Stephan Schmid, em seu estudo sobre a mudança do papel da causa final no início do pensamento moderno, retoma uma narrativa, segundo a qual Francisco Suárez seria um precursor do pensamento mecanicista de Descartes1. Segundo este estudo, Descartes seria um crítico da filosofia da natureza de Aristóteles. Este, para explicar os movimentos observados na natureza, postula a existência de formas substanciais e de fins, que dirigem as mudanças ou movimentos dos corpos. Para Descartes, segundo esta interpretação, tais mudanças poderiam ser suficientemente explicadas pelos movimentos da matéria no espaço; quando a madeira queima, por exemplo, pequenas partículas dela se soltam e se movem localmente e isto é tudo o que ocorre na coisa; as qualidades ‘quente’ e ‘claro’ que percebemos não são reais, mas somente o modo como nossos sentidos percebem tais movimentos locais, e seria ingênuo projetar tais qualidades para as coisas, como se elas fossem nelas mesmas tais como percebemos2. Da mesma maneira seria ingênuo atribuir aos corpos formas substanciais tais como ‘madeira’ e ‘fogo’, as quais orientariam a mudança para um determinado fim, para o qual são como que atraídas. Experimentamos o nosso corpo se movendo em paralelo com o movimento de nosso espírito e projetamos nos corpos um espírito análogo ao nosso, as formas substanciais, para explicar tais movimentos; experimentamos nosso espírito se movendo atraído por um fim e projetamos nos corpos tal atração por um fim3. Mas não há nenhuma razão que justifique tais projeções, pois todas as mudanças observadas na natureza podem ser suficientemente explicadas pelo movimento da matéria no espaço e por causas eficientes materiais. Além disso, se constata empiricamente que um corpo mantém o estado de movimento ou repouso em que se encontra, se não for afetado por um corpo exterior; ora, se um corpo em movimento permanece em movimento indefinidamente, caso não seja impedido por outro corpo, então ele não tenderia para um ‘lugar final’, ele não tende para um ‘fim’4. Assim, sendo, ‘todo gênero de causas, usualmente derivado do fim, não tem utilidade na física’5. Somente o comportamento dos corpos humanos não poderia ser suficientemente explicado por movimentos da matéria no espaço e por causas eficientes, pois estes estão unidos de um modo misterioso a um espírito e sofrem uma influência misteriosa do espírito ao qual estão unidos6. Em resumo, Descartes teria eliminado a necessidade da causal final para explicar os movimentos e mudanças dos corpos e considerado suficiente a causa eficiente neste âmbito. Mas ele não teria descartado totalmente a necessidade da causa final para explicar as mudanças e movimentos do espírito humano e do corpo a ele unido.
Segundo Stephan Schmid, Francisco Suárez seria um precursor desta visão mecanicista da natureza. Ele teria de fato eliminado a causa final na explicação das ações dos chamados agentes naturais (isto é, daqueles entes que não são dotados de razão) e teria mantido a causa final somente na explicação das ações dos agentes racionais por três razões7.
A eliminação da causa final nos agentes naturais teria ocorrido, em primeiro lugar, porque Suárez teria se afastado da noção aristotélica de causa e se aproximado da noção neoplatônica, segundo a qual ‘causa’ é um princípio que per se influi ser em outro; a causa não seria mais só um princípio que explica as mudanças e movimentos observados na natureza, mas aquilo que é responsável pela existência do efeito como um todo, cujo ser como um todo ‘emana’ da causa8. Ele teria adotado esta noção de causa para tornar inteligível a concepção cristã de criação ex nihilo. A noção cristã de criação não poderia ser esclarecida pela noção de causa eficiente de Aristóteles, pois esta seria o princípio que explica somente o início de uma mudança observada nas coisas da natureza e não a própria existência das coisas. Assim, para que a noção de causa eficiente pudesse ser aplicada ao Deus criador cristão teria sido necessário redefinir a própria noção de causa, que passa a ser aquilo que influi per se ser em outro, isto é, que comunica, que dá seu ser para outro9. Mas ao fazer isto, Suárez teria, de fato, restringido a noção de causa à causa eficiente. A causa eficiente seria o paradigma da causa, pois só ela propriamente influiria ser10. Matéria e forma não seriam propriamente causas, mas só por analogia e o fim menos ainda, pois, como poderia o fim ‘influir ser’ em outro, se ele não existe antes de seu ‘efeito’?11 O fim não seria, portanto, uma causa real. Mesmo quando a noção de causa é aplicada metaforicamente ao fim, mesmo quando se diz que o fim é uma causa na medida em que ‘atrai’ ou que ‘excita’ o movimento ou a mudança, estaríamos de fato pensando nela como uma causa eficiente, pois ‘atrair’, ‘excitar’ são propriamente espécies de causa eficiente12. Na natureza, portanto, não haveria realmente um tipo de causa sui generis, a causa final.
