n=27) estavam solteiros ou eram separados ou divorciados. Quanto à moradia, 47% (n=40) residiam na zona rural e 53% (n=46), na área urbana.

A escolaridade dos profissionais era bastante variável, sendo prevalente o nível médio/técnico (57%; n=59), seguido do nível superior (24%; n=21) e pós-graduação (16%; n=14). Quanto à classe econômica, observou-se que a maioria pertencia à classe C (59%; n=51), seguidos da classe A/B (38%; n=33) e D-E (2%; n=2). Sobre o vínculo empregatício, 57% (n=49) tinham regime estatutário municipal; 43% eram contratados (n=37). Todos os dados sociodemográficos estão detalhados na Tabela 1.

Tabela 1 - Perfil de profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) de um município do nordeste brasileiro. Lagarto, Sergipe. (2018-2019). 

Variáveis n %
PROFISSIONAIS
ACS 52 60
Enfermeiro(a) 10 12
Técnico(a) de Enfermagem 13 15
Médico(a) 06 07
Odontólogo(a) 02 02
Técnico(a) em saúde bucal 03 03
SEXO
Masculino 12 14
Feminino 74 86
IDADE (em anos)
20 a 40 56 65
41 a 59 28 33
60 a 64 02 02
RESIDÊNCIA
Rural 40 47
Urbana 46 53
RAÇA/ETNIA
Pretos(as) e pardos(as) 72 82
Branco(a)s 14 16
ESTADO CIVIL
Casado(a)/União estável 59 69
Solteiro(a)/Separado(a)s ou divorciado(a)s 27 31
ESCOLARIDADE
Ensino médio completo 29 34
Ensino médio incompleto 01 01
Tecnólogo 01 01
Ensino técnico 20 23
Ensino superior 21 24
Pós-graduação 14 16
CLASSE ECONÔMICA
A/B 33 38
C 51 59
D/E 02 02
VÍNCULO EMPREGATÍCIO ATUAL
Empregados remunerados sem carteira assinada 27 31
Empregados remunerados com carteira assinada 10 12
Regime estatutário municipal 49 57
Total 86 100

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

3.2 Atividades de IESC no serviço e a presença de alunos e professores na UBS

Questionados se na UBS em que trabalhavam ocorria alguma atividade em parceria com alguma(as) IES, como a UFS, 98% (n=84) dos entrevistados responderam positivamente. Sobre a frequência dessas atividades, observou-se maior periodicidade mensal (27%; n=23) e diária (16%; n=14).

Sobre a percepção da presença de alunos nas Unidades colaborar para a realização do trabalho, 95% (n=80) responderam que sim e 5% (n=4) afirmaram que não havia colaboração. Perguntados se a presença de alunos/professores atrapalhava o trabalho nas Unidades, 7% (n=6) dos entrevistados responderam que sim/provavelmente sim, 93% (n=76) afirmaram não atrapalhar ou provavelmente não atrapalhar. A respeito da comunicação prévia da participação/visita de uma turma de alunos ou professores nas atividades da Unidade, dentre os respondentes (n=79), 87% (n=70) responderam que existia ou provavelmente existia e 1% (n=9) dos entrevistados, que não existia ou provavelmente não existia.

Sobre a aprovação acerca da presença de professores nas atividades da UBS, 99% (n=83) dos profissionais aprovavam/provavelmente aprovavam.

Tabela 2 - Frequência de atividades realizadas na Unidade de Saúde e/ou setor em parceria com Instituição de Ensino em um município do nordeste brasileiro, Lagarto, Sergipe (2018-2019). 

Variáveis n %
Diariamente 14 17
Semanalmente 08 10
Quinzenalmente 06 07
Mensalmente 23 27
Anualmente 03 04
Outra frequência 31 37
Não sei/Não lembro 01 02
Total 86 100

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

3.3 Relacionamento

Foi perguntado se alunos e professores eram cordiais com os profissionais/trabalhadores da UBS. Em relação aos alunos, 99% (n=81) referiram que provavelmente eram cordiais. Já sobre os professores, 96% (n=81) disseram que sim, ou provavelmente sim.

