Introdução
Discorrer a respeito de certas concepções filosóficas na educação contemporânea enfatizando algumas relações com determinadas ideias e instituições educacionais é interrogar sobre uma problemática que, de maneira decisiva, delimita o espaço e o horizonte da Filosofia da Educação que precisa rearticular estratégias de acesso e de desconstrução do modelo de educação vigente, debitário de uma postura comprometida com uma associação de forças pouco igualitárias.
A educação na contemporaneidade foi capturada pela postura neoliberal incorrigível que dimensiona o mundo atual. Como esclarece Martha Nussbaum, não há uma dimensão correlata significativa entre a liberdade política e a educação quando associadas ao crescimento econômico (NUSSBAUM, 2015). Este desenvolvimento não coincide com a ideia de democracia - como nos mostra o exemplo da China -, e nem mesmo com a criação, em termos educacionais, de um raciocínio mais crítico por parte dos estudantes1. Para a filósofa norte-americana, modelos puros para a educação não são encontrados com facilidade nas democracias sólidas, já que o conceito de “democracia” se fundamenta no respeito à pessoa, enquanto o sistema de crescimento do mercado se baseia na estruturação própria de artifícios de desenvolvimentos internacionais, despreocupados - na sua esmagadora maioria - com relação a decisões políticas que prezam efetivamente pela dignidade humana.
No caso brasileiro, conforme Roberto Leher (LEHER, In.: JINKINGS, 2011), a escola pública passa por um contexto de ser “assimilada” pela iniciativa privada que, atualmente, define a agenda educacional do país com a chancela do Estado. A educação superior, por sua vez, não está a salvo desse desdobramento, já que conglomerados empresariais vêm se expandindo rapidamente por esse setor.
Na contramão dessa proposta, o objetivo primário deste artigo é propor uma revisão teórica trazendo à luz autores que, em diálogo, atestem a necessidade de legitimar a sala de aula como um espaço de transformação estrutural da ordem social vigente, deixando que reverbere a alternativa do conflito e do debate como meios de alteração das consciências e de produção de cidadania, como podemos encontrar de maneira privilegiada nas discussões instauradas por Mészáros.
István Mészáros (1930-2017) será a voz determinante que nos emprestará o aporte teórico necessário para este exame. Para o autor “as determinações fundamentais do sistema do capital são irreformáveis” (MÉSZÁROS, 2008, p. 27) e seus estudos trazem à reflexão outras categorias fundamentais de pensamento, tais como: alienação, trabalho alienado, mediações de primeira e segunda ordem, sistema sociometabólico do capital, crise estrutural do capital, trabalho, emancipação, igualdade substantiva, reciprocidade, entre outros, que serão importantes para a realização da pesquisa ora proposta.
Considerando o Brasil como objeto de análise, por mais que autores como Bruno Pucci (PUCCI, In.: BANNELL, 2017) e André Filordi de Carvalho (CARVALHO. In.: BANNELL, 2017) já tenham apontado para a complexidade de prognósticos negativos da realidade social e econômica nacional, verifica-se - pelo evidente cenário de mercantilização -, que a educação se tornou um negócio, com ação expressiva de grupos empresariais/investidores, também dedicado à profissionalização de jovens para fins determinados2. Até mesmo Adam Smith reconheceu que a captura da educação pelo capital trazia uma enorme desvantagem para o ato educativo em si. No interior desse questionamento, o Estado não possui a capacidade de integrar indivíduos em uma lógica de solidariedade e cidadania, visto que seu aparato administrativo tende a repetir as forças políticas já instituídas.
Lílian do Valle (VALLE, 2000) acrescenta que a educação - em um mundo de tantos conflitos como o atual - se posiciona entre a democracia e um projeto de cidadania, projeto esse forjado de modo a permitir a sociabilidade dos sujeitos em uma sociedade regulada em termos jurídicos e que garante (ainda que em termos) algumas prerrogativas, tais como a igualdade, a liberdade, a autonomia e o direito de participação. Por sociabilidade entende-se a própria interconexão das relações sociais. Delineia uma forma de ser que se orienta a partir do reconhecimento3 do indivíduo como detentor de possibilidades e direitos, tratando-se de uma construção historicamente muito bem formulada, cuja essência parece residir na capacidade de ser livre e igual, na medida em que se vive com os outros, condição da qual deriva uma percepção de si mesmo em relação aos demais: como identidade.
A cidadania é, desta feita, o mais completo sentido da escola. Se traduz no questionamento dos valores estabelecidos pela coletividade, considerando as instâncias de identidade que a sustenta, que concedeu seu caráter público e essencialmente político, em que a cidadania e a autonomia não podem prescindir da responsabilidade com o todo4.