Suárez teria eliminado a causa final dos agentes naturais, em segundo lugar, porque a causa final supõe conhecimento. Com efeito, Suárez não rejeitou o fim como algo necessário para explicar as ações humanas. Os seres humanos, de fato, agem tendo em vista um fim13. Os seres humanos, de fato, se movem também ‘atraídos’ ou ‘excitados’ por fins, que os movem não como causas eficientes, mas como coisas que lhes parecem ‘boas’14. Há, realmente, nas ações livres do ser humano uma causalidade diferente da causalidade eficiente. Do contrário, elas não seriam livres e não poderiam ser moralmente boas ou más15. Mas os fins só podem causar o movimento no ser humano na medida em que são conhecidos: ‘Para que um fim cause, é necessário que seja conhecido anteriormente’16. Ora, os agentes naturais não conhecem. Não seria possível, portanto, uma causalidade final nos agentes naturais. O direcionamento que observamos nas ações dos agentes naturais não seria devido a fins imanentes neles, mas sim devido a Deus, que dispôs os movimentos deste modo e não de outro17. Não haveria, consequentemente, uma causalidade final imanente nos agentes naturais.
Suárez teria eliminado a causa final dos agentes naturais, em terceiro lugar, porque para ele não haveria nem mesmo uma causa final na ação divina que dispôs o mundo criado deste modo e não de outro. Com efeito, como vimos acima, os agentes naturais não se comportam de determinado modo por causa de fins que lhes são imanentes, mas porque Deus os dispôs deste modo e não de outro. Assim, só poderíamos falar de uma causa final nos agentes naturais, se houvesse uma causa final na ação divina que dispôs os agentes naturais deste modo e não de outro18. Mas Deus é sumamente perfeito e não é capaz de receber uma influência de uma causa final19. Portanto, Ele não é capaz de sofrer nenhuma influência de uma causalidade final. Logo, não há nenhuma causa final na ação divina criadora deste mundo. O ‘bem’ presente no mundo criado deste modo não é capaz de determinar a vontade divina a criar este mundo e a potência divina não é limitada a criar este mundo, podendo criar outro. Neste sentido, Deus teria escolhido criar este mundo de modo irracional20. A criação do mundo seria racional em outro sentido, isso é, na medida em que Ele está vinculado às verdades eternas, que são derivadas das essências das coisas e que não são determinadas livremente pela vontade divina21. Deus pode livremente escolher quais essências de fato vão existir, mas não pode determinar como são estas essências22. Por exemplo, Deus pode livremente criar o fogo ou não, mas Ele não é capaz de fazer com que o fogo não seja fogo. Assim, ao criar o mundo, ele necessariamente se orienta pelas causas exemplares, isto é, por modelos das coisas presentes no seu intelecto, que representam, por assim dizer, as essências imutáveis das coisas que serão criadas. Mas, e este é o ponto, estas causas exemplares seriam um tipo de causa eficiente mental e não uma causa final23. E estas causas exemplares seriam suficientes para explicar o fato de o mundo criado ser ordenado, isto é, de haver nele uma constância das mudanças e dos movimentos das coisas, de cada coisa ter tendências próprias e de haver uma harmonia entre elas. Não seria necessário, portanto, postular a presença de uma causa final na ação criadora de Deus, pois a ordem do mundo pode ser explicada pelas essências imutáveis e pelas causas exemplares que as representam. E não seria nem mesmo possível postular tal causa final, pois ela contradiria a perfeição divina. E se não há causa final na ação criadora divina, então não haveria nenhuma causa final das ações dos agentes naturais.
Tais são basicamente os três argumentos apresentados por Stephan Schmid para mostrar que Suárez teria eliminado a causalidade final nas ações dos agentes naturais, apesar de mantê-la ainda no âmbito das ações humanas24 e que ele seria neste sentido um precursor do mecanicismo de Descartes.
Esta interpretação de Suárez, entretanto, não me parece correta. Suárez não reduz a noção de causa à causa eficiente, ele não elimina a presença da causa final nos agentes naturais e, em certo sentido, ele mantém a causa final mesmo nas ações divinas25.
Em relação ao primeiro argumento, Suárez de fato aceita nas Disputas Metafísicas a seguinte definição de causa: ‘causa é aquilo do que algo per se depende’. Logo em seguida, dá outra definição, que ele considera equivalente ‘Causa é princípio que influi per se ser em outro’ e explica que a expressão ‘influir per se’ quer excluir da definição de causa toda causa acidental e a privação. Portanto, para que algo seja causa, ele deve dar ou comunicar positivamente ser para outro, de modo que este outro dependa da causa para ser o que é26.
Suárez de fato reconhece que a causa eficiente tem sob certo aspecto uma primazia em relação às outras causas. É costume restringir a palavra ‘influir ser’ à causa eficiente27. Isto se dá porque o ‘influir ser’ é mais imediato e mais evidente na causalidade eficiente. Como a causalidade eficiente é a mais facilmente conhecida por nós, o nome ‘causa’ é normalmente atribuído originalmente à causa eficiente e continua sendo atribuído por antonomásia à causa eficiente28.