Indagados se os alunos/professores criticavam a forma como eram desempenhadas as atividades dentro da UBS, 25% (n=18) relataram que sim. A maior parte dos entrevistados (91%; n=76) afirmou que a presença dos alunos ou professores na Unidade não pressionava suas funções.

Se a relação entre profissional e usuário da Unidade era prejudicada na presença dos alunos: 9% (n=8) responderam que a relação era, ou provavelmente era, prejudicada.

Se eles sentiam que o relacionamento entre os colegas de trabalho era prejudicado pela presença do aluno: 94% (n=78) afirmou que os alunos não atrapalhavam.

No âmbito interpessoal, se havia uma boa relação com os alunos, a maioria respondeu de forma positiva 99% (n=84). Sobre o relacionamento entre professor e profissional da unidade: 99% (n=83) afirmaram ter uma boa relação.

3.4 Sobre a IESC ou AESC

Sobre a Articulação Ensino-Serviço (AES), 34% (n=29) não souberam falar nada a respeito e 65% (n=57) referiram percepções superficiais: troca de conhecimentos, relação entre serviço, equipe e universidade, união da teoria à prática e uma possibilidade de parceria para auxiliar na formação profissional e nos serviços para à comunidade ( Quadro 1).

Quanto à compreensão sobre a AESC, 23% (n=20) não souberam falar nada a respeito e a grande maioria (73%; n=63) relatou alguma compreensão da temática ( Quadro 2).

Sobre quem era o responsável pela elaboração das ações realizadas em parceria com as Instituições de Ensino, quase metade dos entrevistados (48%; n=39) descreveu que são as Instituições de Ensino em conjunto com o gestor/trabalhadores/representantes da Unidade e 21% (n=17) disseram ser apenas pelas Instituições de Ensino.

Sobre as dificuldades na parceria ensino-serviço, 44% (n=37) não identificaram nenhuma dificuldade, 44% responderam que, dentre os empecilhos encontrados, estão a falta de infraestrutura da unidade e a inadequação de horários e de transporte, além da falta de comunicação entre a Instituição de Ensino e Serviço ( Quadro 3).

Quadro 1. Conhecimento sobre Articulação Ensino-Serviço (AES) na perspectiva de profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), em um município do nordeste brasileiro, 2018 – 2019. (n=86) 

Ocupação Conhecimento acerca da Articulação Ensino-Serviço (AES)
Agente comunitário de saúde (ACS)

Parceria em que ambas as partes têm a ganhar, pois os alunos vivenciam a realidade da área e contribuem para o serviço (ACS8)

Troca de conhecimento entre alunos e funcionários da UBS (ACS14) Uma parceria para melhorar o serviço (ACS27) Levar a teoria para prática (ACS36)

Enfermeiro(a) Buscar melhorias, pois a visão de quem chega é
diferente (Enf2)
Técnico(a) de enfermagem

Tanto ajuda os alunos quantos os funcionários na formação profissional (TcE9)

Uma forma de troca de conhecimento entre profissionais e alunos (TcE4)

Você tem que ter a prática e o ensino, não adianta o ensino sem a prática (TcE6)

Médico(a) A relação planejada e organizada entre o serviço e
a equipe de saúde (Med6)
Técnico(a) em saúde bucal Articulação dos processos educacionais e de produção de serviços de saúde (TSB3)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Quadro 2. Conhecimento sobre Articulação Ensino-Serviço-Comunidade (AESC) na perspectiva de profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), em um município do nordeste brasileiro. Lagarto. Sergipe.2018 – 2019. (n=86) 

Ocupação Conhecimentos acerca da Articulação Ensino-Serviço-Comunidade (AESC)
Agente comunitário de saúde (ACS)

Desenvolvimento de ação junto à comunidade visando a conscientização (ACS6)

