Introdução
A luta pela efetivação dos direitos de igualdade e equidade tem reforçado a necessidade da verificação de estratégias de combate à desigualdade, que potenciem a inclusão dos estudantes com Necessidades Educativas Especiais (NEE) no Ensino Superior português (SANTOS, 2014). A atenção ao percurso dos estudantes é parte fundamental no processo de inclusão e este compõe-se do acesso, ingresso, permanência e saída, tendo em conta o caminho percorrido por cada um destes sujeitos, dos significados das experiências vivenciadas ao longo do percurso acadêmico (PORTES & CARVALHO, 2007), bem como dos suportes necessários para potenciar a igualdade de oportunidades dentro e fora das salas de aulas.
Ao revisitar a literatura científica nacional e internacional, torna-se perceptível a constatação de que os esforços em prol da educação inclusiva têm se centrado, maioritariamente, na educação básica. Algumas iniciativas são percebidas no Ensino Superior, porém são por vezes isoladas e insuficientes no sentido de proporcionar apoio (PACHECO & COSTAS, 2005). Inclusive é possível atentar para a escassez de estudos que, com rigor, apontem reflexões sobre a prática da inclusão no Ensino Superior, apontando potencialidades, desafios, necessidades e possibilidades, dificultando assim, dentre outros motivos, a formulação e a garantia de políticas educativas que contemplem ações e estratégias para a garantia da inclusão nas instituições de ensino (DUARTE ET. AL., 2013).
Neste entorno, Rodrigues (2004, p. 1) reitera que
o fato do acesso ao Ensino Superior estar cada vez mais possível para mais jovens, o fato da formação universitária ser cada vez mais essencial para obter uma formação profissional e emprego e ainda ao fato das instituições de ensino superior (IES) integrarem o ensino público, implica que atualmente se equacione o caráter inclusivo da universidade sobretudo para jovens com condições de deficiência.
Assim, urge a preocupação frente à esta realidade, visto que uma elevada parcela dos jovens com NEE acabam por desistir quando atingem este nível de escolarização. Esse fator deve-se muitas vezes aos ambientes acadêmicos pouco estimuladores ou excessivamente exigentes e excludentes (PACHECO & COSTAS, 2005) que refletem a falta de políticas educativas como apoio para a garantia da acessibilidade de materiais, espaços, currículos e atitudes.
Contudo, é possível constatar que as leis não são o fim por si só no que toca à temática da inclusão, mas as políticas educacionais possuem o ‘poder’ de apoiar legalmente os estudantes, determinando que as barreiras arquitetónicas e culturais não sejam realidade, que qualquer estudante tenha à sua disposição suportes quer sejam físicos, materiais ou pessoais e que haja incentivo à capacitação dos docentes (SANTOS, 2014).
A expansão da escolaridade obrigatória, os reflexos das diretrizes políticas mundiais em prol da educação inclusiva, a atenção às políticas educativas nacionais, a difusão da informação sobre as NEE, a maior dedicação à formação dos profissionais e professores, aumento da consciencialização dos desejos e possibilidades dos estudantes e das suas famílias, bem como a seguridade dos direitos humanos, têm proporcionado um maior e, pode-se dizer, melhor suporte às pessoas com NEE (GLAT & PLETSCH, 2010).
Numa perspetiva longitudinal e adentrando algumas pautas e diretrizes legais mundiais, é possível revisitar declarações como a dos Direitos Humanos, de Salamanca, de Jomtien, de Lisboa de maneira a informar, elucidar e assegurar os direitos e os pressupostos da inclusão como uma realidade cada vez mais assente na comunidade acadêmica e nas Instituições de Ensino Superior (IES), pois as políticas educativas são transversais e da responsabilidade de todos (SILVA, 2006). Sendo assim, a luta pela elaboração e garantia das diretrizes e suporte legal, também deve ser coletiva.
A inclusão tem representado um desafio desde o ensino primário até o Ensino Superior. No entanto, dados estatísticos provenientes da Direção-Geral de estatística da Educação e Ciência (DGEEC) e do Instituto Nacional de Estatística (INE), ambos órgãos de referência no contexto português, apontam que o número de estudantes com NEE a frequentar o Ensino Superior tem vindo a crescer nos últimos anos.