Não obstante, para além da esfera do capital, é preciso tomar a educação como uma prática transformadora. Os processos sociais estão totalmente atrelados às estruturas de manutenção do capital, o que impele a necessidade de desarticular a dinâmica, típica do século XXI, de situar a educação como mercadoria. Na oposição da ordem preestabelecida, uma educação para além do capital objetiva reconsiderar uma educação efetivamente humana e não mercadológica, propondo estratégias de subversão à ordem vigente.
Problematização
Seguindo os passos de José Carlos Mariátegui e Antonio Gramsci, para o filósofo húngaro István Mészáros, como esclarecido em A educação para além do capital, o sentido da educação é a luta constante contra a alienação, uma vez que seu objetivo central é instaurar um quadro objetivo de rupturas e de mudanças sociais. Com esse conceito, para além do capital, Mészáros procura indicar as definições de uma base social que se autossustenta, desprovida de qualquer preocupação com a figura humana. Na obra supracitada, o autor aprofunda certos pontos que já constavam em escritos anteriores, a exemplo de sua tese de doutorado, A teoria da alienação em Marx, além de seu livro de maior fôlego, Para além do capital.
Suas indicações são pertinentes e iluminam recortes fundamentais de nossa época histórica, visto que sua sensibilidade perceptiva apreende a educação em termos humanos - e não meramente econômicos -, possibilitando inferir, em uma narrativa estendida da realidade, o sistema sociometabólico do capital em sua totalidade.
Mészáros oferece ferramentas interpretativas que possibilitam pensar para além do conjunto de mediações de segunda ordem em que o modelo capitalista se ancora. Por mediações de segunda ordem entende-se o conjunto de elementos humanamente estabelecidos que intermediam a relação entre o homem e a natureza, urdidas pelo trabalho (que por sua vez se constitui como mediação de primeira ordem, visto sua importância estrutural para a humanidade), porém, que a este se interpõe. Já o sistema sociometabólico do capital deve ser examinado enquanto uma categoria fundamental do pensamento de Mészáros, uma vez que aponta para uma dimensão de funcionamento dos modos de produção e reprodução do capital.
A fim de promover a modalidade do ato educativo que lhe convém propor, para Mészáros é fundamental resgatar a dimensão emancipatória própria da formação humana, em seu sentido libertador, produtor de humanidade, de pluralidade, na qual possa colocar ênfase no trabalho, não como uma estrutura própria do liberalismo, mas como um elemento de superação da alienação e rearticulação das condições sociais já estabelecidas. A alienação deve aqui ser entendida, a princípio, por meio da economia conceitual de Marx. A alienação é fruto do processo de produção que pertence a outro ser humano, em que o sujeito da ação já não se reconhece no produto. Não é oriunda do trabalho em si, mas derivada da expropriação de outro, sendo, consequentemente, uma característica histórica do processo de trabalho. Como afirmou Mészáros em A teoria da alienação em Marx: “se o homem é alienado, ele deve ser alienado com relação a alguma coisa, como resultado de certas causas - o jogo mútuo dos acontecimentos e circunstâncias em relação ao homem como sujeito dessa alienação - que se manifestam num contexto histórico” (MÉSZÁROS, 2016, p. 40). Por conseguinte, a alienação (aspecto a ser combatido pela educação) é um fenômeno dinâmico, que implica em alteração. Nas palavras de Caio Antunes: “a alienação deve ser entendida como tudo aquilo que historicamente obstaculiza a relação de mediação direta que se estabelece entre ser humano e natureza, como tudo aquilo que se interpõe nesta relação” (ANTUNES, 2012, p. 30).
Se a emancipação perfaz a estrutura própria da educação, e esta se traduz na possibilidade de equação da alienação5, logo, o ato formador é essencialmente libertação6; constitui-se na luta por um processo genuíno de subjetivação, derivado de uma complexa dialética entre a alienação e autonomia, sendo uma categoria que, com a ética, a política e o direito enervam ainda a Filosofia da Educação. Por liberdade depreende-se da obra de Mészáros algo que não é dado por natureza, não é um dom divino, bem como um fenômeno integrante à essência humana. Todavia, é uma dimensão proveniente da própria atividade humana, ampliada pelo próprio corpo de suas ações. A realização da liberdade se plasma nas atividades produtivas, colocadas aos homens por suas próprias necessidades naturais, que traduzem as condições necessárias de existência e desenvolvimento. Nessa esteira, Moacir Gadotti (GADOTTI, 2010) nos recorda que educar precisa significar, portanto, capacitar, potencializar o educando para que seja capaz de buscar respostas - o que coincide com a ideia de autonomia.
Nesse aspecto, contrapondo-se a Mészáros, temos Immanuel Kant e sua visão clássica de autonomia. O pensador alemão entende que a emancipação (regida pelo esclarecimento) traduz um processo de saída de uma condição para outra. Pensando de outro modo, o conceito de emancipação será compreendido na instância do saber e da crítica, conforme nos aponta o filósofo húngaro, bastando à educação a capacidade de transformar radicalmente a ordem social estabelecida. Diferente de Mészáros, a emancipação para Kant é resultado de um primado pedagógico inerente à ideia - individual - de maioridade, uma vez que o pensar por conta própria não ocorre por mera obra do acaso, mas é consequência de um processo formativo-educacional do ser humano (DALBOSCO, 2011).