Tanto universidade identifica problemas na comunidade e elabora ações que ajudam a resolver esses problemas quanto soma na formação dos alunos e profissionais (ACS38)

Coparticipação entre o serviço e estudantes no cuidado com a população (ACS38)

Enfermeiro(a) Troca de ideias e prática com a população (Enf1)
Parceria entre equipe, alunos e comunidade para melhorar assistência (Enf10)
Técnico(a) de enfermagem União provavelmente de alunos, profissionais e comunidade (TcE2)
Médico(a)

Relação planejada e organizada entre alunos, serviços de saúde e comunidade (Med6)

Quando os alunos que já estão no serviço vão para a comunidade ajudar (Med2)

Técnico(a) em saúde bucal Quando envolve o ensino juntamente com as práticas na comunidade ofertadas pelo serviço (TSB1)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Quadro 3. Principais dificuldades encontradas na Articulação Ensino-Serviço-Comunidade (AESC), segundo percepção de profissionais da Atenção Primária à Saúde, em um município do nordeste brasileiro. Lagarto, Sergipe. (2018 – 2019). (n=86) 

Ocupação Dificuldades identificadas pelos trabalhadores de saúde na parceria das Instituições de Ensino com o serviço de saúde.
Agente comunitário de saúde (ACS)

A instituição de ensino tem dificuldade de adequar horários com o serviço de saúde (ACS49)

Ambiente que não comporta todo mundo, infraestrutura (ACS18)

Enfermeiro(a) Falta de transporte para que eles estejam na área (Enf6)
Técnico(a) de enfermagem Tempo, espaço para reunião com os alunos (TcE4)
Médico(a) Estruturação inadequada (Med5)
Odontólogo Parceria na elaboração e planejamento das ações (CD1)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

Para melhorar a AESC foi sugerido um maior investimento em reuniões entre alunos, professores, e equipe de trabalho para discutir temas e planejar práticas na unidade.

Se a AESC contribui com a formação profissional do aluno: 88% (n=72) responderam que certamente sim e 11% (n=9), que provavelmente sim. Se na UBS havia atividades coletivas com a comunidade, 97% (n=83) dos entrevistados afirmaram que sim, citando a realização de palestras (69%) e Rodas de Conversa acerca de temas voltados à saúde de grupos específicos (31%), como saúde da criança, da mulher, da gestante e dos idosos.

4 Discussão

A maioria dos entrevistados era do sexo feminino, com idade média de 36 anos, pardos, residentes da zona urbana. Lima et al. (2016) também encontrou, no município de Serra (ES), predominância feminina entre os trabalhadores das eSF. A feminização da mão de obra entre os profissionais da APS é corroborada por outros estudos nacionais ( BRITO et al., 2016 ; COSTA et al., 2013; MARSIGLIA, 2011; ZANETTI et al., 2010 ). Os achados sobre cor da pele são coerentes com o predomínio de pessoas negras na população brasileira (9,3% preta e 46,5% parda) ( IBGE, 2011) e com uma grande presença de comunidades quilombolas em SE (LACERDA, 2019). A prevalência de pessoas casadas ou em união estável assemelha-se a outros estudos realizados com profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF) ( CANESQUI; SPINELLI, 2006; MOREIRA et al., 2016 ; ZANETTI et al., 2010 ).

Cerca de 53% dos profissionais moravam na zona urbana, onde residem 52% da população do município ( IBGE, 2011) e estão localizadas 7 das 15 UBS participantes do estudo. As demais UBS (8) estão na zona rural, na qual vivem 48% dos habitantes distribuídos em mais de 100 povoados ( IBGE, 2019). O perfil territorial do município e a necessária distribuição das UBS para facilitar a atenção à saúde nos diversos povoados sinalizam uma dificuldade comum na APS no interior do país: a locomoção dos trabalhadores para atendimento de populações mais isoladas. Pessoa; Almeida; Carneiro (2018) alegam que há um déficit mundial de Recursos Humanos em Saúde nas áreas rurais e que as eSF precisam realizar atendimentos domiciliares para amenizar a dificuldade de acesso dos usuários às UBS. A UFS/Campus Lagarto disponibiliza veículos que transportam docentes e discentes até as Unidades onde se realizam as atividades curriculares.