Mas isto não significa que Suárez reduza a noção de causa à causalidade eficiente. Pelo contrário, ele é explícito em dizer que a noção de causa cabe também à matéria, à forma e ao fim:“Entretanto, considerando a própria coisa fisicamente não há dúvida de que cada uma das ditas causas possui verdadeira e propriamente a noção de causa, inteira em seu gênero e inteiramente diversa”29.
Cada uma das quatro causas é propriamente e realmente causa, mas cada uma de um modo distinto, que não pode ser reduzido a outro tipo de causa. Cada uma ‘influi ser’ a seu modo, mesmo a matéria e o fim30.
Se causa é aquilo do que algo depende para ser o que é, então a matéria é realmente causa dos entes materiais, pois um ente material depende da matéria para ser o que é. Ela precisa fornecer sua entidade positiva própria para que a coisa composta de matéria e forma seja o que ela é. Do mesmo modo, tal coisa composta de matéria e forma depende da forma para ser e se a forma não fornecesse sua entidade própria, a coisa não seria o que é. Logo, a forma também é realmente causa. De modo mais evidente, como já vimos, a coisa depende de sua causa eficiente para ser o que é, pois aquilo que não tinha ser depende de algo que já era para ser, algo que como uma fonte ‘influa ser’ naquilo que não era. Mas também o fim é causa real, pois a coisa não seria o que é, se a causa eficiente dela não se movesse para ela, mas para outra coisa. A coisa, portanto, depende do fim para ser o que é e o fim de algum modo fornece sua entidade própria para que a coisa seja o que é. Portanto, o fim também é uma causa real, mesmo não tendo um ser real anterior ao efeito, pois tem um ser mental que é suficiente para exercer uma causalidade real31.
Quando Suárez diz que o fim é causa de modo metafórico, ele não quer dizer que o fim não é causa real, mas sim que o modo de causar do fim é distinto do modo de causar da causa eficiente32.
Nesta breve exposição, já fica claro que para Suárez as coisas podem depender de outras para ser de quatro modos distintos, isto é, que há quatro modos distintos de ‘influir ser’. Seria, portanto, um erro desconsiderar a realidade própria de cada causalidade. Assim como não se pode eliminar a causalidade própria da matéria em favor da causalidade formal, porque a forma tem sob certo aspecto uma primazia em relação à matéria (ela é mais perfeita), assim também não se pode eliminar a causalidade própria do fim em favor da causalidade eficiente, porque a causa eficiente tem uma certa primazia (ela é mais evidente para nós e a origem do nome ‘causa’). São causalidades diferentes, mas não menos reais.
Em relação ao segundo argumento de Stephen Schmid, não se pode falar que Suárez elimina a causalidade final nos chamados agentes naturais, pois nele há um paralelismo entre causa eficiente e causa final. Onde há causa eficiente há causa final e vice-versa. Se houvesse uma eliminação da causa final nos agentes naturais, haveria também uma eliminação da causa eficiente neles.
Este paralelismo entre a causa eficiente e a causa final é patente, em primeiro lugar, na Disputa XVIII, na qual ele trata da causa eficiente próxima. Na primeira seção desta disputa, ele levanta a seguinte questão: há realmente uma causalidade eficiente entre as coisas criadas? Com efeito, há uma opinião que diz que as coisas criadas não causam eficientemente nada, mas que tudo é causado eficientemente diretamente por Deus, única causa eficiente real, e que a causalidade eficiente das coisas criadas só é aparente, na medida em que Deus só causa eficientemente algo, quando certas coisas estão presentes33.
Contra esta opinião, Suárez diz que há uma causalidade eficiente real entre as coisas criadas34. A experiência nos mostra relações permanentes entre coisas criadas e, a partir disto, estabelecemos relações de causa eficiente e efeito entre elas, tais como o sol é causa eficiente da luz, fogo é causa eficiente do calor etc. Toda nossa filosofia natural está baseada nisto. Alguém, entretanto, pode objetar: a experiência só nos mostra que tais efeitos foram produzidos na presença de tais coisas e não que tais efeitos foram produzidos por tais coisas35. É, portanto, infundado afirmar que há uma causalidade eficiente entre tais coisas. A permanência da relação entre elas pode ser explicada por uma decisão divina permanente, segundo a qual Deus causa eficientemente determinado efeito na presença de determinada coisa. Assim, o calor surgiria na presença do fogo, não porque o fogo é causa eficiente do calor, mas porque Deus decidiu causar calor sempre que o fogo estiver presente36. Não é necessário, portanto, postular a existência de uma causalidade eficiente entre as coisas criadas para explicar a filosofia natural, se esta for entendida como mera descrição dos fatos constantemente observados na natureza.
