Situando a tessitura do texto
Na atualidade da sociedade brasileira, vivemos uma crise de múltiplas dimensões e um grave retrocesso democrático e civilizatório com implicações e inflexões profundas para diversos campos da ciência e da pesquisa, em particular para as humanidades. A crise também afeta diversos setores da sociedade, como a educação, agravando e esgarçando, profundamente, as relações institucionais, as condições de vida e trabalho, em particular da classe trabalhadora e demais grupos subalternizados. Esses segmentos, que compõem a maioria do país, veem e sentem a situação se agudizar mais com a emergência da pandemia do Coronavírus (Covid-19)1, haja vista que compõem a população mais afetada por essa crise sanitária, que guarda toda uma especificidade quando considerada a atual crise com um governo federal de transparente inclinação autoritária.
Diante desse contexto de crise, valho-me do conceito de ser mais de Paulo Freire, a fim de analisar essa crise da democracia e da educação pública, sendo possível identificar, nessa atual conjuntura, uma intensificação e expansão, de forma dramática, da negação da vocação ontológica desse ser mais na sociedade e, por conseguinte, sua profunda distorção (expressa na expansão do ser menos), conduzindo o país a um estado de regressão civilizatória e democrática. No entanto, é importante também destacar que esse cenário sombrio e portador de tristeza e desesperança não vem se dando sem lutas e resistências por parte desses povos, classes e grupos sociais, historicamente subalternizados, tendo em vista sua afirmação de vida e dignidade, isto é, a busca dessa realização e condição ontológica de ser mais, que se faz, inseparável e concomitantemente, como já advertia Freire (1992, 1996, 2001), com a tessitura e construção de uma sociedade e educação libertadoras e radicalmente democráticas.
É em face desse contexto e sob essa perspectiva que o pensamento crítico de Paulo Freire é revisitado, a fim de problematizar os temas da democracia e educação pública na atualidade da sociedade brasileira. No intuito de buscar contribuir para o revigoramento desse campo teórico crítico, esse artigo procura apresentar outras possibilidades de leitura acerca da democracia, da educação pública e do pensamento de Paulo Freire a partir das Margens do Sul2, tomando como foco sua contribuição para o debate da crise da democracia e da educação brasileiras. Como fio de análise, coloco a seguinte questão: ao tomar como base seu conceito de ser mais, o que o pensamento de Paulo Freire tem a nos revelar sobre a crise da democracia e educação brasileiras na atualidade?
Este texto se inscreve no bojo de um projeto de pesquisa3, que buscou estabelecer um diálogo Sul-Sul entre o pensamento de Freire e o de Boaventura Santos, com foco nos temas da democracia e educação pública. Para fins deste artigo, compartilho e aprofundo alguns resultados da referida pesquisa, centrando o pensamento de Freire. Este artigo está organizado, além desta introdução e considerações finais, em duas seções temáticas. Na primeira, busco evidenciar, a partir do conceito de ser mais, um Paulo Freire andarilho em defesa da democracia e da educação pública; na segunda, destaco o retrocesso democrático e educacional na atualidade da sociedade brasileira e a contribuição de Freire para problematizar esse quadro de crise multidimensional e de negação e distorção intensa de ser mais.
1 Paulo Freire: um andarilho em defesa da democracia e educação pública
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, estado de Pernambuco. Ele morreu em 2 de maio de 1997, aos 76 anos. Tornou-se um intelectual e educador mundialmente reconhecido e foi homenageado com diversos títulos, deixando uma vasta obra e uma experiência de vida singular em defesa da radicalidade democrática da sociedade e da educação pública, virtudes que compõem a grandeza e boniteza de seu legado4. Em 2012, foi condecorado como Patrono da Educação Brasileira (Lei nº 12.612, de 13 abril de 2012). No ano de 2021, em 19 de setembro, Freire completaria 100 anos. No Brasil, na América Latina, em África e em diversas outras partes do mundo, comemorou-se o Centenário de Paulo Freire, o que revela o reconhecimento, a vivacidade, a importância e a contribuição de seu legado em nível mundial, para construção de um mundo e educação radicalmente democráticos, o que é tão imperioso para os tempos de hoje, em particular para as sociedades e governos, como o brasileiro, que andam na contramão da democracia, dos diretos humanos, da ciência, da educação pública e da cultura, do meio ambiente e da paz mundial etc.
Ao adentrarmos no pensamento social e educacional de Paulo Freire (no conjunto de sua Obra), é importante identificar um educador e intelectual em movimento, em transformação e inacabado, que gostava de se situar e atuar historicamente (FREIRE, 1982, 1984, 1987, 1992, 1996, 2000, 2001)5. Isso sugere, portanto, conceber seu pensamento encharcado pela história de seu tempo e em aberto, posto que é marcado, como ele gostava de dizer e advertir, pela “incompletude” da dimensão humana e pela sua condição histórico-social e cultural. Ao meu ver, isso significa a expressão viva e vigorosa de um educador e intelectual público das margens do Sul (CORRÊA, 2020, 2021) situado e atento ao movimento da história, para poder compreendê-la, mover-se e intervir nela criticamente como ser histórico e social, que se faz entre limites e possibilidades, renovando seu caminhar, esperançar, como caminhante da história e seu compromisso com as classes e grupos sociais subalternos. Essa é uma perspectiva que dialoga com a formulação de Scocuglia (1999), mas se diferencia da mesma ao destacar a ideia-chave das margens do Sul.
Sob essa chave interpretativa de seu pensamento, de sua práxis, é possível identificar um Freire que vai se tornando um desses grandes educadores e intelectuais, que busca estar atento ao seu tempo-espaço histórico e ser mobilizador de um conjunto vasto e plural de conhecimento, a fim de interpretar criticamente a realidade social, em particular a educação, denunciando, publicamente, seus problemas e anunciando outros caminhos possíveis a partir de um olhar arguto e compromissado com as classes e grupos sociais “oprimidos”. Isto é, o seu rigoroso esforço teórico de interpretação da realidade social e educacional anda e se movimenta inseparavelmente de seu interesse ético-político-afetivo de intervenção e transformação da sociedade/educação dominante e opressora numa sociedade/educação humanizadora, libertadora e democrática (FREIRE, 1987, 1991, 1992, 1996, 2001).
Nessa andarilhagem, atento ao movimento da história, Freire vai tecendo, destecendo e retecendo, dialeticamente, seu pensamento social e educacional crítico (FREIRE, 1982, 1984, 1987, 1992, 1996, 2000, 2001), sobre o qual destaquei algumas de suas características e ideias-chave, bem como elaborei e apresentei outras noções e chaves interpretativas tendo em vista contribuir para o revigoramento de seu pensamento social e educacional críticos na atualidade, a partir da ideia de Sul Global6. Agora, neste novo artigo, procuro aprofundar essas reflexões, por meio de seu conceito de ser mais, para propiciar uma reflexão crítica sobre a crise da democracia e da educação na atualidade da sociedade brasileira.