Tal como refere Barbosa (2002, p. 9-19)
ao propor a abertura de uma política educacional, como objeto do sistema de educação superior e com prioridade à ótica do acesso e da inclusão, cremos que possibilitará um ensino de qualidade para todos, com o fim de satisfazer demandas existentes de pessoas com necessidades especiais e os pertencentes a grupos culturais e socialmente diferentes.
Mesmo diante da realidade da necessidade de grandes mudanças e investimento, o aumento da frequência de estudantes com NEE a ingressar para o Ensino Superior pode ser considerado como um êxito para a educação inclusiva em Portugal. Este fenômeno está provavelmente e positivamente interligado à uma maior elucidação das informações relacionadas com as estruturas das IES, bem como à criação de projetos individuais de orientação para os estudantes (SANTELICES ET AL., 2020).
A expansão do Ensino Superior tem se refletido no aumento das possibilidades e de oportunidades para um maior número de estudantes, pois “é justo que as portas das IES sejam abertas a todos” (MAZZONI, TORRES & ANDRADE, 2001, P. 125). No entanto, o processo e as configurações de transição e de permanência ainda se apresentam deveras supressivas para alguns grupos, pois acesso facilitado não tem a ver com sucesso possibilitado.
A escassez de respaldo político voltado para o Ensino Superior ao nível nacional ainda tem dificultado o percurso acadêmico de estudantes com NEE. As políticas inclusivas possibilitam uma maior expectativa de ingresso ao Ensino Superior com a garantia das acessibilidades necessárias desde o momento da inscrição e da concretização das provas do Exame Nacional, até a garantia de um número de vagas para estes estudantes por meio do Contingente Especial de acesso. Contudo, estes respaldos parecem não preconizar os desafios que se seguem.
Atualmente, ao nível nacional, a política que assegura o ingresso no ES dos estudantes com NEE é o Contingente Especial de acesso. Esta medida, presente desde 2008, tem vindo a garantir um número de vagas para o acesso dos estudantes com NEE. O contingente especial é um apoio enquadrado no Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior e destina-se a futuros estudantes em/ou com condições pessoais especiais, como os candidatos oriundos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, militares em regime de contrato, emigrantes portugueses e familiares que com eles residam e candidatos com deficiência.
Como caracterização de deficiência, a Direção-Geral do Ensino Superior2 define,
aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas.
O contingente especial tem potenciado o ingresso de estudantes com NEE e desafiado as IES a “garantir o acesso, a permanência e a plena participação nas atividades de ensino, pesquisa e extensão desse grupo social” (PLETSCH & MELO, 2017, p. 1614). As condições de acesso para jovens com NEE no Ensino Superior, tem oportunizado uma maior autonomia, bem como o desenvolvimento social e profissional dos estudantes com NEE (SKURATOVSKAYA ET AL., 2019), a partir da reorganização, diversificação e flexibilização do Ensino Superior. Contudo, tal como tem vindo a ser reiterado, a garantia do acesso não preconiza a permanência e o sucesso acadêmico destes estudantes.
No que diz respeito a permanência dos estudantes com NEE nas IES portuguesas, atualmente não é verificado clareza quanto ao amparo legal. As decisões ficam a cargo dos regimentos de cada instituição, o que por um lado possibilita um maior nível de autonomia a estas, mas por outro, não resguarda os direitos dos estudantes com Necessidades Educativas Especiais. Estes ficam à mercê das políticas internas das IES, quando existentes (SANTOS, 2014; SANTOS ET AL., 2018).
Desta forma, com pouco ou nenhum aporte político para a permanência dos estudantes com NEE e para a garantia da qualidade da sua trajetória acadêmica, as IES têm criado, caso a caso, as suas próprias diretrizes sem um cariz obrigatório. As estratégias inclusivas não possuem caráter mandatário, suas definições são de natureza orientadora, já que cada IES tem autonomia política e didático-pedagógica para elaborar seus projetos de acordo com a sua realidade, consoante as suas possibilidades (SANTOS, 2014).
A presença de estudantes com NEE representa um avanço no que se refere à democratização do ensino, mas não garante a efetivação de uma política de inclusão (MOREIRA, MICHELS & COLOSSI, 2006). Os autores Llorente e Santos (2012, p. 16) referem que
as práticas de ampliação do acesso ao Ensino Superior tornam-se política de inclusão se houver preocupação e ações favoráveis que possibilitem a superação de barreiras à permanência e à participação nas decisões educacionais e políticas das universidades.
