A obra Educação e formação de jovens e adultos. (Re)pensando o trabalho e os contextos profissionais, organizada por Luís Alcoforado, Elenita Eliete de Lima Ramos e Nivia Maria Vieira Costa, é uma coletânea composta por 28 artigos, em que são apresentadas investigações qualitativas, ensaios, análises documentais e revisões de literatura, fomentando reflexões sobre formação de professores, validação de saberes, trajetórias escolares, agências internacionais, entre outros temas.
De forma geral, essa resenha intenta compreender, com base no citado livro, como o trabalho, na medida em que se constitui um espaço/tempo para produção e disponibilidade de bens e serviços, também pode ser entendido como algo que significa diálogo e mobilização para a construção de uma cidadania ativa, crítica, informada e integrada com outras dimensões e espaços de vida. E dessa forma, apresenta-se o grande desafio da educação em articulação com o trabalho: formar os sujeitos em sua totalidade.
Devido ao número significativo de trabalhos, optamos por uma metodologia que realizasse um diálogo mais amplo com as temáticas, aprofundando somente alguns assuntos de forma mais específica. Assim, foram priorizadas a educação profissional integrada à educação de jovens e adultos (EJA), a formação de professores para a modalidade e a vida escolar dos sujeitos com trajetórias interrompidas.
Os artigos enfatizam movimentos com orientação neoliberal, a partir das influências exercidas pela Unesco e o FMI, destacando embates que potencializam tensões entre 2 grupos: i) defensores de uma qualificação profissional utilitarista; ii) defensores de uma educação que articule as dimensões cultural, social, política e humanística.
É ressaltado a interdependência entre as estratégicas políticas mais gerais e os programas de educação profissional desenvolvidos pela Unesco, os quais têm destaque na conjuntura internacional da globalização. Alguns textos enfatizam que essa agência propõe estratégias para promoção da educação profissional a partir de três eixos: i) empreendedorismo; ii) igualdade de gênero; iii) transformações na sociedade. Observa-se que as políticas para estes tópicos são consideradas insuficientes para o desenvolvimento de sociedades sustentáveis nos países emergentes, materializando o fato de que o Brasil se relaciona com esses órgãos de forma subserviente, permitindo assim que essas agências exijam a implementação de ações voltadas à formação com foco na educação para o trabalho. Entretanto, observa-se nesse discurso certa ênfase no viés utilitarista.
Vê-se destaque na regulamentação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), por meio do Decreto n. 5.840/2006, que ao ratificar o ensino médio e incluir o ensino fundamental por convênio da Rede Federal com instituições públicas estaduais, municipais e Sistema S, também confirmava o percentual de 10% das vagas na Rede Federal para o público da EJA, o que foi considerado um avanço significativo. Entretanto, críticas são lançadas ao se perceber que esse número raramente é atingido pelas instituições federais brasileiras.
De todo modo, os grupos das arenas políticas, administrativas, sociedade civil e agências internacionais foram elementos significativos para a regulamentação, transformação e ampliação do PROEJA, tendo influência no movimento de consolidação do Programa, sempre contestado pela Rede Federal, por conta da inserção de um público diferenciado nessa rede. Após mais de quinze anos desde o início de sua implementação, verificou-se a relevância na diversidade do público e nas especificidades da modalidade, determinando a associação entre o ensino, por conta da oferta de cursos que integrassem educação profissional, educação básica e EJA; a pesquisa, incentivada inicialmente por editais de apoio, mas que posteriormente, mesmo sem este fomento, continuou produzindo investigações sobre o Programa; e, por fim, a formação continuada de professores, representada inicialmente por eventos realizados em nível regional e nacional, denominados Diálogos PROEJA. Observa-se que esses três setores (ensino, pesquisa e formação de professores) foram o tripé básico da criação do Programa.
Um destaque maior foi dado às especializações em PROEJA, oferecidas com fomento da União por instituições federais entre 2007 e 2011, e que após esse período tiveram recursos e oferta reduzidos de maneira brusca, tendo impacto considerável na efetividade da ação. Ressalta-se a importância dessa formação no âmbito do Programa, a partir de pesquisas que tiveram como participantes os docentes que concluíram essas especializações, e que relataram a relevância dessa formação na ressignificação da cidadania, em um movimento de ratificação do direito à educação como sinônimo de dignidade humana.
Observou-se ainda que a formação docente no âmbito da EJA tem exigido a implementação de políticas que considerem as características da modalidade. Essas formulações suscitaram uma gama de projetos de investigação para o campo, transformando-os em ferramentas para o avanço das abordagens pedagógicas do binômio educação e trabalho articulado à formação inicial e continuada de professores. Esse movimento vem ratificando a importância de uma educação que tenha impacto efetivo para a cidadania, sendo uma das principais justificativas para que se produzam estudos dedicados a esse binômio, enfatizando o ato de se realizar uma leitura crítica da formação ofertada nas instituições de ensino. Assim, destacou-se a necessidade de compreender a formação docente como um movimento permanente, com centralidade nas discussões desenvolvidas, que se estabelecem como fios condutores, trazendo as experiências pessoais para a sala de aula.
Ressalta-se a internacionalização da educação para além do argumento da interculturalidade e integração, já que as ações de indução das políticas são concretizadas como um processo de transnacionalização e venda/disponibilidade de serviços, tratando-a como mercadoria. Vê-se como consequência que os capitais globais estão exigindo dos governos nacionais o desmonte da legislação social protetora dos direitos trabalhistas, fazendo aumentar os mecanismos de extração do sobretrabalho, ampliando as formas de precarização e diminuindo direitos sociais.
Verificou-se que o maior desafio para países como Brasil e Portugal é articular ações que potencializem a educação para o trabalho com foco no exercício da cidadania, entendendo que essas propostas devem considerar o gerenciamento dos organismos multilaterais e as políticas públicas educacionais direcionadas para a formação profissional. A partir da leitura dos artigos vêse que a formação para a cidadania é uma ação determinante para se superar a histórica dualidade entre a formação intelectual e formação laboral, mecanismo estrutural que destina uma educação precarizada e aligeirada para as pessoas mais pobres.
Diante desse quadro, observa-se nos artigos encaminhamentos que propõem rupturas, considerando-se que as agências internacionais, às vezes somadas a orientações de caráter interno de países emergentes, fazem movimentos que tomam como modelo a formação utilitarista. Em contraposição, devem ser realizadas ações que valorizem as dimensões cultural, social e política, potencializando uma formação que possua um viés humanístico-emancipatório, mas também apresente articulações com o mundo do trabalho, visando superar os limites reducionistas da formação utilitarista, ratificando o direito à educação, ao trabalho e, por consequência, à formação do trabalhador.