Suárez então responde: é possível reconhecer que há uma causalidade eficiente real entre as coisas criadas porque é possível reconhecer uma causalidade final entre elas. Podemos reconhecer com bastante evidência que os seres vivos possuem órgãos voltados para determinados fins. Também é evidente que estes órgãos precisam ser como são para que realizem estes fins. Mas eles precisam ser como são, porque há uma causalidade eficiente real entre as coisas criadas. Se a causalidade eficiente entre as coisas criadas não fosse real, eles não precisariam ser como são para realizar tais fins e eles seriam o que são em vão. A disposição destes órgãos - que reconhecemos pela experiência - nos obriga a reconhecer a presença de uma finalidade nestes órgãos e a presença de um fim nos obriga a reconhecer que há causalidade eficiente real neles. As coisas criadas são como são, por causa daquilo que fazem. Mas isto só ocorre, porque elas fazem realmente algo, pois se não fizessem realmente algo, não seriam como são37.
Vemos, por exemplo, uma planta com espinhos e reconhecemos nisto presença real de um fim - a proteção da planta diante de alguns animais. Reconhecemos que a planta não teria tal disposição sem tal fim. Mas ao reconhecermos a presença de tal fim nela, reconhecemos também que os espinhos realmente causam de modo eficiente ferimentos e dor em alguns animais, realmente afastam estes animais, pois, se não houvesse nenhuma causalidade eficiente real neles, eles não existiriam nela. E reconhecemos também que há uma causalidade eficiente entre as coisas criadas em geral. Pois, o espinho é causa eficiente de dor neste animal, porque tal matéria, dura, é realmente capaz de penetrar no corpo mole do animal. Se não houvesse uma causalidade eficiente real de tal matéria dura no corpo mole, o espinho não seria feito de tal matéria, nem seria duro, nem haveria espinho.
Para Suárez, portanto, é através da causalidade final que se demonstra a realidade da causalidade eficiente entre as coisas criadas em geral. Portanto, se ele tivesse eliminado a causalidade final dos agentes naturais, ele teria eliminado também a possibilidade de demonstrar a realidade da causalidade eficiente entre as coisas criadas, o que ele não fez.
O paralelismo entre a causa eficiente e a causa final é patente, em segundo lugar, na Disputa XXIII, na qual ele trata explicitamente da causa final. Na primeira seção desta disputa, Suárez, buscando mostrar a realidade da causa final, estabelece em sentido contrário o paralelismo entre causa eficiente e causa final: uma coisa depende de uma causa eficiente para ser o que é; a causa eficiente comunica um ser para o efeito, que não seria o que é sem esta comunicação; mas a causa eficiente, por sua vez, depende de um fim para ser tal causa eficiente e não outra; pois, se a causa eficiente não fosse determinada por um fim, ela não tenderia para este fim, mas agiria ao acaso e não produziria nenhum efeito determinado; o efeito, portanto, depende do fim para ser o que é. Se o efeito é real, então a causa final também é uma causa real, pois o efeito depende realmente da causa eficiente para ser e a causa eficiente depende realmente do fim para ser tal causa eficiente38.
Se Suárez, portanto, tivesse eliminado a realidade da causa final nos agentes naturais, ele teria também eliminado neles a realidade da causa eficiente, pois uma determinada causa eficiente depende de um determinado fim para ser tal causa eficiente e não outra.
Tal paralelismo é mais evidente nas ações humanas. Na mesma Disputa XXIII, ele afirma que nós, seres humanos, conhecemos com mais evidência a causalidade do fim em nós mesmos: experimentamos que, quando agimos racional e livremente, agimos tendo um fim em vista, que somos determinados por um fim a agir deste modo e não de outro. Como os efeitos de nossas ações não são fictícios ou imaginários, mas entes reais, então a causalidade do fim também é real. Assim, em nós é mais fácil perceber a realidade da causa final. E, na medida em que conhecemos originalmente a ‘causalidade final’ em nós, é mais adequado explicar inicialmente o que ela é a partir de nós e é com mais propriedade que falamos dela para explicar aqueles efeitos que dependem de nós. Mas em nenhum momento Suárez diz que por isso a causalidade do fim não seja real além dos seres humanos e que ela não seja necessária para explicar os efeitos de outros tipos de causa eficientes39.
Na mesma Disputa XXIII, na seção IV, Suárez chega a dizer que a ação da causalidade eficiente não é distinta realmente da ação da causalidade do fim. Na coisa há uma única ação, que sob um aspecto é ação causal eficiente e sob outro aspecto é ação causal final. E faz uma comparação com a união entre a forma e a matéria. Não há duas uniões realmente distintas, mas uma única união, que sob certo aspecto é causada pela matéria e sob certo aspecto é causada pela forma40. Isto é mais evidente no ato de vontade humano, onde uma única ação real é causada eficientemente pela vontade e ’finalmente’ pelo fim. São dois aspectos distintos da mesma ação41.
Isto mostra que para Suárez nos atos da vontade humana é tão absurdo falar de uma causa eficiente separada da causal final quanto é absurdo falar de uma união entre a matéria e a forma separada da matéria ou da forma, pois elas são a mesma coisa, ainda que haja diferentes aspectos desta mesma coisa.