O conceito de ser mais em Paulo Freire é tomado aqui como ideia-chave para problematizar as possibilidades, limites e desafios da democracia e educação pública na atualidade. Esse conceito de ser mais forma um par dialético com o conceito de ser menos, que, contraditoriamente àquele, expressa e reflete um processo de negação da libertação e humanização, uma negação de uma sociedade e educação plenamente democráticas. É importante destacar que esse conceito de ser mais atravessa o desenvolvimento do pensamento crítico freireano, conectando-se, dialeticamente, aos seus demais conceitos e, assim, ocupando centralidade em suas obras (FREIRE, 1982, 1987, 1992, 1996, 2000, 2001).
Contudo, é importante compreender esse conceito (bem como todo seu sistema categorial e conceitual) dentro de cada contexto histórico em que o referido intelectual e educador se move e os elabora, isto é, em movimento e transformação, haja vista que é nesse devir ou vir a ser, marcado pelas contradições da sociedade e educação, que ele é revisto, reelaborado e ressignificado criticamente, a partir de dentro (da especificidade histórica brasileira) e do compromisso ético-político com as classes populares (os oprimidos e as oprimidas) sem, contudo, perder de vista e deixar de relacionar com uma análise mais global da sociedade e educação7. Portanto, esse conceito de ser mais vem ganhando reformulações na atualidade na medida em que Freire procura apreender e situar-se, em cada momento histórico da sociedade e educação brasileiras, dada sua especificidade de capitalismo dependente e periférico e de modernização-colonialismo.
No seu ensaio “Educação como prática da liberdade”, em sua nota de “esclarecimento”, escrita na primavera de 1965, no Chile, isto é, após o golpe militar de 1964 no Brasil e no exílio, Freire (1984, p. 43-44) chama atenção para a importância de se compreender criticamente os desafios da sociedade brasileira e fazer “opção” (tomada de posição política). Adverte, ainda que a educação brasileira não está alheia e fora desse enredo histórico de relações de poder e contradições.
Opção por esse ontem, que significava uma sociedade sem povo, comandada por uma “elite” superposta a seu mundo, alienada, em que o homem simples, minimizado e sem consciência desta minimização, era mais “coisa” que homem mesmo, ou opção pelo Amanhã. Por uma nova sociedade, que, sendo sujeito de si mesma, tivesse no homem e no povo sujeitos de sua História. Opção por uma sociedade parcialmente independente ou opção por uma sociedade que se “descolonizasse” cada vez mais. [...] A opção, por isso, teria de ser também entre uma “educação” para a “domesticação”, para a alienação, e uma educação para a liberdade. “Educação para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito”. (FREIRE, 1984, p.43-44).
Como é possível perceber nessa obra, Freire já advertia que era fundamental se situar historicamente e compreender cada momento e particularidade para identificar as possibilidades e limites desse processo de libertação e humanização, isto é, compreender as relações de poder de dominação e opressão e de luta e resistência em que a educação é parte constitutiva e constituinte da sociedade brasileira e global: ou seja, a educação pode contribuir para a conservação e reprodução de uma ordem social antidemocrática, colonial, injusta e desigual, impondo a condição de ser menos na sociedade, de impotência; ou, contraditoriamente, pode contribuir para um processo de “descolonização”, de construção crítica do pensamento, da autonomia e da ação ético-política-afetiva de libertação, humanização e democratização em comunhão, isto é, do ser mais, do ser de potência. Ademais, é importante já identificar, nessa citação, um Freire atento criticamente ao valor epistemológico e metodológico do reconhecimento do papel e protagonismo dos sujeitos, e não de objetos (lugar tão comum na prática de pesquisa) na tessitura de suas escolhas, o que reflete a busca de uma coerência de seu posicionamento ético-político e seu aporte teórico, suas práxis.
No desdobramento do pensamento freireano, é possível identificar, por meio desse conceito de ser mais, um potencial crítico-dialético de denúncia, por um lado, de uma ordem social e sistema educacional desiguais e injustos, que distorcem e interditam a condição de realização do ser mais e fazem expandir a condição do ser menos, posto que isso é fundamental para a reprodução e conservação da ordem social dominante e opressora8; e, por outro, de anúncio da possibilidade histórica de outra ordem social e educacional emancipada, a qual só é possível, por meio desse ser mais, em comunhão, que se ergue contra essa condição de dominação e opressão.
Nas primeiras palavras do livro Educação e Política (2001), Freire adverte:
Esta vocação para o ser mais que não se realiza na inexistência de ter, na indigência, demanda liberdade, possibilidade de decisão, de escolha, de autonomia. Para que os seres humanos se movam no tempo e no espaço no cumprimento de sua vocação, na realização de seu destino, obviamente não no sentido comum da palavra, como algo a que se está fadado, como sina inexorável, é preciso que se envolvam permanentemente no domínio político, refazendo sempre as estruturas sociais, econômicas, em que se dão as relações de poder e se geram as ideologias.
Ao colocar nesses termos o sentido e realização da vocação ontológica do ser mais, Freire é categórico em reconhecer que as classes populares, para que possam realizar essa condição, precisam garantir suas necessidades básicas de produção e reprodução social material da vida, sem o que se torna impossível a realização desse ser histórico-social. Ademais, é preciso, concomitantemente, assumir uma posição política e luta pela liberdade e autonomia.
Essa observação arguta de Freire guarda uma profunda relação com a advertência crítica de Marx e Engels (1993, p. 26), presente na obra Ideologia Alemã. Segundo os autores, o primeiro pressuposto básico da história é que os homens devem estar em condições de viver para fazer história. A primeira realidade histórica é a produção da vida material. Em O 18 Brumário de Luis Bonaparte, Marx e Engels (1976), precisando mais essa formulação, diz que os homens fazem sua própria história, no entanto, não a fazem como a desejam, como a querem, posto que é preciso considerar as circunstâncias concretas em que se situam historicamente, isto é, os homens fazem a história, sim, sob condições históricas com que se defrontam, diretamente, legadas e transmitidas pelo passado, marcadas por contradições e conflitos de classes.
Em sociedades, abissalmente desiguais como a brasileira, com enormes contingentes privados das necessidades básicas de produção da vida material (com profundo recrudescimento na atualidade)9, fica evidente essa negação de se fazer a histórica e, por conseguinte, de se constituir como ser mais. Ademais, essa privação das necessidades básicas de existência afeta, também, a dimensão psíquica individual e coletiva na sociedade. Nesses termos, é importante perceber e destacar, também, que o tema da democracia sempre esteve presente no pensamento de Freire, haja vista que, para ele, não é possível uma educação pública de qualidade referenciada social e humanamente fora de uma sociedade democrática, bem como não é possível uma sociedade democrática sem uma educação pública igualitária e propiciadora da autonomia, da liberdade e humanização, isto é, que contribua para a construção ontológica de ser mais na sociedade (FREIRE, 1982, 1984, 1987, 1991, 1992, 1996, 2000, 2001).