Contudo, trilhando os passos de Mészáros, esse processo não é meramente subjetivo e precisa se pautar em uma radical negação da legitimação do Estado capitalista de linha democrática e suas respectivas instituições, inclusive a escola tradicional e seu projeto de conformação. A emancipação caminha conjuntamente à superação da autoalienação (ou estranhamento-de-si) do trabalho, visto que é produzida e reproduzida, dado que as teorias modernas da educação (sustentadas em Locke, Rousseau, Kant e Smith dentre outros) encobrem (Cf. CAMBI, 1999, Cap. IV).
A partir desta perspectiva de emancipação ou liberdade, cuja condição necessária reside em uma sociedade de indivíduos associados, que funcione em prol da coletividade, a educação pode ser compreendida como um elemento transformador da consciência humana, cuja função é a de enraizar o aluno (futuro trabalhador) no âmago do mundo como um sujeito político, crítico, apto a rearticular o espaço próprio de sua ação. Notabiliza-se o aspecto em que o educando aprende a não se deixar render à submissão, visto que a realidade do trabalho, pelo recorte liberal, passa a não mais ser entendida como norma.
Por considerar a educação libertadora e própria da ação humana, que Mészáros se constitui como um filósofo central na presente pesquisa, já que concebe com um contorno imperativo um ensino para além dos muros - sobretudo do capital, mas igualmente das escolas, dos escritórios/gabinetes, dos centros acadêmicos, isto é, que atravessa as instituições educacionais formais. O ato formativo que não vai à rua, ao espaço público, que não se disponibiliza ao mundo como tal, perde sua marca decisiva.
Como lembra Jacques Rancière, mas mantendo as devidas ressalvas, como apontado na nota 6 do presente artigo, em O mestre ignorante: “Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre esse saber, sobre essa capacidade em ato que todo ensino deve se fundar” (RANCIÈRE, 2013, p. 11). Acrescenta-se esse fato às urdiduras próprias implicadas nas teorias de rupturas que Mészáros se compromete, de que todos os indivíduos podem e devem contribuir e se engajar para uma sociedade mais plural e coletiva, em que exista ausculta atenta das vozes que historicamente ficaram silenciadas, que se pode perceber grande revigoramento da educação popular, sobretudo, em sua formação política7. É apenas em âmbito coletivo que a liberdade pessoal ganha força, abolindo até mesmo a ideia do “indivíduo médio” (MARX, 2007, p. 66).
A justificativa acima de Mészáros abre a interpretação de que todos os povos, nomeadamente aqueles esquecidos pela construção histórica “vencedora” (e bárbara, para lembrarmos de Walter Benjamin (BENJAMIN, 2012, p. 13)) devem ser reposicionados no tabuleiro do poder (e do jogo político), como forma não somente de repensar uma reestruturação do capital, mas de erigir condições reais de enfrentamento e segmentação dos mecanismos de metabolismo do capital. Trazer à cena histórica aqueles que o capital insiste em “asfixiar” e não lhe oferecer “memória” é interpelar a realidade e convocá-la à sua reescritura.
István Mészáros preconiza que a escola precisa ser aberta, de todos, pois é condição fundamental, porém não determinante, de superação dos limites manifestos pela realidade. Defende ainda que se deve reposicionar a importância da escolarização para os mais pobres, os olvidados dos processos históricos - construídos, vale salientar, por aqueles que afirmam a liberdade, mas que, todavia, gestam os sistemas de opressão8. A escola não é o suficiente para que muitos consigam angariar lugares com mais dignidade na sociedade. No entanto, é uma importante condição de abertura a fim de rearticular a teia remissiva em que os sentidos do todo social se entrecruzam.
Mészáros busca circunscrever uma proposta que institua a escola enquanto recurso redutor de estruturas opressivas e ideológicas que não são produzidas para uma educação efetivamente emancipatória, e apenas aprofundam as desigualdades e adensam o desequilíbrio social. O filósofo percebe que a educação para além do capital precisa ser uma instância de conscientização da própria condição social em que o sujeito se encontra. Isso coincide com a ruptura com as determinações neoliberais que atualmente regulam a qualidade da educação9. É por isso que o ato de educar nunca tem fim; deve ser contínuo, considerando seu objetivo de produzir a necessidade de reconstrução do tecido conceitual comum em que a vida se oferece. Isso, a partir de um horizonte plural, dialógico, solidário e superador de violências, que se efetiva em uma educação como prática real de liberdade, que transgrida os esteios reificadores do homem e da sociedade. Segundo Emir Sader:
(...) educação significa o processo de “interiorização” das condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como mercadoria, para induzi-los à sua aceitação passiva. Para ser outra coisa, para produzir insubordinação, rebeldia, precisa redescobrir suas relações com o trabalho e com o mundo do trabalho, com o qual compartilha, entre tantas coisas, a alienação (SADER. In: MÉSZÁROS, 2008, p. 17).