Para Ainscow (2016) a exigência de espaços inclusivos repercute na exigência do ensino para todos e na apropriação de formas de ensino que respondam às diferenças individuais e que, portanto, possam beneficiar a todos os estudantes, formando uma sociedade mais justa e possibilitando a concretização de atitudes não discriminatórias.
Envoltos neste panorama e diante das lacunas encontradas e das carências representadas pelas políticas educativas, acredita-se que refletir sobre os possíveis caminhos e alinhavar novas rotas seja uma necessidade presente perante o cenário e contexto português e entre tantos outros que poderão se assemelhar. Tal como revelam Rocha e Miranda (2009), é preciso ver o investimento no Ensino Superior inclusivo como benefício social e político e não como um simples serviço ou gasto suplementar. Desta forma, importa reforçar a premissa de que as políticas inclusivas são primordiais e necessárias não só para a garantia de acesso, mas como suporte fundamental para garantir a qualidade, autonomia e o direito de permanência e saída dos jovens com NEE.
Opções Metodológicas
Este estudo, de cariz qualitativo, debruça-se na prerrogativa da busca por descrições detalhadas de situações, pessoas e interações, averiguando o que faz sentido na realidade e como faz sentido para os sujeitos investigados (AMADO, 2017) visando proporcionar uma maior aproximação a um novo contexto, objetivando percepcionar a realidade de possibilidades e desafios inclusivos apoiados pelas políticas educativas, descritas por colaboradores de Instituições de Ensino Superior (IES) portuguesas, indagados por meio de um questionário online, possibilitando que, mesmo à distância, os participantes pudessem atribuir significado às suas vivências e que as suas experiências fossem entendidas nas suas próprias definições (MAY, 2001).
Procedimentos
A elaboração do questionário online - “Perspetivas de inclusão educativa” foi ancorada pela bibliografia científica, sendo composto por questões fechadas, abertas e escala de likert, centrando-se numa caracterização pessoal, profissional e sociodemográfica junto das principais prerrogativas sobre a inclusão, abarcadas empírica e teoricamente.
A razão para a elaboração desta nova ferramenta de recolha de dados deu-se pela verificação da falta de um instrumento que pudesse ser um meio favorável para a obtenção das informações pretendidas sobre a inclusão no Ensino Superior e que atentasse para as frequências das respostas e ‘justificativas’, a partir do sentido dado pelos participantes, às mesmas.
A ideia de um questionário online surgiu pelo desejo de promover a complementaridade em relação às técnicas de aprofundamento compreensivo (MINAYO & COSTA, 2018) e a necessidade de envolver um grande grupo de participantes, de regiões distintas do país, na qual a participação virtual seria mais acessível que a presencial e o instrumento online, neste caso, mais favorável que o questionário impresso.
A recolha de dados procedeu-se com a criação de uma base de dados com as informações fornecidas pelos sites do Ministério da Educação, da Direção-Geral do Ensino Superior e do Grupo de Trabalho para Apoio a Estudantes com Deficiência no Ensino Superior. De forma a serem contempladas as diferentes realidades de IES do país, a recolha de dados seguiu-se com o envio do link do questionário online, por e-mail a todos os contatos conseguidos, da apresentação do estudo, consentimento livre e esclarecido e termos éticos, assegurando o anonimato e a utilização dos dados para fins únicos da investigação. Importa ressaltar que as questões do questionário online estiveram sujeitas a uma validação externa.
Foram enviados e-mails com o link para o Inquérito online, para 168 IES, entre públicas, privadas e politécnicos, do continente e das ilhas de Portugal. Após a definição e extensão de três diferentes prazos, consideraram-se 85 respostas.
Técnicas de recolha e análise dos dados
A estrutura das questões do questionário online foi sistematizada com perguntas abertas, fechadas e escala de likert. No entanto, contemplando os objetivos do presente estudo, os dados provenientes das questões fechadas e a escala de likert do questionário online para caracterização do público-alvo, foram analisadas a partir de uma abordagem descritiva, com recursos do próprio google forms e auxílio do Excel.