Grande parte (57%) dos entrevistados tinha apenas o ensino médio ou ensino técnico, possivelmente pelo fato de a maioria ser ACS (60%, n=52). Muito se exige do ACS, mas, frequentemente, não são ofertadas capacitações ou remunerações adequadas. Machado (1995) já destacava que para ser profissional tem que ter uma formação específica. Muito se exigia do ACS, mas não eram ofertadas capacitações, foi então que, em 2004, instituiu-se a proposta de Formação do Técnico Agente Comunitário de Saúde. Tratava-se de cursos ofertados pelo MS através de apostilas, mediados pelos enfermeiros das Equipes. Entretanto, a formação disponibilizada abrangia, geralmente, apenas a primeira etapa (de 400h) do Curso Técnico. Como resultado, a maioria dos ACS ainda não tem formação profissional específica para o trabalho ( MOROSINI, 2018).

Observou-se que parte expressiva (31%) dos profissionais era de empregados remunerados contratados sem carteira de trabalho assinada, revelando que existem muitos profissionais na APS do município em condições precárias de trabalho caracterizadas pelas contratações transitórias que impossibilitam a efetivação de um vínculo, assim como limita a proteção social no que se refere aos direitos trabalhistas ( NOGUEIRA; BARALDI; RODRIGUES, 2004). A rotatividade dos RHS nos serviços pode se tornar uma dificuldade no processo de consolidação das ações integradas com a IES e dos alunos e docentes com a comunidade, principalmente quando acompanha as atividades de ACS nas microáreas de saúde.

A maioria dos entrevistados (98%) afirmou que existia desenvolvimento de ações na UBS em parceria com alguma instituição de ensino. Essa articulação institucional contribui com a formação prevista nas DCN: profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo ( BRASIL, 2001).

Com a finalidade de fortalecer a IESC, foi promulgada a Portaria Interministerial n° 1.127, de 4 de agosto de 2015, que instituiu diretrizes para a celebração de Contratos Organizativos de Ação Pública de Ensino-Saúde (COAPES), com objetivo de assegurar o acesso a todos os estabelecimentos de saúde como âmbito de práticas essenciais na formação durante a graduação e da residência em saúde ( BRASIL, 2015).

Relativamente à frequência das ações nos serviços de saúde, a ausência de consenso entre os participantes pode demonstrar existência de obstáculos na articulação entre várias instâncias, uma vez que, embora existam ações em parceria com os serviços, os resultados revelaram uma frequência de ocorrência mais eventual. Junqueira et al. (2013), analisando as ações do eixo Trabalho Saúde (TS) em UBS sinalizam que a ausência de continuidade nas ações dos alunos pode fragilizar os vínculos com os usuários. Caetano, Diniz, Soares (2009) consideram que a descontinuidade acarreta interrupção das atividades, repetição de ações e dificulta o trabalho em equipe.

Parcela expressiva dos profissionais (95%) compreende a participação dos alunos na unidade de saúde de modo colaborativo. A presença do aluno no serviço colabora no sentido de favorecer o estreitamento relacional, a formação de vínculos com os pacientes e a redução de barreiras sociais existentes entre médico e paciente ( PINTO E CYRINO, 2015), a ampliação de conhecimentos, troca de informações, experiências multiprofissionais, perspectiva de trabalho na direção do planejamento das ações ( FLORES et al., 2015 ) e estreitamento das relações entre profissionais no serviço e entre serviços, potencializando o trabalho em rede ( CONCEIÇÃO et al., 2015 ). A percepção positiva sobre a colaboração do aluno quando está presente na Unidade pode ter relação ainda com o fato de ele realmente contribuir com a execução de tarefas, sejam delegadas ou de maneira espontânea, que acabam ajudando na rotina do serviço.