Mas esta identidade real entre causa eficiente e causa final não seria limitada às ações humanas? Pelo que vimos até agora, Suárez só diz que a causalidade final é por nós originalmente conhecida nas ações humanas, mas ele não diz que elas não são reais fora delas.
Mas ele não diz que o fim deve ser conhecido anteriormente para poder causar? 42 Que o conhecimento do fim é necessário para que ele seja uma causa final?43 Que o fim precisa pelo menos ‘ser intencionalmente’ numa mente para poder causar?44 Como poderia então haver uma causa final nos agentes naturais, se eles não são capazes de conhecer um fim, nem de direcionar suas ações para ele?45 Como poderia um fim desconhecido causar algo neles, se ele não existe nem mesmo ‘intencionalmente’ neles? Como poderia o fim ser uma causa real neles, se, enquanto desconhecido, não é capaz de direcionar a causalidade eficiente deles? Parece, portanto, que Suárez será obrigado a concluir que nos agentes naturais a causalidade eficiente é separada de qualquer causalidade final, que nestes o fim é só um termo para o qual tendem suas ações e não uma causa real, que faz com que este agente natural tenha esta causalidade eficiente e não outra.
De fato, o termo ‘fim’ para Suárez tem dois sentidos: ele pode ser entendido como o termo para o qual uma ação tende (o efeito que surge da causa eficiente) ou como um princípio que move ou alicia o agente a agir. O fim só pode ser considerado como causa real, se for um princípio que determina a ação do agente; mas se o fim for somente termo de uma ação, ele não pode ser considerado como causa real, pois não é a origem dela (não influi ser nela)46.
E Suárez levanta a possibilidade de explicar a regularidade das ações dos agentes naturais sem um fim como causa final. Os fins que são produzidos não aleatoriamente pelos agentes naturais seriam somente termos de suas ações, cujas tendências são derivadas das naturezas ou formas destes agentes. Assim sendo, um agente natural é causa eficiente regular de um efeito, porque ela possui tal forma natural. Não seria preciso postular uma causa final, distinta da causa formal, para explicar tal regularidade. Uma pedra, por exemplo, se move de modo não aleatório para baixo, somente porque ela tem uma tendência natural para isto derivada de sua forma e não porque o lugar baixo exerça algum tipo de causalidade sobre a pedra. O lugar baixo seria só termo da ação da pedra e não causa final dela47. Parece, portanto, que Suárez explica as ações dos agentes naturais sem a causalidade final, contentando-se com a matéria, a forma e a causa eficiente neste âmbito.
Mas ele rejeita explicitamente esta hipótese. Sem um fim como causa final não é possível explicar porque os agentes naturais têm tais tendências naturais e não outras, ou seja, porque eles têm esta forma, que é causa eficiente destes efeitos e não de outros. Pois de onde surgiriam tais formas com tais causalidades eficientes? Da matéria, não, pois a matéria enquanto tal é indiferente e não tem nenhuma tendência para esta ou para aquela forma. Somente da matéria não surgiriam as diferentes disposições formais e as diferentes causalidades eficientes dos agentes naturais. Em suma, sem uma causa final não haveria a regularidade das ações dos agentes naturais e não haveria nem mesmo diferentes agentes naturais, pois a matéria não se diferenciaria por si mesma. Portanto, só através de uma causa final é possível explicar porque agentes naturais diferentes são o que são, porque têm partes distintas, disposições distintas, causalidades eficientes distintas e porque eles agem não aleatoriamente48.
Mas como causalidade final pode estar realmente presente nos agentes naturais, se eles não são capazes de conhecer o fim e o fim precisa ser conhecido para ser causa?
Suárez afirma então que as ações dos agentes naturais têm um fim, que não é só o termo das ações, mas causa final delas. Estas ações possuem duas causas eficientes simultâneas: os próprios agentes naturais e o primeiro agente, isto é, Deus. Na medida em que estas ações surgem dos agentes naturais, o fim delas é desconhecido e não é propriamente uma causa final, mas só um termo para o qual o agente tende por sua forma natural; na medida em que elas surgem de Deus, o fim delas é conhecido e elas são verdadeiramente efeitos de uma causa final49.
Como a causalidade eficiente dos agentes naturais depende da causalidade eficiente de Deus, a causa eficiente principal das ações deles é Deus e não o agente natural. Ora, a causalidade eficiente de Deus é determinada pelo conhecimento de fim como uma causa final. Logo, falando em absoluto, as ações dos agentes naturais são efeitos de uma causa final50.