O tratamento dos dados provenientes das perguntas abertas foi abarcado pela técnica de análise de conteúdo, com apoio do software de análise qualitativa webQDA. A análise de conteúdo permite cumprir com as exigências e o rigor metodológico de um trabalho científico, dando-lhe uma descoberta profundidade, que nem sempre se procede de forma facilitada (QUIVY & CAMPENHOUDT, 2017), viabilizando ao investigador a possibilidade da flexibilidade de modo a fazer inferências interpretativas com os dados expressos, mesmo a partir de uma técnica considerada metódica e exigente (AMADO, 2017).
Público-Alvo
Participaram deste estudo 85 colaboradores de IES, sendo 56 mulheres e 29 homens que exerciam diferentes funções em IES portuguesas. Importa ressaltar que não houve um controle sobre o número de participantes de cada IES ou a duplicação de participantes em determinada instituição, visto que elas não foram identificadas e o objetivo era uma percepção ampla e não individualizada.
Os critérios de inclusão para a participação foram definidos desde o momento do envio do questionário online. A delimitação foi que as IES deveriam ser portuguesas. De acordo com a realidade do questionário anónimo, não foram delimitados fatores de exclusão por idade, sexo, ou qualquer variável sociodemográfica dos participantes, sequer pela caracterização da instituição. Contudo, um questionário foi excluído, devido a duplicidade de preenchimento.
Tal como referido e de maneira a contemplar as diferentes realidades de IES do país, foram enviados e-mails com o link do questionário online, para 168 IES, entre públicas, privadas e politécnicos, do continente e das ilhas de Portugal.
Apresentação e discussão dos dados
Caracterização do contexto e dos participantes
De forma a averiguar algumas das experiências relacionadas às políticas educativas e a inclusão no Ensino Superior em Portugal, entre os itens analisados, provenientes dos dados do questionário online, serão descritas as principais percepções dos colaboradores de IES, de acordo com as suas diferentes vivências e contextos referentes à inclusão.
No âmbito dos resultados provenientes do questionário “Perspetivas de inclusão educativa” e de maneira a configurar uma caracterização do contexto e dos participantes, importa destacar que o grupo foi composto maioritariamente por mulheres, numa porcentagem de 66% (n=56) e 34% (n=29) dos participantes do sexo masculino. As idades eram compreendidas entre os 20 e os 79 anos, na qual 34% apresentavam idades entre 50-59 anos.
Os participantes constituíam um grupo de sujeitos heterogéneo quanto às funções que exerciam nas IES, a saber: Docentes (n=44), Responsáveis por Gabinetes de Apoio aos alunos (n=14), Diretores de IES (n=13), Diretores de Curso (n=10), Diretores de Departamentos (n=3), Psicóloga no Gabinete de Apoio ao Estudante (n=1).
Conforme os dados da Tabela 1, dentre os participantes, 75,3% eram colaboradores de IES públicas, os demais faziam parte do regime privado (23,5%) e de fundação (1,2%).
VARIÁVEIS | N= | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 29 | 34 |
Feminino | 56 | 66 |
Regime da IES | ||
Pública | 64 | 75,3 |
Privada | 20 | 23,5 |
Fundação | 1 | 1,2 |
TOTAL | 85 | 100 |
No que concerne às experiências dos sujeitos inquiridos, conforme os dados provenientes da Tabela 2, a maioria dos colaboradores das IES participantes possuía experiência no âmbito da inclusão (60%). No entanto, 61% não possuíam formação especializada e exerciam as suas funções, maioritariamente, há mais de 10 anos (56,5%).
VARIÁVEIS | FREQUÊNCIA ABSOLUTA N= | % |
---|---|---|
Há quantos anos exerce a função | ||
Menos de 1 ano | 3 | 3,5 |
de 1 a 5 anos | 18 | 21,2 |
de 5 a 10 anos | 16 | 18,8 |
Mais de 10 anos | 48 | 56,5 |
Possui Experiência no âmbito da Inclusão | ||
sim | 51 | 60 |
não | 34 | 40 |
Possui formação especializada | ||
sim | 24 | 28,2 |
não | 61 | 71,8 |
TOTAL | 85 | 100 |
Estes resultados vêm ao encontro da literatura científica, na qual alguns gestores referenciaram possuir pouco preparo pessoal no atendimento aos estudantes com NEE, exemplificando ainda que as instituições que representavam não dispunham de acessibilidades eficientes e compatíveis com as propostas e necessidades inclusivas preconizadas (PEREIRA ET AL., 2011).