Embora a maior parte (93%) dos profissionais tenham informado que a presença de alunos/professores não atrapalhava o trabalho nas Unidades, Caldeira, Leite, Rodrigues-Neto (2016) relatam que a presença do aluno nos serviços causava dificuldades no desenvolvimento do trabalho e inibia a comunicação entre os membros da equipe.

A grande maioria dos profissionais (94%) referiu acreditar que essa parceria entre IES e serviço contribui com a formação profissional do aluno. Os profissionais contribuem com o processo de ensino e aprendizagem na medida em que exercem o papel de facilitador, isto é, auxiliam nas atividades desenvolvidas, bem como favorecem a atuação dos alunos no cenário das práticas, facilitando, assim, a sua formação profissional ( CAETANO; DINIZ; SOARES, 2009).

No âmbito interpessoal, a relação entre aluno/professor e profissional de saúde obteve avaliação positiva, o que sugere competências para o trabalho em equipe interprofissional. Mestriner Júnior W et al. (2016) demonstraram que a formação com foco na APS deve privilegiar o desenvolvimento de competências socioemocionais, pois requer dos sujeitos habilidades de negociação e pactuação, e exige uma prática reflexiva coerente com um novo modelo de atenção, mais complexo e abrangente.

A compreensão dos profissionais acerca da IESC ou AESC variou entre os participantes do estudo, que a consideraram como uma possibilidade de troca de conhecimentos; uma relação entre serviço, equipe e universidade; união da teoria à prática; e uma parceria para melhorar serviços na comunidade. De acordo com Vasconcelos, Stedefeldt, Frutuoso (2016), a articulação permite um novo olhar acerca dos problemas dos usuários da unidade de saúde, uma ressignificação sobre a concepção de saúde, o trabalho em equipe, e as inovações no campo de trabalho.

Sobre os responsáveis pela elaboração das ações realizadas em parceria com Instituições de Ensino, houve divergências nas respostas, sendo predominantes as Instituições de Ensino, gestor/trabalhadores/representantes da Unidade. Para Cavalheiro e Guimarães (2011), seria ideal se a articulação fosse possível entre os três pilares: instituição de ensino, comunidade e unidade de saúde. Os autores entendem que não haveria aqueles que se valem da presença de alunos para ter uma “mão de obra” a mais, muito menos os discentes se apropriariam da UBS como apenas mais um “local de estágio”. Entendemos que, se há dificuldade para incluir os profissionais do serviço na elaboração das atividades, maior é o desafio de ouvir a comunidade na definição das ações a fim de que a população não seja apenas o público-alvo de propostas pensadas previamente pela instituição de ensino e/ou pelo serviço sem dar voz aos usuários do SUS ou à população atendida.

Dentre os impasses enfrentados para parceria ensino-serviço, destacaram-se a falta de infraestrutura da unidade e a inadequação de horários, corroborando com outros estudos ( CAVALHEIRO; GUIMARÃES, 2011; GIL et al., 2008 ; SOUZA; CARCERERI, 2011) que afirmam que a falta de espaço físico para acomodação de alunos, profissionais e usuários da unidade torna o processo bastante difícil, pois dificulta um entrosamento e o diálogo para formação da parceria; além da falta de tempo disponível ( CAETANO; DINIZ; SOARES, 2009).

5 Conclusão

No caso estudado, apesar de a maioria dos entrevistados não referirem problemas para efetivação da IESC, notou-se que ainda é necessário avançar numa construção conjunta das atividades e na adequação da ambiência dos serviços para essa parceria. Conclui-se que a parceria entre instituição de ensino e o serviço tem sido bem aceita de forma geral pelos profissionais da APS, com bom relacionamento entre os sujeitos envolvidos. Percebeu-se que as atividades com a comunidade ainda precisam ser mais fortalecidas tanto no processo de elaboração e realização quanto na continuidade das ações.

Referências

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Recebido: 29 de Março de 2022; Aceito: 06 de Setembro de 2022

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