O conceito de ser mais em Freire precisa, portanto, ser compreendido como condição histórica, ontológica, que concebe o ser humano em sua totalidade ou multidimensionalidade. Assim, ele se afasta de toda e qualquer interpretação e concepção individualista de ser humano e de liberdade, assentada no pensamento econômico liberal do sistema capitalista, a qual, não obstante traga uma contribuição para a defesa dos direitos individuais e da liberdade, contudo, é estruturalmente limitante para promover uma sociedade com igualdade e liberdade, vide os grandes limites da democracia liberal e de sua promessa moderna ocidental de emancipação, de felicidade. Isso não quer dizer que Freire negligencie a individualidade humana, mas essa está em plena relação com a dimensão social, coletiva, onde e por meio da qual é possível realizar essa condição ontológica do ser mais na sociedade e educação, mas vindo de baixo (dos excluídos e excluídas) e a partir de dentro.
Além disso, esse pensamento liberal é marcadamente eurocêntrico, o que põe mais um problema para a realização do ser mais, da democracia e da educação pública em sociedades coloniais e periféricas, como a brasileira10. O que exige, além do desafio de descolonizar a economia, a política, a cultura da sociedade brasileira (e latino-americana), o desafio, também, de descolonizar as mentes, a educação (as pedagogias), as ciências e, em particular, as ciências humanas e sociais dessas sociedades de capitalismo dependente e periférico, que ainda sofrem com um processo de modernização pelo alto (via Norte Global e Sul Imperial), que articula capitalismo, colonialismo e patriarcado (SANTOS, 2006, 2010).
É, também, relevante destacar que essa concepção de ser mais defendida por Freire, não pode se realizar plenamente numa visão economicista marxista que secundariza ou marginaliza a dimensão da subjetividade ou os processos de subjetivação, centralizando sua análise e ação política na estrutura da sociedade capitalista (relação capital x trabalho), bem como não pode se realizar numa dimensão estritamente subjetivista ou culturalista que, também, negligencia e marginaliza a estrutura e relação de classes sociais. Para ele, é preciso estabelecer uma relação dialética entre essas dimensões (objetividade e subjetividade), considerando a especificidade de cada realidade social e educacional, reconhecendo a atualidade da luta de classes e sua relação com a questão de gênero, étnico-racial e ambiental no presente contexto brasileiro e global (FREIRE, 1992, 1996, 2000, 2001).
Por isso, associada dialeticamente à dimensão da produção da vida material, a assunção ético-política e a dimensão afetiva expressam outras esferas da vida fundamentais para a realização de ser mais, de potência. Isso revela (como vamos evidenciar com as citações mais à frente) uma renovação e revigoramento crítico do pensamento de Freire sobre outras formas de dominação e opressão, assim como de lutas e resistências em defesa da democracia e da busca de ser mais.
Assim, ao se colocar nesses termos, entendo que Freire assume a defesa e compromisso renovado com as classes populares em defesa de uma educação e sociedade democrática, libertadora e humanista. Entendo, também, que Freire denúncia a continuidade de problemas históricos e estruturais na sociedade e educação brasileiras na contemporaneidade, como o colonialismo, o racismo, o sexíssimo, conformando, por conseguinte, obstáculos estruturantes para a realização republicana e democrática do país, para a realização do ser mais.
O Primeiro Mundo sempre exemplar em escândalos de toda espécie, sempre foi modelo de malvadez, de exploração. Pense apenas no colonialismo, nos massacres dos povos invadidos, subjugados, colonizados; nas guerras deste século [XX], na discriminação racial, vergonhosa e aviltante, na rapinagem por ele perpetrada. Não, não temos o privilégio da desonestidade, mas já não podemos compactuar com os escândalos que nos ferem no mais profundo de nós. (FREIRE, 1992, p. 12)11.
Nesses anos 90, por exemplo, não obstante o reconhecimento das conquistas advindas do processo de redemocratização, por meio, sobretudo das lutas das classes populares, Freire (1992, 1996, 2000, 2001) não poupou críticas ao discurso hegemônico que relacionava democracia com a agenda neoliberal, chamando atenção para a “farsa” que marcava essa suposta democracia (FREIRE, 2001, p. 25). Isto é, Freire repõe um debate clássico: a incompatibilidade entre democracia e capitalismo, o qual está ainda mais desigual e excludente na sua forma neoliberal. A denúncia de Freire sobre a opressão e a exclusão, que marcam a nossa sociedade e educação pública nesse contexto, já é uma crítica a uma sociedade, Estado e educação que andam na contramão, hegemonicamente, da realização do ser mais, da democracia.
Um desses sonhos por que lutar, sonho possível, mas cuja concretização demanda coerência, valor, tenacidade, senso de justiça, força para brigar, de todas e de todos os que a ele se entreguem, é o sonho por um mundo menos feio, em que as desigualdades diminuam, em que as discriminações de raça, de sexo, de classe sejam sinais de vergonha e não de afirmação orgulhosa ou de lamentação puramente cavilosa. No fundo, é um sonho sem cuja realização a democracia de que tanto falamos, sobretudo hoje, é uma farsa. (FREIRE, 2001, p. 25).
Assim, o reconhecimento e revelação por Freire de outras formas históricas e emergentes de dominação e opressão na sociedade e educação, para além daquela de classes, relevam um Freire humilde e atento historicamente para a necessidade de alargar o debate teórico, epistemológico, político e social e os sentidos simbólicos e materiais de realização desse ser mais, de uma sociedade e educação pública democráticas emergentes da luta de sujeitos outros, interlocutoras e interlocutores das classes populares.
Em Pedagogia da Indignação, publicada após sua morte, em 2000, Freire demonstra sua sensibilidade aflorada e um alargamento de seu pensamento, chamando atenção para o problema da intolerância e dessas outras formas (históricas) de dominação e opressão na sociedade brasileira.
Que coisa estranha, brincar de matar índio, de matar gente. Fico a pensar aqui, mergulhado no abismo de uma profunda perplexidade, espantado diante da perversidade intolerável desses moços desgentificando-se, no ambiente em que decresceram em lugar de crescer. (FREIRE, 2000, p. 65).
Nessa mesma Carta, em face da crise socioambiental planetária, Freire chama atenção, também, para se visibilizar e dar ênfase a outros seres viventes, além dos seres humanos, isto é, uma preocupação com o tema ambiental, o que amplia seu olhar crítico sobre o processo de ser mais na sociedade e educação, de democratização e emancipação social, do inédito viável. Isto é, tem-se aí uma reinvenção e alargamento de seu pensamento crítico de humanização e libertação, que o aproxima profundamente da cosmologia e ancestralidade dos povos originários e o tema do Bem Viver12.
[...] urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornarmos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental nesse fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador. (FREIRE, 2000, p. 67).
Em face dos tempos atuais de conservadorismo e reacionarismo no país, que exprimem o avanço do autoritarismo, em que o colonialismo, o racismo e o patriarcalismo demonstram ganhar força, expandindo e reforçando essa histórica marca da modernidade-colonialidade brasileira e, por conseguinte, da dominação e opressão, da negação da democracia na sociedade e da educação pública, a referida citação crítica de Freire evidencia sua atualidade.