Uma das possíveis causas apontadas prende-se com o fato de que o reflexo da falta de políticas de inclusão no Ensino Superior tem evidenciado diversas lacunas neste nível de ensino. A ausência de investimento e prerrogativas que incentivem iniciativas de formação e sensibilização, tem sido um desafio (SANTOS & FUMES, 2009). A necessidade da formação docente é percepcionada em diversos contextos de IES como um dos maiores obstáculos para a inclusão. Esta realidade apregoa uma preocupação concreta devido ao despreparo dos professores (PACHECO & COSTAS, 2005).
Neste intuito, Glat e Pletsch (2004) descrevem que os professores que possuem formação desenvolvem uma postura diferente em sala de aula. Eles vão construindo as suas práticas e a sua base de conhecimento focando no aluno que atendem e nas suas especificidades, diminuindo a ênfase na NEE do estudante, mas valorizando as suas potencialidades.
Políticas educativas e inclusão no Ensino Superior
A realidade atual do panorama inclusivo em Portugal tem reforçado as premissas quanto a equidade de oportunidade para estudantes com NEE. A articulação que prima pela garantia do direito à inclusão e a participação social tem sido um dos motes, não só no âmbito da escolaridade obrigatória, mas também, na transição e acesso ao Ensino Superior. Contudo, é perceptível que o simples acesso a uma IES não garante o sucesso, a inclusão e a permanência destes estudantes. É preciso refletir sobre as competências pessoais, sociais e educativas adquiridas por estes jovens, as acessibilidades e oportunidades providenciadas pelas IES, o suporte e motivação dedicado pelas famílias e o aporte das políticas educativas para a efetivação dos direitos destes sujeitos.
Neste contexto, os dados que aqui se seguem foram levantados a partir das vivências de colaboradores de IES ao nível nacional, pois acredita-se que estes acompanham de forma ativa as experiências dos estudantes, a realidade das suas necessidades, dos suportes e acessibilidades presentes nas instituições de ensino, a luta por mudanças, conjugação das verbas e da conscientização dos direitos e deveres em prol da inclusão, dentro e fora das salas de aula. Assim, a partir dos relatos analisados, torna-se possível conhecer uma pequena parcela deste contexto vasto e cheio de particularidades que é o universo da inclusão no Ensino Superior.
Quanto aos resultados da dimensão de análise “Perspetivas sobre as políticas para a inclusão” abordando as opiniões dos participantes por meio de três questões numa escala de likert de cinco valores, os resultados permitiram verificar que a partir da realidade de Portugal, os colaboradores das IES possuíam opiniões bem divididas quanto a percepção de ações de apoio e incentivo ao nível político em prol da Inclusão no Ensino Superior, sendo que, na totalidade, 37 participantes acreditavam nestas ações (35 acreditavam e 2 acreditavam muito), 40 não acreditavam (12 não acreditavam e 28 acreditavam pouco) e não discordavam nem concordavam com esta afirmação.
Os colaboradores de IES ainda revelaram que, em suma, acreditavam ou acreditavam muito (n=78) que o suporte das políticas educativas em prol da Inclusão no Ensino Superior era ou poderia ser importante para o seu país, além de acreditarem (n=42), bem como acreditarem muito (n=33) que as políticas educativas podem ou poderiam potenciar a Inclusão e a permanência de estudantes com NEE no Ensino Superior.
As respostas provenientes de uma questão aberta propiciaram uma reflexão mais aprofundada sobre as justificativas das políticas influenciarem, ou não, à inclusão e a permanência de estudantes com NEE em Portugal. Esta questão, com resposta de caráter não obrigatório, possibilitou a verificação de 68 unidades de texto (refs) que foram analisadas, codificadas e retratadas em duas categorias (cf Figura 1): (i) “potencialidades / expetativas de efetivação” que poderiam se refletir na garantia da efetivação do percurso acadêmico dos estudantes com NEE no Ensino Superior (60 refs) e (ii) “fragilidades” (8 refs), que muitas vezes poderão ser convertidas em desafios e impeditivos.