Não há, portanto, em Suárez, uma eliminação da causalidade final nas ações dos agentes naturais. Só poderia haver uma eliminação da causalidade final nos agentes naturais, se houvesse uma eliminação da causalidade eficiente de Deus nestas ações51. O erro de Stephan Schmid está em considerar a ação do agente natural como uma ação separada e independente da ação de Deus. De fato, se houvesse tal separação real, não haveria nos agentes naturais uma causalidade final separada e independente, isto é, neste sentido ‘imanente’. Mas esta separação não existe em Suárez. Para ele, há uma única ação que sob certo aspecto é causada eficientemente pelo agente natural e sob outro aspecto é causada por Deus52. Para ele, todas as ações de todas as criaturas têm duas causas eficientes inseparáveis: a de Deus e a da criatura53. Portanto, só seria possível eliminar a causalidade final das ações dos agentes naturais se houvesse também uma eliminação da causalidade final nas ações de Deus54. E assim chegamos ao terceiro argumento de Stephen Schmid.
Segundo este argumento, Suárez teria eliminado a causa final dos agentes naturais, entre outras razões, porque não haveria uma causa final da ação divina que dispôs as criaturas deste modo e não de outro. Com efeito, Deus é sumamente perfeito e não é capaz de ser passivo sob nenhum aspecto. Assim, o ‘bem’ presente nas coisas criadas não seria capaz de ser causa final da ação criadora divina, movendo a vontade divina a criar este mundo. A regularidade racional das ações dos agentes naturais - que observamos no mundo - poderia a ser explicada pelas causas exemplares, isto é, por modelos das essências das coisas presentes no intelecto divino, que orientam a ação criadora divina, fazendo com que esta coisa tenha esta forma com tais maneiras de agir e que aquela tenha outra forma com outras maneiras de agir. Como estas causas exemplares são um tipo de causa eficiente mental e como elas explicam suficientemente a ordem regular observada nos agentes naturais, não haveria razão para afirmar que há uma causa final na ação criadora divina e, consequentemente, nas ações dos agentes naturais.
Me parece, novamente, que a posição de Suárez não é esta. Antes de tudo, devemos ressaltar que ele diz que as ações divinas podem ser consideradas sob dois aspectos: um enquanto tais ações são atos imanentes em Deus e outro enquanto tais ações saem para fora da divindade e chegam, por assim dizer, em seus efeitos ad extra55.
Não há causalidade real das ações divinas enquanto são atos imanentes em Deus. Com efeito, as ações divinas enquanto imanentes se confundem com a essência divina e se a essência divina é absolutamente perfeita, ela não pode ser passiva sob nenhum aspecto. Neste sentido, não há propriamente nenhuma causa final sobre a ação divina enquanto imanente, mas também não há nenhuma causa eficiente sobre ela56. Mas podemos de um modo inadequado conceber a realidade divina a partir de nós e descrevê-la de modo metafórico57. Assim, mesmo não havendo uma causalidade real dos atos imanentes de Deus, podemos, de modo metafórico, falar de ‘razões’ neles. Neste sentido metafórico e inadequado, podemos falar que Deus é movido ou aliciado por sua bondade para exprimir a ‘razão’ de seu ato imanente58; podemos falar que o ato de amor de Deus por si mesmo é a ‘razão’ do ato de amor de Deus pelas criaturas59.
Pois, quando Stephan Schmid fala que para Suárez a causa exemplar é um tipo de causa eficiente mental das ações divinas, ele também está usando uma linguagem metafórica e inadequada para descrever a realidade divina, partindo de nossos próprios atos. Com efeito, este seria o único uso legítimo de tal linguagem.
Ora, ao analisar nossos próprios atos de vontade, Suárez diz, como vimos acima, que o fim precisa necessariamente ser conhecido para ser causa final dos atos humanos. Mas ele também diz que não basta o conhecimento do fim para a vontade humana se mover, que é necessária a bondade da coisa. A vontade se move atraída não pelo fato de a coisa ser conhecida, mas pelo fato de a coisa ser conhecida como boa60. Assim, mesmo que o conhecimento da coisa seja um tipo de causa eficiente mental do ato da vontade, tal conhecimento não seria suficiente para explicar o ato da vontade. É preciso também que a bondade da coisa atraia ou alicie a vontade para que esta se mova em direção a ela. A causalidade eficiente ou formal do conhecimento não é suficiente para explicar os atos de vontade humanos, é preciso também uma causalidade final distinta dada pela bondade (real ou aparente) da coisa querida.
Assim, se estamos falando metafórica e inadequadamente dos atos da vontade divina, é preciso falar também de uma causa final deles. Com efeito, por que seria legítimo falar de uma causa eficiente mental em Deus e não seria legítimo falar de uma causa final, se nos dois casos não estamos falando de causas reais, mas de ‘razões’, segundo o nosso modo de conceber a realidade divina a partir de nossa experiência? Portanto, neste sentido inadequado e metafórico é preciso falar que há uma causa final dos atos da vontade divina, que, assim como os atos da vontade humana são causados de modo final pela bondade da coisa querida, assim também os atos da vontade divina são causados pela bondade Dele mesmo, a qual como uma causa final atrai ou alicia Sua vontade, fazendo surgir o amor Dele por si mesmo e pelas criaturas61.
