A educação, de maneira geral, sempre esteve mais preocupada em conter os desejos dos(as) educandos(as) do que em dar vazão a eles. A ordenação de tempos, práticas e espaços vem sendo prioridade nas instituições educativas em detrimento do caos das volições, que motivam interações de outra ordem e, em maior ou menor medida, permeiam as relações sociais - aquilo que nos faz humanos, que nos impele a pensar e praticar a educação, que nos insta a nos depararmos com o extraordinário outro. O outro é sempre a desordem. Representa o caos que desacomoda nossa mesmidade e, por isso, nos transforma, nos convida a imaginar/pensar/ser para além do que somos, nos conduz a alguma transformação - e isso é educação. Esta pressupõe aquela. Não se educa sem transformar.
Em Agonia do Eros, Han (2017) defende que o capitalismo com tendência neoliberal da atualidade conduz a uma sociedade do desempenho, em que os sujeitos são motivados a empreender e levados a crer que são livres. Os mecanismos por meio dos quais se propala e se motiva tal liberdade, entretanto, suscitam condições para uma espécie de autoexploração em que os cidadãos, livres empreendedores, são, a um só tempo, vítimas e algozes de si mesmos. O outro, em qualquer caso, encontra-se suprimido, não há a quem culpar/absolver ou a quem pedir desculpas/gratificações de modo que: “O tu podes exerce inclusive mais coerção do que o tu deves. A autocoerção é muito mais fatal do que a coerção alheia” (HAN, 2017, p. 24, grifos do autor). Nesse sentido, “o capitalismo só é inculpador” (HAN, 2017, p. 25, grifos do autor) e escamoteia o erotismo e o amor das relações, ajudando a gerar a depressão por insolvência psíquica. Em livro anterior, o problema do “desaparecimento da alteridade e da estranheza” (HAN, 2015, p. 10, grifos do autor) também é a tônica de sua Sociedade do Cansaço. A diferença tomada em sua negatividade, segundo o autor, é capaz de provocar uma “violenta reação imunológica” (HAN, 2015, p. 11). Por isso, “o eros, a cupidez erótica, vence a depressão. Ele conduz do inferno do igual para a atopia, para a utopia do completamente outro” (HAN, 2017, p. 17 grifo do autor).
Em nossa sociedade, entretanto, o eros agoniza. Antagonista do capitalismo, da pornográfica pululância consumista, ele não encontra respaldo nas leis do capital, é, antes, a negatividade da “reprodutibilidade técnica” (cf. BENJAMIN, 2012). “No inferno do igual”, escreve Han (2017, p. 8), “que vai igualando cada vez mais a sociedade atual, já não mais nos encontramos, portanto, com a experiência erótica”. Como decorrência disso, vivemos deprimidos e colapsados por uma aura solipsista que só consegue reconhecer “diferenças consumíveis” (HAN, 2017, p. 9). Somos narcisos que acham feio tudo que não é espelho2 e buscamos no outro a afirmação (positividade) daquilo que somos, não a contradição (negatividade) capaz de nos transformar. Ora, “o meramente positivo é sem vida” (HAN, 2017, p. 52), pois “o outro, enquanto objeto da cupidez, se retrai à positividade de escolha” (HAN, 2017, p. 67, grifo do autor). A alteridade consumível, assim, se converte num mero objeto.
O eros, entretanto, “é precisamente uma relação com o outro, que se radica para além do desempenho e do poder" (HAN, 2017, p. 25). Ele “se manifesta como cupidez revolucionária por uma forma de vida e de sociedade totalmente distinta. Sim, ele mantém de pé a fidelidade do porvir” (HAN, 2017, p. 81, grifo do autor). Ressonando a filosofia nietzschiana, Han (2017) aposta na cupidez como potência criativa, como impulso para o porvir, de modo que o próprio “pensamento sem eros é meramente repetitivo e aditivo” (HAN, 2017, p. 84-85), pois ele é capaz de conduzir e seduzir “o pensamento pelo intransitado, pelo outro atópico” (HAN, 2017, p. 81, grifo do autor).
Se a agonia de eros propicia relações que domesticam o amor “no curso de positivação de todos os âmbitos da vida” (HAN, 2017, p. 40), o agonismo é, em certa medida, desejável e move o próprio desejo, caracteriza o meio de acesso legítimo ao outro atópico, inapreensível pelo afã identificador do eu, e representa a assunção do excesso, do risco, do delírio, ou, como preferia Nietzsche, da dimensão trágica da existência3. Como bem ressaltou Maturana (1998), o amor é o reconhecimento do outro como legítimo outro na convivência. Na medida em que o outro é apenas um meio, um mecanismo de afirmação do eu, funda-se uma relação de outra ordem. “É só através do não-poder-poder”, escreve Han (2017, p. 26), “que surge o outro”.
Agonisticamente, o outro e o eu competem, se distinguem, apesar de agirem afirmativamente do ponto de vista ontológico (reafirmando a existência na própria agonística) - pois ser é sempre transformar-se e o outro representa um fator desestabilizador da minha mesmidade e me força a re-existir.
A tendência das instituições, em especial as educativas, de disciplinar/docilizar os corpos (cf. FOUCAULT, 2007) não pode, portanto, dar lugar a um processo de reificação que reduz o outro a objeto de consumo4 e escancara a centralidade do ego em detrimento da potência formativa representada pela multiplicidade do eros.