Os dados da Tabela 3 evidenciaram um total de 60 referências (refs) relacionadas com a categoria (i) “potencialidades / expetativas de efetivação das políticas educativas”, que foram ramificadas em 5 subcategorias de análise tais como: “potenciam a transição, inclusão e permanência” (23 refs), a “concretização dos direitos / equidade das pessoas com NEE” (26 refs), de entre outros benefícios revelados nas demais subcategorias.
CATEGORIA (i) Potencialidades / expetativas de efetivação das políticas educativas | REFS | ||
---|---|---|---|
subcategorias | Potenciam a transição, inclusão e permanência no ES | 23 | |
Potenciam a criação de políticas internas nas IES | 4 | ||
Potenciam a reestruturação da acessibilidade física/estrutural | 2 | ||
Potenciam a concretização dos direitos / equidade das pessoas com NEE | 26 | ||
Potenciam o investimento financeiro em prol da inclusão | 5 | ||
TOTAL | 60 |
De acordo com os relatos apontados pelos participantes, algumas descrições foram destacadas para elucidação e exemplificação sobre as subcategorias mais referenciadas:
A existência de políticas educativas nacionais dirigidas à inclusão de estudantes com NEE no Ensino Superior pode mobilizar as IES a encararem de outro modo as suas políticas e práticas influências as culturas. Isso já é notório com desenvolvimento de algumas iniciativas governamentais que influenciaram a criação de novos gabinetes de apoio a este grupo estudantil (I4);
promovem uma sociedade mais inclusiva e equitativa (I16);
as políticas educativas devem defender as especificidades dos diferentes públicos (I26);
se forem políticas promotoras de apoio às famílias e aos estudantes acredito que poderão ver ultrapassados alguns dos obstáculos que colocam estes estudantes em desvantagem, nomeadamente no quadro financeiro, por exemplo, transporte e mobilidade dos estudantes, acesso a software disponível na instituição e em casa, etc (I20);
Porque vão permitir que muitos jovens possam frequentar e acabar a sua formação nas IES em equidade (I35);
Porque "obrigam" que o Ensino Superior se organize no sentido de ter respostas para os estudantes com NEE (I17);
As políticas educativas devem promover a igualdade de oportunidades no acesso, permanência e sucesso no contexto académico independentemente do nível de ensino. Se durante a escolaridade obrigatória existem leis que obrigam ao apoio por parte das escolas porque é que quando os estudantes passam para o Ensino Superior essas leis não existem. É fundamental que se implementem políticas que verdadeiramente permitam a inclusão destes alunos no Ensino Superior(I3);
Havendo uma base política seria mais fácil transformar os acessos por ex. ou tomar outras medidas mais efetivas na integração de alunos com NEE (I37).
A categoria (ii) “fragilidades” (8 refs) apresentada na Tabela 4, permitiu a elucidação de alguns entraves das políticas educativas a partir dos resultados de duas subcategorias de análise, na qual os participantes observaram que “as leis por si só não bastam” (5 refs) e a percepção de “pouco desenvolvimento / falta de enquadramento legal e financiamento” (3 refs) das políticas educativas para a efetivação da inclusão no Ensino Superior em Portugal.
CATEGORIA (ii) FRAGILIDADES | REFS | |
---|---|---|
subcategorias | As leis por si só não bastam | 5 |
Pouco desenvolvimento / falta de enquadramento legal e financiamento | 3 | |
TOTAL | 8 |
Estas afirmações foram verificadas a partir das falas dos participantes, na qual são apresentadas a seguir:
Não se altera por políticas, mas sim por comportamentos (I66);
Mais do que as políticas educativas, as atitudes e a postura dos diversos profissionais é que vão fazendo a diferença (I51);
Porque o existir uma política nacional para a inclusão no Ensino Superior não garante que aquela se reflita quer na política quer na prática interna das instituições de ES. Talvez se fossem avaliadas quanto a este parâmetro o assunto fosse levado mais a sério (I42);
A adoção de medidas que favoreçam as condições necessárias ao prosseguimento dos estudos de alunos com NEE não deveria estar dependente de razões meramente financeiras (I36);
A falta de enquadramento legal, em alguns casos, não permite, por exemplo, propor adequações curriculares ou alteração nos planos de estudo (I7);
Sobretudo a nível dos apoios financeiros às IES, que, atualmente, são inexistentes para esta área (I43);
Acredito pouco pois ainda há poucos alunos com NEE no Ensino Superior e essas políticas estão pouco desenvolvidas (I79).