2 Quanto mais se caminha na contramão da democracia e da educação pública, mais a crítica de Paulo Freire se faz viva
De início, cabe destacar que, se por um lado, o tema da democracia13 ocupa um lugar clássico no debate da teoria social latino-americana, em particular no pensamento social brasileiro, por outro, entretanto, não é consenso que no Brasil, bem como em outras nacionalidades da região, se tenha constituído uma democracia plena como bem já deixou evidente Paulo Freire14.
No caso do Brasil, tanto a república como a democracia foram erguidas, histórica e hegemonicamente, de forma restrita e privatista, de cima para baixo, num diapasão bastante desafinado entre as duas e com os grupos sociais historicamente subalternizados, às avessas, forjando um tecido social e institucional marcado por privilégios. Esse processo continuou (re) produzindo dominação e opressão social, étnico-racial e gênero/sexual, conformando, por conseguinte, múltiplas formas articuladas de opressão, desigualdade e exclusão social, o que imprime toda uma particularidade para se enfrentar e debater esse tema no país dada sua formação histórica marcada por um capitalismo periférico, uma modernização-colonialista e patriarcal. Contudo, é importante não negligenciar e secundarizar toda uma história de luta que emerge de baixo, das margens, para tencionar essas restritas e raquíticas república e democracia no horizonte de alargamento, expansão e vigor de cidadania e direitos, como por exemplo a Constituição de 1988.
Na atualidade da sociedade brasileira, vivemos uma crise de múltiplas dimensões e um grave retrocesso democrático e civilizatório15 com implicações e inflexões profundas para diversos campos da ciência e da pesquisa, em particular para as humanidades, e para diversos setores da sociedade, como a saúde, a educação, a cultura, o meio ambiente etc., agravando e esgarçando, profundamente, as relações institucionais e condições de vida na sociedade, em particular da classe trabalhadora, dos povos originários e comunidades tradicionais e camponesas, da população negra e LGBTQIA+, das mulheres etc. (CPT, 2018, 2019, 2020; ANISTIA INTERNACIONAL, 2019, 2021).
É bem verdade que a crise brasileira já dava seus sinais na transição do primeiro para o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff16. Ela vai tentar avançar no projeto Lulista, radicalizando em dois “ensaios”: desenvolvimentista e republicano (SINGER, 2018). Contudo, como assinala Singer, seu governo, em face das medidas e políticas adotadas, vai contrariar diversos setores da classe burguesa, em particular a fração rentista, e, como resposta, o governo Dilma vai, também, sofrer diversas retaliações das frações dessa classe burguesa. Assim, suas fissuras vão começar a se transformar em grandes rachaduras, fazendo desmoronar essas relações (alianças de pés de barro), trazendo à baila uma crise, que vai estar já em gestação com os movimentos e protestos de junho que tomaram conta do país, passando a ser hegemonizados por setores conservadores e reacionários (GOHN, 2017; SINGER; VENTURI, 2019).
No final do primeiro e início do segundo governo de Dilma Rousseff, a guinada neoliberal já era flagrante e se expressou no avanço da agenda de ajuste fiscal, cortando e reduzindo os investimentos em programas, políticas sociais, colocando em risco as tímidas, mas relevantes conquistas sociais e trabalhistas da década anterior17. Nesse sentido, a própria política de educação já refletia essas contradições e limitações (CORRÊA, 2016, 2018).
No entanto, é, também, verdade que essa crise vai se agudizar sobretudo com o impeachment da referida presidente18, em agosto de 2016, e com o recrudescimento hegemônico da racionalidade neoliberal, aprofundando, sem precedentes, a reorientação e inflexão da agenda política do Estado com o governo de Michel Temer. Esse presidente passou a implementar uma série de Reformas (ou melhor, Contrareformas), que provocaram um “novo/velho” cenário de desmonte de direitos individuais e coletivos na sociedade brasileira (SINGER, 2018), intensificando sua condição de autocracia burguesa e de capitalismo dependente e periférico19 como marca da modernização colonialista, à custa do sacrifício da democracia e da república brasileiras20.
No tocante a esse processo de impeachment da presidente Dilma, o mesmo pode ser lido sob uma nova chave interpretativa de golpe, que usa das contradições e ambiguidades das constituições democráticas liberais para golpear o próprio regime e a ordem institucional legal por dentro dela, sem rupturas drásticas e quarteladas. Sob diferentes ângulos e perspectivas teóricas, esse novo fenômeno vem sendo debatido em nível internacional21 e, especificamente, no Brasil22.
Em relação às (contra)reformas do governo Temer, a trabalhista (Lei 13. 467) representou uma importante vitória da racionalidade de mercado e uma profunda derrota para a classe trabalhadora, quer do ponto de vista econômico e social, quer do ponto de vista político e subjetivo. A precarização das condições de trabalho, com essa reforma, intensifica-se e expande-se sem precedentes, retrocedendo a momentos anteriores da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) (POCHMANN, 2018; VERAS DE OLIVEIRA et al., 2019).
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 (na Câmara), que se transformou em PEC 55 (no Senado), conhecida, difundida e defendida pela grande mídia como “Teto dos gastos públicos”, foi aprovada no dia 13 de dezembro de 2016, estabelecendo umteto de gastos públicospara o país, que passou a vigorar em 2017. Como a PEC propõe mudanças na Constituição e dependendo do projeto de país a que ela está vinculada, ela pode produzir mudanças importantes no sentido de democratização da sociedade e do Estado, garantindo e alargando direitos e cidadania, mas pode, também, seguir um caminho contrário. E foi justamente esse o caminho antidemocrático da racionalidade neoliberal escolhido e imposto pelo governo Temer, por meio dessas PEC: um movimento de desmonte e de direitização da Constituição Brasileira de 1988, impondo o congelamento dos investimentos públicos na saúde e na educação por vinte anos, gerando impactos desastrosos a curto, médio e longo prazos sem precedentes para o povo brasileiro, em particular para as classes e grupos sociais subalternizados, que dependem dos serviços públicos.
Essa é mais uma concreta política antidemocrática que, de um lado, expressa a subordinação ao mercado e possibilita e incentiva a ampliação da dinâmica de acumulação de capital via apropriação privatista do dinheiro público (OLIVEIRA, 1998)23, mas, também, de outro lado, leva à produção e reprodução da exclusão social, que aprofunda e agudiza ainda mais a desigualdade na sociedade brasileira, em especial na saúde e educação, em condições, conforme os termos de Boaventura Santos (2010, 2016), abissais, obstaculizando estruturalmente, ainda mais, a realização da condição do ser mais (FREIRE, 1992, 2001).