As instituições educacionais formais, como a escola e a universidade, são diretamente afetadas pela influência do capital, visto sua integração aos processos sociais. Menciona-se como exemplo ações do Ministério da Educação do Brasil que, desde 2006, pelo Plano de Desenvolvimento Nacional (PDE), foi ligado diretamente ao movimento “Compromisso Todos pela Educação”, iniciativa que se intitula como uma denominação da sociedade civil, porém que se traduz, efetivamente, pela articulação de interesses de grandes conglomerados empresariais, tais como Fundação Itaú Social, Instituto Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton Senna, Instituto Ethos, entre outros (LEHER; In. JINKINGS, 2011, p. 163). Tais entidades ocultam seu caráter corporativo por meio de “filantropia”, de responsabilidade social de empresas, mediante a ideologia do interesse público.
Pelo exposto, instituições educacionais e as determinações econômicas funcionam precisamente a partir dessa simbiose (a incorporação de demandas do capital no plano econômico e a educação de Estado), produzindo espectros de internalizações que legitimam um espaço social cuja individualidade tende a se caracterizar de modo alienante e perpetuador dos sistemas de privilégios econômicos e epistêmicos10.
Para Mészáros, o que se entende por internalização é o mecanismo no qual se processa certa adequação aos padrões de cultura, sendo instituída pela lógica dominante em que se perpetuam as categorias vigentes de opressão e alienação, “da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas ‘adequadas’ e as formas de conduta ‘certas’” (MÉSZÁROS, 2008, 44). Este é o fenômeno que, na ótica do autor, gera a atual crise da educação. A internalização assegura parâmetros que reproduzem o sistema do capital na medida em que conserva estruturas que deveriam ter sido relegadas ao esquecimento. E as instituições formais de educação têm um lugar central na delimitação dos processos de internalização.
Não obstante, as relações sociais que se efetivam por um plano de esvaziamento de sentido (e são, por isso, reificadas) não se eternizam automaticamente. Elas passam por esse artifício de internalização em que os sujeitos “assimilam” uma série de articulações sociais que lhes são externas. Aliás, segundo Mészáros em A teoria da alienação em Marx, a educação, a partir de sua captura pelo capital, possui duas funções decisivas, a saber: 1) produzir habilidades necessárias para a gestão da sociedade e economia gestada pelo próprio sistema em vigor, e 2) a elaboração de perspectivas determinantes de controle político. É nessa mesma linha de produção que Mészáros, partindo de Gramsci, enfatiza o cultivo em massa de “intelectuais”, engrenagens e operadores, em sua grande maioria, da estrutura patente, a princípio, na ordem política e, na atualidade, na dimensão econômica.
É importante notar que os processos reificadores do capital possuem uma dupla estrutura problemática, quais sejam: a) o desemprego estrutural crescente em escala mundial, bem como b) a destruição do meio ambiente a qualquer custo. Logo, a crise estrutural do capital aponta para um período histórico de destruição do trabalho regulamentado que é resultado de intensas lutas por direitos sociais nos séculos XIX e XX e sua substituição progressiva pelo empreendedorismo, trabalho voluntário, pelo “coach”, entre outros, isto é, modelos que intercambiam entre a superexploração do trabalho, bem como a autoexploração, caminhando juntas para uma profunda precarização das relações trabalhistas. E, por meio de tais características do trabalho, quer nos processos que garantem a humanização, bem como nos esquemas que estruturam seu progresso, a dimensão educativa não pode ser separada do trabalho, pois existe uma dimensão que é ontológica entre o trabalho e a educação.
Mediante esse contexto, os estudantes acabam por se submeter, ainda que inconscientemente, a uma repetição de instâncias gerais de controle de uma maneira inconfessável, reproduzindo a base determinante de perpetuação de um esquema ou concepção de mundo que lhes é próprio - ou, muitas vezes, quando tal esquema é derivado de “idiossincrasias”, estas são gestadas por mecanismos alienantes despercebidos. A própria tarefa da educação precisa ser, em primeiro plano, justamente conseguir superar as amarras sociais alienantes, cuidando para que esta não seja, de modo algum, uma proposta utópica e descolada da realidade.
A escola (e a universidade) não opera isoladamente ou de forma dominante os padrões dos sistemas globais de internalização, visto que a educação formal não é a instância primária de sustentação do capital. Enquanto uma instituição que operacionaliza a lógica do sistema, a escola é insuficiente para produzir sozinha uma alternativa de emancipação concreta ao indivíduo, até porque as sociedades somente existem por meio de sujeitos particulares que procurem satisfazer seus próprios interesses. Em “Alienação e a crise da educação”, capítulo constante em A teoria da alienação em Marx, afirma-se que toda sociedade necessita de seu respectivo sistema de educação, e que o êxito de tal sistema ocorre desde que suas forças sejam reproduzidas.