De acordo com Pereira et al. (2006, p. 713)
as IES precisam estar cientes da importância de expor às instâncias governamentais as limitações que enfrentam e de apontar encaminhamentos que devem ser tomados para que haja a garantia de acesso, ingresso e permanência destes estudantes, pois, contam com profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, que podem contribuir com ensino, pesquisa e extensão na área das necessidades educacionais especiais.
Ademais, a garantia da verificação das políticas educativas no Ensino Superior poderá influenciar e impactar a inclusão dos estudantes com NEE através dos seus contributos, de maneira a apoiar legalmente os estudantes com NEE (SANTOS, 2014), evidenciar o poder e o dever em atender as especificidades dos grupos menos favorecidos e colmatar eventuais desigualdades (PEREIRA, 2008), possibilitando a conjugação de medidas políticas e orçamentais para a promoção das condições necessárias para a inclusão nos estabelecimentos de ensino (AINSCOW, 2016), consolidar os princípios da dignidade e dos direitos humanos (UNESCO, 1998), garantir o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos dos jovens com NEE (SANTELICES, ET AL., 2020), compreender as necessidades educativas dos estudantes com NEE (MAZZONI, TORRES & ANDRADE, 2001) garantindo que as barreiras arquitetônicas e culturais sejam ultrapassadas (SANTOS, 2014) propugnando a eliminação dos obstáculos (BARBOSA, 2002).
Tal como reiterado pelos resultados da categoria (i) potencialidades/expetativas de efetivação das políticas educativas, seus contributos poderão ser verificados como uma maneira de promover a inclusão, prevenir o isolamento ou a segregação (ONU, 1989; ONU, 2006), estabelecer processos e metodologias inclusivas, criar condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar o Ensino Superior de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou desvantagens sociais prévias conforme a Lei de Bases do Sistema de ensino português - Lei nº 46/86, art. 12º, n.º 4, garantindo um número de vagas para o acesso de estudantes com NEE para o Ensino Superior, bem como fundamentando os direitos de igualdade e as responsabilidades das pessoas com deficiência (MAZZONI, TORRES & ANDRADE, 2001).
As fragilidades elencadas pelos colaboradores das IES poderão ser colmatadas com o rigor do trabalho, da reflexão e da compreensão do aporte e suporte político em Portugal. Assim, as políticas educativas poderão ser analisadas e inspecionadas para garantir a premissa da inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular, desde o nível básico até o Ensino Superior (UNESCO, 1994), atribuindo recursos e suporte financeiro - como bolsas de estudo - para a frequência de estudantes com NEE no Ensino Superior.
A partir das proposições das políticas educativas será possível incentivar o avanço dos estudos científicos sobre inclusão no Ensino Superior (PLETSCH & MELO, 2017), promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo de acordo com a Lei de Bases do Sistema de Ensino Português - Lei nº 46/86, art. 2º, n.º 1 e 2, fomentar o investimento das IES nas políticas internas e garantir a igualdade formal e a igualdade material, com equidade efetiva, real e concreta (PEREIRA, 2008).
A atenção aos constructos e às potencialidades das políticas educativas poderão dar espaço às utopias e deixarão de ser meras leis e passarão a ampliar as acessibilidades no Ensino Superior (PLETSCH & MELO, 2017), definindo estratégias inclusivas de natureza orientadora (SANTOS, 2014) incentivando a criação de gabinetes de apoio e a elaboração de ações de suporte aos estudantes com NEE, buscando garantir o acesso à educação, formação, emprego, cultura, lazer e a aprendizagem ao longo da vida segundo a Lei de Bases do Sistema de Ensino Português - Lei n.º 38/2004, bem como providenciando os recursos para que qualquer estudante tenha à sua disposição os suportes necessários, quer sejam físicos, materiais ou pessoais (SANTOS, 2014) para a sua trajetória pessoal e acadêmica.