Se sem a crise sanitária atual já era visível o tamanho do erro histórico que o Estado brasileiro estava cometendo, combalindo um relevante projeto e política pública como o Sistema Único de Saúde (SUS), com a emergência da pandemia, não é difícil dimensionar que tal medida contribuiu, decisivamente, para criar um terreno propício de vulnerabilidade às milhares de morte no país, em particular das classes e grupos sociais subalternizados.
No tocante à educação pública, essa medida apresenta impactos negativos estruturantes, que atingem desde a educação básica ao ensino superior24. Essa medida impõe grandes obstáculos para implementação e concretização das políticas públicas definidas no Plano Nacional de Educação (PNE) (2014), que está assentado na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (2021), comprometendo, por conseguinte, a garantia de direitos fundamentais aí estabelecidos. Ademais, o impacto na pesquisa, na ciência e na inovação apresenta outro grave problema, posto que, com a redução de investimento nas universidades públicas e em pesquisa, tanto a formação e ampliação de pesquisadores (as) no país, como propriamente as pesquisas e inovações científico-tecnológicas, para enfrentar os problemas estruturantes do país e orientar e balizar os caminhos das políticas públicas para um projeto de Nação democrático; ficam comprometidas.
No âmbito da reforma educacional no governo Temer, em particular do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), além do problema do deficit de participação da sociedade civil e do esvaziamento da esfera pública para debater sobre essa política educacional (AGUIAR, 2019)25, a orientação da racionalidade neoliberal sobre essa política educacional é muito evidente (AGUIAR, 2019; ARAÚJO, 2018; LIMA; MACIEL, 2018). A orientação para uma perspectiva de flexibilização, trabalho e individualismo, conforme essa agenda hegemônica, coloca a educação como um importante espaço de produção de subjetividades para o mundo do mercado, centrando e hierarquizando o lugar da classe trabalhadora e de grupos subalternizados no território técnico-profissional, reforçando e intensificando a desigualdade do sistema social/educacional.
Para o educador Gaudêncio Frigotto (2018), essas reformas do governo Temer exemplificam uma educação nocauteada. Em relação à “contrarreforma do ensino médio”, Frigotto (2016, 2018) sustenta que ela contraria e fere a própria Constituição de 88 e a LDB, retrocedendo em conquistas básicas e fundamentais do Ensino Médio como educação básica universal, reduzindo-a e subordinando-a a uma política minimalista, além de dualista, ao defender a formação sob o modelo de itinerários. Ao fazer a crítica a esse modelo de educação neoliberal, Freire (1992, 1996, 2001) já chamava atenção para sua ideologia fatalista e seu caráter funcional de adaptação e treino, de coisificação, contrariando uma perspectiva de formação crítica e autônoma que contribui para a busca de ser mais.
Na reforma da BNCC, temas como gênero são postos à margem do debate e da formação humana, negligenciando um histórico de sujeição, de violência e de desigualdade que recaí sobre as mulheres. Mas, não só. Isso se desdobra para o debate mais amplo e complexo das diferenças, que envolve um conjunto de outros grupos subalternos, que vêm sistematicamente sofrendo física, psicológica, moral e simbolicamente com o racismo, a homofobia etc. Isto é, além da desigualdade social entre classes, acirra-se, também, a desigualdade racial e de gênero/sexual. Além disso, a natureza continua sendo tratada como mero recurso a ser transformada em mercadoria de troca, o que segue na contramão da crise climática/ambiental global26.
Isso expressa, como já advertia Freire, o quanto a sociedade e educação brasileiras têm estruturantes desafios para construir uma democracia social, haja vista que essa democratização não pode prescindir tanto da distribuição socioeconômica quanto do reconhecimento da diversidade, das subjetividades, e do patrimônio natural como bem comum e de vida. Ou seja, para Freire, não existe democracia com desigualdade social, racial e de gênero e de tratamento da natureza como mero recurso, pois precisamos construir uma concepção-ação ético-política e afetiva de ecoempatia27.
A contribuição crítica marxista sobre o neoliberalismo é muito importante e atual para interpretar os impactos danosos desse modelo hegemônico nessas políticas públicas, todavia, sua análise não pode ficar presa na sua relação estrutural do capital, de classes - economia política -, mas articular a outras dimensões e dinâmicas de dominação e opressão (gênero/sexual, étnico-racial, ambiental, territorial), de processos de subjetivação, considerando a especificidade de cada realidade, sociedade, seu tipo de capitalismo dependente e periférico, como o brasileiro, que não está dissociado de sua relação com o colonialismo e patriarcado, evidenciando sua dupla face indissociável e dialética moderno-colonial28.
Por isso, construir uma sociedade democrática implica não só o enfretamento e superação do sistema capitalista, mas, também, do colonialismo e do patriarcado, sistemas de dominação e opressão que operam articuladamente na realidade latino-americana/brasileira, o que conforma sua particularidade e precisa ser tratada analiticamente em sua interpretação crítica. Entendo que essa é uma importante chave de releitura do pensamento freireano, para revigorar sua imaginação social e educacional crítica e criativa (CORRÊA, 2021).
Portanto, além do dramático quadro de desemprego e precarização das condições de trabalho e de pobreza e desigualdade socioeconômica, que se acirram como resultados dessas reformas, é preciso identificar, também, nesses processos traumáticos da sociedade e, em particular da educação, o racismo estrutural e institucional bem como o machismo, o patriarcado, a homofobia, a fim de colocar num outro patamar e perspectiva o debate da democracia, isto é, das excluídas e dos excluídos, das oprimidas e dos oprimidos (FREIRE, 1992, 2000, 2001). Nesses termos, o projeto de modernização do governo Temer é a expressão concreta da reprodução e intensificação desses sistemas de dominação e opressão, dessa modernidade-colonialidade (QUIJANO, 2005), que caminha historicamente na contramão da realização ontológica de ser mais, do projeto de democratização da sociedade e educação brasileiras.
É no horizonte de continuidade mais aguda dessa distorção da vocação ontológica de ser mais, na atualidade da sociedade e educação brasileiras, que é entendido o governo de Jair Bolsonaro. A emergência dessa personalidade autoritária (ADORNO, 2019), do movimento que lhe dá sustentação e de seu governo não podem ser compreendidos sem o reconhecimento da formação histórica da sociedade brasileira, marcada pelo autoritarismo ainda tão vivo em nossas instituições e relações sociais (CHAUÍ, 2001; FERNANDES, 2020), bem como sem esses novos condicionantes do tempo presente, que ajudam a entender a emergência dessa onda populista autoritária de extrema direita no mundo (DA EMPOLI, 2021), em particular no Brasil com o movimento bolsonarista (ALONSO, 2019).
Em 2018, Jair Messias Bolsonaro (atualmente filiado ao Partido Liberal - PL, mas eleito pelo Partido Social Liberal - PSL), representante do campo político de extrema direita, é eleito presidente do Brasil. A racionalidade neoliberal assume outros contornos com o avanço de toda uma onda ultra conservadora e reacionária no mundo, que vêm impondo, com vigoroso teor e trabalho político-ideológico religioso e de mercado, um aprofundamento dessas (contra)reformas, com marcante traço obscurantista e autoritário, desmontando e esvaziando as instituições e as políticas públicas anteriores. Ademais sustenta-se sobre todo um trabalho ideológico de criminalização de povos, movimentos e organizações sociais que se colocam num campo de oposição a esse governo (CPT, 2019, 2020), marcando um profundo retrocesso dos direitos humanos no país (ANISTIA INTERNACIONAL, 2019, 2021).