Nesse aspecto, é importante ressaltar que a escola reproduz em uma escala macro as potencialidades das tarefas produtivas do capital, perpetuando suas estruturas mais significativas de valores, de modo que os indivíduos se adequam, ainda que inconscientemente, a satisfazer seus objetivos específicos.
Por esse motivo a educação precisa voltar-se para a transformação dos pressupostos que sustentam de forma conservadora e econômica a sociedade, invalidando as instituições do Estado liberal e “democrático” - visto que, majoritariamente, suas bases são rearticulações tradicionais da própria lógica sistêmica do mercado. O termo “democrático”, nesse sentido, deve ser repensado, considerando-se o potencial de repetição e manutenção da estrutura global e sistêmica de opressão exercida pelo Estado liberal.
Tal entendimento distorce o metabolismo social em termos mais amplos. Este conceito, por sua vez, não pode ser apreendido com uma fórmula retórica de uso aleatório ou descolada das relações de poder em que se desenrolam a experiência vivida, porém, como um horizonte existencial determinante da vida humana, visto abarcar potencialidades que extrapolam a cena mercadológica. Destarte, considerar no interior dessa malha semântica, oriunda do metabolismo social, os “direitos dos homens” deve ser algo suspeito, uma vez que tais “direitos” meramente operacionalizam, no recorte fragmentário operado pelo capital, uma paisagem antecipadamente definida de alienação universal, invalidando-os naquilo que pretendem garantir. Consequentemente, não é senão uma justificativa para sustentar uma realidade de privilégios e hierarquias que não engendra condições reais de liberdade e igualdade, como caracterizado em Filosofia, ideologia e ciência social. Os direitos humanos não devem ser depreendidos como condições de sustentação de discursos que articulem a lógica pré-estabelecida, mas como estratégia de ruptura com o tecido da realidade vigente.
É nessa ótica que uma educação para além do capital não pode existir desarticulada dos direitos humanos, sendo estes a dimensão mais geral em que as categorias jurídicas podem ser alcançadas, pois, ainda que digam respeito à humanidade, aplicam-se diretamente sobre os indivíduos. A ideia em jogo é a de que os interesses coletivos devem suplantar os interesses individuais que eternizam as esferas de dominação estabelecidas. Os direitos humanos não podem ser examinados como um mero conceito retórico. A dimensão em si de um projeto coletivo, sobretudo enraizado no seio de uma educação emancipatória, que se propõe a “liberar as energias autorrealizadoras de todos os indivíduos” (MÉSZÁROS, 2008, p. 166), não pode deixar inalterada a estrutura da ordem social estabelecida.
As condições que se revelam como factíveis para tal “liberação” é a emancipação dos indivíduos dos arreios do capital - porém, como pessoas, formadas para estarem abertas a uma real preocupação com a figura dos outros, fato que no atual momento histórico não se constitui algo tão óbvio. O que está em cena é a libertação de sujeitos conscientes e não de pessoas que intentam posicionar-se em uma instância distinta dos demais.
Para tanto, dialogando com Marx, dever-se-ia objetivar a abolição da divisão social do trabalho, visto que esta não contribui para um projeto de formação humana voltado à autorrealização. Isso significa apontar para um aspecto negativo determinante oriundo da relação entre o ato formativo e a divisão social do trabalho. Refere-se a uma esfera simplificada e sem profundidade que a educação se sustenta, em um plano em que tal divisão torna praticamente ineficaz os processos laborais, diminuindo a necessidade de uma educação mais apropriada. Pode-se citar como exemplos desse caso os planos educacionais propostos por Locke e Smith (MÉSZÁROS, 2016, cap. X), quando afirmam que uma educação para as classes “baixas”, não precisa ser crítica e analítica, todavia muito mais voltada ao aspecto moral a fim de que se internalize os processos de reprodução sistêmica do capital.
Plasma-se, portanto, de maneira apolínea a razão pela qual a educação está em processo de declínio insuportável, cuja necessidade de reposicionamento em um âmbito crítico, de leitura histórica e orgânica do real, é premente. É apenas em âmbito coletivo que a liberdade pessoal ganha força, abolindo até mesmo a ideia do “indivíduo médio” (MARX, 2007, p. 66).