Somente assim será possível garantir a igualdade de oportunidades no acesso à educação e incentivar a capacitação dos docentes (SANTOS, 2014) e da comunidade acadêmica (MAZZONI, TORRES & ANDRADE, 2001). E com a confirmação e apoio de um respaldo legal que assegure as condições inclusivas necessárias, será possível reafirmar o direito à educação de todos os indivíduos (UNESCO, 1990), garantir a qualidade da educação (AINSCOW, 2016), influenciar a reflexão, informação e a discussão sobre a inclusão no Ensino Superior, providenciar os investimentos financeiros necessários (PLETSCH & MELO, 2017) como verbas para apoiar as IES na contratação de intérpretes de língua gestual (MANENTE, RODRIGUES & PALAMIN, 2007) e o financiamento de programas de apoio aos pais nos estabelecimentos de ensino, com orçamentos específicos para estas iniciativas (CARNEY-HALL, 2008).
Debruçados neste contexto, nos inúmeros desafios, fragilidades, mas principalmente potencialidades referidas, Santelices, et al. (2020) reforçam que um aporte legal nacional é fundamental para aumentar e de facto garantir o acesso, a permanência e a saída dos estudantes com NEE no Ensino Superior, possibilitando a real e efetiva inclusão no Ensino Superior.
Considerações finais
Os marcos internacionais têm assinalado, auxiliado e refletido o percurso da averiguação dos direitos das pessoas com NEE e a efetivação da inclusão em todos os níveis de ensino. Os passos trilhados foram essenciais para que hoje fosse possível desfrutar da realidade da inclusão no Ensino Superior português.
No entanto, consoante a contextualização realizada, verificou-se que muitos são os desafios e expetativas quanto a efetivação de uma educação para todos. A partir das diferentes trajetórias e das singularidades das experiências vivenciadas pelos colaboradores de IES, foi possível conhecer um pouco sobre as suas percepções quantos as fragilidades e as potencialidades das políticas educativas, percepcionando inclusive, algumas justificativas para tal.
Os resultados apontaram as potencialidades e a necessidade da concretização do suporte político para a inclusão em Portugal, visto que este poderá assegurar alguns meios primordiais para garantir não só o acesso dos estudantes, mas a sua permanência nas IES. Assim, os resultados aqui apresentados reiteram que somente em conjuntura com o fortalecimento das políticas, o acesso, a inclusão e a permanência dos estudantes com NEE poderão estar salvaguardados, pois estes estudantes ainda encontram muitas adversidades e obstáculos na trajetória acadêmica, bem como os seus familiares e as IES que fazem parte do seu percurso.
A realidade atual do panorama inclusivo português tem procurado garantir o direito à equidade de oportunidade para estudantes com NEE. A articulação que prima pela garantia do direito à inclusão e a participação social tem sido um dos motes, não só no âmbito da escolaridade obrigatória, mas na transição e acesso ao Ensino Superior. Contudo, é perceptível que o simples acesso a uma IES não garante o sucesso e a inclusão destes estudantes. É preciso refletir sobre as competências pessoais, sociais e educativas adquiridas por estes jovens, as acessibilidades e oportunidades providenciadas pelas IES, o suporte e motivação dedicado pelas famílias e o incentivo das políticas educativas.
Desta forma, preconiza-se que o direcionamento e a garantia do respaldo legal influenciam a discussão e a prática inclusiva, entre a complexidade e a riqueza desta temática. E, após décadas das primeiras iniciativas inclusivas no ES em Portugal, importa revisitar os documentos institucionais, reforçar os discursos sobre as práticas inclusivas, investir na organização dos espaços e das necessidades nacionais em prol da inclusão, conhecendo as principais estratégias que estão sendo implementadas, além dos principais desafios e fragilidades.
Estes desafios ainda são frequentes na esfera nacional e centram-se, principalmente, na defasagem de um enquadramento legislativo, na falta de financiamento para as IES, na avaliação institucional e acreditação de cursos e de estratégias de ligação entre o ensino secundário e o ES. Portanto, de entre possibilidades, fragilidades e desafios, constata-se que as medidas legais são imperativas para a sustentação das ações e práticas educativas, para estabelecer processos e metodologias e, de sobremaneira, para ressalvar a importância da diversidade no Ensino Superior.