Durante a campanha presidencial29, Jair Bolsonaro, em discurso, por meio de vídeo, para seus seguidores na avenida paulista, deu o recado para os seus opositores, afirmando uma postura típica de uma personalidade autoritária, um ditador: “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”. Defendeu, ainda, fazer “uma limpeza nunca vista na história desse Brasil. Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil”30. Ainda durante a campanha presidencial, o documento do Plano de Governo (2018) do referido candidato já apontava para um forte combate e perseguição ideológica ao pensamento crítico, em especial de esquerda marxista. Nesse documento, a perseguição e o combate ao pensamento do educador Paulo Freire é explicita, assim como as organizações e movimentos sociais que se situem nesse espectro político-ideológico. Além disso, a defesa da iniciativa privada e de valores tradicionais, com forte toque fundamentalista, marcam bem essa plataforma de poder emergente populista de extrema direita.
Isso demonstra objetivamente um “homem público” pelo avesso31, que chega à presidência da república de um país, que não aceita oposição, que não aceita o contraditório/crítica, que não aceita o pensar diferente, por isso ele defende a perseguição de seus opositores, o que só é possível num regime autoritário. Sobre esse grande risco trilhado pelo país, o sociólogo Gabriel Cohn (2018) sustenta e adverte que “temos uma temática explosiva, pronta a causar sérios problemas se não for neutralizada em tempo”.
Nessa trilha antidemocrática, o presidente Bolsonaro, ainda no início de seu governo para comemorar os seus 100 dias, assina um Decreto (9.759), que já ansiava por desmontar e esvaziar o papel da sociedade civil no controle social do Estado. Com esse Decreto, ele objetivava diminuir de 700 para 50 o número de Conselhos previstos pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) e pelo Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).
De acordo com esse Decreto, além desses Conselhos, também, entraram nessa mira tirânica comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns e salas e outras formas, que tinham um caráter de colegiado para viabilizar o controle social, a transparência, o debate e fiscalização de políticas públicas e relação entre sociedade civil e poder público. Esses foram desmontados e desfigurados de sentido, e o pouco que restou foi instrumentalizado para atender ao interesse privatista do atual governo, dando, assim, um passo decisivo em direção a um projeto autoritário.
Em recente pesquisa divulgada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), evidencia-se, após dois anos do referido Decreto, que o governo Bolsonaro, em larga medida, desmontou e esvaziou essa estrutura de participação popular. Conforme o CEBRAP, a pesquisa mostra que, hoje, “75% dos comitês e concelhos nacionais mais importantes estão esvaziados ou foram extintos”32. Nessa reportagem, Carla Bezerra (2021), cientista política do CEBRAP, destaca:
As perdas que a gente tem são uma redução da transparência. Organizações que fiscalizam, que controlam para ver o uso adequado dos recursos públicos deixam de ter acesso aos dados, deixam de conseguir acompanhar como é que a política pública está sendo executada. Você tem uma perda na qualidade da política e um enfraquecimento, fragilização da própria democracia brasileira.
No tocante à política educacional do Ministério da Educação (MEC), o governo Bolsonaro revela um grande retrocesso e muita incompetência, regredindo em conquistas e avançando na crise e precarização da educação brasileira, em particular a pública, aprofundando o abismo da desigualdade no sistema educacional. Até o presente momento dessa gestão Bolsonaro, já passaram cinco Ministros pela pasta do MEC. O primeiro a assumir foi Ricardo Vélez, que ficou na pasta por três meses, até abril de 2019, e tinha o interesse, em coerência com a agenda do governo Bolsonaro, de mudar os livros didáticos para “revisar” (diga-se: distorcer e negar) a maneira como o golpe militar de 1964 no país e a ditadura são tratados historicamente. Ele defendia que a universidade era um espaço para uma “elite intelectual”, e não para todos. O segundo foi Abraham Weintraub. Ele compunha o núcleo ideológico mais fiel ao presidente e foi um marco de autoritarismo e incompetência na gestão da educação, destruindo conquistas e produzindo retrocesso. Com base num discurso moralista e raivoso, longe do que exige um cargo de ministro, ele implantou uma política de retenção de recursos (30%) para as universidades públicas e puniu com severos cortes os cursos de filosofia e sociologia para deslocar esse recurso àqueles cursos/áreas supostamente mais “produtivos” aos olhos de seus contribuintes. O terceiro foi Carlos Alberto Decotelli, que não chegou nem a tomar posse, posto que foram constatadas informações falsas em seu lattes, como doutorado e pós-doutorado, o que gerou mais um desgaste para o governo e para o referido professor. O quarto a assumir a pasta foi Milton Ribeiro, pastor presbiteriano, professor e ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele assumiu no contexto da pandemia e, como marca desse governo, assumiu fazendo declarações polêmicas, afirmando que assumiu um “cargo espiritual” e defende a universidade como um espaço social restrito a uma elite. Ele foi afastado do cargo por denúncia de corrupção, em que há fortes indícios de favorecimento de liberação de verba do governo federal a prefeituras ligadas a pastores evangélicos. O atual ministro do MEC é Victor Godoy Veiga. Em abril de 2022, ele foi oficializado como novo ministro, contudo, sua experiência profissional nunca esteve ligada ao campo da educação (ABRUCIO, 2021; MATOS, 2022).
Cabe ressaltar que o território da educação já se apresentava como um dos mais mirados pela artilharia desse governo tendo em vista seu projeto de poder autoritário. Nesse caso, as Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, em particular os cursos e programas de pós-graduação em ciências humanas/sociais, eram as mais visadas. Nessa trilha do governo Bolsonaro para o Estado, a educação e a sociedade brasileiros, um programa tem assumido a baliza e a dianteira, chamado atenção: o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Ainda que essa não seja a única iniciativa de militarização da instituição escolar no país, contudo esse programa federal chama atenção pela sua origem, concepção e particularidade, sua forma e conteúdo, idealizado e proposto por um governo populista de extrema direita e defensor contumaz da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), a qual, para Bolsonaro, representou uma “revolução” em defesa da democracia e “libertação” do risco socialista/comunista na sociedade brasileira.
O referido programa foi institucionalizado e estabelecido, por meio do Decreto nº 10.004, no dia 5 de setembro de 201933. Esse programa assenta-se nos seguintes objetivos (BRASIL, 2019):
I - fomentar e fortalecer as escolas que integrarem o Programa;
II - contribuir para a consecução do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014;
III - contribuir para a implementação de políticas de Estado que promovam a melhoria da qualidade da educação básica, com ênfase no acesso, na permanência, na aprendizagem e na equidade;
IV - proporcionar aos alunos a sensação de pertencimento ao ambiente escolar;
V - contribuir para a melhoria do ambiente de trabalho dos profissionais da educação;
VI - estimular a integração da comunidade escolar;
VII - colaborar para a formação humana e cívica do cidadão;
VIII - contribuir para a redução dos índices de violência nas escolas públicas regulares;
IX - contribuir para a melhoria da infraestrutura das escolas públicas regulares; e
X - contribuir para a redução da evasão, da repetência e do abandono escolar.