A questão é que, tanto na escola/universidade, em especial, orientada por uma “racionalidade liberal”, como apontam Pierre Dardot e Christian Laval, quanto na sociedade em geral, existe a reprodução da lógica conceitual dominante mediante suas pressões externas, que induzem perspectivas instituídas pela instância mercantil, concebendo consensos e conformidades. Isso ocorre de maneira que os sujeitos não compreendam criticamente a origem de tais diretrizes, operacionalizando indistintamente os procedimentos e interesses do capital. É por meio dessa leitura que Mészáros defende a “tarefa de romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência humana” (MÉSZÁROS, 2008, 45). Considera-se ainda que as soluções precisam ser essenciais e não meramente formais, quer no âmbito da retórica, quer nas meras mudanças levadas a cabo por “reformas estatais” - essas tão-só articulam os interesses sistêmicos do capital, não descolando, com efeito, das estruturas dominantes. Ora, todo indivíduo coopera para a constituição da realidade instituída, além de considerar que esses comportamentos podem ser capturados quer pela lógica de manutenção do sistema, quer pela perspectiva de sua modificação, ou ambas, simultaneamente.
Reformas específicas no terreno da educação não rompem com a lógica do capital; logo, esquadrinhar meios que promovam “fraturas” a fim de instalar reformas no sistema do mercado é uma contradição. Isso porque é indispensável que se reflita em algo para além dessa capilaridade, visto que se deve dilacerar a estrutura causal e sistêmica do liberalismo, usando-o na contramão de seus próprios projetos. “É por isso que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente” (MÉSZÁROS, 2008, 27).
A educação detém funções determinantes para a formulação de estratégias relevantes a fim de alterar as condições sistêmicas de reprodução, além de instalar a possibilidade emancipatória, que deve se sustentar como discursividade aberta à liberdade e pluralidade. Não obstante, é igualmente necessário que a sociedade, como um todo, mude, porquanto que, caso contrário, não haverá alteração na educação; por sua vez, se a educação não mudar, não ocorrerá, consequentemente, transformação na sociedade. Em suma, todas as particularidades do capital influenciam o âmbito da educação, e não necessariamente as instituições educacionais formais, já que todas as instituições (família, direito, igrejas, economia etc.) estão diretamente interconectadas na conjuntura dos processos sociais - entendendo por isso o que acima foi nomeado de “metabolismo social”.
É nessa perspectiva que Mészáros interpreta os sistemas de internalização que perpassam os indivíduos, uma vez que estes não estão descolados da práxis cotidiana. Por meio dessa dimensão emerge o sentido mais abrangente de educação no mundo liberal. Segundo o autor, a educação na formatação liberal é o processo de internalização dos mecanismos reprodutivos que são atribuídos aos sujeitos no interior de sua hierarquia social conjuntamente às estruturas que atestam suas expectativas sociais (trabalho, moradia, renda, perspectiva de futuro etc.) e instalam os lugares sociais relativos aos comportamentos morais a serem desempenhados. A internalização é, nas palavras de Mészáros, o modo em que os sujeitos são “induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignada) dos princípios reprodutivos orientadores dominantes na própria sociedade, adequados a sua posição na ordem social, e de acordo com as tarefas reprodutivas que lhes foram atribuídas” (MÉSZÁROS, 2008, p. 44).
Assim, Mészáros assevera, de forma crítica, que a subversão ao sistema deve ser estrutural e não de ordem formal. Isso significa dizer que se deve alterar as lógicas de internalização em todas as suas alternativas hegemônicas de poder e atuação. E na educação isso se traduz, para além da ruptura com tal referencial, na abertura à possibilidade de criar uma alternativa concreta de mudança, até porque “apenas a mais consciente das ações coletivas poderá livrá-los dessa grave e paralisante situação” (MÉSZÁROS, 2008, p. 45).
Chega-se, por conseguinte, a partir de tal perspectiva crítica da aprendizagem formal, a uma encruzilhada: a educação está a serviço da perpetuação, quer possua clareza disso ou não, da estrutura dominante alienante, ou ainda assim é somente ela que, pela emancipação, conjuntamente a uma grande determinação da vontade, poderá se distanciar, criticamente, das amarras do capital? O êxito para superar o mencionado sistema está precisamente no fato de os indivíduos se tornarem conscientes do processo de educação.
O que Mészáros propõe como modelo alternativo para uma educação humana - e que redefina a cidadania - está ligado às forças sociais conflitantes (pela luta de classes) que acentuam suas diferenças, articulam confrontos bem como interesses distintos, instituindo, portanto, uma educação que caminhe contrariamente aos projetos de internalização. Esse mecanismo acentua um processo histórico que não é traduzível em um movimento qualquer, mas em uma intervenção na própria multiplicidade do real em que ocorrem os aprofundamentos dos confrontos a fim de intensificar uma instância que cunha a contraconsciência (MÉSZÁROS, 2008, p. 56), conceito aqui interpretado como o processo que desvincula os esteios da estrutura dominante em torno de uma formação autônoma e solidária às outros por meio de uma leitura crítica do mundo. E esse fenômeno, como apontado acima, não é necessariamente originado somente pela escola, mas por um “processo coletivo inevitável” (MÉSZÁROS, 2008, p. 50), em que o capital não pode simplesmente expropriar, visto que pode ser de proporção elementar.