Mas não só metaforicamente Deus é considerado por Suárez como causa final. Ao tratar das ações divinas em seu outro aspecto, isto é, na medida em que elas saem para fora de sua essência e produzem efeitos fora Dele, ele afirma que Deus é verdadeira e propriamente causa final de todas as coisas. As coisas criadas têm um fim não no sentido de um termo para o qual naturalmente tendem segundo sua forma, mas no sentido de uma causa final, que provoca o movimento do agente. A causa final delas é a bondade divina62. Embora a bondade divina não seja propriamente uma causa final para Deus, ela é propriamente causa final da ação divina na medida em que ela sai para fora da essência divina e é propriamente causa final dos efeitos dela, pois Ele realmente visa sua própria bondade nesta ação ad extra63. Em Deus, não há propriamente uma causa final, no sentido em que não há nenhum bem que o alicie a agir ou no sentido em que Ele não é atraído a adquirir nada que já não possua; mas sua ação ad extra tem realmente uma causa final, no sentido em que ele realmente visa comunicar Sua bondade para as criaturas. É possível que Deus não tenha causa final, mas sua ação ad extra tenha, porque esta ação ad extra não está em Deus, mas já está na criatura64.
Se Suárez fala repetidamente neste trecho que a bondade divina é propriamente causa final da ação divina ad extra e dos efeitos dela, isto é, das criaturas, porque Deus visa comunicar esta bondade, é porque ele acredita que não podemos explicar suficientemente o ato de criação através da causalidade eficiente. A bondade divina de algum modo move a vontade divina a criar este mundo e move não tanto como uma causa eficiente, mas mais como um fim que atrai a vontade divina. Esta explicação é metafórica, pois não há verdadeira causalidade em Deus. E enquanto metáfora, não é menos legítimo falar de causa final em Deus do que falar de causa eficiente mental Nele.
Quanto às criaturas, podemos dizer sem metáfora que elas têm uma causa final, pois elas são o que são, elas têm tais formas e tais causalidades eficientes, em última instância, porque Deus verdadeiramente visa a um fim ao criá-las, a comunicação de Sua bondade para elas. Para Suárez, portanto, a existência de um mundo no qual os agentes naturais agem de modo ordenado e racional não seria suficientemente explicada pela presença de causas exemplares na mente divina, que seriam um tipo de causa eficiente mental dele, como afirma Stephan Schmid. Sem uma causa final última, não podemos explicar por que Deus dispôs o mundo deste modo e não de outro, por que as coisas têm estas formas e não outras e por que elas agem deste modo e não de outro. Assim, não é possível para ele eliminar a presença de uma causalidade final nas ações divinas ad extra e, portanto, também não é possível eliminar a presença da causalidade final nas ações dos agentes naturais, na medida em que as ações dos agentes naturais não são realmente distintas das ações divinas ad extra.
Esta presença universal da causa final atinge até mesmo entes incompletos (a matéria sem a forma, a forma sem a matéria, o acidente sem a substância etc.). Com efeito, ele afirma na Disputa XLVII que a matéria é do modo que é para poder sustentar a forma, a forma é do modo que é para poder dar atualidade à matéria e para poder formar o ente composto, o acidente para completar a substância e assim por diante. Todos os entes, até mesmo os incompletos, são do modo que são, porque tal modo de ser é conveniente para os fins para os quais existem. Portanto, sempre há uma causa final que explica porque eles são o que são65.
Concluindo: no que diz respeito ao papel da causal final, não se pode considerar Francisco Suárez um precursor do pensamento de Descartes. Em primeiro lugar, ele não reduz nas Disputas Metafísicas o conceito de causalidade à causalidade eficiente. Ele reconhece certa primazia à causa eficiente, a saber, que nela reconhecemos com mais facilidade o ‘influir ser’ que define o ‘ser causa’. Nela entendemos mais facilmente como o efeito ‘depende’ da causa para ser. Neste sentido, a causa eficiente serve de paradigma. Mas isto não significa que as outras causas não sejam reais. Pois cada ente ‘depende’ realmente da matéria, da forma e da causa final para ser aquilo que é. Somente o modo como o efeito depende de cada uma destas causas é distinto entre elas. Num certo sentido, há até mesmo uma superioridade da causa final sobre a causa eficiente, pois cada causa eficiente depende da causa final para ser o que é66. Em segundo lugar, ele não elimina a presença da causa final nas ações dos agentes naturais. De fato, para Suárez, reconhecemos o papel da causalidade final originalmente em nossas ações voluntárias e, de fato, para ele, um fim precisa ser conhecido para poder exercer uma causalidade. Mas isto não significa a ausência de uma causalidade final nos agentes naturais. As ações dos agentes naturais são também ações de uma causa eficiente primeira inteligente, que conhece o fim de cada ação deles e os dirige para este fim. Não haveria uma causalidade final nas ações dos agentes naturais, somente se não houvesse causalidade final nas ações divinas. Ora, em terceiro lugar, ele não elimina a causalidade final nas ações divinas. Deus fez o mundo deste modo e não de outro, em última instância, pelo desejo de comunicar ao mundo sua própria bondade. Embora qualquer tentativa de explicar as ações divinas, enquanto imanentes à essência divina, seja inadequada e metafórica, este desejo de comunicar sua bondade não pode ser explicado nem metaforicamente, se não levarmos em conta a bondade de Deus como um fim, que de um modo eminente (isto é, real, mas desconhecido por nós) alicia ou atrai a vontade divina a se comunicar. Não seria suficiente falar somente de causalidades eficientes, como a da vontade divina e a das causas exemplares, que também só de modo eminente podem estar presentes em Deus. Quanto aos efeitos exteriores destas ações, isto é, quanto às criaturas, deve-se dizer que só é possível explicar porque elas são o que são por causa de fins que as atraem e, em última instância, por causa da bondade divina, que as atrai como fim último. Não há, em Suárez, uma eliminação da causalidade final nem em Deus nem na ação dos agentes naturais.