Esse programa será desenvolvido pelo “Ministério da Educação com o apoio do Ministério da Defesa e será implementado em colaboração com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal” (BRASIL, 2019, p. xx). O Pecim busca se pautar no discurso e ideário da melhoria da gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa “baseada nos padrões de ensino adotados pelos colégios militares do Comando do Exército, das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares” (AUTOR, ano, p. xx Art. 2º, II).
Com base no documento “Balanço MEC 2019”, o governo federal, por meio desse Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, em sua “versão piloto” para 2020, previu a implantação de 54 escolas, distribuídas no território nacional da seguinte forma: 20 na região Norte, 7 na região Nordeste, 12 na Centro-Oeste, 5 na Sudeste e 12 na região Sul. A prioridade é para as escolas públicas regulares, considerando o último ciclo do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e o ensino médio e, preferencialmente, com um efetivo de 500 a 1.000 alunos. O investimento, conforme esse documento, para esse programa em 2020 foi de 54 milhões de reais, sendo, 1 milhão para cada escola. Esses 54 milhões foram distribuídos da seguinte forma: 28 milhões para o Ministério da Defesa (militares das forças armadas da reserva) e 26 milhões para contrapartida de estados apoiarem policiais e bombeiros militares da ativa. Segundo ainda esse documento, o governo federal pretende expandir e fortalecer esse programa. Ele pretende, até 2023, implantar 216 escolas.
Ao fazer uma avaliação da política de educação dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o Observatório da Democracia34 destaca em seu Relatório da Educação que “uma das poucas atuações do MEC” em 2019 se reduziu e restringiu ao citado programa acima. Em seu relatório, o Observatório identifica um evidente processo de “‘militarização’ das estruturas do Estado” brasileiro (AUTOR, ano, p. xx), o que se liga a sua orientação político-ideológica conservadora e retrógrada, expondo um grande retrocesso na política educacional e grave problema para educação básica.35
Esse é um dos programas que seguem o repertório de sua base de apoio bolsonarista, que defende a intervenção militar, a liberalização e o armamento da população civil; o combate à violência com aumento da punição e maior rigor das leis (redução da maior idade penal e pena de morte); a defesa da manutenção da ordem pela disciplina, hierarquia e moral (coação e controle dos corpos); a defesa dos valores tradicionais, como família tradicional (branca, heterossexual e cristã, a obediência ao patriarca e à autoridade, sobretudo masculina); a defesa da propriedade privada, e o combate vigilante ao pensamento marxista, em especial do educador Paulo Freire, concebido com “doutrinador” e “perigoso” para esse modelo de educação e sociedade (PROGRAMA DE GOVERNO DE JAIR BOLSONARO, 2018). Esse combate incluí, sobretudo, o uso sistemático das redes sociais para disseminar fake news (notícias falsas) e ódio, medo e terror.
Em uma de suas importantes observações sobre a relação entre afeto, ignorância, poder e dominação, Espinosa sustentava que
[...] não há instrumento mais poderoso para manter a dominação sobre os homens do que mantê-los no medo e para conservá-los no medo, nada melhor do que conservá-los na ignorância. Inspirar terror, alimentar o medo, cultivar esperanças ilusórias de salvação e conservar a ignorância são as armas privilegiadas dos governos violentos. (ESPINOSA apud CHAUÍ, 1982, p. 57)
Ao deslocar essa advertência relevante e assertiva de Espinosa, considerando os dilemas da sociedade e educação contemporâneas, em particular da brasileira, temos que incluir, além dos “governos violentos” e autoritários, organizações e grandes corporações internacionais privadas (CHAUÍ, 2019; DARDOT; LAVAL, 2016)36, que instrumentalizam as redes sociais para disseminar notícias falsas e sentimentos de ódio, para induzir o eleitorado e eleger governos da extrema direita, a fim de reproduzir e garantir seus privilégios e levar a cabo seus interesses de mercado e seu ideal moral de sociedade e educação.
Nesses termos, esse programa das escolas cívico-militares do governo federal pode ser inscrito no contexto não só de militarização do Estado mas, também, da sociedade brasileira em seu conjunto, se tomarmos o conceito de Estado ampliado de Antonio Gramsci (2011), segundo o qual a sociedade política (aparelhos coercitivos, que operam a dominação com predominância da força) e sociedade civil (aparelhos privados de hegemonia, que operam a construção da hegemonia pelo consenso, ideologia) relacionam-se dialeticamente, a fim de (a depender da direção das classes e grupos sociais dominantes e hegemônicos na sociedade), conservar a ordem social vigente ou transformá-la.
No caso do atual cenário brasileiro, esse programa das escolas cívico-militares é direcionado por setores conservadores e reacionários das classes e grupos dominantes, para reprodução, imposição e expansão de seus interesses materiais e simbólico-culturais, os quais buscam tanto conservar alguns ideais da ordem social hegemônica, como a propriedade privada, o livre mercado e o trabalho (precarizado), como, também, regredir, “restaurar” ideais obscurantistas do passado, como a moral religiosa cristã, a família tradicional, a disciplina e hierarquia militar como únicas e legítimas para reestabelecer um ideal de ordem na sociedade e educação brasileiras. Nos termos freireanos, podemos identificar nesse projeto autoritário um evidente processo de adestramento, por meio da coação e invasão cultural, coisificando as relações e negando a condição de ser mais, como marcas profundas de uma lógica moderna-colonialista.
Esse Relatório do Observatório da Democracia ainda faz um conjunto de observações críticas, nesses dois anos, a ausência e ineficiência do MEC no tocante à gestão dos desafios da educação brasileira, em particular da educação básica. Em 2019, esse relatório chama atenção para o fato de que o MEC “teve o menor nível de execução orçamentária desde 2015” (AUTOR, ano, p. xx), gastando do orçamento empenhado 89,8%, equivalente a R$ 106,2 bilhões de reais. Em 2020, esse documento observa uma redução de investimento em educação da ordem de 8% em relação ao ano anterior. Com isso, os orçamentos do INEP e da Capes sofreram um impacto de redução da ordem de 34% e 36%, respectivamente. Em face dessa redução de investimento para a pasta da educação, o relatório adverte tanto para o risco de descontinuidades de programas do MEC, quanto para diminuição de verba para programas de apoio a estados e municípios.