Até mesmo para o arcabouço do capital, não é real que se mantenha ativo em todas as suas dimensões de manutenção de interesses. Em sua racionalidade própria, que sempre institui o discurso do trabalho como equação inequívoca, a educação não pode pelas classes dominadas perpetuar o projeto alienante do capital, bem como, no seio dessa estrutura, repetir essa mesma lógica sistêmica. É imprescindível já não mais querer viver à maneira antiga, como classe subalterna.
À revelia dos processos de internalização típicos do capital, como indica Mészáros, acrescenta-se a singular contribuição de Pierre Dardot e Christian Laval emA nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, em que os autores, à luz de um diálogo instalado junto a Michel Foucault, tecem uma profunda crítica ao “resultado” do modelo de sociedade que é o nosso. O “sujeito produtivo”, essencialmente desubjetivado e desarticulado em seus índices de coletividade e genuína preocupação com a alteridade, fruto do sistema neoliberal, é a articulação de forças que não almejam senão o desempenho e o gozo de suas “felicidades” solipsistas orientadas por um modelo hedonista e inconsequente de consumo - o que vale aqui salientar a apreciação feita acima no sentido de um plano educacional empreendido por instituições privadas, isto é, certa “educação bancária”, como já apontava Paulo Freire. Segundo esses autores, desde o discurso científico de século XVIII, o que está na cena político-econômica é a desubjetivação dos indivíduos no sentido de um absoluto esvaziamento de plano reflexivo e ético, de modo que esteanimaltorne-se mais produtivo, se não ainda mais competitivo. A intensificação dos mecanismos neoliberais nesses processos empreende uma mecânica própria nas articulações do poder que imerge os homens em uma completa apatia e desconsideração pelo “humano” dos outros, urdindo sujeitos meramente “impessoais”, quando não reificados, dóceis e com corpos úteis ao mundo do trabalho. Assim, em certa sintonia com a lógica conceitual de Mészáros, Dardot e Laval acenam para a caracterização do “sujeito produtivo como a grande obra da sociedade industrial” (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 325), de maneira a se vigiar os indivíduos e maximizar o poder a fim de alcançar uma maior felicidade, despotencializando os modos próprios de se conectar os sujeitos em prol de uma real instância de superação das urdiduras opressivas do capital.
Na ocular de Mészáros, o que está em jogo para o filósofo húngaro é que, tanto o projeto de manutenção, quanto o de mudança de uma compreensão de mundo sedimentada é o domínio essencial relativo à necessidade de alterar, de modo contínuo e concreto, os processos de internalização que se fortaleceram no passado, oferecendo passagem a um procedimento formativo que se situe além do capital11. Este fenômeno é, por si só, inconcebível sem essa possibilidade radical e premente de se reposicionar o ato educativo - inclusive fora das instituições formais de ensino - na desarticulação das induções que visam o consenso. Assevera o pensador: “Pois através de uma mudança radical no modo de internalização agora opressivo, que sustenta a concepção dominante do mundo, o domínio do capital pode ser e será quebrado” (MÉSZÁROS, 2008, p. 53). Eis o fundamento estratégico da educação, o que situa em muitos casos, como acenado, para além dos limites da escola12.
Dessa maneira, não basta no atual momento histórico produzir projetos de negação ao sistema do capital. Deve-se pensar em planos efetivos de contrainternalização gerando, por fim, contraconsciências13. Mészáros acena para duas condições fundamentais em relação à revogação do sistema do capital, a saber: 1) uma profunda alteração qualitativa dos processos de reprodução da sociedade, de modo a buscar 2) uma mudança de consciência como resposta. A educação, consequentemente, possui uma tarefa imensa, já que deve articular propostas adequadas para sua reescrita e, por conseguinte, da história, à contrapelo da ordem vigente. Esse mecanismo de contraconsciência ganha seu lugar ao sol ao interpelar e convocar os sujeitos para buscar perpetuar outra base formativa, completamente diferente da atual, por meio de uma concepção de liberdade e de não exploração, transcendendo a instância autoalienadora do trabalho.
É nesse espaço que aparecem “a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana autorrealizadora” (MÉSZÁROS, 2008, p. 65). Isso significa: não é possível que exista educação sem trabalho e a simbiose que é própria a essa relação. Retomando um pressuposto já existente desde Paracelso, o filósofo húngaro concebe que não há uma possibilidade real de subverter a alienação do trabalho sem promover a universalização da educação - e, por conseguinte, do próprio trabalho, visto que os sujeitos estão dispostos historicamente no cerne dessas duas instâncias - ideias e materiais.
Como exposto em Filosofia, ideologia e ciência social, para a existência de condições factíveis para uma intervenção concreta das ideias nos processos históricos e materiais, é imperativo a intermediação de atores políticos em nível individual, assim como institucional, de modo a estarem em posição intermediária entre as duas dimensões caracterizadas, já que o homem é tanto Homo Faber quanto Homo Sapiens, como mostrado por Gramsci. É nesse sentido que a perspectiva de ir para além do capital engendra as condições favoráveis de se universalizar a educação e o trabalho de forma inseparável, rearticulando, assim, os processos históricos.