Suárez não concordaria com Descartes, se este diz que as mudanças observadas na natureza podem, com exceção do ser humano, ser suficientemente explicadas através de causas eficientes e pelo movimento da matéria no espaço. Para ele, as mudanças observadas na natureza não podem ser suficientemente explicadas somente através da matéria e da causa eficiente, sendo necessária também a presença de formas, que explicam porque tais coisas mudam desta maneira e não de outra, e a presença de fins, em última instância, de um fim último, que explicam porque as coisas têm esta forma e não outra.
A diferença de Suárez com o pensamento de Descartes fica mais clara, se o compararmos com Espinosa, pensador que, segundo Stephen Schmid, eliminou a presença da causalidade final na natureza de modo ainda mais radical. Espinosa, com efeito, afirmou: ‘Todas as causas finais são criação do homem’, ‘A doutrina do fim inverte totalmente a natureza’, ‘as explicações por fim são explicações aparentes, que escondem a ignorância das verdadeiras causas ‘(asylum ignorantiae)67. Para Espinosa, segundo esta interpretação, a tese de que ‘todas as coisas naturais agem como o próprio homem, por causa de um fim’ seria um preconceito injustificado. Tal preconceito teria origem no fato de os seres humanos não conhecerem as verdadeiras causas das coisas ao virem ao mundo, mas conhecerem seus desejos (por exemplo, eu conheço meu desejo de comer um doce, mas não conheço as causas químicas, psicológicas etc. deste desejo). Assim, eles pensariam erroneamente que suas ações são derivadas destes desejos de fins e não derivadas das causas eficientes destes desejos. Posteriormente, projetariam tal modo de explicar suas ações para outros processos observados na natureza. Mas tentar explicar os fatos da natureza deste modo seria um grande equívoco, pois seria possível explicar os fenômenos observados na natureza através da causa eficiente, em última instância através de Deus concebido somente como causa eficiente de tudo. Além disso, a explicação através da causa final inverteria a ordem da natureza: o efeito é considerado causa; o que é posterior é considerado como anterior; o imperfeito é considerado como mais perfeito, na medida em que o efeito é considerado como mais perfeito que a causa, apesar de depender dela68. Por fim, a explicação pela causa final seria uma ilusão: quando não sabemos qual é a verdadeira causa eficiente de um fenômeno e não ficamos satisfeitos com esta ignorância, tentamos mascarar tal ignorância dizendo ‘tal fenômeno existe para tal fim’, o que seria uma explicação ilusória e não real do fenômeno69.
Suárez pensa exatamente o inverso: justamente porque a causalidade eficiente é mais facilmente conhecida por nós e a causalidade final é de compreensão mais difícil é que alguns pensadores foram levados a negar a causalidade final e a tentar explicar os fatos da natureza somente pela causa eficiente. Mas o fato de ser mais difícil de compreender não faz da causalidade final menos necessária para a explicação dos fenômenos naturais. Sob certo aspecto, ela é até mesmo a causa principal, pois a causalidade própria de cada causa eficiente depende da causa final70. Nossos desejos surgem evidentemente de determinadas causas eficientes em nós (conhecidas ou não), mas a presença de tais causas eficientes em nós não pode ser explicada suficientemente sem fins para os quais tendem tais causas eficientes. O desejo de comer um doce, por exemplo, surge porque o nível de glicose no sangue é baixo, mas não consigo explicar suficientemente porque isto ocorre sem dizer que isto serve para algo. Como vimos acima, o mesmo vale para a causalidade eficiente divina e para a causalidade eficiente dos agentes naturais. Não há explicação suficiente sem uma causa final. Assim, para Suárez, penso eu, afirmar que é possível explicar os fatos empíricos somente pela causa eficiente, isto, sim, é um asyllum ignorantiae, pois é afirmar que há uma explicação suficiente, quando não há.