Em relação, ainda, ao ano de 2019, no que toca ao ensino superior, esse relatório observa que “não houve avanços na busca de aprimoramentos nos indicadores de qualidade e nos instrumentos de regulação dos cursos de formação inicial de professores”. Cabe frisar, como já apontado acima, mas não aprofundado, a política de corte sistemático e sucessivo de investimento para esse nível de educação, impactando tanto a graduação como a pós-graduação, em especial a área de ciências humanas/sociais, as quais, nessa cruzada teológico-política e ultraliberal, vêm sofrendo duros golpes financeiros e simbólicos.
No tocante a 2020, esse Relatório inicia destacando:
Começamos o ano com um reforço na imagem de um ministério sem capacidade de liderança e com sérios problemas de gestão. Um ano de baixa execução orçamentária, fragilidades na governança e na pactuação com Estados e municípios, trazendo prejuízos incalculáveis a curto, médio e longo prazos para a melhoria da qualidade da Educação Básica.
Os dados apresentados pelo 2º Relatório Anual de Acompanhamento do “Educação Já” (2021), coordenado pelo Todos pela Educação37, evidenciam os problemas e dilemas da educação básica com a emergência da pandemia (Covid 19). Ao tratar dos “desafios do ensino remoto”, esse Relatório (2021, p. 23) identifica que “os desafios e os prejuízos à aprendizagem de crianças e adolescentes têm sido imensos”, não obstante os esforços das redes públicas estaduais e municipais para garantia do referido ensino. Dentre os desafios desse ensino remoto, esse Relatório destaca:
os diferentes níveis de suporte familiar no processo de ensino-aprendizagem, a falta de acesso a equipamentos e internet para acompanhar as aulas remotas (61% dos domicílios brasileiros não possuem computador e 28% não possuem acesso à internet), a menor autonomia das crianças mais novas para acompanhar as atividades não presenciais, principalmente na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e as fragilidades dos sistemas de ensino e dos professores para sua implementação. Em maio de 2020, 83,4% dos professores afirmaram que se sentiam nada ou pouco preparados para ensinar de forma remota, conforme pesquisa realizada pelo Instituto Península.
Ao se referir à “suspensão das aulas presenciais” por conta da pandemia, esse Relatório (p. 23-24) argumenta que os prejuízos serão “enormes à aprendizagem e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, sobretudo daqueles em situação de pobreza e vulnerabilidade”. Esse documento, ainda, faz uma prospecção, com base em outros estudos, sobre esse impacto negativo considerando, além da aprendizagem, a relação com a “produtividade” e o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, considerando os “vulneráveis” como os mais atingidos. Assim, um “ponto comum” demonstrado por todos os estudos considerados nesse Relatório (p. 25) foi o “aumento das desigualdades educacionais” nesse contexto de pandemia.
Ao se assentar numa perspectiva da racionalidade neoliberal, o referido relatório do Todos pela Educação faz uma análise e avaliação, marcadamente funcional, do quadro da educação brasileira, nesse contexto de crise, sem enfrentar os problemas estruturantes da sociedade e da educação no país. Ao reconhecer o “aumento das desigualdades educacionais” como resultantes da crise sanitária, esse relatório aponta para a incompetência de gestão do atual governo federal tanto no âmbito da condução equivocada de sua política educacional, quanto da pandemia. No entanto, essa crítica recai no sentido de o atual governo não estar promovendo as reformas orientadas por uma agenda neoliberal. Na realidade, esse modelo hegemônico tem levado a uma desigualdade abissal na sociedade brasileira, em particular na educação e, com a pandemia, esta só intensificou esse estruturante problema, bem como ela foi agravada pela não prioridade de investimento em políticas públicas na saúde e na ciência, haja vista as reformas recentes do governo Temer e do governo Bolsonaro em defesa da austeridade fiscal. Portanto, criticar a gestão da política educacional e da pandemia e não criticar o tipo de capitalismo brasileiro, dependente e periférico, é perder o chão da história da realidade concreta, especifica e dramática do Brasil.
É, também, digno de destaque que a sociedade brasileira expressa relevantes possibilidades e marcas de democratização, advindas de lutas históricas de diversos setores e grupos sociais, em particular dos povos, das classes e grupos sociais subalternos e excluídos, que ajudaram a construir e alargar um sentido material e simbólico dos direitos e da cidadania no Brasil (CARVALHO, 2016). Nesses termos, a sociedade brasileira, em particular nos temas da democracia e da educação pública, é eivada e (re)inventada historicamente por contradições e conflitos sociais, que evidenciam estruturas, processos e dinâmicas socais, políticos, econômicos, culturais, territoriais e ambientais de continuidades e descontinuidades. Sob essa chave de interpretação, é possível ler mais um capítulo da história do país, em especial de sua democracia e educação pública, encurraladas e asfixiadas pela atual cruzada fundamentalista-autoritária, que faz o país retroceder e caminhar ao encontro do obscurantismo, mas que, também, enfrenta resistências e lutas de diversos setores da sociedade, mesmo que ainda, em larga medida, na defensiva.
Assim, se o desafio da democratização do país implica continuar enfrentando o problema estrutural das relações desiguais entre classes socais, outros desafios (junto com esse: gênero/sexual, étnico-racial, ambiental) são postos à prova para, de fato, inventarmos uma sociedade e educação democráticas na sua radicalidade, de potencial criador e realizador de ser mais, como advertia Paulo Freire (1987, 1992, 1996, 2000, 2001). A luta, portanto, por esse processo de democratização passa pela redistribuição da riqueza de bens materiais e simbólico-culturais, mas, também, passa necessariamente pelo reconhecimento dos direitos, das diferenças, das subjetividades e do conhecimento de se autorepresentar, que possam emergir a partir de dentro e de baixo, das margens do Sul.
Considerações finais
Ao tomar como base o conceito de “ser mais” em Freire, a partir dessas margens do Sul, foi possível identificar tanto os limites estruturantes da democracia (neo)liberal na sociedade, em particular na educação, e a necessidade de fazer emergir outras interpretações não eurocêntricas a respeito desses temas, bem como evidenciar um cenário de agudo retrocesso democrático, que demonstra avançar na condição do ser menos e, por conseguinte, distorcer, profundamente, a vocação ontológica de ser mais.
Nesse sentido, a superação dessa negação não reside numa aventura individualista e produtivista (neoliberalismo), e, sim, numa construção coletiva, sobretudo com o protagonismo das classes e movimentos sociais populares, da soberania popular. A democracia participativa é de suma importância para inscrever novos capítulos da história entre democracia e república na sociedade brasileira. O mau trato com a coisa pública era um dos grandes reclamos de Freire. A preocupação com os bens comuns, com a coisa pública e a natureza passa fundamentalmente, conforme esse educador, por uma educação cidadã e ecológica.
Com isso, é possível identificar uma relevante contribuição do pensamento freireano para renovação da interpretação da realidade social e educacional brasileira, promovendo rupturas epistemológicas e propiciando um outro quadro interpretativo do país, do seu dilema democrático e de sua educação, bem como de intervenção pública, ético-política, a partir dos povos, das classes e grupos sociais historicamente subalternizados, isto é, a partir desses brasis das margens ou profundos.38