A alternativa concreta a essa forma de controlar a reprodução metabólica social só pode ser a automediação, na sua inseparabilidade do autocontrole e da autorrealização através da liberdade substantiva e da igualdade, numa ordem social reprodutiva conscienciosamente regulada pelos indivíduos associados. (...) Nenhum desses objetivos emancipatórios é concebível sem a intervenção mais ativa da educação, entendida na sua orientação concreta, no sentido de uma ordem social que vá para além dos limites do capital (MÉSZÁROS, 2008, p. 73).
Pelo exposto, haveria uma disjunção entre os sujeitos na ordem de uma educação emancipatória, visto que não haveria a distinção entre os que pensam e executam, sendo esta, uma proposta de educação coletiva e unitária. Pelo exposto, se constitui urgente a necessidade de se pensar um projeto de contraconsciência/contrainternalização a fim de ser implantado no seio da educação brasileira, sendo este o único recurso a fim de se diminuir as forças do capital e seu instrumental alienante.
Tomando as diretrizes apontadas ao longo deste trabalho, pressupõe-se, como prática formativa ativa os seguintes objetivos:
a) Promover uma revisão teórica trazendo à luz autores que, em diálogo, atestem a necessidade de legitimar a sala de aula como um espaço de transformação estrutural da ordem social vigente, deixando que reverbere a alternativa do conflito e do debate como meios de alteração das consciências e de produção de cidadania;
b) Analisar o panorama atual da educação no Brasil, que assenta seu alicerce em fundamentos que retroalimentam as perspectivas de dominação, procurando circunscrever em bases adequadas uma educação como prática real de liberdade, contribuindo de maneira crítica, a fim de oferecer uma contra-argumentação à proposta mercadológica corrente;
c) Interpretar as configurações consolidadas de internalização a favor do capital pela própria estrutura da educação formal, contra-argumentando contrariamente à indução conformista e generalizadora que capturou os processos formativos;
d) Examinar algumas estruturas de existência humana estabelecidas a partir de sua economia de “valores” buscando reposicionar o quadro alienante proveniente do trabalho e dos pressupostos de internalização no bojo da educação, desconstruindo a abstração moral que impera nas condições dominantes;
e) Investigar como a educação deve estabelecer prioridades e definir as reais necessidades para uma sociedade que está enraizada no capital, por meio de ações educativas que valorizem a liberdade, a igualdade e a autonomia, extrapolando as regras mercadológicas vigentes;
f) Valorizar os direitos humanos como norteadores de um projeto de educação libertador e promotor de igualdades, na contramão dos processos históricos que os instituam.
Conclusão
Para refletir sobre uma educação que se coloque para além do capital é crucial que se conjecture um novo campo de ação acerca do ato formador/transformador. É preciso que se amplie a dimensão quer das instituições educacionais formais, trazendo ao debate temas que ainda não são totalmente incluídos na construção de disciplinas escolares, que se transcenda o terreno da escola para a proximidade daqueles que precisam se potencializar a fim de obter consciência crítica acerca dos projetos do capital: os vulneráveis e oprimidos. É indispensável que se produza novos espaços formativos, que se legitime o conflito de ideias e não o silencie em prol do “progresso”. Assim, intenta esclarecer os interesses daqueles que são abarcados pela proposta ideológica do mundo do trabalho concebido pela dimensão do capital. De tal modo, para uma educação efetivamente emancipadora, é necessário que se legitime aqueles que projetam dimensões educativas que tenham rompido com o capital.
O presente artigo traz ainda em seu bojo o aprofundamento dos estudos relativos à contra-argumentação das propostas mercadológicas de internalização, contribuindo para a proposição de uma nova estrutura formativa que incentive a ação reflexiva junto de estruturas coletivas, para além da educação formal. Partindo da análise empreendida por Mészáros, tal ação formativa deve estar vinculada à experiência cotidiana vivida por grupos marginalizados e excluídos, e para além dos muros da escola, se desenrolando no lazer, no trabalho, nas igrejas, nas redes sociais etc. É necessário que se inclua às margens desses recortes de mundo, uma proposta emancipadora de consciências, a fim de que o educando possa entrar em sintonia com o recorte de mundo dos outros, em um plano efetivamente ético e cidadão. Nesse ínterim, não se deve ignorar culturas e diferenças sociais, de quaisquer tipos, marcadamente no que tange à etnia, o preconceito coletivo conectado à cor de pele, bem como a atitude e identidades de grupos. Nisto reside a profunda diferença com a emancipação kantiana, pois um real projeto libertador não “eleva” as pessoas de um nível para o outro, seguindo o “patamar” mais “esclarecido” das classes hegemônicas, porém rompendo com o processo histórico de internalização que está em curso de maneira a intentar desconstruir os consensos e as conformidades.